Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MENSAGEM 55/94, DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ACERCA DA POLITICA SALARIAL E DO REAJUSTE PREVISTO NO PLANO FHC II. SOLIDARIEDADE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ATUAL CRISE.

Autor
Ronan Tito (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: Ronan Tito de Almeida
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS. POLITICA SALARIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A MENSAGEM 55/94, DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ACERCA DA POLITICA SALARIAL E DO REAJUSTE PREVISTO NO PLANO FHC II. SOLIDARIEDADE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ATUAL CRISE.
Aparteantes
Cid Sabóia de Carvalho, Dirceu Carneiro, Eduardo Suplicy, Jarbas Passarinho, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DCN2 de 24/03/1994 - Página 1358
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • CRITICA, INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA, PODERES CONSTITUCIONAIS, MEDIDA PROVISORIA (MPV), IMPLANTAÇÃO, UNIDADE REAL DE VALOR (URV), RELAÇÃO, NORMAS, CONVERSÃO, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, EXECUTIVO, UTILIZAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, OFENSA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONGRESSO NACIONAL.
  • DEFESA, POSIÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), NECESSIDADE, RESPEITO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, REPRESENTANTE, INSTANCIA MAXIMA, JUSTIÇA.

      O SR. RONAN TITO (PMDB - MG. Como Líder. Para uma comunicação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nós, do PMDB, julgamos da maior importância esta comunicação. Teremos, agora, uma reunião no Ministério da Fazenda.

      Eu consultei o meu Líder, Senador Mauro Benevides, e, para que fique registrada a posição do Partido no Congresso Nacional, no que tange às atitudes tomadas pelo Poder Executivo, não só por Ministros mas também pelo Presidente da República, eu gostaria de ler apenas dois artigos da Mensagem Nº 55, enviada e assinada pelo Presidente Itamar Franco, que encaminha a medida provisória da transformação da URV.

      “47. A regra básica que se está propondo é a da conversão usando a média dos valores reais dos salários, que são definidos pelo efetivo recebimento nos últimos quatro meses, no objetivo de manter o poder de compra médio do salário do trabalhador. O poder de compra do salário é de fato aquele que o salário tem no momento em que é recebido e em que pode ser efetivamente gasto...”

   “48. A conversão dos salários para URV será efetiva, tanto para os trabalhadores com regime salarial ditado pela CLT quanto para os funcionários públicos...”

      Sr. Presidente, essa mensagem, além de ter sido encaminhada pelo Presidente Itamar Franco, é assinada pelos Ministros Fernando Henrique Cardoso, Walter Barelli, Almirante Arnaldo Leite Pereira, Ministro Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Maurício Corrêa, Sérgio Cutolo dos Santos, Romildo Canhim e Alexis Stepanenko.

      Sr. Presidente, diante da leitura desses dois tópicos, não resta a menor dúvida de que o óbvio tem que ser reconhecido. O Supremo Tribunal Federal está coberto de razão. Aliás, Sr. Presidente, nos regimes militares, os generais têm a última palavra, mas, na democracia, os Supremos a têm sempre.

      Nunca vi, na história das democracias, Presidente da República e Ministro questionarem e desautorizarem decisão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso me lembra aquela atitude de jogador de futebol: depois que o juiz apita a falta, o jogador vem com o dedo em riste questionando-o, como se aquilo pudesse modificar a sua atitude.

      Assim como, no futebol, a última palavra é a do juiz - somos um País de 150 milhões de técnicos -, na democracia, a última palavra cabe sempre ao Supremo Tribunal Federal. Aquela Corte falou pelos seus Ministros, e, numa simples leitura, neste momento, vamos verificar que, verdadeiramente, o direito está com o Supremo Tribunal Federal.

      E agora, Sr. Presidente e Srs. Senadores?

      Tenho a impressão de que alguns dos Srs. Senadores assistiram, no final de semana, ao programa Fantástico, na TV Globo, mostrando uma trama muito bem urdida para desacreditar ainda mais o Congresso Nacional. Dizia, inclusive, que um Congressista ganha o equivalente a 2.560 vitaminas batidas e vendidas por uma mulher em um quiosque. Será que seria o caso de suprimir o parlamentar e trazer uma mulher para cá, para bater 2.560 vitaminas?

