Discurso no Senado Federal

DISCURSO DE DESPEDIDA DE S.EXA DO SENADO FEDERAL.

Autor
Nelson Carneiro (PP - Partido Progressista/RJ)
Nome completo: Nelson de Souza Carneiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • DISCURSO DE DESPEDIDA DE S.EXA DO SENADO FEDERAL.
Aparteantes
Alfredo Campos, Aureo Mello, Chagas Rodrigues, Cid Sabóia de Carvalho, Coutinho Jorge, Eduardo Suplicy, Elcio Alvares, Esperidião Amin, Eva Blay, Guilherme Palmeira, Hugo Napoleão, Irapuan Costa Júnior, Jarbas Passarinho, Josaphat Marinho, José Fogaça, João Calmon, Lourival Baptista, Magno Bacelar, Mauro Benevides, Ney Suassuna, Pedro Simon, Ronan Tito.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/01/1995 - Página 859
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, MOTIVO, DESPEDIDA, SENADO.

O SR. NELSON CARNEIRO (PP-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é longa, muito longa, a distância entre o Senado de 1971, quando aqui cheguei, e o Senado de 1995, quando daqui saio.

Éramos sete, somente sete do MDB, numa Casa de sessenta e seis Senadores. Vale recordar seus nomes: Amaral Peixoto, Ruy Carneiro, Adalberto Sena, Danton Jobim, Franco Montoro, Benjamin Farah e eu.

Na primeira sessão preparatória, a Liderança, pela minha voz, reafirmava sua inabalável determinação de, "por todos os meios legais, pugnar pela cessação da vigência do Ato Institucional nº 5, a fim de que a Nação se reintegrasse na plenitude do estado de direito e tornasse possível a pacificação da família brasileira." E, ajuntava: "não somos o Partido da Revolução; não somos, por igual, o Partido da contra-revolução, somos; queremos ser, o Partido da Constituição."

A mão traiçoeira da morte colheu quatro daqueles bravos combatentes, e os descaminhos da vida política afastaram os dois outros.

Quando deixa esta Casa, o menos credenciado, justo que os recorde, porque iluminaram, com sua constante vigilância, a estrada que palmilhariam, em 1973, Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho, rasgando nas trevas do autoritarismo, na memorável campanha do anticandidato, as primeiras claridades da ordem democrática.

São passados 24 anos.

De Médici a Fernando Henrique há, Deus louvado, e, felizmente, uma distância, longa distância.

Perdoem-me, Srªs e Srs. Senadores, se nesta hora de despedida me envaideça de haver procurado honrar o compromisso inicial, e me conforte a convicção de que, na outra Casa, a partir de 1º de fevereiro, Franco Montoro será a voz daqueles companheiros que já não terão voz no Parlamento brasileiro.

Acolheu-me o Senado, após 19 anos como Deputado Federal, juntamente com dois eminentes colegas, eleitos pelo PMDB num tempo em que os Parlamentares não tinham dono, não se ferreteavam de propriedade de fulano ou de beltrano.

O segredo da vitória sobre a poderosa representação da ARENA, foi a união. Oito anos depois o povo fluminense ratificou o mandato bem cumprido, vencendo resistências internas e do Partido oficial. Ainda aí a razão do triunfo foi a união. Amaral Peixoto, aquele magnífico exemplar de homem público, e eu trabalhamos em harmonia e vencemos.

Em 1986, o PMDB valeu-se das sublegendas. Mas, a natural competição não pôs em risco o sucesso. E continuei nesta Casa pela vontade de 2 milhões, 486 mil, 868 eleitores do Rio de Janeiro.

Em 1994, a Coligação Rio Unido poderia eleger, ou deveria tentar eleger seus dois candidatos, se houvessem seus dirigentes empregado esforços neste sentido.

Hora virá mais propícia para que se exponham e discutam as dificuldades de entendimento e seus responsáveis.

O outro candidato, ainda pressionado pela angústia do pleito anterior, quando somente na 25ª hora conseguira a única legenda do seu Partido, ocupava o horário gratuito, dia sim, dia não para lembrar aos ouvintes que o mandato senatorial era de oito anos e se estenderia até o Ano 2002 do século XXI.

Tinha a apoiá-lo a cúpula da coligação. E o tempo, ao invés de dirimir, apenas agravou o dissídio que extravasara do âmbito partidário.

Em setembro a divergência estava nos outdoors espalhados por todo o Estado sem o meu nome e nem minha fotografia. Os outdoors da campanha tinham três retratos: Fernando Henrique Cardoso, candidato à Presidência da República; Marcelo Alencar, Governador e Artur da Távola, Senador. O Senador Nelson Carneiro não existia.

A demonstração mais evidente ocorreria no dia da eleição. O candidato ao Governo era flagrado pela televisão votando apenas em um dos candidatos ao Senado, o outro.

Razão tem meu fraternal amigo Agapito Durão, interessado em apresentar projeto de lei para que, no Rio de Janeiro, o dia de eleição seja sempre Sábado de Aleluia.

Tudo, não obstante, o resultado talvez fosse diverso se a coincidência dos pleitos eleitorais não levasse um dos candidatos presidenciais, justo aquele que desde agosto poderia preparar o traje da posse, a proclamar ostensivamente e reiteradamente entre os dois candidatos que o apoiavam aquele que seria indispensável ao melhor desempenho do futuro Governo.

Bom seria que os revisores da Constituição, interessados na reeleição dos Presidentes, fixassem datas distintas para evitar a cumulação de pleitos diversos.

Aqui cheguei de mãos e coração limpos. Hoje, Sr. Presidente, mentiria se não dissesse que, se mantenho limpas as mãos, há mágoas em meu coração.

Consola-me, no momento da despedida, o carinho dos colegas, a lembrança de todos os companheiros de legislaturas passadas.

Entre as gratidões que conservo nenhuma supera a que devo aos que me alçaram à Presidência do Senado. Onde quer que esteja, por isso mesmo, irei acompanhando, como se estivesse presente, os trabalhos, os debates, a vigilância democrática dos que labutam nesta Casa do povo e dos Estados: Senadores, jornalistas, serventuários.

Procurei ser fiel às idéias e preocupações que, cedo, madrugaram em meu espírito e foram sempre sendo adaptadas à realidade no curso de sessenta e cinco anos de atividade política e cerca de quarenta e três de Parlamento. Não faltei ao serviço da liberdade, nem me atemorizei diante dos poderosos, ainda nas horas mais sombrias do apogeu discricionário.

Dei aos carentes, às minorias, a todos os despossuídos, a dedicação por eles reclamada.

No último dezembro, com a sanção da Lei nº 8.971, que assegura à companheira, em determinadas circunstâncias, alimentos e participação na herança deixada pelo companheiro, concluí o ciclo da legislação de família, iniciada em 1947. Valeram a minha tenacidade e a compreensão humana do Presidente Itamar Franco.

Deus acaba de me premiar com a presença, na Câmara dos Deputados, de quem deverá ser a continuadora de meu nome e de minhas lutas. E se algum menos avisado bater à porta do Senado, à minha procura, aqui encontrará a substituir-me a ilustre Profª Benedita da Silva, professora, sim, de ética política.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, demorei este instante, pelo prazer de tão gratas companhias. Aos 84 anos, a caminho dos 85, saio antes que desenganos se somem às mágoas e sepultem as esperanças que animam minha velhice e serão minhas companheiras nos dias melhores e mais felizes que todos auguramos ao Governo e ao povo brasileiro.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muita honra, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Antes que V. Exª deixe a tribuna, quero ter a alegria e, mais do que ela, a honra de aparteá-lo.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador Nelson Carneiro, nascemos politicamente juntos, na Bahia, no incomparável Movimento da Concentração Autonomista da Bahia. Éramos ambos muito jovens, V. Exª com alguns poucos anos além de mim. Participamos, então, de uma admirável campanha, que ainda precisa ser devidamente relembrada, e, desde então, acompanhei sua inteligência e sua bravura. Circunstâncias várias o levaram ao Rio, e desse Estado V. Exª se tornou representante por longos anos. Nunca se afastou, porém, da Bahia, nem política nem afetuosamente, foi sempre o baiano, presente a todos os atos que interessassem à vida dos seus conterrâneos, na alegria ou na tristeza. No meu primeiro mandato nesta Casa, V. Exª era Deputado, mas, em verdade, estávamos na mesma trincheira do MDB, lutando contra o regime militar. Passei, depois, 20 anos fora de mandato parlamentar. Ao entrar de novo nesta Casa, reencontrei-o então Senador. E de novo percorremos quatro anos com o mesmo espírito dos jovens de 1934. Hoje V. Exª deixa esta Casa. Se é grande a tristeza por vê-lo partir, maior é a minha alegria de baiano de vê-lo partir com a mesma hombridade, com o mesmo vigor moral dos anos de 34. Seja feliz.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado a V. Exª, meu nobre e querido amigo Josaphat Marinho. As palavras de V. Exª são fruto dessa amizade que construímos nos dias distantes da mocidade e que - favor de Deus - temos sabido manter até hoje, e me recorda aqui a terra natal, que ainda agora acaba de me premiar com uma manifestação comovedora de solidariedade. Ninguém deixa de ser baiano, qualquer que seja o Estado que resida. A Bahia é feminina, a Bahia é acolhedora. Ninguém esquece a Bahia. Basta conhecê-la, para amá-la. Nós todos continuamos amando a terra natal. Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muita honra, nobre Líder.

