Discurso no Senado Federal

JUSTIFICANDO PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL, DE SUA AUTORIA, NO SENTIDO DE IMPEDIR A REEDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS PELO PODER EXECUTIVO.

Autor
Esperidião Amin (PPR - Partido Progressista Reformador/SC)
Nome completo: Esperidião Amin Helou Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • JUSTIFICANDO PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL, DE SUA AUTORIA, NO SENTIDO DE IMPEDIR A REEDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS PELO PODER EXECUTIVO.
Aparteantes
Cid Sabóia de Carvalho, Hugo Napoleão, Jarbas Passarinho, Josaphat Marinho, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 26/01/1995 - Página 1186
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • NECESSIDADE, LEGISLATIVO, DEFESA, PRERROGATIVA, RELAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSISTA, REJEIÇÃO, VOTAÇÃO, LIDERANÇA, PARTIDO POLITICO.
  • ANALISE, PROBLEMA, EDIÇÃO, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXECUTIVO, EXCLUSÃO, LEGISLATIVO, PRERROGATIVA, LEGISLAÇÃO.
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, RELAÇÃO, IMPEDIMENTO, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXECUTIVO.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN (PPR-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar das palavras de estímulo do meu querido amigo, o nobre Senador Rachid Saldanha Derzi, cuja voz já me começa a fazer sentir saudades, por seu tom suave e estimulante, ainda que a melhor parte do casal, a sua esposa, não esteja aqui conosco. Serei breve, porque o nobre Senador Epitacio Cafeteira brindou-me com um aparte que lhe concedi, e S. Exª tolerou que antecipasse o que desejo tornar público neste momento.

O grau de paixão que foi elevado e suscitado pelas colocações aqui feitas mostra como a questão da edição e reedição de medida provisória é candente. Ouvimos os nobres Senadores Pedro Simon, Mauro Benevides e Epitacio Cafeteira tornando a falar sobre o assunto. Depois de ter conversado com membros da Bancada do meu Partido no Senado e na Câmara, desejo neste momento tornar pública, formalizada por meio de uma carta a todos os Parlamentares, Senadores e Deputados - alguns já a receberam e outros ainda não, porque estou fazendo a designação de mão própria -, a iniciativa desta proposta de emenda constitucional.

Irei focalizar somente duas questões: por que emenda constitucional e por que não reeditar? Repito, não obstante juristas ilustres possam me contrariar - e ficarei muito satisfeito se me derrotarem -, entendo que uma lei complementar não tem a possibilidade de estabelecer uma restrição que a Constituição não estabeleceu. Nesse ponto divirjo do Senador Epitacio Cafeteira, não quanto ao espírito, mas quanto aos fatos. Desde abril de 1981, coerentemente, S. Exª já defende a idéia de que a Constituição escreve hoje que não pode haver reedição. Perde a eficácia, se não for aprovado, o texto da medida provisória. Mas não é isso o que os fatos mostram. Azar para os fatos ou azar para o texto? Acredito que seja azar para o texto.

O parágrafo único diz que ela perderá a eficácia se não for aprovada. Parece-me que o espírito do legislador, do Constituinte, queria dizer que só existe uma maneira de transformar essa lei provisória em definitiva: aprovando-a.

Na verdade, não é isso o que está acontecendo. O que tem acontecido, nesses seis anos de vigência da Constituição, é exatamente o oposto: não aprovada, antes mesmo de vencido o prazo, a medida provisória é reeditada, com ou sem alterações. E aí estão os exemplos, os mais notórios, esses que já foram aqui citados, as mensalidades escolares e a moeda, o real, como disse o Senador Pedro Simon: nem sabíamos que o dólar era tão fraco; nós, com uma moeda provisória, suplantamos o dólar; nem sabíamos que éramos tão fortes. Mas é uma medida provisória, reeditada cinco vezes.

O Sr. Hugo Napoleão - Permite-me V. Exª um breve aparte?