      Seria isso? Será que chegamos a esse nível?

     Sr. Presidente, como vamos construir um Estado democrático, desmoralizando o Parlamento e desacreditando o Supremo Tribunal Federal? Com a palavra dos generais? Pelo amor de Deus!

     General Romildo Canhim - tão desenvolto nas suas falas -, a democracia brasileira não pode ser o Abel da Bíblia.

     O Sr. Dirceu Carneiro - Permite-me V. Exa um aparte?

     O SR. RONAN TITO - Ouço V. Exa, com prazer.

     O Sr. Dirceu Carneiro - Senador Ronan Tito, eu também queria registrar - e peço licença a V. Exa para fazê-lo no seu pronunciamento - este aspecto da medida provisória, para o qual V. Exa chamou a atenção. Ele me parece estar perfeitamente proposto para abranger esta situação do Legislativo e do Judiciário, porque o Executivo, até a gestão do ex-Ministro Mailson da Nóbrega, também executava os seus pagamentos no dia 20. Depois das decisões do ex-Ministro Mailson da Nóbrega, essa data passou para os primeiros dias do mês subseqüente. Portanto, o texto faz referência a que o poder de compra do salário é de fato aquele que o salário tem no momento em que é recebido, em que efetivamente pode ser gasto. Esse é o termo que vem apropriado, porque os Ministros sabem dessa situação, conhecem-na e, por conseguinte, fizeram um texto que a abrange. Nesse sentido, ele é perfeitamente aplicável. Como os Ministros o fizeram, não significa nada de aumento e está dentro do espírito da instalação da URV, por não causar perdas nem produzir ganhos. Está dentro do espírito dessa medida, pois o Governo se propõe a não oferecer ganhos nem produzir perdas. Daí por que não vejo nenhuma motivação, a não ser equivocada, para as manifestações que têm havido. Eram estas as considerações, eminente Senador, que eu gostaria de fazer.

     O SR. RONAN TITO - Agradeço a V. Exa o aparte, que vem esclarecer ainda mais esse ponto de vista, expendido muito bem e claramente nas razões de encaminhamento da Medida Provisória nº 434, que trata da conversão da URV.

     Senador, interessante é que estou vendo muitos heróicos fazendo denúncias e se postando ao lado dos militares: líderes, candidatos à Presidência da República. Todavia, não são capazes de denunciar os abusos do poder econômico, como, por exemplo, os vendedores de tecidos, os vendedores de produtos para consumo do trabalhador. Não o fazem porque, nesse momento, isso não interessa, é antipático, e pode não render dividendos para suas campanhas. Resolvem apoiar os generais. Que beleza!

     Será possível que padecemos aqui do complexo de sermos dirigidos por generais? Eu não padeço! Avalio que este é o momento de revermos, inclusive, a questão do Brasil na sua instituição de Ministérios. Por que quatro Ministérios militares? Agora é hora de determinarmos que seja um Ministério só.

     Não gostei, aliás, detestei as declarações do General Romildo Canhim. Pelo amor de Deus! Será possível que agora vão nos ensinar a interpretar o que S. Exa assinou? Tal nota está assinada tanto por ele como pelos Ministros da Fazenda, do Planejamento e da Previdência Social. E depois, ele vem dizer que todos estamos achacando os cofres? Como haveríamos de interpretar? Por favor, leia os itens 47 e 48 e veja se há alguma interpretação diferente da de V. Exa e da minha.

     O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - Permite-me V. Exa um aparte?

     O SR. RONAN TITO - Ouço V. Exa, com prazer.

     O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - Senador Ronan Tito, quero dizer que a leitura da justificação da medida provisória é clara. O item 47 diz, textualmente:

     “47. A regra básica que se está propondo é a da conversão usando a média dos valores reais dos salários que são definidos pelo efetivo recebimento nos últimos quatro meses, no objetivo de manter o poder de compra médio do salário do trabalhador. O poder de compra do salário é de fato aquele que o salário tem no momento em que é recebido e em que pode efetivamente ser gasto. Por isso, está-se definindo como base para a conversão dos salários de cruzeiros reais para a URV, a média aritmética dos valores dos salários na data dos quatro últimos pagamentos, convertidos cada um deles em URV pelo valor de conversão nesta data. Desta forma, fica assegurada a manutenção do poder de compra dos salários para todos.”