O Sr. Pedro Simon - Confesso que só sinto a mágoa, a profunda mágoa, deste momento. Penso que a democracia merece respeito, mas na democracia, muitas vezes, vivemos momentos de injustiça como este. O Senado e o Congresso brasileiro não tinham o direito de prescindir de V. Exª nos próximos quatro anos. Todos nós temos afirmado que vamos viver momentos imensamente importantes, nesses próximos quatro anos. Talvez Fernando Henrique Cardoso, como nenhum outro cidadão nos 500 anos de Brasil, terá a oportunidade que ninguém teve, pelas condições que se oferecem para o exercício de seu Governo. Vejo aqui um grande desfalque no Governo para os próximos quatro anos: a ausência de V. Exª. Seria importante que V. Exª estivesse aqui, pela sua experiência, pelo seu tirocínio, pelo seu bom-senso, pelo seu equilíbrio, pela sua seriedade, pela sua competência, pela sua honorabilidade, pela vivência que V. Exª tem das horas fáceis, das horas alegres e, principalmente, das horas trágicas. Esses quatro anos do Senhor Fernando Henrique Cardoso, creio que serão horas - mesmo com problemas maiores ou menores - tranqüilas perto dos anos em que V. Exª deu orientação, ao lado de tantos mestres, nesses trinta e tantos anos em que aqui passou: o suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio Quadros, a deposição de João Goulart, os Atos Institucionais nºs 1, 2 e 5, a Anistia e a luta pelas eleições diretas. V. Exª viveu, praticamente, todos os acontecimentos, sem falar nas suas memórias, nas histórias que V. Exª lembra, como, por exemplo, de 1934. Tínhamos o direito de ter a presença de V. Exª. O Congresso vai sentir muito a sua ausência. A vida pública de V. Exª é um exemplo fantástico de dignidade, de correção, de garra e de competência. V. Exª empreendeu algumas bandeiras, lutou contra o pensamento existente no Brasil, transformando-o. Lembro-me de que eu era um jovem estudante e estava contra V. Exª quando assisti o debate com relação ao divórcio. Estudante de colégio católico, com aquela minha formação bitolada, dentro daquele estilo, orientado pelos meus professores, lá compareci. Espero não ter sido - não me lembro bem e não quero me lembrar - um dos que vaiaram V. Exª na ocasião, mas fui um daqueles que, no debate de V. Exª com Carlos Lacerda, entendiam que deveríamos ser contra a implantação do divórcio. V. Exª foi um precursor, ao longo da história, no que tange à família e à criança. Lembro-me dos debates fantásticos de V. Exª, advertindo que o filho não tinha culpa de quem eram os seus pais e nem poderia levar o nome de adulterino, ter um destino completamente ridículo, ser abandonado por causa da sua origem e dos erros dos próprios pais. V. Exª foi autor de uma série de leis de que nós, os nossos familiares, milhões de brasileiros, usufruímos, sem saber que existiu um Nelson Carneiro que lutou noite e dia, primeiro, contra todo o País, contra a Igreja, contra toda a sociedade e, aos poucos, de derrota em derrota, de perda em perda, foi conseguindo uma vitória e outra, e hoje o Brasil inteiro reconhece o valor, o alcance, o significado da caminhada de V. Exª. Lembro-me do carinho e do profundo afeto que o Dr. Ulysses tinha por V. Exª. Lembro-me da emoção que eu sentia quando ia ao apartamento de V. Exª e do Dr. Ulysses, dois patriarcas convivendo como dois ermitãos ali naquele local, onde debatíamos e íamos buscar conhecimentos e fórmulas de resistência para continuarmos a caminhada. Lembro-me daquela noite em que eu estava na casa do Dr. Ulysses, e a filha de V. Exª telefonou, dizendo que não sabia o que fazer, porque os médicos do Rio diziam que o seu pai estava desenganado, com a possibilidade de haver um tratamento em São Paulo. O Dr. Ulysses perguntou-me: o que vamos fazer agora? O que posso fazer? Disse-lhe que telefonasse ao Governador do Estado. E o Dr. Ulysses telefonou para o seu adversário, o Governador Paulo Maluf, que teve uma presença extraordinária, assegurando: deixe por minha conta, Dr. Ulysses! E no mesmo momento telefonou para a sua filha e para o seu médico, mandou um avião a jato ao Rio, levando V. Exª a São Paulo e, diariamente, S. Exª e a esposa iam visitá-lo no hospital. V. Exª se recuperou com a firmeza e a dignidade que o mantêm até hoje. Lembro-me da época da campanha eleitoral em que eram candidatos o Dr. Tancredo e o Sr. Paulo Maluf, em relação ao qual houve um movimento de descrédito, e V. Exª veio a esta tribuna dizer: voto no Dr. Tancredo, mas devo respeito e gratidão ao Dr. Paulo Maluf, com quem acredito estão fazendo uma imensa injustiça. E V. Exª contou que estava no Palácio Piratini quando se comemorou a renúncia de um dos candidatos à eleição, porque significava a vitória do outro. Porém, o outro candidato disse: se ele retirou-se, é sinal de que alguma coisa grave vai acontecer. À noite, pela Voz do Brasil, anunciava-se o começo do Estado Novo. V. Exª dizia: os que são a favor do Dr. Tancredo devem entender que para o mesmo ser eleito precisa ser votado, precisa ganhar no Colégio Eleitoral. É muito importante que haja um adversário; se desmoralizarmos o seu adversário e ele se retirar, o que poderá acontecer? E V. Exª afirmou que votaria no Dr. Tancredo, mas que respeitava o Dr. Maluf. V. Exª tem uma vida reta, digna, uma vida de homem de bem. Tenho o maior apreço por V. Exª. O mal do nosso País é que temos poucos homens como Nelson Carneiro, como João Calmon, temos poucas pessoas com a dignidade e o caráter de V. Exªs. E não notamos quando essas pessoas, aos poucos, saem do nosso convívio, e, infelizmente, ficamos sentindo a falta delas. Não consigo imaginar a ausência de V. Exª; estou acostumado, nas horas difíceis, amargas, a procurar o gabinete de V. Exª, desde o tempo em que eu era Deputado Estadual, quando vinha a Brasília, atendendo ao chamado do Dr. Ulysses para discutir os graves problemas que o Brasil enfrentava. Estou tão acostumado a ver V. Exª que fico quase órfão, no sentido de não saber o que fazer. É V. Exª, era o Dr. Ulysses, era Teotônio Vilela, era Tancredo Neves. Alguns vão embora porque, infelizmente, a morte os rouba de nós; outros, desgraçadamente, porque a nossa incompetência os afasta do nosso convívio. V. Exª continua, porque a sua filha estará aqui, como Deputada Federal. Começará uma longa caminhada, e tenho certeza de que a estirpe e a presença de V. Exª farão dela uma grande representante, substituta de V. Exª. Faço um apelo, em nome do Senado - já que a sua filha estará ali, ao lado, e V. Exª estará em Brasília -, para que seja nosso Senador honorário e venha sentar-se aqui, conosco; que venha ao plenário para nos orientar, aconselhar, para que nós, sob a sua competência e orientação, possamos diminuir um pouco a penumbra que V. Exª deixará neste Congresso. Deixo meu carinho e afeto muito grande, minha admiração muito profunda, que sempre nutri por V. Exª.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado. Nobre Senador Pedro Simon, não sei como agradecer. O meu silêncio vale mais que todas as palavras. Muito obrigado.

O Sr. Elcio Alvares - Senador Nelson Carneiro, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muita honra.

O Sr. Elcio Alvares - Senador Nelson Carneiro, ouvimos silentes o seu discurso. Penso que esse gesto do Plenário foi a maior homenagem prestada a V. Exª. No momento em que seu discurso, praticamente despojado daquilo que vai na sua alma, estava sendo proferido, V. Exª levantou, como se fosse um toque de mágica sobre todos nós, um gesto de convocação. O seu discurso é uma peça que deve ser lida num momento de reflexão. Para nós que ficamos, o seu discurso é um catecismo lapidar, para sentirmos, dentro da profundeza de um mandato parlamentar, quanto a vida pública nos oferece de êxtase, em alguns momentos, e de verdadeiro sacrifício interior, talvez nos momentos decisivos. A sua vida é a história viva deste País, é a história viva do Parlamento. Tanto o depoimento do Senador Josaphat Marinho - que não foi um aparte, mas um depoimento - quanto a palavra, sempre precisa, do Senador Pedro Simon, são testemunhos que nos levam a um roteiro de vida pública sempre repleto de lições permanentes de civismo e de patriotismo. Talvez diante de V. Exª eu seja um aluno novo, um aprendiz da difícil arte de fazer política com dignidade e amor a este País. Senador Nelson Carneiro, também gostaria, nessa viagem da memória, de me lembrar dos idos de 1969, quando pela primeira vez cheguei à Câmara dos Deputados. Vivi um momento de emoção indizível, membro da Comissão de Constituição e Justiça, ao receber do então Deputado José Bonifácio o meu primeiro projeto para relatar, jejuno que era do ofício da Câmara Alta do País. Tive a primeira emoção de saber que, naquele instante, o mandato que o povo tinha me outorgado encontraria uma forma de se fazer concreto com meu gesto parlamentar. Recebi o primeiro projeto, Senador Nelson Carneiro, com uma emoção indescritível, que quero relatar a V. Exª neste momento. O projeto pertencia ao Deputado Nelson Carneiro e era mais uma das suas peças lapidárias em favor da família brasileira. Vinha de um escritório de advocacia o Senador Nelson Carneiro, o homem público Nelson Carneiro, o Deputado Nelson Carneiro; e eu, que não tinha a intimidade do advogado das lides de família, aprendi a cultivar os seus exemplos permanentes. Contei a V. Exª, Senador Nelson Carneiro, que um dia, assistindo a um programa de televisão no Rio de Janeiro, da TV Educativa, vivi uma das maiores emoções de homem público no momento em que uma das participantes da mesa-redonda, no programa "Sem Censura", falou com tanto carinho e afeto a respeito da personalidade de V. Exª que, nesse momento, pensei: bendito homem público que recebe essas palavras tão espontâneas, num gesto sem qualquer contrapartida, porque é o gesto da liberação, o gesto que retrata todas as famílias do Brasil. V. Exª deixa esses exemplos na vida pública brasileira. Hoje, mais advogado do que parlamentar, porque continuo cada vez mais consciente de que a nossa profissão de advogado é realmente a que nos leva às questões sociais, aos questionamentos de vida pública. Falo agora, Senador Nelson Carneiro, não como Senador, mas em nome de todos os advogados brasileiros, colegas de V. Exª, que têm um respeito profundo pela figura de V. Exª. A família brasileira erige diariamente em seu favor um preito permanente de gratidão. Graças à sensibilidade de V. Exª, milhares e milhares de brasileiros que não tinham nome, cujo nascimento havia sido repudiado, puderam resgatar a sua dignidade e passar a orgulhar-se de ter nascido, mesmo que sem paternidade definida. V. Exª fez muito por este País, tocou-nos profundamente, e hoje recolho o seu discurso como uma lição íntima. "Na última eleição, Nelson Carneiro - disse muito bem o Senador Pedro Simon - foi vítima de uma inominável injustiça". Eu não diria do povo carioca, depois daquele depoimento que ouvi na TV Educativa. Talvez as artes da política, hoje, sejam muito difíceis, mais difíceis do que a vida inteira de Nelson Carneiro. Neste instante, falo a V. Exª com profunda emoção. Quando aqui cheguei, era apenas um humilde admirador e, ao longo desse tempo, Senador Nelson Carneiro, através da sua admirável companheira, D. Carmem, na convivência com a minha mulher, Irene, eu, cada vez mais, descobria na personalidade de V. Exª momentos que seriam de grande afirmação, de um homem responsável, um excelente marido e com uma personalidade cada vez mais formosa, deslumbrante até, para conhecimento dos seus amigos e de todos que o admiram. Esse é um discurso de grandeza. V. Exª colocou a questão com tanta simplicidade que demonstra a sua grandeza interior. Sabemos muito bem o que o Senador Nelson Carneiro, neste momento, sente em seu coração. Assim, só nos resta, apesar de toda a ênfase do aparte, dizer que o nosso primeiro gesto, o do silêncio do Plenário, é o que irá permanecer. Emudecemos, Senador, porque as palavras de V. Exª devem encontrar eco em nosso interior, devem crescer para que ninguém diga mais nada, e fique proclamado que o Senador Nelson Carneiro, com esse discurso de despedida, marcou, de maneira indelével e histórica, uma passagem no Senado da República que há de ser sempre cultivada como uma lição permanente de patriotismo e amor à vida pública. Deus o acompanhe ao longo da sua jornada! Temos a certeza de que - como muito bem disse o Senador Pedro Simon - V. Exª não nos abandonará nunca. A presença física é reclamada, mas, ao longo dos tempos - 10, 50, 100 anos - dentro desta Casa e nos Anais, vai viver, mais do que nunca, o Senador Nelson Carneiro.

