Discurso no Senado Federal

PRESENÇA EM PLENARIO DA PROFESSORA LAURA NEVES. DESPEDIDA DE S.EXA. DO SENADO FEDERAL.

Autor
João Calmon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: João de Medeiros Calmon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • PRESENÇA EM PLENARIO DA PROFESSORA LAURA NEVES. DESPEDIDA DE S.EXA. DO SENADO FEDERAL.
Aparteantes
Alfredo Campos, Aureo Mello, Coutinho Jorge, Elcio Alvares, Epitácio Cafeteira, Esperidião Amin, Hugo Napoleão, Jacques Silva, Joel de Hollanda, Josaphat Marinho, José Fogaça, José Sarney, Junia Marise, Lourival Baptista, Mansueto de Lavor, Mauro Benevides, Nelson Carneiro, Paulo Bisol, Pedro Simon, Pedro Teixeira, Ronan Tito, Valmir Campelo.
Publicação
Publicação no DCN2 de 31/01/1995 - Página 1444
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • REFERENCIA, PRESENÇA, PLENARIO, LAURA NEVES, PROFESSOR, JOÃO BATISTA DE ARAUJO, SECRETARIO EXECUTIVO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), PAULO CABRAL DE ARAUJO, PRESIDENTE, CONDOMINIO, JORNAL, JACITO CALMON, IRMÃO, ORADOR, NITA VARELA, VIUVA, EDILSON VARELA, JORNALISTA.
  • HISTORIA, VIDA PUBLICA, ORADOR, OPORTUNIDADE, DESPEDIDA, SENADO.
  • COMENTARIO, CENTRALIZAÇÃO, VIDA PUBLICA, DEFESA, EDUCAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, PUBLICAÇÃO, DOCUMENTO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR.

O SR. JOÃO CALMON (PMDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ilustre Prof. João Batista de Araújo e Oliveira, Secretário Executivo do MEC que aqui representa o Ministro Paulo Renato; Srª Laura Neves, minha primeira professora primária, em meu humilde distrito natal de Baunilha, no Espírito Santo, e que se encontra neste plenário em homenagem que me emociona profundamente. Permita-me, querida professora Laura Neves, que eu seja o primeiro a aplaudi-la. (Palmas) Dr. Paulo Cabral de Araújo, Presidente do Condomínio acionário das Emissoras e Diários Associados;meu irmão Jacinto Calmon, Srª Nita Varela, viúva do nosso saudoso companheiro Edilson Varela, que dirigiu, durante três décadas, o Correio Braziliense; meus caros Colegas:

Após três décadas de atuação no Congresso Nacional e ao aproximar-se o fim desta Legislatura, cumpre-me o dever de prestar contas ao eleitorado do Espírito Santo e à Nação dos compromissos assumidos, das realizações alcançadas e dos objetivos ainda não atingidos.

Nesta rápida retrospectiva, apresento o balanço das coisas feitas e não feitas, no jogo de luzes e sombras da política, que procurei honrar em meus cinco mandatos. Embora não tenha circunscrito minhas atividades à educação, nela concentrei minhas forças e até - por que não dizê-lo? - minha obsessão. Sem a educação, o povo não sabe exercer ou delegar o poder que dele emana, não alcança a cidadania, não contribui decisivamente para aumentar a sua própria receita nem a do País, não se capacita sequer a cuidar de sua saúde e não sabe educar seus filhos.

Assim, tendo descoberto esta chave que abre o segredo do futuro, este laço que une os fios da história das nações, a ela dediquei a maior parte de minha atuação parlamentar.

Tendo começado a minha carreira como Deputado Federal, em 1963, lamento, profundamente, que só em 1969 tenha passado a considerar a educação como a primeira motivação de minha vida pública. Foi naquele ano, quando recebi, em nome da família cívica de Assis Chateaubriand, um troféu oferecido pelo Lions Internacional, no Recife, por serviços relevantíssimos prestados à educação, que sugeri um plano para iniciarmos a Década da Educação, procurando transformá-la numa idéia fixa, numa verdadeira obsessão nacional.

Com ampla cobertura dos Diários, Emissoras e Televisões Associados, a campanha alcançou grande repercussão, tendo eu lançado o Movimento Nacional pela Educação, como tentativa, infelizmente não bem-sucedida, de mobilizar o País, embora repetindo a frase inspiradora de Sarmiento: "O povo é o soberano, eduquemos o soberano".

Em fevereiro de 1975, passei a integrar a Comissão de Educação do Senado, que viria a presidir por cinco vezes: de 1977 a 1979, de 1979 a 1981, de 1983 a 1985, de 1987 a 1989 e de 1989 a 1991. Uma de minhas primeiras iniciativas gerou a Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a ação do MOBRAL. Esse movimento se desviava da sua proposta original, ingressando em novos campos, como a criação de um inconcebível MOBRAL infanto-juvenil, para crianças entre 10 e 14 anos de idade, vindo a concorrer com a escola regular. A partir da minha denúncia desta tribuna do Senado Federal, o então Senador e hoje Deputado Federal Franco Montoro pediu que se formasse uma CPI. Seus resultados foram chocantes, tais eram as irregularidades, os desvios e as distorções detectadas.