     As vírgulas aqui foram poupadas e muito.

     O SR. RONAN TITO - Peço a V. Exa agora que leia o início do Item 48, que quis estender esses benefícios não só para os trabalhadores da CLT mas também para os funcionários públicos.

     O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - O Item 48 diz:

     “A conversão dos salários para URV será efetiva tanto para os trabalhadores com regime salarial ditado pela CLT quanto para os funcionários públicos. A conversão para URV dos salários do funcionalismo contribuirá para a estabilização da folha de pagamentos e do poder de compra dos servidores, reduzindo, conseqüentemente, as oscilações nos recursos de caixa do Tesouro Nacional.”

     Verifica-se que, se a data do pagamento é uma e a conversão é outra, fatalmente o salário será achatado. O que me leva a descrer do Plano Fernando Henrique Cardoso - que eu gostaria de chamar de Plano Itamar Franco, porque deveria chamar-se Itamar Franco e não Fernando Henrique Cardoso, em face de a figura mais proeminente dever ter uma proeminência natural -, é o fato de que ele busca, mesmo com essa providência aqui, achatar os salários para depois atualizá-los. Com esse ponto falso de que se parte, jamais se chegará a um ponto verdadeiro. Mas dizer que o Supremo cometeu ilegalidades porque interpretou - e sua interpretação cabe na justificação -, isso é realmente gritante e ofensivo à estabilidade do Estado brasileiro.

     O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exa me concede um aparte?

 

     

 

     O SR. RONAN TITO - Agradeço o nobre Senador Cid Sabóia de Carvalho e ouço o nobre Senador Eduardo Suplicy.

     O Sr. Eduardo Suplicy - Assiste razão ao Senador Ronan Tito, quando S. Exa aponta que o próprio texto da mensagem dos Ministros explicita a interpretação do Supremo Tribunal Federal. Avalio, Senador Ronan Tito, que a melhor maneira de resolvermos este problema, bem como os impasses resultantes do que dispõe a Medida Provisória nº 434, seria por meio do empenho do Congresso Nacional em apreciar e discutir o projeto de conversão já relatado pelo Deputado Gonzaga Mota. Tendo S.Exa ouvido empresários, trabalhadores, o Governo, Deputados e Senadores, fez uma proposição. Essa proposição pode perfeitamente ser discutida. O Governo hoje tomou conhecimento da mesma - já conhecia muitos de seus aspectos -, terá tempo até amanhã para averiguar o que, na visão do Governo, inviabilizaria o plano. Também a questão da transformação do pagamento dos servidores dos Poderes poderia ser dirimida no projeto de conversão. Portanto, eu queria aqui ressaltar a importância de o Congresso Nacional realizar um esforço para que apreciemos, discutamos e votemos o projeto de lei de conversão da Medida Provisória n° 434.

     O SR. RONAN TITO - Não tenho dúvida, V. Exa tem toda a razão: podemos trabalhar com esse projeto de conversão. No entanto, o que se discute neste momento é a interpretação da letra da lei.

     O problema é que se usou dos meios de comunicação de massa para dizer que o Supremo e a Câmara dos Deputados estavam verdadeiramente assaltando o Tesouro, quando estavam tentando cumprir justamente a determinação do encaminhamento de uma medida provisória assinado por esses senhores, por esses Ministros. Nem é uma interpretação, é uma leitura literal dos fatos.

     Por outro lado, Senador, lastimo também que os pescadores de águas turvas neste momento vão jogar o seu anzol. O candidato do Partido de V. Exa Luiz Inácio Lula da Silva, não perdeu a oportunidade de jogar o seu anzol também.

     Então, fico pensando neste momento: que forças diabólicas temos agora? Estão juntando os militares de um lado, o Presidente da República, que deveria ser o guardião da Constituição, para quê? Para tentar desacreditar o Congresso Nacional, o Supremo. E os candidatos a Presidência da República vão aproveitar e vão jogar o seu anzol para pescar nas águas turvas? Como estamos prezando a nossa democracia? Será que é dessa forma que iremos construir um Estado democrático?

     O Sr. Jarbas Passarinho - V.Exa me permite um aparte?

     O SR. RONAN TITO - Ouço, com prazer, o nobre Senador Jarbas Passarinho.