O SR. NELSON CARNEIRO - Meu nobre Líder Elcio Alvares, as palavras que aqui estou recebendo são um estímulo e um julgamento - o julgamento de bons amigos, o julgamento da amizade.

Procurei envelhecer sem envilecer. Por isso, mereço de V. Exª essas palavras comovedoras de solidariedade. Cumpri o meu dever. E, ainda agora, fosse na Bahia, fosse no Rio de Janeiro, onde estive, o povo reconhece a nossa identidade - nós e o povo.

Os traidores passam. Há, hoje, retrato da traição colhido pela televisão. Ninguém mais poderá dizer que Judas não tinha esta ou aquela qualidade fisionômica. Não! Hoje, o que era difícil ficou fácil. Durante séculos, foi exibido o retrato colhido por Verônica como sendo o rosto de Jesus, mas, afinal, chegou o dia em que se viu que aquele retrato não era o do rosto do Senhor. Agora, podemos dizer o que era mais difícil, que sabemos qual a verdadeira fisionomia do Judas.

Saio desta Casa, Sr. Presidente, meus ilustres colegas, não pela vontade do povo, mas pela vontade do "Judas" do Rio de Janeiro.

O Sr. Esperidião Amin - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Nelson Carneiro?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muito prazer, nobre Senador.

O Sr. Esperidião Amin - Desejo, pedindo também a honra de oferecer este aparte, mais do que enaltecer, agradecer pelo exemplo de vida e dedicação. Enaltecer - quantas vezes usei esta expressão ao me dirigir carinhosa e respeitosamente ao Senador Nelson Carneiro. Quero enaltecer o seu espírito jovial, o seu espírito de luta. Não envelhece quem mantém acesa a chama do ideal e, por isso, V. Exª não envelheceu, muito menos envileceu em qualquer das causas que tenham requisitado sua participação na vida pública. Mais do que isto, quero fazer um pedido a V. Exª: continue a nos dar o seu exemplo, porque V. Exª pode, como nenhum de nós aqui, dizer: "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé". Sabemos que V. Exª combateu até aqui o bom combate e guardou a fé, porque não precisou ir a Canossa alguma para rever pontos de vista, para revisar conduta ou para se penitenciar. Como dizia São Paulo na Epístola aos Tessalonicenses, V. Exª combateu o bom combate e guardou a fé, e por isso merece a nossa homenagem tanto pelo nosso silêncio, como muito bem lembrou o Senador Elcio Alvares - talvez o silêncio seja a maior homenagem -, quanto por nossas palavras - e quero apenas perfilar as minhas palavras àquelas que já foram ou serão pronunciadas. V. Exª tem, neste momento, a responsabilidade de colher uma parte da coroa de louros, o galardão a que se referia São Paulo, para aqueles que sabem, com a juventude do inconformismo, e esta está na alma, está no espírito, está em V. Exª. Esse é o seu patrimônio. Preserve-o, guarde-o, acalentado pelas nossas palavras, pelas palavras destes, uns mais outros menos, todos seus alunos, seus admiradores, e que, além de agradecer, além de enaltecer as suas virtudes, ainda lhe pedem: prossiga nos dando o bom exemplo que a sua longa e profícua vida tem dado. Seja feliz sempre. Queremos partilhar da sua amizade, bem como da sua justa e merecida paz de espírito, felicidade pessoal e, acima de tudo, da convicção de que é um exemplo vivo de bons serviços prestados ao nosso País.

O SR. NELSON CARNEIRO - Obrigado, meu nobre Líder Esperidião Amin. Somo as palavras comoventes de solidariedade de V. Exª às outras aqui proferidas.

Pedro Simon recordou velhos companheiros de luta nos dias ásperos que vivemos em décadas passadas. Elcio Alvares lembrou aquele primeiro encontro do jovem parlamentar diante de mais um projeto do irrequieto Deputado Nelson Carneiro. V. Exª evoca São Paulo, exalta a necessidade de manter a fé. Este foi sempre o meu lema. No instante derradeiro, quem se despede da vida também se despede, muitas vezes, da esperança. Só não se despede da fé. Esta fé que me anima desde a juventude. Dos comícios da Aliança Liberal até hoje, esta fé não morrerá no coração de um octogenário. E a serviço de dias melhores para o Brasil, sem mágoas contra os personagens, mas com mágoas sobre as conseqüências, estarei fiel, estarei atendendo à convocação dos colegas, para, distante, embora, da atividade, continuar, no silêncio da aposentadoria, não mais no bulício deste plenário, a sonhar, a pedir a Deus que inspire a todos os companheiros para que eles sejam instrumentos da grandeza e da felicidade do País.

Agradeço a V. Exª suas palavras.

O Sr. Jarbas Passarinho - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Nelson Carneiro?

O SR. NELSON CARNEIRO - Ouço o aparte do meu nobre amigo Senador Jarbas Passarinho.

O Sr. Jarbas Passarinho - É impossível deixar de reconhecer a emoção que nos domina a todos, a V. Exª e aos amigos que V. Exª tem nesta Casa. Eu não faria muito mais do que acompanhar aquilo que já foi dito pelos Senadores que me antecederam, aparteando V. Exª. Mas talvez haja um aspecto muito particular no aparte que peço a V. Exª. É talvez uma contrapartida do aparte que lhe deu essa nobre figura da Bahia, que é o nosso mestre Josaphat Marinho. Ele lembrou a V. Exª o período de lutas contra o que S. Exª chamou de regime militar, que eu chamaria também do regime dos generais e dos tecnocratas, que partilharam o poder durante tanto tempo. Trago a V. Exª exatamente o aplauso e a admiração daquele que sempre esteve em trincheira oposta à de V. Exª até então. Tenho a impressão de que o meu reconhecimento, como foi o reconhecimento daqueles que comigo se mantiveram fiéis ao Movimento de 64, que depois foi desvirtuado, repito, tenho a impressão de que o aplauso que trazemos a V. Exª tem um mérito a mais, que é o mérito de reconhecer no adversário a grandeza da posição, a dignidade da atitude e o patriotismo inultrapassável. Cheguei a esta Casa, depois que passei, no primeiro mandato, sete anos fora dela, como Ministro do Trabalho e Ministro da Educação, e encontrei V. Exª Líder do MDB aqui - eram muito poucos, V. Exª há de estar lembrado. Se não me engano, eram sete.

O SR. NELSON CARNEIRO - Sete.

O Sr. Jarbas Passarinho - Eram sete que V. Exª conduzia, como o porta-bandeira da Oposição. Dei o primeiro aparte, lembro-me bem, a Franco Montoro, que tinha se enganado completamente numa determinada citação, e o meu Líder, Petrônio Portella, me pediu: "Não aparteie, não faça mais isso, eles já são tão poucos!" O resultado disso, àquela altura, em 74, quando tentei a reeleição, é que os seis viraram 22. E nós, na ARENA, só fizemos seis. Daí a presença que V. Exª representa nessa luta, que talvez esteja - não sei, eu não domino completamente essa passagem do partido de V. Exª - mas talvez esteja, repito, até na ameaça, que durante algum tempo surgiu, de autodissolução do MDB. O Senador Pedro Simon está acenando com a cabeça, concordando comigo. Veja o papel de V. Exª e dos poucos nessa ocasião. Não foi apenas o papel de permitir que este Senado estivesse aberto. Foi, sim, o papel de permitir que não entrássemos decisivamente num processo de ditadura total. E a grandeza de V. Exª foi, a partir daí, uma da razões da minha admiração pessoal. Depois, V. Exª, o cavalheiro, o amigo que me honro muito de ter hoje. Ainda há pouco, o Senador Elcio Alvares lembrou o problema familiar, e eu lembraria o carinho de V. Exª com a minha falecida esposa, e a participação, todas as vezes, em favor do Pequeno Polegar, de uma contribuição de V. Exª, dentro das verbas que os Senadores e os Deputados tinham para esse fim. Lembro da alegria com que recebi V. Exª na Academia Brasiliense de Letras. V. Exª era o recipiendário, e eu fui quem o saudou, por escolha de V. Exª. Nessa altura, mergulhei um pouco na vida literária de V. Exª. Verifiquei a influência do pai de V. Exª na formação dos filhos. Verifiquei a luta de V. Exª, já nessa altura, contra algumas coisas que talvez merecessem também a classificação de autoritarismo baiano, e V. Exª sofrendo esses efeitos dos poderosos da ocasião. E eu não gostaria, Senador Nelson Carneiro, meu querido amigo - quebrando aqui o protocolo do Senado - de provocar qualquer lágrima em V. Exª. Ao contrário, eu gostaria que V. Exª sorrisse comigo, alegres ambos, porque estamos saindo desta Casa. Três mandatos tivemos, e não importa o que possam julgar de nós; a História nos julgará na hora oportuna. V. Exª é, com certeza, um dos numes tutelares do Parlamento brasileiro; esteja onde V. Exª estiver, essa referência é irretocável. Lembro-me de, ainda jovem oficial do Exército brasileiro, ter lido a biografia do General Lyautey feita por André Maurois, que estava fazendo as entrevistas para a biografia e encontrou o marechal preocupado em colocar na parede um quadro que não estava bem centrado; quando ele desceu da cadeira, Maurois perguntou por que tanta preocupação com o quadro. Ele respondeu que era tão importante colocar aquele quadro corretamente na parede como foi importante criar os impérios para a França. V. Exª pode colocar o quadro na parede, ficar em casa, porque será sempre uma figura do nosso reconhecimento, da nossa admiração e da nossa saudade.

O SR. NELSON CARNEIRO - V. Exª, velho amigo, esqueceu um episódio. Era o dia da apreciação da Emenda do Divórcio. A votação começava pelo Senado, e o Líder do Governo era Jarbas Passarinho. Toda a Câmara e o Senado reunidos, juntos, tinham os olhos voltados para o Líder da Maioria; dele dependia o êxito ou o insucesso, mais uma vez, da tentativa de minha autoria. A votação começava pelo Senado e pelo Norte. Um dos primeiros votos era de Jarbas Passarinho. E foi depois do voto favorável do Líder da Maioria que os companheiros do Senado e da Câmara asseguraram a vitória do divórcio.

Nesse tempo, dizia-se que a vitória do divórcio era o fim da família brasileira. Tantos anos transcorridos, nobre Senador Jarbas Passarinho, V. Exª e eu temos a consciência tranqüila. A família se fortifica no amor; a família se fortifica na fidelidade. A família não se fortifica na desgraça, no dissídio, na divergência.

E V. Exª não quer lágrimas. Como poderia eu sepultá-las, se V. Exª lembra que quem inspirou V. Exª, quem convenceu V. Exª, foi aquela companheira leal que, fora desta Casa, no silêncio da sua residência, dia a dia, fez ver V. Exª que aquela era a única solução para pôr termo aos dissídios conjugais irremediáveis. Nós, nobre Senador Jarbas Passarinho, ao deixarmos esta Casa, podemos dizer que fizemos alguma coisa pelo bem e pela felicidade dos semelhantes. Muito obrigado.

O Sr. João Calmon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Ouço V. Exª.

