Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DE NOVA ESTRUTURAÇÃO E PLANEJAMENTO PARA ATENDER AS NECESSIDADES PRIORITARIAS DAS PESSOAS IDOSAS.

Autor
Nelson Wedekin (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SC)
Nome completo: Nelson Wedekin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • IMPORTANCIA DE NOVA ESTRUTURAÇÃO E PLANEJAMENTO PARA ATENDER AS NECESSIDADES PRIORITARIAS DAS PESSOAS IDOSAS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 12/05/1994 - Página 2270
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, CRESCIMENTO DEMOGRAFICO, AUMENTO, GRUPO, IDOSO, POPULAÇÃO, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ESTRUTURAÇÃO, PLANEJAMENTO, LONGO PRAZO, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, IDOSO.

    O SR. NELSON WEDEKIN (PDT - SC. Pronuncia o seu discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, o aumento da quantidade de anciãos na sociedade tomou-se hoje uma característica universal, presente seja nos países desenvolvidos, seja nos subdesenvolvidos. Até há pouco tempo, esse fenômeno era mais evidente no Primeiro Mundo, onde o bem-estar e a assistência são assegurados através de estruturas e ordenamentos públicos sólidos, enquanto que, no Terceiro Mundo, predominavam os jovens, resultado tanto das altas taxas de natalidade quanto da morte prematura dos adultos, provocada pelo desconforto de poucos, mas duros anos de vida. Hoje, essa realidade, no mundo, está em processo rápido de transformação.

    Na Europa, a faixa etária que mais cresceu nos últimos anos foi a dos idosos justamente aquela politicamente falando, mais predominante. No ano 2020, cem milhões de habitantes dos doze países membros da Comunidade terão idade superior a sessenta anos. Destes, vinte e dois milhões terão mais de oitenta anos. Por seu lado, dentro desses próximos vinte e sete anos, o número de cidadãos da Comunidade Européia passará dos atuais trezentos e quarenta milhões para quatrocentos milhões. Isso significará que, de cada quatro pessoas, uma terá mais de sessenta anos de idade; de cada dezena, uma somará mais de oitenta anos de vida, isto é, em cada quatro famílias médias, haverá em seu seio um octogenário para ser cuidado.

    Como ficará o problema da aposentadoria nesse contexto?

    Em 1993, preocupado com a recessão que deixou aproximadamente vinte milhões de desempregados na Comunidade Econômica, o Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, John Major, sugeriu o corte de recursos nos benefícios sociais. Major lembrou aos onze governantes da Comunidade reunidos em Copenhague que a mão-de-obra européia está vinte por cento mais cara do que a japonesa e a americana, por força dos generosos sistemas previdenciários europeus.

    A falta de competitividade dos produtos europeus inviabiliza o aumento das exportações e o crescimento do mercado de trabalho.

    O sistema previdenciário dos países do Velho Mundo começa a fraquejar. Há somente duas décadas, três trabalhadores sustentavam um aposentado. Atualmente, dois trabalhadores financiam um idoso aposentado.

    Na Bélgica, por exemplo, em média, sessenta por cento dos salários são retidos por impostos, para possibilitar ajuda financeira e assistência aos desempregados e aos aposentados. Porém, os recursos estão ficando insuficientes, pois essas duas classes sociais encontram-se em processo de crescimento no país e a perspectiva, para o ano 2020, é de que haverá um trabalhador para cada aposentado.

    Na Alemanha, em 1990, cada trabalhador pagava, em média, catorze por cento do seu salário para sustentar a Previdência Social. A continuar a situação atual, com o número de jovens diminuindo e o dos anciãos aumentando, no ano 2030, as contribuições terão que subir para vinte e cinco por cento.

    Na Itália, onde o homem se aposenta com sessenta anos de idade e a mulher com cinqüenta e cinco, a Previdência está em dívidas: o país gasta nove por cento a mais do que arrecada.

    A Inglaterra, cujos cidadãos se aposentam com sessenta e cinco anos, se do sexo masculino, e sessenta, se do sexo feminino, está pensando em passar para sessenta e sete a idade da aposentadoria, economizando, assim, quatro vírgula quatro bilhões de dólares por ano.

    Na França, homens e mulheres aposentam-se aos sessenta anos de idade e os aposentados recebem, em média, novecentos dólares mensais; mas a Previdência vem arcando com um déficit anual equivalente a quatro bilhões de dólares.

    Em síntese, o grupo demográfico da população mundial que mais rapidamente está crescendo é o das pessoas idosas, assim consideradas as que completam sessenta e cinco anos de idade, nos países desenvolvidos, e sessenta anos, nos subdesenvolvidos.