     O Sr. Jarbas Passarinho - V. Exa há de compreender com que honra recebo a permissão de V. Exa para aparteá-lo. Ainda hoje pela manhã, na televisão, eu sustentava a necessidade de respeito ao Supremo Tribunal. Cheguei a dizer que nós no Congresso somos atacados, até por uma senhora muito virtuosa, comediante, de reputação ilibada ao longo de uma longa vida...

     O SR. RONAN TITO - Da qual ninguém duvida.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Ninguém duvida. Entretanto, temos a nossa defesa. O difícil para mim é entender que se possa agredir o Supremo Tribunal Federal da maneira como está sendo agredido. E V.Exa coloca bem quando diz que se joga praticamente a população contra este Poder. É um Poder desarmado. E quem fala que está defendendo o povo contra o Poder Judiciário, acho que está açulando massas.

     O SR. RONAN TITO - Claro.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Mas quando V.Exa fala, meu eminente Colega, em generais, arrepia-me um pouco aqui a espinha dorsal. O General Romildo Canhim é tão general quanto não é. Ele é um general da reserva e um ministro civil. Cansei de receber a restrição das esquerdas brasileiras, felizmente muito fracionadas - para minha alegria -, quando elas diziam: - “Coronel Ministro, Coronel Ministro”. Tinha de ser sempre coronel ministro. Não era o dentista ministro, engenheiro ministro. Tinha de ser coronel ministro, como se coronel fosse uma desonra. Para mim é uma imensa honra. Fui coronel duas vezes e por concurso: um concurso universal público e, depois, um concurso dentro do Exército. E não vi, meu nobre e querido colega, nenhum general que comanda os seus ministérios utilizar uma expressão de ofensa ao Supremo Tribunal Federal. Um Oficial General da Marinha que é uma bela figura de líder da sua classe disse apenas que tinha tido o direito de fazer um reparo critico, mas não uma ofensa. E ainda disse mais que não concordava absolutamente com aqueles manifestos do chamado “Grupo Guararapes”, cujo primeiro signatário é o General Euclides Figueiredo.

     O SR. RONAN TITO - Ele está na reserva?

     O Sr. Jarbas Passarinho - Há bastante tempo. Acontece que os Ministros, inclusive o Ministro da Marinha, declararam que não têm nenhum comprometimento - ao contrário, discordam delas - com as colocações desse manifesto. Tenho convicção de que as palavras que ouvi do Ministro do Exército, que foi cadete no meu tempo de tenente na Academia Militar de Agulhas Negras, permanecem as mesmas: toda a solução deve passar pelo texto constitucional. Então, esse golpismo de que se fala está mais “nos pescadores de água turva”, a que V. Exa se refere - uma expressão que vem do tempo de Getúlio Vargas: “os leguleios e os pescadores de águas turvas”. O que li e me chocou, foi que o Ministro Mário Flores teria feito declarações contundentes dizendo que a afirmativa do Ministro do Supremo era mentirosa, já sei que ele nega a expressão. Mas também há um oficial da reserva num ministério civil. Se estivéssemos sob a tutela de oficiais generais, seriam os oficiais generais que têm comando de tropa, seriam os oficiais generais os Ministros das três Forças. Gostaria de fazer não um reparo, mas pedir a V. Exa que não confunda todos os generais.

     O SR. RONAN TITO - Não confundo, não.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Há generais e generais.