O Sr. João Calmon - Nobre Senador Nelson Carneiro, V. Exª está dando a todos nós, seus colegas e admiradores, uma lição inesquecível. V. Exª poderia ter assomado à tribuna com uma metralhadora giratória para atingir todos os alvos envolvidos no crime que se cometeu no Estado do Rio, quando V. Exª, modelo e inspiração de mais de uma geração, não foi reeleito para o Senado da República. Ao invés de usar metralhadora giratória, citar os nomes um por um dos responsáveis por aquela ignomínia que mancha a História política do Estado do Rio, V. Exª permaneceu, como sempre, à altura do Himalaia e nos dá uma lição que jamais poderemos esquecer. Nobre Senador Nelson Carneiro, preciso hoje começar a pagar a V. Exª uma dívida que creio seja até mesmo irresgatável. Exageradamente tem sido atribuído a mim um crédito pela apresentação de uma emenda à Constituição que vincula, obrigatoriamente, um mínimo da receita de impostos federais, estaduais e municipais à educação. Devo proclamar que tomei essa iniciativa, nobre Senador Nelson Carneiro, inspirado no exemplo que V. Exª deu a este Congresso e a toda a Nação brasileira. Ao chegar aqui ao Senado, depois de desempenhar durante oito anos o meu mandato de deputado federal - no decorrer do qual travei lutas que por pouco não me levaram a um fim trágico -, tinha uma preocupação: como poderia eu deixar uma marca da minha passagem pelo Congresso Nacional com uma iniciativa equiparável à de Nelson Carneiro durante várias décadas: a conquista da aprovação da Lei do Divórcio. V. Exª foi, em relação ao divórcio, o mesmo fascinado por uma causa a que se dedicou de corpo e alma. Faço esta análise do seu exemplo inspirador, da sua iniciativa de arrostar preconceitos que, naquela época, eram muito mais poderosos do que hoje; V. Exª não desanimou um momento sequer, enfrentou todas as dificuldades e superou todos os obstáculos. E devo fazer, Senador Nelson Carneiro, este crédito a V. Exª: V. Exª é co-autor dessa iniciativa minha em favor da educação em nosso País. A outra lição, nobre Senador, se reveste de uma grandeza que só está à altura de um homem extraordinário como V. Exª. Conheço, detalhe por detalhe, tudo que ocorreu no Estado do Rio de Janeiro para que a sua candidatura fosse torpedeada. Se revelasse esses detalhes, eu me envergonharia de pertencer a essa miserável condição humana. Mas desejo, mais uma vez, seguir o seu exemplo inspirador: não apontar responsáveis, criaturas que cometeram crimes - não sei se estou partindo para algum exagero - de lesa-humanidade. Usava argumentos nefandos, argumentos indignos de um país que precisa considerar que tesouros como V. Exª devem ser preservados. V. Exª ocupa esta tribuna em vez de usar uma metralhadora, em vez de fazer revelações realmente estarrecedoras. V. Exª enfrenta essa despedida com uma grandeza que realmente deve ficar indelevelmente gravada nos Anais do Congresso Nacional. Orgulho-me muito, nobre Senador Nelson Carneiro, de ter atuado, embora em nível muito mais modesto, no Congresso Nacional. Já dei a V. Exª o crédito da inspiração de me concentrar num assunto, num tema, em vez de partir para uma enorme diversificação. Mas não encerraria este aparte - outros eminentes colegas também querem ocupar o microfone - sem evocar uma ligação de V. Exª, uma ligação de extraordinária importância que V. Exª citou, de passagem, no seu discurso. Refiro-me à minha conterrânea, conterrânea de Elcio Alvares e de Joaquim Beato, D. Carmem, que tem sido, ao longo dos últimos anos, uma companheira realmente extraordinária, e a ela deve ser dado o crédito de uma dedicação inexcedível, inigualável, que deve ter contribuído, significativamente, para que V. Exª nunca tivesse esmorecido, um momento sequer, na luta pela concretização dos seus ideais de patriota sem mácula. Saúdo, também, a sua admirável filha Laura, que vai honrar o nome desse imortal Senador Nelson Carneiro, procurando repetir na Câmara dos Deputados e futuramente, estou certo, aqui no Senado Federal, a performance, realmente sem precedente, de V. Exª, grande, notável, insuperável, Senador Nelson Carneiro, que deve ser a melhor inspiração para as novas gerações que vão continuar o bom combate na área do Poder Legislativo. Que Deus o abençoe, nobre Senador Nelson Carneiro.

O SR. NELSON CARNEIRO - Nobre Senador João Calmon, inicialmente, em nome da minha mulher e de minha filha, lembrados por V. Exª, os meus agradecimentos especiais.

Vou resumir este agradecimento numa frase: acredito que a minha ausência nesta Casa representa muito pouco, quase nada, a não ser pelo prazer da convivência. O que era preciso fazer eu fiz, porque deixei uma legislação a serviço das aspirações e necessidades da família brasileira.

Meu grande pesar, maior do que o da minha ausência nesta Casa, nobre Senador João Calmon, acredite, é o pesar pela ausência de V. Exª. Porque V. Exª não falava apenas para esta geração: V. Exª trabalhava pelas futuras gerações. Mais importante do que a causa da família era a causa do Brasil inteiro, dos que nascem, dos que vivem, dos que caminham através dos tempos. V. Exª é e, fora desta Casa, será ainda o Patriarca da Educação. Mas ninguém perdoará a sua ausência, depois de tantos serviços prestados ao Brasil. Meu pesar, creia V. Exª, é mais pela sua ausência do que pela minha própria ausência.

É que nós somos a Terceira Idade, e a Terceira Idade não tem mais lugar na Casa dos Anciãos. Muito obrigado.

O Sr. Lourival Baptista - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muito prazer, nobre Senador Lourival Baptista.

O Sr. Lourival Baptista - Eminente Senador Nelson Carneiro, entramos no Senado em 1971, há 24 anos, e fomos colegas também na Câmara dos Deputados. Mas recordo-me de V. Exª quando eu era garoto, V. Exª já rapazinho, na cidade de Alagoinhas, no Estado da Bahia, na casa do Dr. João Dantas Bião, na casa do Dr. Carlos Azevedo, na casa do Coronel José Lúcio dos Santos Silva, Santinho do Riacho, quando V. Exª lá ia fazer política; V. Exª rapaz e eu, meninote; depois, eu já acadêmico de Medicina, na Bahia, V. Exª participava daquelas lutas políticas no nosso Estado. Hoje, V. Exª se despede desta Casa. Só tenho a lhe dizer que V. Exª deixa saudades, e faço minhas as palavras dos Senadores que aqui já lhe saudaram, porque eles falaram diretamente do coração e, repito, sem passar pelo filtro da inteligência. Seja feliz, Senador Nelson Carneiro!

O SR. NELSON CARNEIRO - Nobre Senador Lourival Baptista, V. Exª evoca tantos instantes e amigos que continuam morando em nossa saudade. Lembro-me de V. Exª muito moço, campeão de dança, quando conquistava a companhia de todas as moças de seu tempo. Quando V. Exª entrou na vida pública, nós nos reencontramos e continuamos lutando. V. Exª me evoca aquele tempo. Lamento que os nossos cabelos brancos já façam distantes aquelas horas felizes da juventude que V. Exª recorda. Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Ronan Tito - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Ouço V. Exª com prazer.

Sr. Presidente, farei tudo para ser breve, porque sei que estou abusando.

O Sr. Ronan Tito - Nobre Senador Nelson Carneiro, o tempo de V. Exª deve ser proporcional ao tempo que V. Exª dedicou a este País, no Parlamento, na política, nas causas da democracia, na luta para institucionalizar uma legislação na Vara da Família. Muitos o reconhecem apenas como o autor da Lei do Divórcio. Não sabem ou esquecem que o reconhecimento do filho chamado ilegítimo no passado passou a existir da nossa legislação graças a V. Exª. E tantas outras coisas. Mas não gostaria de localizar o homem político como o especialista nisso ou naquilo. É o ser político, é o homem político que está onde se faz necessária sua presença para o País. V. Exª, no último meio século - mais até -, sempre esteve acudindo às necessidades deste País sem se lembrar muitas vezes de si mesmo. Os grandes homens, aqueles que permanecem, às vezes, por perto, nem sempre são reconhecidos. Não é o caso de V. Exª. Caminhar com V. Exª no Rio de Janeiro, no meio do povo, é um privilégio. Verificar o carinho das pessoas, que não se contentam em apenas cumprimentá-lo, mas querem abraçá-lo, beijá-lo. Lembro-me também, Senador Nelson Carneiro, das nossas andanças no Parlamento Latino-Americano. Uma vez, em Portugal, quando começamos a sessão, em tentativas de entendimento do Parlamento Latino-Americano com o Parlamento Europeu, o Senador Nelson Carneiro adentrou o recinto um pouquinho atrasado, e o Plenário ficou de pé, os Parlamentares todos ficaram de pé - europeus e latino-americanos -, aplaudindo o Senador Nelson Carneiro. De maneira que, Senador, quando V. Exª se lembra das traições e dos traidores, lembro-me de um verso que a Cecília Meirelles fez sobre Tiradentes: "Venham, venham ver. Vencerá quem perde". E assim foi. Muitos pensaram, naquele momento, que foi Silvério dos Reis que venceu, mas foi Tiradentes que ficou na História. De maneira que o que fez V. Exª por esse País, todos nós somos testemunhas disso e os Anais deste Congresso também o são. Isso permanecerá. Os traidores, eles são pequenos, eles passarão. Serão lembrados, talvez, sobre o valor das moedas a que venderam seus companheiros, seus amigos. Uns por trinta, outros por um pouco mais, outros por um pouco menos. Saudade é a presença da ausência. V. Exª vai permanecer aqui. A presença da ausência de V. Exª vai deixar saudades no Congresso e em todos os encontros políticos. Quero convidar V. Exª, que deixa de ser Parlamentar como eu, cada qual na sua circunstância, porque continuarei trabalhando à frente da Fundação Pedro Osório e gostaria de contar com o concurso e com a experiência de V. Exª, pois são de V. Exª os trabalhos dessa Fundação. O meu Partido deve muito, muito a V. Exª, mas quer dever mais, porque V. Exª, que doou tanto a este Brasil e ao nosso Partido, tenho certeza, ainda poderá doar muito. Tive o privilégio de conviver de perto, de muito perto com V. Exª nas lutas, nos debates, na primeira campanha em que V. Exª se candidatou a Presidente do Senado Federal. Depois, mais tarde, a pedido do Senador Alfredo Campos, que disse: "Temos um bom candidato: o Senador Nelson Carneiro". Ainda não havia aparecido outros candidatos, e logo me engajei, conhecia de nome, na luta. Depois, na segunda campanha, felizmente para nós todos do Senado, vitoriosa, tivemos, então, uma gestão profícua, séria, honrada, como é honrado V. Exª. V. Exª deixa um exemplo para todos nós, não só de competência, de participação, de assiduidade. Lembro-me, muitas vezes, que aqui no plenário fazia muito frio, e V. Exª saía do seu gabinete, porque achava que tinha que intervir no assunto, dobrava a gola do paletó para que o frio não injuriasse a sua garganta, chegava e dizia: "Sr. Presidente, não concordo". Dava um alento no Senado, quando V. Exª dizia que não concordava, que tinha dúvidas. Os sábios têm dúvidas, só os técnicos é que não duvidam nunca. De maneira que V. Exª deixa saudade, mas deixa mais que isso: deixa um exemplo de vida e deixa permanentemente para o Brasil um exemplo de dignidade.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado, nobre Senador, muitíssimo obrigado.