    De acordo com a Divisão de População da Organização das Nações Unidas - ONU, no ano 2025, uma em cada sete pessoas no mundo terá mais de sessenta anos de vida.

    E o Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? Segundo a mesma Divisão de população da ONU, o Brasil, em 2025, terá treze por cento de sua população na faixa etária de sessenta anos.

    Os censos demográficos de 1980 e 1991 demonstram que a percentagem de idosos se elevou de seis por cento para sete vírgula sessenta e nove. Nesse ritmo, dentro de trinta anos, o Brasil poderá ser o sexto país do mundo em quantidade de pessoas idosas, convivendo com problemas e necessidades semelhantes ou até mais graves do que as dificuldades atuais, sobejamente conhecidas de todos os brasileiros.

    Para um brasileiro nascido durante o período da Segunda Guerra Mundial, a expectativa de vida era de apenas trinta e nove anos de idade. Em 1992, a média brasileira atingiu sessenta e sete anos; a mais elevada, a do Rio Grande do Sul, setenta e um anos.

    Dados de 1990 confirmam que sete vírgula dois por cento dos brasileiros tinham idade superior a sessenta anos nessa época. Em consonância com projeções do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA, no ano 2000, catorze milhões e duzentos mil brasileiros, isto é, oito vírgula três por cento da população, deverão encontrar-se nessa situação. Em 2025, serão trinta e quatro milhões, ou seja, quinze por cento dos brasileiros. Atualmente, a chamada terceira idade entre nós soma onze milhões de pessoas, cerca de sete por cento do total.

    É verdade que as circunstâncias complexas e heterogêneas do Brasil estabelecem diferenciações. Um trabalhador do sertão nordestino, por exemplo, ou do interior da Amazônia, aos cinqüenta anos de idade estará muito mais velho do que um executivo de sessenta e cinco anos no Rio ou em São Paulo. Ao discutir a questão da aposentadoria, será necessário levar em consideração esses aspectos. Mas é também verdade que o País já não é mais constituído apenas de jovens. Assim, o processo de envelhecimento populacional também está presente entre nós.

    Diante dessa realidade, urge que a Nação se preocupe e se estruture do ponto de vista do planejamento de longo prazo e da implementação de ações que visem a solucionar os problemas existentes e a atender às necessidades prioritárias das pessoas idosas, muitíssimas das quais vivem circunstâncias de miséria, em moradias sem o mínimo conforto, ou sem moradia; ou, ainda, e como meros exemplos, sem acesso aos serviços de saúde porque inexistem ou porque precários e sem meios financeiros para adquirir remédios.

    Em conseqüência de todas essas carências físicas de todas essas privações materiais e assistenciais, o diagnóstico aponta para outros graves problemas de ordem psicossocial, como a falta de objetivos de vida, perda de auto-estima e solidão. Nesse contexto, a juventude do Brasil, ao invés de usufruir da experiência dos mais velhos, ouvindo lições de vida, absorve visões de desesperança, de amargura e desilusão.

    A Constituição de 1988, no artigo 3°, estabelece, dentre os objetivos da República, o de "promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". O artigo 226, por sua vez, afirma que "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" e, no artigo 230, que "a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida". O artigo 229, por seu lado, determina que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade".

    A Lei n. 8.648, de 20-04-1993, por sua vez, acrescentando parágrafo único ao artigo 399 do Código Civil, de 1916, obriga a que "no caso de pais que, na velhice, carência ou enfermidade, ficarem sem condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se despojarem de bens em favor da prole, cabe, sem perda de tempo e em caráter provisional, aos filhos maiores e capazes o dever de ajudá-los até o final de suas vidas''.

    Mais recentemente, no dia 4 de janeiro de 1994, o Senhor Presidente da República sancionou a Lei n° 8.842, dispondo sobre a Política Nacional do Idoso. A Lei estabelece competências nas esferas do Governo Federal, Estadual e Municipal para atendimento ao idoso e conclama a comunidade a desenvolver, através de suas associações e programas, atividades em prol do bem-estar biopsicossocial e espiritual das pessoas de idade, em todo o território nacional.

    Em termos de legislação, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tanto no que diz respeito à Constituição quanto no que se refere à disciplina ordinária, o País está razoavelmente instrumentalizado. No entanto, relativamente ao efetivo atendimento às necessidades dos anciãos, o que está sendo feito deixa muito a desejar.