     O SR. RONAN TITO - Nem os coronéis eu confundo.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Obrigado. Ainda hoje li uma bela declaração de humildade do Deputado Liberato Caboclo, que me fez algumas críticas. Eu tinha, ao fazer uma palestra no Rio de Janeiro, como a minha pronúncia não está muito boa, talvez em função da faixa etária, falado com pressa. E falando às pressas, afirmei que era uma expressão de Goethe por mim reproduzida: “Entre a injustiça e a ordem, prefiro a ordem”. Mas, como falei depressa, pareceu que eu havia falado “entre a justiça e a ordem”, quando eu falara “entre a injustiça e a ordem”. De modo que o Deputado estranhou, e com razão, porque entre a justiça e a ordem não posso ser contra a justiça. Mas o que disse foi “entre a injustiça e a ordem”, que foi uma frase que Goethe usou no Le Siège de Vaillance, quando fez o acompanhamento do Arquiduque de Weimar, de quem era um grande admirador, na invasão da França. Depois disso é Napoleão. O Deputado pensou que eu havia erradamente citado o Fausto, porque os coronéis têm essa desvantagem: quando citam alguma coisa, são sempre postos em dúvida, porque coronéis. E, aí, mostrei a S. Exa qual era a origem, e S. Exa aceitou, proferindo um belo discurso que chamou de retratação. Há um momento em que S. Exa diz que fazia aquele discurso com muita alegria até porque não via mais no Cel. Jarbas Passarinho o Ministro de 1970. Ainda temos que conversar sobre isso. Todavia, o ponto fundamental para mim é que V. Exa relatou o que citara o nobre Senador pelo Ceará, Cid Sabóia de Carvalho: dois itens da Exposição de Motivos da Mensagem.

     O SR. RONAN TITO - Sim, e fiz questão de lhe dizer.

     O Sr. Jarbas Passarinho - V. Exa bem o disse. Como eu ainda hoje dizia, trata-se de uma crise fabricada por produtores de palavras. O que acontece aqui, quando se sai da Exposição de Motivos e se chega ao próprio texto da Medida Provisória? Peço a atenção dos meus ilustres Colegas, inclusive daquele que aparteou V. Exa, para o art. 21, que diz:

     “Art. 21. Os valores das tabelas de vencimentos, soldos e salários e das tabelas de funções de confiança e gratificadas dos servidores civis e militares serão convertidos em URV em 1° de março de 1994:

     I - dividindo-se o valor nominal, vigente em cada um dos quatro meses imediatamente anteriores à conversão, pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV do último dia do mês de competência, de acordo com Anexo I desta Medida Provisória(...)”

     Há uma colisão, no meu entender, entre o que foi escrito na Exposição de Motivos - na qual me baseei, ainda hoje, na televisão - e o texto da Medida Provisória, que não condiz com o primeiro. O que me surpreende, com toda a admiração que tenho pelo Ministro Fernando Henrique Cardoso, é por que não houve diálogo. Tantas explicações o Ministro deu de maneira até exaustiva a tanta gente, e não se faz um diálogo com o Supremo, não se faz um diálogo com este Congresso, para que a população seja levada à impressão de que estamos exorbitando, somos cada vez mais desejosos de recursos pecuniários na nossa mão, em detrimento, inclusive, do altruísmo que devíamos ter. É nisso que entendo ser a colocação de V. Exa, à exceção da referência generalizada aos generais, muito oportuna. Desculpe-me V. Exa, se me alonguei.

     O SR. RONAN TITO - Tenho certeza de que V. Exa nunca se ofendeu quando foi chamado de Ministro Coronel, creio que até se orgulha.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Ofender-me-ia se me chamassem de Coronel Ministro, mas de Ministro Coronel, não.

     O SR. RONAN TITO - Porque V. Exa conquistou isso com seu saber, com sua luta, com seus cursos.

     Nobre Senador, o momento é crítico. Não podemos estudar uma emenda provisória desassociada da mensagem que a acompanha. Em qualquer estudo de hermenêutica sobre o artigo que estejamos analisando, teremos que ler justamente a mensagem que encaminha. Ora, não existe estudo de hermenêutica mais profundo e mais sério do que o daqueles que encaminham a própria mensagem. O estudo não é meu. Estou apenas fazendo uma leitura daqueles que encaminharam: os Ministros signatários da medida provisória.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Nobre Senador, posso ter até ferido certas ligações de afeto e amizade quando ontem afirmei não estar entendendo que o Ministro Mário Flores e o General Romildo Canhim possam interpretar a Constituição melhor que o Ministro Octávio Galotti, do Supremo Tribunal Federal, o que dará ao Ministro Galotti o direito de ensinar artilharia naval e ordem unida no quartel.

     O SR. RONAN TITO - Nobre Senador Jarbas Passarinho, veja o imbróglio que se fabricou neste final de semana. Afirmei até que tivemos uma Batalha de Itararé.