O Sr. Mauro Benevides - V. Exª me permite um aparte, Senador Nelson Carneiro?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muito prazer, nobre Senador Mauro Benevides.

O Sr. Mauro Benevides - Nobre Senador Nelson Carneiro, vários companheiros do PMDB e, ainda há pouco, nosso Senador Ronan Tito já intervieram no discurso de V. Exª, no instante em que esta Casa assiste a sua despedida, depois de uma vida pública irrepreensível, marcada por uma identificação permanente com os interesses do povo brasileiro. Eu me permitiria recordar, neste instante, alguns fatos que nos vincularam e que me tornaram credor, admirador, portanto, das suas qualidades, de seus atributos e, sobretudo, vendo em V. Exª a figura exemplar do político e do parlamentar. Presidia eu - e ainda hoje continuo no exercício deste cargo - o PMDB do Ceará, e V. Exª ali chegava como Líder de, salvo engano, cinco ou sete Senadores que compunham o PMDB no Senado Federal.

O SR. NELSON CARNEIRO - Sete.

O Sr. Mauro Benevides - V. Exª, como Líder da nossa Bancada, chegava em Fortaleza, acompanhado do Líder na Câmara dos Deputados, Aldo Fagundes. E eu, como presidente e anfitrião, levei a V. Exª, a Aldo Fagundes e ao grande e saudoso Ulysses Guimarães, nesse instante, o incentivo, a motivação para que Líderes do Partido continuassem naquela pregação, que era a da anticandidatura, uma forma encontrada na ocasião para apressar o processo e normalização político-institucional. Quando cheguei a esta Casa, na safra de Senadores do MDB, em 1974, e subi a rampa no dia 1º de fevereiro de 1975, V. Exª já aqui pontificava como uma figura verdadeiramente estelar desta Casa. Pelos pronunciamentos que fazia, sobretudo naqueles instantes de maiores dificuldades político-institucionais, V. Exª, dentro de uma ironia de fino lavor, trazia para esse microfone a manifestação de seu personagem, o Agapito Durão, que aqui significava uma crítica mordaz ao sistema dominante naquela ocasião no País. Estreitamos o relacionamento que tínhamos aqui. Tantas e seguidas vezes fui ao seu gabinete conhecer aquele acervo expressivo de proposições que V. Exª apresentava, com a colaboração muito próxima de seu saudoso assessor, Manoel Souza, homem extremamente devotado a seu trabalho, a sua luta, a sua faina parlamentar. Coube a mim sucedê-lo na Presidência da Casa, V. Exª que foi realmente um Presidente notável, que defendeu de todas as formas o interesse público, que projetou o Senado Federal. Regozijo-me comigo mesmo de haver promovido a aposição do retrato de V. Exª na galeria de honra desta Casa - foi o último a ser ali colocado. V. Exª reuniu aqui praticamente todo o Senado e, mais do que ele, o próprio Presidente da República, Dr. Itamar Franco, que fez questão, a meu convite, de vir partilhar conosco aquele grande momento de exaltação à sua personalidade de escol. Tenho absoluta certeza de que o povo do Rio de Janeiro cometeu uma grande injustiça com V. Exª, uma injustiça inqualificável. Mas V. Exª já legou a todos nós, seus companheiros, e sobretudo ao País, lições admiráveis de afirmação democrática. Portanto, saúdo V. Exª, neste instante, com a mais profunda emoção, em meu nome próprio e em nome da Liderança do PMDB no Senado Federal.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito agradeço a V. Exª, nobre Senador Mauro Benevides. V. Exª evoca os anos felizes, nem sempre tranqüilos, mas constantemente dedicados ao interesse público que vivi no MDB e no PMDB. V. Exª é um elo daquela geração que aqui chegou em 1974, fruto da memorável campanha do anticandidato e daquela que, nesta Casa, encerra a sua passagem temporária para voltar muito breve como Líder do Partido que um dia nos uniu e para o qual temos sempre voltados os olhos e o coração.

O Sr. Alfredo Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

A Srª Eva Blay - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Vou conceder a palavra, em primeiro lugar, à Senadora Eva Blay, que quer me honrar com a sua intervenção. Ouvirei depois V. Exª com prazer.

A Srª Eva Blay - Senador Nelson Carneiro, agradeço o privilégio que V. Exª me está dando de falar. Estava temerosa de tomar a palavra e não conter a emoção, porque me considero, como tantos outros desta Casa, uma grande devedora de V. Exª. Dizem que há leis que "pegam" e leis que não "pegam". Creio que deveremos dar uma outra interpretação a essa questão. Há leis que, de fato, correspondem ao que o povo espera, procura e deseja; e há outras que estão desconectadas com o que a população precisa. É necessário ter muita coragem, muita persistência, muita sensibilidade, como V. Exª teve, para entender que o povo brasileiro necessitava de uma legislação mais adequada, relativamente à família, que aperfeiçoasse os laços familiares e que fosse contra uma porção de instituições que não tinham a sensibilidade que V. Exª teve. Acredito que isso fez parte do processo de civilização do País, de toda a América Latina, assim como faz parte da nossa condição de cidadania. Todos somos devedores de V. Exª, da sua persistência e coragem, principalmente de sua luta. E nós mulheres devemos mais ainda, porque, dentro desse processo, sempre fomos as maiores prejudicadas. V. Exª, durante muitos anos, se preocupou com essa questão e entendeu esse anseio. Na semana passada, mais uma lei de V. Exª foi ratificada pelo Presidente da República, justamente concedendo direito - e agora não só para a mulher, mas para a mulher e para o homem - a recuperar uma parte daquilo que tivesse investido na construção de sua família e de seus bens. Senador Nelson Carneiro, considero-me uma pessoa extremamente privilegiada por ter podido ir ao seu gabinete muitas vezes para pedir orientação, ajuda, conselho e, às vezes, para trocar idéias. Em nome de muitas mulheres brasileiras e de muitas famílias que, hoje, estão aperfeiçoadas, vivendo com muita felicidade, transmito a V. Exª um enorme agradecimento. Muito obrigada.

O SR. NELSON CARNEIRO - Nobre Senadora Eva Blay, quem lhe deve agradecimentos sou eu. Quando tive de bater às portas das Casas Legislativas para que se constituísse a primeira Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para um estudo especial - a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a mulher - requeri e obtive a aprovação para que se formasse tal Comissão. Se, hoje, V. Exª ler as longas razões que justificaram minha iniciativa, verá que a grande contribuição era de uma professora de São Paulo que eu não conhecia, que depois tive o prazer de conhecer e de com ela conviver durante muito tempo, sempre com a maior admiração: era a Profª Eva Blay. De modo que eu é que devo a V. Exª; a gratidão é minha e não de V. Exª.

O Sr. Guilherme Palmeira - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Concedo o aparte a V. Exª, com muito prazer.

O Sr. Guilherme Palmeira - Permita V. Exª, nobre Senador, que eu saia um pouco do conteúdo do discurso, pois não tive oportunidade de acompanhá-lo no seu todo. Mas não poderia deixar neste instante de dizer que, vendo V. Exª na tribuna, estou vendo também o meu saudoso e inesquecível pai, Rui Palmeira. Ele, que conviveu - não digo a mocidade, mas a juventude e a euforia política das suas épocas - com V. Exª disse-me um dia: "Um dos maiores exemplos de homem público que temos neste País chama-se Nelson Carneiro, não simplesmente pela amizade que nutrimos por ele, mas pelas suas ações, pelas suas posturas e idéias. E se você puder, meu filho, lembre-se de que Nelson Carneiro é um exemplo de político que age com sinceridade e honestidade." Meu caro Nelson Carneiro, guru de quase todos nós, pelo impulso de meu pai e pelo convívio que tivemos, se não me engano, em duas Legislaturas, cada vez mais passei a admirá-lo e a vê-lo como o protótipo do político brasileiro. Lamento que V. Exª não continue mais tempo conosco, mas pelo seu vigor, capacidade, lucidez e inteligência essa despedida é um "até breve". Continuaremos defendendo tudo aquilo que V. Exª pôs em prática e preservou, tanto no Senado Federal, como na Câmara dos Deputados. Sua ausência desta Casa será uma lacuna muito grande, mas todos continuaremos zelando pelas suas idéias, pelas suas propostas e, principalmente, continuaremos a considerá-lo como um exemplo grandioso de homem público e de político. Tenho certeza de que contaremos com a sabedoria de V. Exª, ajudando-nos e iluminando-nos para que possamos desenvolver um trabalho profícuo no Senado da República. Muitas felicidades.

O SR. NELSON CARNEIRO - Agradeço a V. Exª, que evocou Rui Palmeira, uma das figuras mais admiráveis e intrinsecamente ligadas a minha pessoa que conheci na vida parlamentar e que acompanhei até a hora derradeira.

E quando V. Exª iniciava a sua brilhante trajetória na política alagoana, lembro-me de que lhe passei um telegrama, saudando em V. Exª o continuador de Rui Palmeira. Para ele, não há uma lágrima. Para recordar Rui Palmeira, só uma prece. Deus o conserve ao Seu lado.

O Sr. Irapuan Costa Júnior - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Irapuan Costa Júnior - Nobre Senador, é um prazer saudá-lo em nome do Partido que V. Exª honra e do qual é a figura maior nesta Casa. Tenho certeza de que, daqui a quatro anos, V. Exª estará voltando a esta Casa. Enquanto isso, V. Exª passará algum tempo sem ler projetos de lei, medidas provisórias e coisas afins. Vou fazer-lhe, se me permite, uma recomendação: há um escritor norte-americano contemporâneo, que a crítica diz que vai superar Faulkner e que se chama Cornan MacCarthy. Guarde esse nome e procure lê-lo. Vou citar uma pequena passagem de um livro dele, que foi traduzido para o português, que se chama Meridiano Sangrento. Estão conversando um rapaz e um juiz. O juiz fala ao rapaz sobre ouvir o silêncio. O rapaz responde que ninguém pode ouvir o silêncio. E o juiz replica, dizendo que "você está dormindo na pradaria. Os coiotes estão uivando, o pássaro da noite está piando. Aí vem alguém ou alguma coisa, e todos se calam. E você, que estava dormindo, desperta. O silêncio o despertou. Como não pode ouvir o silêncio?" Digo isso, meu caro Senador Nelson Carneiro, porque V. Exª tem uma trajetória de correção e honestidade, mas não é só isso. Como disse aqui alguns dos colegas, V. Exª marcou sua passagem por esta Casa pela sua atuação. V. Exª tem uma obra muito importante, principalmente no que diz respeito ao Direito de Família. Nós todos somos testemunhas da sua luta pela legalização da separação dos casais no Brasil. Quando, nos próximos quatro anos, V. Exª não estiver aqui, todos nós vamos ouvir o silêncio da sua ausência nessas tribunas. Um grande abraço, pois foi uma honra ter convivido com V. Exª nesta Casa.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado a V. Exª. Agradeço a lembrança da minha presença no pleito daqui a quatro anos. Não. Deus não prolongará tanto a minha vida, porque melhor será que ele me convoque enquanto estiverem vivas, nas minhas lembranças, as palavras carinhosas que ouvi nesta tarde. Muito obrigado a V. Exª, meu Líder, Irapuan Costa Júnior.