    Há falta de pesquisas sobre as condições de vida e bem-estar do idoso no Brasil. Em algumas unidades da Federação, existem Conselhos Estaduais, que executam algum tipo de pesquisa e implementam atividades diversificadas, procurando envolver os beneficiários, baseando-se, sobretudo, nos dados colhidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

    Apesar da falta de informações, sabe-se que a realidade é complexa e as circunstâncias predominantes são de privação e pobreza. A gerontóloga Nara Costa Rodrigues, em artigo publicado sob o título de "Algumas considerações sobre a velhice no Brasil", afirma que a população de sessenta anos de idade está aumentando rapidamente em nosso País, e em maior número as "mulheres e no meio urbano", acrescentando que a maioria dessa população vive um quadro de carências significativas no que diz respeito à saúde, educação e previdência social. E conclui, dizendo que esse segmento encontra-se "marginalizado social, cultural e economicamente, enfrentando um problema comum aos velhos de todas as classes sociais: a solidão".

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a gerontologia e a geriatria certamente dispõem de conhecimentos para mais precisas informações sobre como enfrentar essa problemática.

    No Brasil, por incrível paradoxo da nossa vida social, grande parte dos extremos da vida está entregue ao abandono e à miséria: crianças e velhos abandonados. Aquelas tentam sobreviver organizando arrastões; estes definham, sem força e sem alegria.

    Diante da escassez de recursos físicos, materiais, humanos, tecnológicos e financeiros, como colaborar para reduzir os problemas enfrentados pelos velhos e atender às suas múltiplas necessidades?

    Caminhos existem, tenho certeza, e muitos, talvez não os construídos e gerenciados pelo Estado, mas os criados pelas comunidades, fiscalizados e acompanhados rigorosamente pelo Estado quando houver envolvimento de recursos públicos, e sempre com a participação direta dos beneficiários.

    Outros estudos feitos sobre as principais carências ou dificuldades cotidianas vividas pelos idosos revelaram ainda que o problema não se restringe apenas à saúde; mais prevalente é o aspecto econômico. Essa verdade traduz a necessidade de uma compreensão mais abrangente do assunto.

    Nesse âmbito, a aposentadoria exige um debate muito realista e corajoso, inclusive que lhe subtraia o selo de velhice e inutilidade social que a caracteriza como período de decadência. A denominação de inativo ou aposentado indica claramente essa concepção falsa e impiedosa. Falsa porque o progresso de hoje foi construído pelos velhos, muitos dos quais ainda trabalham; e impiedosa porque não considera os sentimentos humanos que marcam essa etapa da vida.

    A passagem do período de atividade para a fase da liberdade em relação às obrigações com o trabalho, sem motivações e objetivos, com diminuição do nível de vida, com segregação social, com as características do envelhecimento manifestadas nos sinais externos e na redução do dinamismo e da flexibilidade física, produz freqüentemente uma gama variada de conseqüências sociais, psicológicas e financeiras.

    Durante a revisão constitucional, o problema do baixo valor da imensa maioria das pensões pagas aos aposentados e a discussão a respeito da idade mínima certamente merecerá acalorada discussão; porém muito mais existe a ser feito, inclusive na área da ciência e da tecnologia, para dar apoio a novos projetos que visem a melhor conhecer o idoso do Brasil e proporcionar soluções eficientes e adequadas para seus problemas.

    Faz-se necessária uma política ampla e expressiva, envolvendo também as universidades, a fim de que se sintonizem com essa realidade e preparem os recursos humanos e técnicos de que o País precisa para encarar sem amadorismo a questão da terceira idade que será, sem dúvida, uma das questões mais importantes do terceiro milênio.

    O País, através de todas as suas instituições, direta ou indiretamente envolvidas, públicas, privadas, religiosas ou representativas de classe, deve empenhar-se para suprimir ou minorar, pelo menos, a dura realidade que espera os que conseguem atingir idades mais avançadas.

    Após tantos esforços realizados pela ciência para prolongar a vida humana, seria lastimável não dar dignidade aos idosos ou, em outros termos, não demonstrar que o mundo, sobretudo os jovens e os que dispõem de efetivos recursos, não sabe respeitar aqueles cujos cabelos encaneceram.

    Por fim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero afirmar que não bastam as leis. É preciso algo mais profundo e plenificador, cujas raízes se plantam no âmago do coração humano. Para essa redescoberta, para recuperar esse valor diluído pelo individualismo e pelo apelo ao consumo, é necessário mudar e redirecionar a mentalidade.

    Como bem escreveu o Ministro Paulo Brossard em recente artigo publicado na imprensa: ".....no dia em que os pais, para alimentar os filhos, e vice-versa, tivessem que ser levados aos tribunais em nome de um artigo do Código Civil, o Estado se romperia em estilhaços, porque os pais alimentam os filhos e os filhos socorrem os pais não porque assim esteja escrito no Código Civil, mas porque está gravado no coração humano, não pela lei do Estado, mas pela lei do amor".

     Era o que tinha a dizer!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 12/05/1994 - Página 2270