Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para a gravidade do crime organizado na América Latina, com menção à recente operação coordenada entre forças de segurança e justiça para o enfrentamento do problema, com ênfase na prisão de lideranças, nos métodos especiais de investigação e no confisco de bens ilícitos como modelo eficaz de combate.

Autor
Sergio Moro (UNIÃO - União Brasil/PR)
Nome completo: Sergio Fernando Moro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Fiscalização e Controle da Atividade Econômica, Segurança Pública:
  • Alerta para a gravidade do crime organizado na América Latina, com menção à recente operação coordenada entre forças de segurança e justiça para o enfrentamento do problema, com ênfase na prisão de lideranças, nos métodos especiais de investigação e no confisco de bens ilícitos como modelo eficaz de combate.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2025 - Página 39
Assuntos
Soberania, Defesa Nacional e Ordem Pública > Defesa do Estado e das Instituições Democráticas
Economia e Desenvolvimento > Fiscalização e Controle da Atividade Econômica
Soberania, Defesa Nacional e Ordem Pública > Defesa do Estado e das Instituições Democráticas > Segurança Pública
Indexação
  • PREOCUPAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, AMEAÇA, DEMOCRACIA, BEM ESTAR SOCIAL, POPULAÇÃO, AMERICA LATINA, INFILTRAÇÃO, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, MERCADO, ECONOMIA, DEFESA, OPERAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, POLICIA, MINISTERIO PUBLICO, JUDICIARIO, RECEITA FEDERAL, CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS (COAF), CONFISCO DE BENS, ORIGEM, ILICITUDE, OBJETIVO, PRISÃO, CHEFE, ORGANIZAÇÃO, REGISTRO, ISOLAMENTO, LIDERANÇA, PRESIDIO.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para discursar.) – Boa tarde a todos, boa tarde aos colegas Senadores e Senadoras, Presidente em exercício.

    Semana passada houve uma operação, uma grande operação da Polícia Federal, juntamente com o Gaeco de São Paulo, juntamente com a Polícia do Estado de São Paulo, três operações em conjunto, também envolvendo ali as polícias do Estado do Paraná, que deram uma ideia do tamanho do problema que nós precisamos enfrentar.

    A maior ameaça hoje, na América Latina, às democracias e ao bem-estar da população é representada pelo crime organizado, essas organizações criminosas, como o PCC, como o Comando Vermelho e outras que vêm crescendo, não só nesses últimos períodos, mas já há um bom tempo.

    E o nível de infiltração dessas organizações no mercado, no domínio econômico, é assustador. Nós precisamos ter, e aqui não tem nenhum problema em dizer isso, nós precisamos ter mais operações como a da semana passada, em que as forças policiais, o Ministério Público e a própria Justiça têm uma atuação conjunta, uma atuação coordenada, para fazer frente a esses desafios.

    Não existe nenhuma instituição, mesmo que de natureza ilícita ou criminosa, que seja invencível. Durante muito tempo, a Cosa Nostra, que é uma das principais organizações mafiosas da Itália, atuou sob o manto da impunidade. Praticamente não tinha investigações ou prisões em processos relevantes que afetavam os chefões do crime. Mas na década de 80, graças ao trabalho de magistrados dedicados, como Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, a Cosa Nostra perdeu a sua aura de invencibilidade. O famoso chamado Maxi Processo, em que o julgamento durou mais de um ano, mas finalizado por volta de meados da década de 80, mais de três centenas de mafiosos, e aqui incluindo grandes chefões da máfia, foram presos, condenados e sofreram as consequências.

    Da mesma forma, eram famosas, em Nova York, as cinco famílias mafiosas que controlavam o crime naquela cidade. Mas, a partir da década de 80, as forças policiais começaram a constituir forças-tarefas, principalmente o FBI, mas não somente o FBI, e com o tempo, foram colocando processos e acusações exitosas contra os principais chefes do crime organizado.

    O que é que funciona contra o crime organizado? Primeiro, é preciso identificar e buscar a condenação criminal dos chefões. Não adianta ficar na base da pirâmide, não adianta ficar com os intermediários; é preciso, sim, chegar aos chefes do crime organizado. E só se chega aos chefes do crime organizado através de métodos especiais de investigação.

    Antigamente tinha muito êxito a escuta telefônica. Hoje, praticamente, já é um método que é muito difícil de ser bem-sucedido, dados esses mecanismos de criptografia, mas operações infiltradas, acordos de colaboração premiada, rastreamento fiscal, rastreamento bancário, cooperação jurídica internacional são essenciais para ter processos exitosos contra os chefões do crime.

    Uma vez condenados e presos, eles têm que ser isolados. E para isso, o Brasil já dispõe de um instrumento eficaz, que são os presídios federais de segurança máxima. Os presídios federais de segurança máxima passaram na prova do teste de fogo. Têm, historicamente, infelizmente, duas fugas que ocorreram durante este Governo, mas trata-se de exceções em um histórico exitoso, no qual aqueles recolhidos aos presídios federais ficam isolados, ficam em celas individuais durante a maior parte do tempo – 22 horas –, com apenas duas horas fora da cela, de lazer. É um regime prisional duro, sim, mas um regime prisional necessário para esses chefões do crime organizado.