O SR. ESPERIDIÃO AMIM - Ouço V. Exª, Senador Hugo Napoleão.

O Sr. Hugo Napoleão - Senador Esperidião Amin, gostaria apenas de fazer uma ligeira observação, para que não se torne intempestiva. V. Exª mencionou a questão da medida provisória para efeito de mensalidades escolares. Sempre considerei que estas deveriam ser tratadas como o eram antigamente - pelo menos, ao tempo em que eu exercia as funções de Ministro de Estado da Educação -, mediante decreto, o que tornava a questão mais flexível, mais oportuna, mais ajustável ao debate entre as associações de pais, as escolas, a UNE e as diversas entidades envolvidas. Parece-me que, realmente, foi um erro haver se estabelecido a introdução da medida provisória para as mensalidades escolares também.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - V. Exª me permitirá agora, então, ferir um aspecto, com o maior respeito, que o Senador Pedro Simon, há pouco, mencionou parcialmente. S. Exª disse há pouco - com o que concordei, pois é verdade - que não apreciamos as medidas provisórias referentes a mensalidades escolares por comodismo. Como S. Exª mesmo disse: "O Presidente que se vire". Mas penso que antes desse nosso gesto, com o qual concordo, há um gesto anterior. Por que será que o Executivo usou medida provisória? Acredito que o Executivo usou a medida provisória também com uma pincelada de maldade, querendo ver o que faria o Legislativo. O Executivo não esperava que o Legislativo respondesse com a omissão. Repito: primeiro, não é necessário que seja por medida provisória, não há necessidade de uma lei; segundo, deveríamos nos manifestar.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Ouço V. Exª, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Senador Esperidião Amin, permita-me, de certa forma, divergir de V. Exª. Não houve malícia do Executivo. Fui Líder do Governo, acompanhei aqui, e o Senador Hugo Napoleão foi Ministro de Estado. Gosto muito, Senador, de me colocar no lugar das pessoas. Havendo medida provisória, há um comodismo muito grande. Por que o Governo usou medida provisória? Porque medida provisória entra em vigor no dia seguinte e projeto de lei...

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Para a questão da mensalidade escolar, poderia ser decreto, não precisaria ser lei ou projeto de lei. É essa a questão que o Senador Hugo Napoleão está levantando.

O Sr. Pedro Simon - O Senador Hugo Napoleão pensa que poderia ser decreto?

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Poderia ser decreto ou Portaria.

O Sr. Pedro Simon - Poderia ser um decreto-lei?

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Não um decreto-lei, mas um decreto.

O Sr. Pedro Simon - Um decreto do Executivo?

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - E já fora decreto em períodos anteriores, como alertou o Senador Hugo Napoleão.

O Sr. Pedro Simon - Ah! Sim. Poderia ser decreto-lei, decreto-executivo.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Não um decreto-lei, poderia ser um decreto e já fora decreto em períodos anteriores, como alertou o Senador Hugo Napoleão. Por que foi elevada a hierarquia da matéria? Porque de decreto passou a ser projeto de lei ou medida provisória ou lei. É, na hierarquia dos diplomas legais. É claro que é uma elevação substancial.

O Sr. Pedro Simon - Sinceramente, estou vendo certa malícia também.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Aí é que eu vejo que houve o desejo de provocar. Cá, entre nós, reconheço que estou exagerando, não há malícia nenhuma em nos instar a trabalhar. Mas gostaria de salientar que já concordei com V. Exª, quando disse que nós nos omitimos, é verdade, e temos nos omitido reiteradamente, mas também é verdade que não precisava ser lei.

Deste raciocínio, quero tirar uma lição para todos nós: a medida provisória está vulgarizada. Aquilo que V. Exª disse, que qualquer burocrata, no meio da madrugada, pode decidir: "Vou fazer uma medida provisória". E acaba saindo. Está vulgarizada e nós nos acomodamos.