O Sr. Chagas Rodrigues - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com todo o prazer, nobre Senador Chagas Rodrigues. V. Exª tem de voltar à Presidência. Temos de dar-lhe a precedência.

O Sr. Chagas Rodrigues - Eminente Senador Nelson Carneiro, pretendia aparteá-lo em meu nome, mas certo de que iria traduzir os sentimentos não só de todo o Senado, que aqui já se fez ouvir pelos diferentes Líderes, mas de toda a Nação brasileira. Porém, fui autorizado pelo meu Líder Teotônio Vilela Filho para falar em nome da Bancada do PSDB. V. Exª foi Líder do MDB, Partido que tive a honra de ajudar a fundar neste País, quando era Deputado Federal. V. Exª foi Presidente do Senado Federal. V. Exª foi Presidente do Parlamento Latino-Americano. O nome aureolado de V. Exª já transpôs, há muito, as fronteiras da nossa Pátria. Todos os estudiosos das lutas em favor da democracia neste País encontram o nome de V. Exª. Todos os estudiosos do Direito Civil e, especialmente, do Direito de Família encontram o nome de V. Exª. Fora do Brasil, os estudiosos do Direito Civil Comparado encontram, como um dos grandes representantes do Direito Civil brasileiro, o nome de V. Exª. Os estudiosos do Poder Legislativo, aqueles que já escreveram sobre as Casas do Congresso e outros que virão a fazê-lo mencionarão sempre o nome de V. Exª, pelas posições marcantes que V. Exª tomou e pelos cargos que exerceu. Parlamentar honrado, idealista, democrata, atuante, homem de espírito público, generoso, pensando sempre nas grandes causas da nacionalidade, com esse espírito de sensibilidade humana que V. Exª sempre demonstrou, receba também as nossas homenagens. Meus parabéns! Poucos homens públicos deixaram esta Casa recebendo as homenagens do Senado em peso. Poucos homens públicos deixaram, ou deixarão, esta Casa tendo atrás de si tanta dignidade no trabalho, tanta altivez e tanto serviço relevante. Conheço V. Exª e o admiro desde 1951, quando cheguei à Câmara dos Deputados como representante do meu Piauí. Desde então o admiro. Aprendi muito com V. Exª e estou certo de que as gerações futuras continuarão a admirá-lo, pois muito terão a aprender com o espírito público de V. Exª. Parabéns, nobre Senador Nelson Carneiro.

O SR. NELSON CARNEIRO - Nobre Senador Chagas Rodrigues, a palavra de V. Exª é tão generosa quanto o seu coração. Daí a carinhosa saudação que faz. Somos velhos companheiros. Partilhamos de muitos episódios da vida pública brasileira. Não dissentimos, porque os ideais eram os mesmos, as esperanças eram as mesmas. Nesta hora, quando juntos deixamos esta Casa, convocamos os colegas a pensar não na falta que farei, mas na falta que V. Exª fará. Aqui estão as testemunhas da atividade exemplar de V. Exª, do que representa para a normalidade legislativa a presença de V. Exª, que divide com o ilustre Presidente da Casa as responsabilidades na condução dos nossos trabalhos. Se alguém deixa, nobre Senador, um grande vácuo nesta Casa é V. Exª.

Quero agradecer a recordação, que já tinha sido feita pelo nosso ilustre colega Ronan Tito, a respeito da participação que juntos temos tido nos concílios internacionais, em especial no Parlamento Latino-Americano. Procuramos levar, todos nós representantes brasileiros além das fronteiras, uma palavra de solidariedade e, principalmente, de confiança nos destinos do Brasil, ainda quando eram negras as nuvens que toldavam a democracia nacional.

Estendemos além das fronteiras. Há uma palavra de confiança que dias melhores chegaram. E os dias melhores chegam, nobre Senador, quando não podemos mais colaborar com nosso voto, para que ele se prolongue e se torne realidade. Muito obrigado.

O Sr. Alfredo Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Pois não, nobre Senador Alfredo Campos.

O Sr. Alfredo Campos - Senador Nelson Carneiro, é muito difícil quando, na despedida de um Parlamentar como V. Exª, permitimos que vários Senadores se nos antecipem. Fica difícil dizer alguma coisa sobre V. Exª que já não tenha sido dita neste plenário. No entanto, quero destacar que V. Exª talvez tenha sido - e não tenho medo de errar - o Senador mais conhecido pelo povo brasileiro que já passou por esta Casa. V. Exª realizou não somente a monumental luta em prol do divórcio, mas também contribuiu, com suas idéias e experiência, para a discussão de toda legislação que tenha passado por esta Casa com relação ao Direito de Família. V. Exª - não tenho medo de errar - foi o Parlamentar mais conhecido do Senado da República. Nos três mandatos que aqui exerceu, V. Exª emprestou a esta Casa, aos debates e às leis aqui aprovadas o fulgor do seu espírito patriótico e a sua competência. Por isso esta saudade imensa que o Congresso Nacional terá de V. Exª, no momento em que nos deixar. Senador Nelson Carneiro, não posso deixar que esta oportunidade passe sem relembrar o que aconteceu com nós ambos: por duas vezes, tive a oportunidade de estar em disputa frontal com V. Exª por cargos ou posições. A primeira vez foi quando disputamos, dentro do nosso Partido, o PMDB, a Presidência desta Casa. Antes da disputa, que se daria por voto secreto, na nossa Bancada, pude notar que, mesmo contando com um potencial de votos muito grande, porque houvera sido eu Líder daquela Bancada um ano antes, a vontade quase que total dos nossos Companheiros era de que pudesse votar em V. Exª. E para que isso acontecesse, como aconteceu, renunciei à minha pretensão e a de um grupo que me apoiava, e pôde o PMDB, em uníssono, ficar com o nome de V. Exª. Anos mais tarde, V. Exª e eu disputávamos novamente uma comissão muito importante nesta Casa, que até hoje presido, que é a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Depois de muitos dias de campanha, na reunião que secretamente iria decidir quem seria o candidato do PMDB a presidir essa Comissão, V. Exª renunciou à sua candidatura, lembrando-se da minha renúncia, quando V. Exª foi escolhido Presidente do Congresso Nacional. São coisas, Senador Nelson Carneiro, de que não nos esquecemos, e esta Casa também não se esquecerá. V. Exª sempre foi a pessoa aqui neste Plenário, neste Congresso, que, quando havia um impasse, uma dificuldade muito grande em se resolver certo assunto, sempre era o primeiro a ser lembrado para ajudar o Congresso, para nos ajudar a sair daquela dificuldade. V. Exª, Senador Nelson Carneiro, haverá de fazer uma falta muito grande a este Congresso e muito maior falta fará ao Brasil.

O SR. NELSON CARNEIRO - Obrigado. Quero, neste momento, renovar os meus agradecimentos pela largueza do gesto de V. Exª, ao renunciar à sua justa pretensão de presidir o Senado Federal para que me fosse dada aquela honraria. Mas, sobretudo, quero me rejubilar por ter renunciado à possibilidade de ser eleito Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, para que ela tivesse a presidi-la uma figura da expressão intelectual e o moral de V. Exª. Muito obrigado, Senador Alfredo Campos.

O Sr. Coutinho Jorge - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muita honra, nobre Senador.

O Sr. Coutinho Jorge - Senador Nelson Carneiro, posso afirmar que o homem é reconhecido e lembrado, durante sua vida, pelo seu exemplo, por aquilo que realizou no decorrer de sua vida. V. Exª, na sua longa existência, realizou como homem público uma vida útil, bela e - por que não dizer? - uma vida santa, no sentido de seu ideal, do seu trabalho, da sua seriedade em prol de um Brasil melhor. Concordo com o nobre Senador Alfredo Campos, quando disse que possivelmente V. Exª fosse o Parlamentar mais conhecido deste Brasil durante um longo tempo. Lembro-me de que eu ainda era professor da Universidade na Amazônia, nem pensava na vida pública e já conhecia seu trabalho. V. Exª era conhecido em toda Amazônia e em todo o Brasil por tudo aquilo que fez durante longo tempo neste nosso País. Aprendi a conhecê-lo como Parlamentar - posteriormente, quando fui Deputado Federal, e, de forma mais clara e precisa, quando Senador da República - e aprendi a admirá-lo mais, pois V. Exª, na verdade, é um Parlamentar sério, dinâmico e exemplar. Aquilo que foi dito aqui, por todos os Companheiros, sobre o seu trabalho, mostra o que V. Exª semeou no Parlamento Latino-Americano e, evidentemente, no Parlamento brasileiro. V. Exª deixará um marco indelével, inapagável, na vida pública deste País. Dizem que ninguém é indispensável na vida, pois sempre existe alguém que o substitua. Entretanto, posso dizer a V. Exª que este Congresso e que a vida pública brasileira ficarão muito mais pobres com a sua ausência. Peço a Deus que o inspire para que continue a dar exemplos dignos a este Brasil. Quem dera, meu caro Senador Nelson Carneiro, que o Brasil tivesse, em vários setores, em várias regiões desta Nação, homens da sua estirpe, da sua visão e do seu ideal! Por certo este Brasil seria totalmente diferente do Brasil atual. Muito obrigado por tudo o que fez por este País e pelo que continuará fazendo. E, como já foi dito, quem sabe V. Exª voltará a estar entre nós, trabalhando, daqui a quatro anos, em favor de um Brasil mais justo, de um Brasil mais feliz. Parabéns e que Deus o abençoe!

O SR. NELSON CARNEIRO - Eu quero dizer que a generosidade do nobre Senador Coutinho Jorge é igual à do povo paraense. Das suas palavras, recolho a mesma emoção com que recebi, há cerca de dois anos, o título de "Cidadão Paraense". Era preciso conhecer o Pará; era preciso viver um pouco naquele Estado para compreender a generosidade dos seus homens. V. Exª é um digno representante daquela generosidade. Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. José Fogaça - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. José Fogaça - Senador Nelson Carneiro, eu gostaria de fazer um registro, porque creio que essas despedidas, tradicionais no Senado, têm a função e o objetivo de evidenciar e marcar a trajetória que foi perseguida e cumprida pelos Srs. Senadores. Faço-o com muita convicção e muita serenidade, não tenho dúvida alguma: depois de mais de quatro décadas de vida parlamentar, não só pelo tempo, mas, sobretudo, pelo mérito, V. Exª ocupa o lugar de um dos maiores legisladores deste século. Se há no Brasil três grandes legisladores neste século, não tenho dúvida alguma de que um deles se chama Nelson Carneiro. Senador Nelson Carneiro, desde que cheguei ao Senado Federal, companheiro de V. Exª de Partido e de mandato, fascinou-me o seu extraordinário apetite para o trabalho, a sua extraordinária aptidão para o ato de legislar. Mesmo depois da obra vultosa e monumental que V. Exª lega a este País, no plano do Direito de Família, V. Exª ainda cumpriu, na Assembléia Nacional Constituinte, tarefas das mais significativas e importantes e mostrou uma combatividade, uma disposição de trabalho, que é raro testemunhar e presenciar em qualquer atividade. O nobre Senador tem consigo uma enorme vocação legisladora, um incomparável talento de legislador. Não tenho qualquer dúvida em registrar que V. Exª é um dos maiores legisladores deste século, sobretudo porque V. Exª é incansável no debate, na disputa das suas idéias, na defesa dos seus pontos de vista, mas não é intransigente. Sabe respeitar a opinião contrária, sabe fundir idéias e produzir resultados. Creio que os ensinamentos que V. Exª deixa não podem ser esquecidos. Este registro tem que ser feito de forma maiúscula e, se pudesse, Senador Nelson Carneiro, poria neste plenário uma placa com a seguinte inscrição: "A Nelson Carneiro, o legislador, a Pátria agradecida". Muito obrigado a V. Exª.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado. Os excessos de generosidade de V. Exª me comovem e tornam ineficientes quaisquer palavras de agradecimento. Elas não traduzem, na sua extensão, a gratidão que devo pela generosidade de suas expressões.