    Quando eu assumi o Ministério da Justiça, em 2019, um dos nossos primeiros atos foi transferir as lideranças do PCC de São Paulo, porque estavam lá, em presídios estaduais, aguardando uma possibilidade de fuga e ainda controlando o mundo do crime. Todos eles foram transferidos – mais de duas dezenas, numa verdadeira operação de guerra – aos presídios federais, e, quando pisaram o pé nos presídios federais, nós mudamos também o regime de visitação para impedir que eles tivessem contato com o mundo exterior que não fosse monitorado por policiais penitenciários federais. Ou seja: contato, apenas num parlatório, com vidro separando, falando por um telefone e com a conversa sendo controlada pelo policial penitenciário federal.

    Regime duro? Sim, mas vamos lembrar que um desses chefões do crime organizado, recolhido numa penitenciária federal, conseguiu, teve a habilidade... Antes de nós impormos esse regime mais drástico, teve a capacidade de ordenar a morte de três policiais penitenciários federais ou de pessoas ligadas às penitenciárias federais, numa espécie de retaliação contra aquilo que ele vinha sofrendo.

    Além da identificação e prisão dessas lideranças, precisamos do confisco, precisamos do perdimento do patrimônio dessas organizações criminosas, e, já temos, na legislação, vários instrumentos disponíveis para que isso seja realizado, sejam medidas cautelares patrimoniais, como bloqueio de ativos, sequestro de ativos, arresto de ativos...

    Mas eu destaco aqui, em especial: em 2019 aprovamos, na Lei Antidrogas, o chamado confisco alargado, que é um instituto trazido do direito comparado que permite... Uma vez identificado que um indivíduo confiscado tem vínculos com o crime organizado, que atuou e praticou crimes graves de tráfico de drogas ou relacionados – na Lei Antidrogas – ao crime organizado, essa legislação permite que todo o patrimônio dele que não seja compatível com seus rendimentos lícitos comprovados seja objeto de confisco. Ou seja: àqueles indivíduos que optaram por viver no mundo do crime para ter um estilo de vida criminoso, hoje existem instrumentos aptos para um confisco generalizado do seu patrimônio que não tenha comprovadamente alguma origem lícita. É um instituto de direito comparado: Reino Unido, Portugal, todos os países europeus adotam regras semelhantes.

    Também foi introduzido isso no Código Penal, no art. 91, por conta do projeto de lei anticrime, em que não conseguimos aprovar tudo o que queríamos, mas, sim, houve aprovação de pontos importantes, entre eles, também o confisco alargado no Código Penal, como um instrumento hábil para ampliação do confisco do patrimônio dessas organizações criminosas.

    Falta, sim, que os magistrados, que a Justiça utilizem mais largamente esse instituto, porque não adianta ele existir em potência na norma e não ser aplicado na prática.

    E o que ilustra o episódio da semana passada... Nós precisamos de cooperação. É inadmissível que polícia não fale com polícia. É claro que precisamos ter compartimentação de informações para preservar sigilo de operações antes que elas sejam realizadas. Mas esse trabalho integrado entre polícias, entre receitas, entre elas e o Ministério Público, entre eles todos e o Coaf, que é o nosso órgão de inteligência de prevenção à lavagem de dinheiro...

(Soa a campainha.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... essa comunicação é necessária. Se nós não nos organizarmos contra o crime organizado, se as nossas instituições não operarem juntas no enfrentamento do crime organizado, nós não seremos bem-sucedidos.

    E para isso nós poderíamos aqui evoluir numa prática importante, que, de certa maneira, sofreu um certo esfriamento nos últimos anos, da criação de forças-tarefas. São as forças-tarefas os modelos de investigação e persecução penal que efetivamente funcionam, em que você coloca lado a lado pessoas de instituições diferentes e com especialidades diferentes para somar conhecimento, para somar inteligência, para definir operações que sejam exitosas. Nós precisamos aprofundar esse tipo de prática.

    Quando Ministro da Justiça, nós criamos algumas experiências bem-sucedidas. A Base Nepom, em Guaíra...

(Soa a campainha.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – ... para vigiar o tráfico de drogas e o contrabando no Rio Guaíra, nós colocamos lá, trabalhando juntos, além de investimentos materiais, colocamos a Polícia Federal, a polícia militar, a polícia civil e o próprio Exército. E aquilo mudou. O controle daquele território, que até então era dominado por gangues de tráfico de drogas e contrabando... Havia praticamente uma feira livre de drogas e de contrabando naquela região. Isso foi coibido. Não que o problema tenha sido todo eliminado, mas ele foi controlado significativamente.

    Precisamos retomar esse tipo de experiência, assim como foi o Ciof (Centro Integrado de Operações de Fronteira) que criamos ali na região de Foz do Iguaçu, com o mesmo objetivo. Ou seja, há caminhos a serem percorridos, importantes, e as operações da semana passada ilustram que nós precisamos integrar...

(Interrupção do som.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Fora do microfone.) – ..nossas instituições contra o crime organizado.

(Soa a campainha.)

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – Não podemos aceitar falhar nessa missão, porque o preço em falhar no combate ao crime organizado vai ser insegurança generalizada e, inclusive, ameaças à nossa democracia.

    Muito obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2025 - Página 39