Então, temos, de um lado, um apetite crescente, que é do Executivo e, do lado de cá, um comodismo também crescente. Temos que romper isso e a forma para que tenhamos êxito, se for o projeto de lei complementar, vou manter o voto que anunciei no dia 22 de maio de 1991, conforme mostra o Diário do Congresso, edição de 24 de maio de 1991.

Dia 22 de maio foi numa quarta-feira, dia 24, uma sexta-feira, quando circulou o citado diário. Mantenho o meu voto a favor. Parece-me a mim que tem que ser uma emenda constitucional. Como estamos abordando um assunto, e há pouco houve a referência ao voto em separado do Senador Josaphat Marinho, a quem ouvirei, com grande honra.

O Sr. Josaphat Marinho - Apenas para lembrar a V. Exª que durante o ano de 1994, pelo menos, o Congresso não silenciou apenas pelo comodismo, muitas vezes foi por conveniência. Foi atitude combinada com o Governo, para não correr o risco...

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Perfeitamente.

O Sr. Josaphat Marinho - ...de modificar medida provisória, não se apreciava. E aí é que V. Exª diz, no sentido mais amplo e perfeito: vulgarizou-se a medida provisória. Ou damos um jeito nisso ou perdemos o poder de legislar.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Concordo e agradeço, imensamente, o aparte do nobre Senador Josaphat Marinho.

Quero aqui esgotar esta primeira parte: entendo que deve ser uma emenda constitucional. E o que quer dizer não reeditar? Peço a todos os meus nobres Pares para que me permitam fazer a divulgação, mais uma vez, do texto da Constituição do meu Estado, pois estamos todos representando os nossos estados. É da experiência de Santa Catarina a proibição da reedição. Citarei o § 3º, do art. 51, da Constituição do Estado de Santa Catarina, promulgada em 1989. As Constituições estaduais deveriam ser promulgadas até um ano depois da promulgação da Constituição de 1988, a nossa foi em setembro de 1989.

Parágrafo 3º:

É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória não deliberada ou rejeitada pela Assembléia Legislativa.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ESPERIDIÃO AMIM - Ouço o nobre Senador.

O Sr. Pedro Simon - Há diversos graus nas Constituições estaduais. A Constituição de Santa Catarina foi elaborada quando era Governador o nosso querido companheiro, o falecido Pedro Ivo, que não tinha maioria na Assembléia. Foi aprovado o texto a que V. Exª se referiu de que não pode ser reeditada medida provisória mais de uma vez.

O SR. ESPERIDIÃO AMIM - Não pode ser reeditada nenhuma vez.

O Sr. Pedro Simon - Nenhuma vez. Há outras Assembléias, onde o Governador tinha maioria, que podia reeditar à vontade. Eu, quando Governador, tinha ampla minoria e não podia editar nem uma só vez. Na Assembléia do Rio Grande do Sul, a Constituição promulgada não dava direito ao Governador de editar uma vez. Não há medida provisória na Constituição do Rio Grande do Sul.

O SR. ESPERIDIÃO AMIM - Mas, em compensação, V. Exª não pode dizer que não tenha ensinado a ninguém, porque o atual Governador do Rio Grande do Sul, apesar de o PMDB ter uma esquálida bancada própria, com dez deputados em cinquenta e cinco, já tem maioria. De forma que os seus discípulos estão indo muito melhor do que o mestre. O ex-Governador Pedro Ivo pode não ter conhecido, mas ensinou o caminho das pedras.

O Sr. Pedro Simon - O Governador Antônio Britto realizou algo que considero milagre. Em 14 dias, S. Exª conseguiu aprovar, por unanimidade, com os 14 votos do PPR, do PDT, do PT e até do PCB a extinção de 8 estatais. Realmente, S. Exª é um craque e temos que respeitá-lo. 

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - O Nobre Senador Pedro Simon já faz uma análise maliciosa, se me permite, das Constituições estaduais. O que queriam os Constituintes? A V. Exª queriam impedir recessos não-verbais, mas penais. A outros, queriam estabelecer, pelo menos, limites.

