Discurso durante a 113ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamento sobre a competência criminal do STF para julgar os crimes atribuídos ao ex-Presidente Jair Bolsonaro e outros réus, com elogios ao voto proferido pelo Ministro Luiz Fux na referida ação penal. Defesa da redução das penas aplicadas pelo STF aos condenados pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023 sob a tese da participação de menor importância dos envolvidos em supostos crimes contra o Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Autor
Sergio Moro (UNIÃO - União Brasil/PR)
Nome completo: Sergio Fernando Moro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Atuação do Judiciário:
  • Questionamento sobre a competência criminal do STF para julgar os crimes atribuídos ao ex-Presidente Jair Bolsonaro e outros réus, com elogios ao voto proferido pelo Ministro Luiz Fux na referida ação penal. Defesa da redução das penas aplicadas pelo STF aos condenados pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023 sob a tese da participação de menor importância dos envolvidos em supostos crimes contra o Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2025 - Página 24
Assunto
Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, COMPETENCIA JURISDICIONAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA, JAIR BOLSONARO, TENTATIVA, GOLPE DE ESTADO, ELOGIO, VOTO, MINISTRO, LUIZ FUX, DEFESA, REDUÇÃO, PENA, PROPORCIONALIDADE, DOSIMETRIA, ANISTIA.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para discursar.) – Obrigado.

    Senadores, Senadoras, Presidente em exercício, Senador Eduardo Girão, a quem cumprimento, Senador Esperidião Amin, o julgamento no Supremo acaba atraindo a atenção de todos. E o Ministro Luiz Fux, a quem eu particularmente admiro como magistrado, hoje destacou em seu voto, ainda em andamento, aquilo que, a meu ver, é o pecado original de todo esse processo: a questão da competência do Supremo Tribunal Federal.

    Eu tenho dito, e com respeito ao Supremo Tribunal Federal, que foi um grande erro ele se atribuir essa competência para julgar esse processo e igualmente o dos manifestantes do 8 de janeiro, e a razão é muito simples.

    No caso em questão, o Bolsonaro é ex-Presidente, ele não é mais Presidente, então aquilo que atrai o foro por prerrogativa de função foi afastado. E vamos deixar claro que o Supremo Tribunal Federal tinha uma jurisprudência consubstanciada na Súmula 394.

    A Súmula 394 estendia o foro por prerrogativa de função para além do exercício do cargo. Dizia ela: "Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício".

    Ocorre que a Súmula 394 foi revogada, numa questão de ordem na Ação Penal 315, na época ainda do Ministro Moreira Alves. Isso foi em 1999, e o acórdão publicado em 2001. Desde então – vejam, nós estamos falando de 1999 –, o Supremo entendia que a competência por prerrogativa de foro, prerrogativa de função não mais se estendia àqueles que haviam encerrado o mandato ou haviam deixado o cargo que atraía a competência especial por prerrogativa de função.

    O Supremo, no entanto, no início deste ano, em março de 2025, num caso não relacionado, é verdade, a esse caso do Bolsonaro ou ao dos manifestantes do 8 de janeiro, entendeu por alterar esse entendimento. Mudou uma jurisprudência consolidada de mais de 20 anos, o que, no momento, ficou parecendo uma alteração de ocasião, ou seja: "Não temos competência para julgar e processar o ex-Presidente Jair Bolsonaro por conta da nossa jurisprudência, que vem desde 1999, mas vamos alterá-la agora", e isso possibilitou que fosse defendido agora, nessa ação penal em curso do Supremo, que eles tivessem essa competência.

    Não muda o fato, a posição do Alexandre Ramagem, Deputado Federal, no polo passivo da ação penal. Por quê? Porque, embora ele seja hoje Deputado Federal, os fatos que lhe são imputados, as ações que lhe são imputadas são anteriores ao exercício do mandato.

    Então, em qualquer perspectiva, não existe aqui uma competência originária do Supremo Tribunal Federal, seja para investigação, seja para o julgamento da ação penal. E aqui o Ministro Fux foi corajoso em apontar esta preliminar logo de início: "Não cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar esse caso". Isso eu já havia falado antes, diversos juristas falaram antes, o ex-Ministro Marco Aurélio Mello havia destacado esse fato da falta da competência do Supremo Tribunal Federal.

    E, quando se força argumentativamente, se muda uma jurisprudência de mais de 20 anos para trazer, para manter essa competência em relação ao ex-Presidente Jair Bolsonaro nessa ação penal, nessa investigação, é evidente que acaba gerando um mal-estar; acaba parecendo aí que houve uma forçação, vamos dizer assim, da argumentação, para que esse caso permanecesse no Supremo Tribunal Federal.

    E tem mais um motivo por que esse caso e também os manifestantes do 8 de janeiro não deveriam ter ficado naquela Corte: o Supremo Tribunal Federal se sente atacado. Ele foi, de fato, invadido por aqueles manifestantes. Então, é uma corte que se sente agredida e uma corte que se sente agredida não é o melhor foro para ter a serenidade necessária para julgar aqueles manifestantes ou mesmo agora o caso do ex-Presidente Bolsonaro e dos generais. É natural que, tendo sido a corte atacada, ela reaja de uma maneira a querer preservar a sua dignidade, a sua soberania, mas com um certo excesso em relação aos seus agressores. A meu ver, é esse fator que explica a exacerbação dessas penas impostas aos manifestantes de 17 anos, 18 anos, 14 anos, porque uma pintou de batom uma estátua, porque outro se sentou na cadeira de um dos Ministros.