     Primeiro, a Câmara dos Deputados votou a questão do reajuste salarial. Tínhamos quorum até aquele momento, numa dada hora, alguns Senadores se redraram e o Senador Esperidião Amin solicitou verificação de quorum. Para quê? Todos sabíamos. Nós que fraqüentamos esta Casa e também os jornalistas que a freqüen

     tatu tínhamos a obrigação de saber que quando foi pedida a verificação de quorum era para não aprovar. No entanto, fez-se uma Batalha de Itararé neste final de semana.

     O programa Fantástico, da Rede Globo, é um primor de obra para solapar as instituições democráticas. Um exemplo foi o noticiário intitulado "A reunião do Presidente Itamar Franco com os Ministros Militares dures até meia-noite".

     Ora, Senador Jarbas Passarinho, é possível que eu não tenha sido feliz na utilização das nomenclaturas dos Ministros - Ministro General, General Ministro -, mas houve uma exploração enorme por parte não só da imprensa, mas também do nosso Presidente da República. Primeiro, Sua Excelência convoca aquela reunião duradoura para, depois, por meio de declarações, desacreditar o Supremo Tribunal Federal.

     Fico imaginando, Senador Jarbas Passarinho, o que sucederia a um Presidente da República dos Estados Unidos da América do Norte que tentasse desautorizar o Presidente da Suprema Corte. Sinceramente, não sei.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Senador Ronan Tito, V. Ex& se lembra do episódio do Governo Costa e Silva com o Supremo?

     01 SR. RONAN TITO - Lembro-me bem.

     0, Sr. Jarbas Passarinho - Quando o Presidente Costa e Silva, revolucionário, fez uma referência crítica - e uma crítica suave, não foi nenhuma coisa ofensiva -, o Ministro Ribeiro da costa...

     O SR. RONAN TITO - Meu conterrâneo.

     O Sr. Jarbas Passarinho- V. Ex* se lembra?

     O SR. RONAN TITO - Lembro-me bem.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Melhor ainda. O que ele disse? "Japona, que é o abrigo dos militares, não é toga E se insistir, entrego as chaves."

     O SR. RONAN TITO - Perfeito. Declarou isso repetindo uma frase do Moura Andrade.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Queremos chegar a isso? É justo que se faça dessa redação, que, afinal, foi a origem de tudo isso, uma crise institucional que nós, na nossa vida, não vimos igual?

     O SR. RONAN TITO - V. Ex& tem razão, Ministro.

     Pergunto ao nobre Senador José Richa se S. Ex" deseja fazer uso do aparte, porque eu gostaria de ouvi-lo.

     O Sr. José Richa - Eu apenas queria aproveitar o aparte a V. Ex' para responder a uma indagação do Senador Jarbas Passarinho. Primeiro, gostaria de dizer que concordo com tudo o que S. Ex* afirmou, menos com a sua surpresa de que o Ministro Fernando Henrique Cardoso, tendo negociado à exaustão, democraticamente o plano com a sociedade, com todos os segmentos, não tenha, neste caso do Supremo, agido através do diálogo. Ocorre que S. Ex' não se encontrava no Brasil naquele momento, estava nos Estados Unidos, negociando a divida externa. Quando chegou, o fato já estava consumado. A situação é delicada. Poderia S. Ex*, nessa hora, dialogar com o Supremo, quando o impasse já estava criado e o Presidente colidindo diretamente com iode o Judiciário? Creio que é por aí. A minha intenção era apenas fazer um registro na defesa do Ministro Fernando Henrique Cardoso.

     O SR. RONAN TITO - Senador José Rícha, também devo dizer a V. Ex*, por um dever de lealdade, que, depois que o nobre Ministro, nosso Colega, amigo, irmão, Fernando Henrique Cardoso, chegou e tomou conhecimento da situação, a declaração de S. Exª, não foi das mais felizes.

     O Sr. Jarbas Passarinho - V. Ex' me permite um aparte?

     O SR. RONAN TITO - Por tabela, perfeito.