Creio que este aqui é o limite do bom-senso. E como é que se transporta esse limite do bom-senso para o cenário federal? Não pode ser por trinta dias. Se é para decidir, reunir para tomar uma decisão, vamos até aumentar o prazo: sessenta dias. E não pode se reeditar no ano - este é o meu texto -, não é na mesma Sessão Legislativa, porque aí há também uma pequena malícia.

A Sessão Legislativa começa no dia 15 de fevereiro, enquanto o ano, não, começa no dia 1º de janeiro. Mas se for editada uma medida provisória em dezembro ou em novembro e vencer o prazo no começo do ano, pode ser reeditada, no que chamei de lusco-fusco. Quer dizer, a transição do final para o começo do ano, aí pode reeditar, mas, no mesmo ano, não poderá ser reeditada.

Creio que esse é um apanhado de bom senso, porque levei em consideração, também, o que pode haver de malícia no texto e procurei retirar a malícia. Impedir a reedição, no fim do ano, é quase que forçar a convocação. Então, retirei isso. Procurei retirar aquilo que se poderia atribuir como malícia contra nós ou o uso da malícia a nosso favor.

De sorte que estes são os dois aspectos que pretendo abordar, hoje: primeiro, pedir a colaboração.

O Sr. Jarbas Passarinho - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Ouço, com grande satisfação, o nobre Senador Jarbas Passarinho.

O Sr. Jarbas Passarinho - Peço desculpas a V. Exª, de entrar nessa...

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Jamais V. Exª tem que pedir desculpas. O que, talvez, desculpemos seja quando V. Exª daqui sair, mas por entrar, nunca. V. Exª nunca vai precisar pedir desculpas.

O Sr. Jarbas Passarinho - ...não gostaria de entrar num debate de malícias. São tantas malícias.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - No máximo, V. Exª vai pedir desculpas por sair.

O Sr. Jarbas Passarinho - Eu lhe pediria apenas a atenção, meu querido Presidente, para um aspecto que me coube viver quando coordenador do ex-Presidente Fernando Collor de Mello. A questão da medida provisória, que todos sabemos que vem de uma emenda parlamentarista, dentro de uma Constituição presidencialista. Ela veio, praticamente, substituir o antigo decurso de prazo. O Presidente Castello Branco, quando chegou, encontrou aquele caso que já sabemos. Por exemplo, o Projeto de Lei Diretrizes e Bases da Educação levou 11 anos tramitando, o atual já leva 5. Então, o Governo, naquela altura, achou que deveria compelir o Congresso a votar e, por isso, introduziu o sistema de decurso de prazo. Disse-o bem, ainda há pouco, o nobre Senador Josaphat Marinho - e sempre o diz bem - que em parte havia um conluio. Em grande parte também. Quando membro da ARENA, sabíamos - fui Líder de quarenta Senadores, comigo quarenta e um - que havia momentos em que o pessoal não desejava votar para não assumir a responsabilidade de uma medida impopular, preferindo o decurso de prazo. Aparece a medida provisória. Eu faria um apelo aos que ficam aqui e vão brilhar neste Senado.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Senador Jarbas Passarinho, V. Exª deveria começar a pedir desculpas por sair.