Esta Casa não terá, certamente, nenhuma placa que recorde minha passagem. Desejo que essa condecoração fique na saudade e no coração de cada um dos companheiros. Eles serão os encarregados de transmitir aos que aqui chegarem depois que, nesta Casa, esteve um Senador que, como tantos outros, lutou, sem descanso, pela liberdade, pelo Direito e pelas causas sociais. Já será a história, a gratidão e o reconhecimento a todos aqueles que, nesta Casa, lutaram e continuam lutando. Fui apenas um combatente no meio de um exército. Muito obrigado.

O Sr. Magno Bacelar - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Magno Bacelar - Durante algum tempo, fiquei na dúvida se juntava a minha voz à de todos aqueles que, anteriormente, se manifestaram, ou se ficava com o silêncio de milhões de brasileiros que o amam e que tiveram a esperança e algum direito graças à luta de V. Exª. Pelos apartes e homenagens recebidas, V. Exª está acima de todos os partidos. Expresso a homenagem do meu Estado do Maranhão e o reconhecimento do PDT, que aqui represento, que não poderia faltar, como não poderá faltar em nenhum brasileiro, e a história há de registrar isso: o reconhecimento e o amor de todos nós. Parabéns a V. Exª, que haverá de continuar escrevendo a história tão bela que construiu até aqui. Muito obrigado, nobre Senador.

O SR. NELSON CARNEIRO - V. Exª é tão generoso que me faz prestar um depoimento, ao referir-se ao PDT.

Eu estava em São Paulo, no hospital; não conhecia, nem tinha maior ligação com o Governador Leonel Brizola, mas S. Exª, chegado do exílio, foi visitar-me e me fez uma confissão que guardo como um dos lauréis da minha vida. S. Exª disse o seguinte: "Senador, durante os anos de exílio, criei duas admirações: Tancredo Neves e Nelson Carneiro". Não precisava explicar a razão daquela confissão. Nesta Casa, não houve dia em que nós, aquele pugilo de representantes da Oposição, não lutássemos pela anistia, pela volta de todos os brasileiros ao País. Minha ligação com o PDT é esta, o liame dessa declaração que o Líder do Partido me fez numa hora em que eu não tinha certeza se poderia vencer as dificuldades de saúde em que me encontrava.

Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Hugo Napoleão - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - O depoimento de V. Exª é suspeito.

O Sr. Hugo Napoleão - Pela admiração que nutro por V. Exª.

O SR. NELSON CARNEIRO - Nós somos amigos desde Hugo Napoleão, o outro, seu avô. Continuamos, de modo que as palavras de V. Exª eu as recebo como as de um irmão, mas o depoimento de V. Exª, para a História, é suspeito. Mas o ouvirei, com muito prazer.

O Sr. Hugo Napoleão - Aceito a suspeição, na medida em que admirador de V. Exª sou, e gostaria de situar que o meu aparte é como uma pequena luz de lamparina que está diante do sol do meio-dia.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado.

O Sr. Hugo Napoleão - E para dirigir-me a V. Exª sempre o faço com respeito, com mesuras e com reverências. Os latinos afirmavam: Flectiri non flectare, eu me curvo mas não me dobro; diante de Nelson Carneiro, eu flectiri et flectare, eu me curvo e me dobro. Quero dizer que agradeço a Deus e ao destino o privilégio de ter tido a feliz oportunidade desse convívio, já há vinte anos no Congresso Nacional, com V. Exª, aprendendo sempre lições de cidadania, lições de civilidade, lições de Direito, de um homem elegante, de um homem sans peur et sans reproche, de um homem cuja impecabilidade nos dá orgulho, nos ostenta a vaidade. Eu realmente digo, Senador Nelson Carneiro, que sou três vezes beneficiário da ação de V. Exª. A primeira, pelas lições cotidianas no convívio pessoal e aqui no plenário; em segundo lugar, pela generosidade de V. Exª haver prefaciado meu livro "Educação e Democracia", que contém as passagens relativas ao período em que fui Ministro da Educação que julguei devessem ser publicadas e levarei esse prefácio como um troféu, como um laurel pela minha vida afora; e, em terceiro lugar, beneficiário, na minha vida pessoal, da legislação que V. Exª introduziu no País, e bem sabe V. Exª disso, recolho o carinho, a atenção, a amizade, o apreço que V. Exª teve comigo numa passagem extremamente difícil da minha vida, na qual V. Exª atuou como um bálsamo que me abriu o coração. Fui eleito, hoje pela manhã, Líder do meu Partido para a Legislatura seguinte. Não posso ainda, portanto, falar em nome desse Partido, mas tenho certeza de que o Partido da Frente Liberal reverencia um dos maiores homens públicos do nosso País. Obrigado, Senador Nelson Carneiro.

O SR. NELSON CARNEIRO - Nobre Senador Hugo Napoleão, repito, somos amigos através das gerações. Integrei o Comitê de Imprensa do Palácio Tiradentes quando ali pontificava seu avô, Hugo Napoleão. Vi-o, depois, na Consultoria-Geral do Banco do Brasil. Acompanhei a trajetória de seu pai e me envaideço de ser amigo e companheiro do seu filho. A palavra de V. Exª, para mim, é a palavra de um irmão.

Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte, Senador Nelson Carneiro?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muita honra, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Em nome do Partido dos Trabalhadores, também gostaria de cumprimentá-lo pela sua extraordinária vida pública e, sobretudo, dar o meu testemunho, assim como os demais colegas, do quanto pude aprender com as lições de civilidade, de luta pela cidadania, pelos direitos de todos os brasileiros, contra a discriminação. Desejo também assinalar que considero V. Exª, não apenas nesses quatro anos que convivi com V. Exª no Senado Federal propriamente, mas também ao tempo em que fui Deputado Federal, de 1983 a 1987, quando pude acompanhar a vida de V. Exª no Congresso Nacional, um exemplo de quem consegue abraçar uma bandeira, mostrando que tanto acredita nela que nunca desiste de empunhá-la, até que a vitória seja atingida. V. Exª constitui um exemplo, pelas muitas causas que abraçou na sua vida, para todos nós, Senadores ou Parlamentares. Os meus cumprimentos a V. Exª, e também os cumprimentos do Partido dos Trabalhadores.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado a V. Exª. As suas palavras se somam às de quantos têm, nos excessos de suas generosidades, se referido à minha passagem pelo Congresso Nacional. Muito obrigado.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - V. Exª me permite, Senador Nelson Carneiro?

O SR. NELSON CARNEIRO - Com muita honra, nobre Líder Cid Saboia de Carvalho.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Senador Nelson Carneiro, quero integrar o discurso de V. Exª com o meu depoimento a respeito do que pude testemunhar de sua passagem pelo Congresso Nacional. É evidente que testemunho esses últimos oito anos durante os quais estivemos juntos aqui, no Senado Federal e no Congresso Nacional. Mas devo dizer a V. Exª que, como estudioso do Direito, como professor de Direito Civil, como integrante da Universidade Federal do Ceará, como advogado militante, conhecia V. Exª, o seu trabalho, a sua trajetória, tudo muito antes dessa oportunidade de nos encontrarmos, inclusive na Assembléia Nacional Constituinte. Fui, como advogado e como professor de Direito, como estudante também, a pessoa que aproveitou muito da sua luta inovadora do Direito brasileiro, ao lado de Orlando Gomes e de tantos outros nomes que se tornaram notáveis, pela visão mais aberta, pela visão mais franca ante as instituições civilistas notadamente. A mulher brasileira deve a V. Exª nem sabe o quê na sua posição jurídica. V. Exª tem lutado muito pela mulher brasileira e conseguiu revolucionar o Direito Civil brasileiro através dos repetidos projetos que vem, há décadas e décadas, apresentando ao Parlamento. Ainda recentemente, pude conhecer, da lavra de V. Exª, a repetição desse comportamento de zelo, de inovação e de reconhecimento do valor da mulher na sociedade brasileira. A V. Exª se deve, por exemplo, a Lei nº 4.121 - se não estou enganado, é esse o número do Estatuto da Mulher Casada -, onde providências as mais importantes são autorizadas aos tribunais através de uma visão que V. Exª propôs ao Legislativo brasileiro. E muitos se salvaram em processos judiciais, muitos patrimônios foram salvos, muita coisa aconteceu beneficamente à família brasileira em face das inovações propostas por V. Exª e que se transformaram no melhor Direito brasileiro. Eu diria que V. Exª, como Parlamentar, conseguiu influir no Direito no mesmo grau de importância de pessoas outras que se notabilizaram no setor jurídico sem mandato. V. Exª aproveitou o mandato para, através dele, ser um jurista, paralelamente ao advogado que defendeu as pessoas injustiçadas, as pessoas que careciam de uma aproximação melhor para com o Poder Judiciário, através de um advogado competente, que V. Exª foi e tem sido ao longo dos anos, mantendo escritório no Rio de Janeiro. Quero dizer que V. Exª, como Parlamentar, não foi um Parlamentar comum nem está sendo, V. Exª foi sempre um jurista, capaz de aplicar as melhores inovações do Direito como se, ao lado das grandes preocupações políticas, devessem ou pudessem existir as preocupações de natureza científica do Direito. V. Exª ajudou a ciência no leito, inovando o Direito brasileiro substancialmente. Então, quando cheguei aqui, eu já o conhecia da luta em prol do divórcio, daquela luta que resultou em alterações no Código de Processo Civil anterior e no Código Civil ainda vigente, alterações que deram à mulher casada uma situação de maior estabilidade social, de tal sorte que o cônjuge, varão irresponsável, não pudesse levar de roldão o patrimônio que de todo não lhe pertencia. A meação da mulher foi respeitada por V. Exª, através dessa propositura, que é das mais importantes do Direito de Família no Brasil. Quanto à ruptura do vínculo matrimonial, a vida moderna vem dando razão diariamente àquela luta encetada repetidamente por V. Exª: cai aqui, levanta ali, nessa fibra de herói que sempre foi a sua característica. Mas estou falando do Nelson Carneiro que conheci antes de chegar aqui e de ser seu companheiro, porque, ao chegar aqui, encontrei o Nelson maior, isto é, o Nelson homem, o Nelson companheiro, o Nelson prudência e, ao mesmo tempo, o Nelson coragem, onde se verifica que o espírito desbravador é também o espírito de prudência, de cautela, como se a coragem se assentasse na cautela e na prudência. Muito aprendi aqui com V. Exª, muito aprendi. Sei que V. Exª não vai voltar a esta Casa na próxima Legislatura; eu também não volto. Mas, para onde eu for, levarei o meu testemunho através da minha experiência nesta Casa, através dos meus estudos como advogado, como professor de Direito, para reconhecer em V. Exª um dos melhores produtos intelectuais da política brasileira e, ao mesmo tempo, uma das maiores expressões no mundo jurídico do nosso País. Receba, portanto, neste momento, o meu apoio emocional, porque sei que o nosso velho companheiro está por demais emocionado. A emoção não tem idade, e a sua emoção aqui não é a emoção de um veterano, é a emoção de uma alma moça, essa alma que V. Exª conduzirá muito tempo ainda, se Deus quiser. Obrigado a V. Exª.