     O Sr. Jarbas Passarinho - Não pedi a palavra por ter sido citado nominalmente, se não é pior ainda. Quero dizer, em primei

 

     

 

     ro lugar, que a minha admiração pelo . Ministro Fernando Henrique Cardoso é tão grande que me cria problema no meu Partido. Ao lado disso, saliento que, para um homem voltado para o diálogo como S. Ex' é - creio que voltou p.nte., :á um problema cronológico que tínhamos de conferir cota o meu querido amigo, Senador José Richa -, que foi discutir com banqueiros e com categorias não econômicas, que discutiu em toda parte, faltou, na hora em que os tecnocratas estavam preparando essas redações, contato com os dois outros Poderes. Porque está na Constituição que, até o vigésimo dia do mês da competência tem que ser creditado aquele valor. Por quê? Talvez porque presidentes da República de outrora tenham escondido esse dinheiro, negaceado fazer o crédito, como forma de punir, porque o Executivo é que tem o dinheiro e o armamento. Por isso, colocou-se na Constituição que ao Legislativo e ao Judiciário passa-se o crédito no vigésimo dia do mês em curso. Ora, deixar de pagar no vigésimo dia era deixar o dinheiro em que' tipo de atuação? Para mim. o problema aconteceu no próprio grupo que organizou isso, que não evitou o que está acontecendo. Mas longe de mim uma crítica pessoal ao Ministro.

     O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - Senador Ronan Tito, V. Exª me permite um aparte?

     O SR. RONAN TITO -Ouço V. Ex*

     O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - Quero ler, porque creiio que a confusão está toda entre o art. 21 e o art. 24. O art. 21, o Senador Jarbas Passarinho...

     O SR. RONAN TITO - Permita-me, nobre Senador, a confusão está em toda a Medida Provisória e no encaminhamento. O que V. Ex* vai achar de contradições nesse documento é uma loucura total.

     O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - Mas eu gostaria, para que conste dos Anais da Casa, e como elucidação ao que discutimos e ante o zelo de nós todos, inclusive do Senador Jarbas Passarinho, de dizer que o art. 24 propõe textualmente:

     "Art. 24. Serão obrigatoriamente expressos em URV os demonstrativos de pagamento de salários em geral, vencimentos, soldos, proventos, pensões decorrentes do falecimento de servidor público civil e militar e benefícios previdenciários, efetuando-se a conversão para cruzeiros reais na data do crédito ou da disponibilidade dos recursos em favor dos credores daquelas obrigações"

     Foi nisto que se baseou o Supremo Tribunal Federal, com toda certeza, por ter a regra geral uma predominância sobre a regra específica E ali é a Casa da hermenêutica. É exatamente por isso.

     O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Ronan Tito?

     O SR. RONAN TITO - Ouço, com prazer, V. Ex*, nobre; Senador Josaphat Marinho.

     O Sr. Josaphat Marinho - Eu queria apenas acrescentar, estando de acordo com tudo quanto já foi observado, que, em ver. dade, não se quis nenhum diálogo, não se pretendeu esclarecer nenhum fato, nenhuma dúvida, nenhuma interpretação. A. preocupação foi de uma publicidade sem nenhuma tolerância com o procedimento do Poder Judiciário e do Poder Legislativo. Tudo foi feito para nos expor e ao Supremo Tribunal diante da opinião pública, como se a legalidade estivesse do lado de 1'a, e, de cá, a. ilegalidade. E agora fica muito claro onde está a legalidade e onde está a violência.

     O SR. RONAN TITO - Agradeço a V. Ex'. Esta Casa é extraordinária, Sr. Presidente...

     O Sr. Cid Sabóia de Carvalho - Senador Ronan Tito, ainda tem um detalhe - me perdoe -, é que no dia 1° de março, a que

     se refere a Medida Provisória, não havia nada a converter, porque não há pagamento no dia 1° de março, está entendendo? Então, o Supremo fez o seguinte: o pagamento dele é dia 20 - não dia 1° de março -, por isso ele não podia aplicar o art. 21, que é o artigo do 1° de março. Ele tinha que pagar com base no dia 20, fundamentando-se no art. 24. É isso aí.

     O SR RONAN TITO - Sr. Presidente, quero apenas enaltecer o espírito da Casa e a importância do debate, da discussão, e de ouvirmos a opinião de homens experimentados na lida com a lei e com o diálogo.

     Apenas um esclarecimento inicial que eu pretendia fazer, mosto e canhestro, suscitou debates da maior profundidade, que, sem dúvida nenhuma, colocados diante da opinião pública iriam esclarecer de vez a realidade dos fatos.

     Muito obrigado, Sr. Presidente.. ...______


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 24/03/1994 - Página 1358