O Sr. Jarbas Passarinho - Não posso pedir desculpas por sair. Se eu tivesse de pedir desculpas seria por ter perdido a eleição; perdi-a porque não a ganhei. Não há problema. Agora, a primeira coisa que estranhei, está ainda vigente - suponho que mereceria uma reflexão de V. Exªs - é o fato de criarmos, como criamos aqui, a necessidade de fazer uma apreciação da medida provisória por ser ou não admissível. É um abuso do Poder Legislativo. O Presidente da República edita a medida provisória na medida em que pensa ser urgente e relevante. São conceitos subjetivos de Sua Excelência. Lembro a V. Exª que, no início do Governo Collor, eu não pertencia ao Governo ainda, chegou aquela enxurrada de medidas provisórias e uma delas, que veio depois, dava um automóvel para o Vice-Presidente da República, o ex-Senador Itamar Franco. Urgente? Sim, ele não podia andar a pé. Relevante? Sim, ele era Vice-Presidente da República. Então, votou-se uma medida provisória. Veja só que coisa esdrúxula, porém necessária. Quando estabelecemos, aqui, o princípio de primeiro passar pelo critério de admissibilidade, estamos julgando os conceitos subjetivos do Presidente. No meu entender, não tem cabimento. O que deveria acontecer é o seguinte: vota-se, aprova-se ou não e, depois, emenda-se. O que não pode acontecer é dizer que é admissível ou não, pois é um ato de descortesia e também descabível. Em segundo lugar, veja o que V. Exª está trazendo como exemplo do seu Estado e o que o Senador Pedro Simon trouxe do Estado do Rio Grande do Sul. Admitamos que o Presidente da República não tenha maioria absoluta no seu Parlamento. Ele edita medida provisória, e a maioria decide não comparecer para votar, o que vai acontecer? A medida extingue-se com 30 dias e ele fica sem poder legislar naquele campo. Entretanto, entre isso e o fato de reeditar indefinidamente tem que haver um meio termo. Por que não se coloca isso como o princípio na pauta, trancando-a caso não seja votado, ou seja, não haveria votação em seguida. Neste caso, eu concordaria, pois o Presidente da República poderia fazer uma reedição e, a partir desta primeira reedição, trancar-se-ia a pauta. A partir desse instante, só se votariam os demais itens da Ordem do Dia depois da votação da medida provisória. Entretanto, segurá-la desde logo e impedir a reedição não é a coisa mais certa a ser feita. Quero ver isto do outro lado, onde vou ficar como expectador não engajado. Quero ver o que vai acontecer, pois na hora em que um Presidente não tiver a maioria, vai ser comandado pelo Congresso que vai manietá-lo. Da mesma maneira como salientou, ainda há pouco, o Senador pela Bahia, digo que estamos perdendo o direito de legislar. Eu mesmo fiquei surpreendido com a centena de vezes que o Senador Itamar Franco, como Presidente da República, editou medidas provisórias. O Presidente da República dos Estados Unidos não tem iniciativa legiferante; ele não pode apresentar medida, nem um projeto; ele chama o Líder, com quem, de modo geral, toma café todas as manhãs, e por meio do Líder apresenta as propostas. Aqui o Presidente da República já não precisa mais chamar Líder nenhum; manda a medida provisória e vai reeditando-a indefinidamente. Neste ponto, V. Exª tem inteira razão: colocar uma dificuldade para essas reedições, que, aliás, se tornam cômodas para o próprio Legislativo, quando não quer analisar a matéria.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Exatamente! Uma perversão para os dois lados.

O Sr. Jarbas Passarinho - Depois da malícia, chegamos à perversão.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Quero concordar também com V. Exª, Senador Jarbas Passarinho, quanto à sua preocupação no tocante ao Executivo ficar sem uma alternativa. Parece-me que a alternativa de sobrestar a pauta é a mais democrática, porque tirar do Congresso Nacional a capacidade de obstruir a ação do Executivo é revogar a existência do Congresso; o Congresso é para isso mesmo. O Congresso pode derrubar, o Congresso pode rejeitar e o Congresso pode impedir. É verdade que isso dificulta o trabalho do Executivo, mas é para isso que existe.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Simon - Pode ser caso específico do Parlamento. No mundo inteiro a obstrução existe, mas não pode ser a regra. A minoria tem o direito de obstruir, mas não pode transformar essa obstrução em uma regra.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Não tendo o Executivo maioria, Senador Jarbas Passarinho, não terá condições de baixar medida provisória.