O SR. NELSON CARNEIRO - Muito obrigado a V. Exª. Acredito que interpreto o pensamento desta Casa, unânime, em assinalar o quanto ela perderá com a ausência de V. Exª, o jurista, o professor, o advogado, o homem preocupado com os problemas sociais, a palavra presente em todos os momentos, erudita, brilhante, tudo isto é V. Exª. E, por isso mesmo, ao agradecer tão carinhosa evocação, as palavras que me foram dirigidas, quero somar-me a todos os companheiros, a todos os colegas que aqui estão e que lamentam muito mais e com maior razão a ausência de quem, passando nesta Casa apenas oito anos, deixará permanentemente a lembrança da sua presença, da sua capacidade de trabalho, da sua ilustração, do seu civismo, do seu alto espírito público. Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Quero deixar o Amazonas como o fecho de honra do meu pronunciamento, ao ouvir o Senador Aureo Mello.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador Nelson Carneiro, como o Senador Cid Saboia de Carvalho, queria declarar que, ainda na Paraíba, jovem, ouvia falar com respeito de V. Exª. Grupos minoritários e, às vezes, aquelas "tias" mais reacionárias faziam alguma crítica, naqueles idos em que V. Exª combatia pelo reconhecimento de toda uma legião que não tinha a cobertura legal naquela época. Hoje, é unanimidade: ninguém fez mais pela família brasileira do que Nelson Carneiro. Foi uma honra tremenda conviver com V. Exª. Quero testemunhar que, como morador do Rio de Janeiro, embora militando politicamente na Paraíba, vi o trabalho profícuo, honesto e sério que V. Exª desenvolveu naquele Estado e que será seguido, nesta Legislatura, pela sua filha, a Deputada Laura Carneiro. Temos honra de também privar da sua amizade. Quero dizer, portanto, que é com o maior orgulho que registro ter sido contemporâneo de V. Exª nesta Casa. E também gostaria de dizer a todos o quanto aprendi com V. Exª na curta convivência que tivemos aqui. Muito obrigado.

O SR. NELSON CARNEIRO - V. Exª, certamente, não era nascido quando, em de 1931, representei, na Paraíba, o Estado da Bahia durante a semana comemorativa do assassinato de João Pessoa. Já que V. Exª recorda os dias distantes da Paraíba, não posso deixar de me referir a um fato: havia chegado aos 21 anos, e me hospedara no principal hotel da cidade. Estava já descansando, quando um empregado do hotel chegou e avisou-me: "Está aí o Coronel Sobreira, que veio em nome do Governador - que era Antenor Navarro - cumprimentá-lo".Tive que me vestir e, naturalmente, demorei um pouco. Afinal, cheguei ao salão e ele, cansado de esperar, disse: "Olha, moço, pede para chamar esse Dr. Nelson de Souza Carneiro - como eu me chamava - porque estou aqui à espera dele e ele não chega". Redargui: "Senador, o tal homem que o senhor está esperando sou eu". E ele disse: "Mas você, um menino?" Acontecia o seguinte, aquele menino fez toda a campanha da Aliança Liberal e tinha a responsabilidade, aos 19 anos, de escrever diariamente artigos políticos, deixando escorrer sangue, terríveis, reproduzidos invariavelmente na primeira página do órgão oficial da Paraíba, A União, e por isso era esperado, um provecto cidadão, e chegava um menino. Então, ele indicou: "Mas você é que é o Nelson de Souza Carneiro? Um menino? Quero falar com o seu pai". Retruquei: Meu pai não está aqui. Sou eu". De modo que V. Exª me lembra um episódio que ia ficando esquecido nos escaninhos do tempo. Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Aureo Mello - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NELSON CARNEIRO - Sr. Presidente, agradecendo a gentileza de V. Exª, gostaria de conceder a palavra ao último dos aparteantes. Deixei que S. Exª fosse o último aparteante, porque S. Exª representa a palavra do Amazonas. E, se tenho algum ancestral na vida pública que, através dos tempos e dos mundos, tenha me inspirado desde muito cedo para a vida política, foi meu tio-avô, que, em Manaus, tem seu nome inscrito em uma de suas ruas. Em 1891, foi constituinte pelo Amazonas e deixou, para nós que vivíamos na Bahia, um diário do que se realizou naquele memorável encontro político. Com 18 ou 19 anos, tive uma inspiração: ofereci o livro ao Arquivo Público da Bahia. Meu tio-avô foi a primeira ligação política que tive com o Amazonas. Posteriormente, fui visitar seu Estado e percebi que ele havia deixado ali uma tradição de trabalho e de dignidade. Por isso mesmo, deixei que V. Exª fosse o último dos aparteantes, porque meu tio-avô foi a primeira das inspirações da minha vida pública. Muito obrigado.

O Sr. Aureo Mello - Muito obrigado, mestre Nelson Carneiro. Quero encerrar os apartes que foram dados a V. Exª não com chave de ouro, mas com chave de áureo. E essa chave de áureo se reporta ao tempo em que fomos companheiros na Câmara dos Deputados, e eu chegava justamente daquele Amazonas povoado de jacarés - o Senador Odacir Soares já saiu daqui -, povoado de piraíbas, povoado de carapanãs, de seres estranhos àqueles parlamentares e brasileiros que constituíam a grande assembléia de que fazíamos parte. Então, lembro-me de V. Exª, lado a lado com Aliomar Baleeiro, e eram os meus dois parâmetros jurídicos. Quando se falava em homem do Direito e conhecedor profundo das leis brasileiras, lembrava-me de V. Exª e o procurava. Recordava-me do mestre Aliomar Baleeiro, erguido naquela tribuna, com os braços cruzados, pontificando, também, a sua doutrinação. Não me engano com V. Exª, mestre Nelson. Essa conversa de despedida, de adeusinho, de "até logo" não me convence. Sei que atrás dessa epiderme brônzea de baiano, existe, ao centro, um cerne de Jequitibá, um cerne de madeira de lei, que não irá se vergar e nem deixar que o caruncho o alcance tão cedo. Para mim, essa despedida de V. Exª constitui um simples até logo. Tenho a certeza de que V. Exª irá continuar na luta e, na primeira oportunidade que se apresentar, nós o teremos de volta, se não aqui, pelo menos na Câmara dos Deputados. Sei que V. Exª é madeira de muita fibra; V. Exª não é morredor, V. Exª é um valente e uma figura da própria saúde brasileira. Nesta oportunidade, em que todos prestam elogios à sua cultura e ao seu valor, permita que eu também relembre que essa cultura e esse valor tiveram evidência em tantas oportunidades que não há a menor dúvida ou a menor restrição sobre as palavras que foram proferidas nesta Casa, com muito acerto, com muita oportunidade. Lembro-me de V. Exª duelando com aquele terrível vexilário, que era o Monsenhor Arruda Câmara, atrás daquela batina com debruns vermelhos, que dava a ele a aparência de um grande pássaro, de um grande condor, a batalhar e a esgrimir com V. Exª. E cada qual defendia o seu ponto de vista e evidenciava para as populações e para os seus colegas uma gama de conhecimentos e, ao mesmo tempo, uma gama de intenções, que nos deixava a todos profundamente impressionados. Veio um raio e abateu o grande mestre Arruda Câmara. V. Exª continuou na sua tese, no seu ponto de vista. E como se tivesse sido a palavra, a decisão celestial, o ponto de vista de V. Exª foi o que prevaleceu dentro da lei, dentro da Justiça e dentro do Direito. Hoje V. Exª está incorporado, definitivamente, aos Códigos e às legislações substantivas deste País. E isso ninguém pode modificar ou revogar. Mas V. Exª vai continuar. Não aceito a despedida de V. Exª. Quantas vezes já nos encontramos nas tribunas parlamentares, quando se pensava, inclusive, que este modesto companheiro fosse desaparecer da lida, da luta, da atividade legislativa; mas a atividade legislativa é um grande mar que flui e que reflui. V. Exª vai voltar, e, neste momento, é bom que nós nos lembremos daqueles companheiros que tivemos lado a lado conosco, batalhando: uns que se foram, outros que vieram e outros que virão. Lembrando-nos de Milton Campos, de Getúlio Moura, do próprio mestre Arthur Bernardes, do valente Ranieri Mazzilli, presidindo aquelas sessões, do Mário Tamborindeguy, do mestre Octávio Mangabeira, sereno, palestrando comigo, um pirralho que chegara do Amazonas, com apenas 28 anos de idade, do Vieira de Mello, com aquela oratória de verdadeiro espadachim, que atormentava a figura monobloqueana do Prof. Carlos Lacerda. Ainda, já nesta Legislatura, a cabeça prateada do Pompeu de Sousa, que tanto nos ajudou naquela Mesa, na composição diretiva deste Senado; ainda lembrando-nos de Ulysses Guimarães e de Josaphat Marinho, que se ausentou durante tanto tempo do Senado, das lides legislativas e, de repente, no refluxo dessa maré, ei-lo que surge novamente lépido e fagueiro, apresentando as suas proposições, seus discursos e seus apartes, como serão os apartes de V. Exª. Mestre Nelson, até breve! Até breve, digo a V. Exª, assim como a Cid Saboia de Carvalho e João Calmon, que são vocacionais da política, porque a política é uma atividade idealista, que não podemos abandonar. Como dizia Diógenes: "Nós, com a nossa lanterna, somente sabemos dirigir povos, comandar povos, orientar pessoas". Até breve, Mestre Nelson!

O SR. NELSON CARNEIRO - Nobre Senador Aureo Mello, ao agradecer suas palavras, eu lhe faço uma súplica: em Manaus, sempre que passar pela Rua Leuvegildo Coelho, recorde-se de que foi ele, com o que deixou da sua passagem pela vida, a primeira inspiração que sofri, ainda muito moço, para um dia ingressar na vida pública. Muito obrigado a V. Exª.

Sr. Presidente, devo, inicialmente, manifestar a V. Exª minha gratidão por não ter interrompido este encontro dos Senadores que ficam com o Senador que sai.

Para concluir, peço a todos os presentes e a todos os que um dia tiverem oportunidade de saber notícias desta esplêndida reunião que, ao sair desta Casa, não levo mágoa alguma do povo fluminense; ao contrário, quero, neste momento, prestar-lhe a minha homenagem. Não foi o povo fluminense que me tirou desta Casa. As manifestações que tenho recebido durante toda a minha vida dizem o contrário. O povo fluminense não é culpado; culpado fui eu, que não soube escolher os companheiros.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Muito bem! Palmas prolongadas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/01/1995 - Página 859