    Eu não estou querendo dizer que esses atos foram corretos. Não, foram reprováveis, eles erraram e devem pagar pelos seus erros, mas não nessa desproporção absoluta que nós estamos vendo. Seria mais apropriado que esses casos fossem remetidos à primeira instância, como foi o caso do ex-Presidente Lula. Na vigência da jurisprudência consolidada de mais de 20 anos, desde 1999, Lula não exercia mais o mandato de Presidente. Por isso, foi julgado em primeira instância, e pôde recorrer à segunda instância, em que foi igualmente condenado, e pôde recorrer ainda à terceira instância, o STJ, em que foi igualmente condenado, até que veio essa reviravolta política e se encontraram ali nulidades – a meu ver, inexistentes – que levaram a, vamos dizer assim, uma mudança na situação do ex-Presidente, que foi colocado em liberdade e depois pôde, inclusive, concorrer à Presidência da República, sem que jamais tenha sido declarado, aliás, inocente.

    Então, o pecado original desse caso, no Supremo Tribunal Federal, diz respeito à competência, como foi muito bem colocado no voto de hoje do Ministro Luiz Fux. E não vejo como o Supremo pode justificar que uma jurisprudência de mais de 20 anos, de 25 anos, seja abruptamente alterada para justificar o processo de julgamento desse caso perante o Supremo Tribunal Federal.

    Faria bem ao próprio Supremo Tribunal Federal remeter esse caso à primeira instância. Assim mostraria: "Olha, não temos um interesse específico nessa causa. Nós temos um interesse específico na manutenção do direito", e o próprio Supremo Tribunal Federal teria ainda atribuição recursal, poderia julgar esse caso no futuro, num eventual recurso que lhe chegaria às mãos. Mas, não tem... não tinha, pelo menos, o Supremo Tribunal Federal competência para processar e julgar ex-Presidente da República desde 1999. E fica muito difícil a gente aceitar que, de repente, ele tenha recuperado essa competência neste ano para poder julgar o ex-Presidente Bolsonaro. Vamos esperar que esse voto seja o início de recolocação das coisas no lugar.

    Se o Supremo prosseguir no mérito e for avaliar esse mérito, eu vi no voto do Ministro Flávio Dino ontem – li comentários, porque não consegui assistir como um todo – a referência dele à possibilidade de reconhecer a participação de menor importância de alguns dos acusados, entre eles alguns militares que figuram ali no polo passivo. E eu diria o seguinte: se for para condená-los e, ao mesmo tempo, reconhecer a participação de menor importância, que então se estenda esse entendimento, seja na Turma, seja eventualmente ali no Plenário, numa revisão, para aqueles manifestantes do 8 de janeiro.

    É porque, se a gente for pensar, se prevalecer esta tese da acusação de que teria havido uma tentativa de golpe em 8 de janeiro, com a qual eu discordo, mas, se for prevalecer essa tese e se for para haver condenação dos generais, reconhecendo a participação de menor importância e, portanto, reduzindo a pena, como permite o nosso Código Penal, que esse benefício seja estendido então igualmente àqueles manifestantes. Se os Generais tiveram manifestação de menor importância, muito menor importância tiveram aqueles manifestantes do 8 de janeiro, que, na versão da tentativa de golpe, em relação à qual já mencionei que discordo, eles teriam sido no máximo ali uma massa de manobra, um peão de menor importância, muito inferior à de qualquer outro participante nesse esquema delitivo narrado pela Procuradoria-Geral da República.

    Então, que se aproveite esse julgamento, no Supremo Tribunal Federal, para fazer a correção necessária da dosimetria das penas dos manifestantes do 8 de janeiro, diminuindo a pena deles, quiçá unificando a dosimetria das penas da tentativa de golpe de Estado com a tentativa de abolição do Estado democrático de direito, porque é um crime só. Isso já restou demonstrado nos votos do Ministro Barroso, que foram vencidos no Plenário, no voto do Ministro André Mendonça, que foi vencido no Plenário, e igualmente imagino que seja também consubstanciado nesse voto do Ministro Fux, que ainda está em andamento.

    Que seja utilizada, então, essa oportunidade para, pelo menos, buscar uma correção dessa dosimetria em relação àquelas pessoas absolutamente simples e humildes que erraram, sim, no sentimento de turba, de multidão, mas que não merecem aí dois anos de preventiva, mais de dois anos de preventiva, e, igualmente, não merecem penas de 18, 17 ou 14 anos de prisão.

    Claro que podemos tentar corrigir tudo isso, Senador Girão, aqui, através da anistia, neste Congresso, mas seria muito melhor ao Supremo que aproveitasse essa oportunidade para ele mesmo fazer essa correção necessária pelo menos ali da dosimetria, porque não imagino que o Supremo esteja satisfeito com a imposição de penas tão elevadas a esses indivíduos.

    E esse julgamento é uma oportunidade de o Supremo demonstrar não vou dizer misericórdia, também misericórdia, mas, principalmente, demonstrar justiça, justiça para esses manifestantes e a aplicação da lei em relação a eles, com as devidas correções. Se forem para ser condenados, que sejam pelo menos a penas que sejam proporcionais à sua responsabilidade, que foi pequena nesses episódios.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2025 - Página 24