O Sr. Jarbas Passarinho - Até porque a obstrução é uma arma da Oposição.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Claro. E vou dizer mais, se o Executivo não tem maioria aqui para aprovar, tem que negociar. É assim que se faz a democracia. E todos sabemos que a maioria não é incondicional. Isso que tem saído na imprensa, de alguns brados já do atual Governo, dizendo que quem é do governo tem que votar a favor, penso que não vão dizer isso ao Senador Josaphat Marinho, assim como não diriam a mim. Se forem votar a favor, contém com a minha boa vontade, mas eu vou examinar a matéria, a não ser que eu revogue o meu mandato, que eu abra mão dele. Então, o jogo é de contrapesos, esse é o sistema democrático, a harmonia entre os Poderes; e o americano coloca isso que se chama sistema de pesos e contrapesos. Então, o fim deve decorrer disso, não de um impasse; deve decorrer a harmonia entre os Poderes. Por isso, a minha proposta é a de não-reedição, nenhuma vez. Eu prefiro aumentar o prazo a admitir a reedição.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Ouço V. Exª com muito prazer, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Além do que V. Exª sugere, ainda há que se atentar que há um outro mecanismo constitucional próprio do regime democrático, do qual o governo pode valer-se, que é a delegação legislativa. Lembro-me que, convidado para uma conversa com o Presidente Fernando Collor - dela participou o Ministro Jarbas Passarinho -, e o Presidente assinalando suas dificuldades para a obtenção de certas leis mais urgentes ou mais delicadas, eu lhe lembrava a hipótese da Delegação Legislativa. Apreciamos os três o assunto, e creio que frutificou, porque Sua Excelência pediu à Delegação Legislativa para fazer a Lei da Isonomia. E a lei foi feita.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Para fazer o processo da isonomia. Ontem, eu ainda lembrava que o processo é lento, gradual, e esperamos que não seja tão regressivo quanto proclamou o Ministro Bresser Pereira.

O Sr. Josaphat Marinho - Vamos relembrar essa prática que é democrática e é conveniente.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - V. Exª num só tiro estourou duas questões: a primeira de que é possível lançar mão da lei delegada; segundo, a isonomia é um trabalho de artesão, para um ourives aplicado e não para martelo; é trabalho para um tecelão, uma bordadeira, uma costureira, porque, não podendo nivelar por baixo e não podendo imediatamente nivelar por cima só pode ter o expediente da gradualidade, e tudo que é gradual leva algum tempo. No caso brasileiro vai levar algum tempo a mais.

Eram esses os dois aspectos que eu queria focalizar. Fico grato pela atenção de todos. Vou voltar ao assunto.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Permite-me V. Exª, ao final de sua fala, um aparte?

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Ouvirei o nobre Senador Cid Saboia de Carvalho com grande satisfação.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Senador Esperidião Amin, o tema que V. Exª traz é dos mais interessantes. Inclusive, o seu estilo parlamentar, o seu estilo oratório, dá muita força às expressões do seu pensamento. Também concordo com V. Exª. Penso que essa história de reeditar medidas provisórias é barbaramente errada. Isso não é errado do ponto de vista jurídico, porque a Constituição o permite, mas é errado ideologicamente. É isso o que V. Exª quer dizer. Isso é errado como tese, que foi mal aceita pela Constituição. Aliás, quero dizer a V. Exª que a instauração de medidas provisórias foi um dos grandes e mais graves equívocos da Assembléia Nacional Constituinte. Foi um equívoco tão forte e de conseqüências tão graves, que, até esta data, o Congresso Nacional ainda não votou uma matéria indispensável para o exame do assunto. Se bem que não concordo com o parecer feito pelo Deputado Nelson Jobim, pois me parece um tanto quanto inadequado para a natureza do assunto. Mas a verdade é que tínhamos que adotar a posição respeitante a essa matéria, seja ela qual fosse. Se vai haver mudança na Constituição, esta deve ser feita com muita atenção a isso que tem sido dito no Congresso Nacional, inclusive por V. Exª, porque isso é uma verdadeira advertência. Hoje, a situação da legislação nacional está muito controvertida, porque, enquanto há o direito firme e sólido dos códigos e das leis propriamente ditas, há também a parafernália das medidas provisórias. Inclusive, um dia, como relator de uma medida provisória muito polêmica, ouvi de um integrante de uma Comissão o seguinte: "Não, Senador, não interessa. O Governo vai ficar reeditando, até que se encontre uma solução. V. Exª está atrapalhando." Eu acolhia uma emenda do Senador Pedro Simon, Líder do Governo, muito bem posta e muito moralizadora. Todos sabem que a atuação do Senador Pedro Simon nesta Casa é muito cuidadosa, e sua emenda era o que o Governo deveria ter feito, porque tirava algumas loucuras, como passar pessoal de fundação para a Administração Direta - coisas absurdas que o Senador corrigia em uma emenda que acolhi. Todas as vezes em que relatei a medida, aproveitei essa emenda; a medida provisória não foi votada de uma vez, e aconteceu a ameaça que ouvi no meu gabinete: "Não interessa o que V. Exª vai fazer; a medida vai ficar sendo reeditada, não será votada." Os lobistas têm mais força do que nós, aqui no Congresso Nacional.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - O que V. Exª está focalizando é a prática da perversão. O trabalho do legislador passa a ser um estorvo.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Exatamente.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Quando o trabalho do legislador passa a ser, na prática, um estorvo, já se atingiu a perfeição da perversão. Aquilo que é obrigação do legislador passa a ser um estorvo para o mundo real.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Um desaforo até. Chegam a perguntar quem quer alterar o que está feito, quando estamos cumprindo com nossa obrigação.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Chamam-nos até de intrometidos, mas, na verdade, estamos cumprindo com a nossa obrigação. Essa é, Senador Cid Saboia de Carvalho, uma das facetas do grande painel de perversão que a prática da reedição de medidas provisórias nos trouxe.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Agradeço a V. Exª. Fiz esse aparte já um tanto quanto despropositado, mas não queria deixar de dar minha cooperação à fala de V. Exª.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN - Quero agradecer a manifestação de V. Exª e insistir, como resumo deste meu pronunciamento, junto com os agradecimentos pela atenção e contribuição de todos, que quis focalizar dois aspectos: por que emenda à Constituição e não projeto de lei complementar? Embora esteja eu aqui assegurando que, se colocarem em votação o projeto de lei complementar do Deputado Nelson Jobim, voto a favor. E o faço porque acredito mais no padrinho do que no instrumento. Ou seja, acredito mais na autoria Nelson Jobim do que em lei complementar. Convenci-me de que deve ser emenda constitucional desde aquele brilhante aparte do Senador José Paulo Bisol ao discurso do Senador Pedro Simon no dia 22 de maio de 1991.

Finalmente, prego a não-reedição com todas as sanções cabíveis ao Legislativo, quais sejam, sobrestar pauta, não poder tomar decisão, para que fique perfeitamente caracterizado que o Legislativo tem a obrigação de decidir.

Por último, entendo que, se o Executivo não tem maioria na democracia, terá que negociar porque, do contrário, não poderá considerar-se em condições de legislar. Assim faz a democracia. Já experimentamos todas as hipóteses: eleições simultâneas para o Presidente da República com a de Parlamentares, como foi realizada há pouco tempo; eleições não coincidentes, em 1989. Prefiro a simultânea.

De sorte que, hoje, esses são os dois aspectos que considero os merecedores de uma certa reflexão de nossa parte. Repito, estou vulgarizando a minha proposta de emenda à Constituição, levando-a ao conhecimento tão amplo quanto possível para que seja aprimorada. Quem sabe se alguém até tem uma idéia melhor do que a minha, o que não será difícil. Mas, acima de tudo, já conhecemos o erro. Por que então não partirmos para o acerto? Esta, muito mais do que a indagação, é a missão que gostaria de colocar para todos nós. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 26/01/1995 - Página 1186