No ano seguinte, em 1976, decidi apresentar, pela primeira vez, uma proposta de emenda à Carta Magna, restaurando a vinculação de recursos para a educação, que fora abolida sumariamente após a Revolução de 1964. Significativamente, nos períodos de fechamento do regime político, tal princípio tem sido suprimido no Brasil, como ocorreu com as Constituições de 1937 e de 1967, que eliminaram dispositivos das Cartas de 1934 e 1946, respectivamente, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Ao buscar fixar as aplicações da União na manutenção e desenvolvimento do ensino, na época, 12% da receita de impostos e as aplicações dos Estados e Municípios em 24% daquele montante, a proposta foi torpedeada pela tecnocracia. Subscrita por 63 dos 65 Senadores, responderam à chamada apenas 180 Congressistas, todos votando "SIM". Faltou quorum, portanto, para a aprovação.

A fim de que a História registrasse todos os detalhes desse nefando crime contra a educação, lancei o livro "História de uma Proposta de Emenda à Constituição". Data desta época o lançamento ambicioso do Projeto Educação, que tornou a respectiva Comissão do Senado num precioso fórum de debate, onde desfilaram eminentes depoentes, destacando-se vários ex-Ministros da Educação, inclusive os que naquela época estavam com os seus direitos políticos cassados, como o hoje fulgurante Senador Darcy Ribeiro.

Sete meses depois, e um novo clima político, contando com o permanente estímulo do então Senador Itamar Franco, decidi apresentar outra proposta de emenda constitucional, desta vez elevando os percentuais para 13% e 25% da receita de impostos, respectivamente, da União, dos Estados e dos Municípios.

Inúmeras foram as vicissitudes ao longo de sua tramitação, como o falecimento do então Presidente do Congresso Nacional, Senador Nilo Coelho, quando a mesma estava na iminência de ser votada. A sessão do Congresso Nacional, como é de praxe, foi imediatamente suspensa.

O Sr. Lourival Baptista - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador João Calmon?

O SR. JOÃO CALMON - Ouço V. Exª com muito prazer, nobre Senador Lourival Baptista.

O Sr. Lourival Baptista - Eminente Senador João Calmon, chegamos a esta Casa em 1971. Estivemos juntos na Câmara dos Deputados, onde cheguei em 1960. Tanto na Câmara, como no Senado, V. Exª foi sempre um defensor da Educação. Quantas e quantas vezes V. Exª, Presidente que foi, cinco ou seis vezes, da Comissão de Educação, nesta Casa, tudo fez para que a educação estivesse no primeiro patamar das causas nacionais. O Senado perde um grande representante, um homem digno, trabalhador, honesto, probo, de vida limpa. O Brasil é grato a V. Exª, assim como nós aqui, que o conhecemos de perto, desde a Câmara dos Deputados. O Brasil perde um grande homem, um grande parlamentar, alguém que viveu a sua vida interessado sempre nos problemas nacionais, por tudo que viesse em benefício do País e do seu Estado do Espírito Santo. Quero dizer a V. Exª, eminente Senador João Calmon, que V. Exª sai desta Casa, mas permanece no coração dos brasileiros, que sabem do grande serviço que prestou à Nação.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Lourival Baptista, V. Exª, ao longo de tantos anos de convivência, sempre bateu recordes de generosidade, em relação a este seu velho amigo e admirador. V. Exª e eu vamos deixar de pertencer ao Congresso Nacional a partir do dia primeiro de fevereiro. Entretanto, continuaremos lutando no mesmo ritmo. Eu, empolgado pela causa da educação, e V. Exª, absorvido pela sua cruzada benemérita de combate ao fumo. Muito obrigado.

O Sr. Mauro Benevides - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador João Calmon?

O SR. JOÃO CALMON - Ouço com prazer o nobre Senador Mauro Benevides.

O Sr. Mauro Benevides - Nobre Senador João Calmon, tencionava interferir como primeiro dos aparteantes no discurso de V. Exª. Mas não posso deixar de reconhecer a anterioridade do aparte do nosso eminente Colega, Senador Lourival Baptista, que chegou ao Congresso praticamente ao mesmo tempo em que V. Exª. Sei que Lourival Baptista, de Sergipe, e João Calmon, do Espírito Santo, formaram sempre aquela primeira linha da dignidade, da austeridade, da credibilidade diante da opinião pública do país. Como Líder da Bancada de V. Exª, permito-me, neste instante, interferir no seu discurso, que bem se inicia agora com a rememoração de todas as suas lutas, da sua posição na Comissão de Educação, presidida por V. Exª, órgão permanente desta Casa. Como Líder da Bancada do PMDB, queria expressar mais uma vez aquilo que, de forma reiterada, já destaquei em outras ocasiões, sobretudo respondendo a V. Exª, quando, nessa mesma tribuna, no dia 20 de dezembro, apresentei, formalizadamente, as minhas despedidas do Senado Federal. E V. Exª aparteou o meu discurso de uma forma a mais nobre, a mais comovente, compelindo-me a responder, naturalmente sem o brilho de V. Exª, mas tentando igualmente alcançar o seu coração. Reportei-me à circunstância de tê-lo como conterrâneo nosso, como conterrâneo do nosso Paulo Cabral de Araújo, que, da tribuna de honra desta Casa, assiste ao seu discurso neste momento. Coube a mim - este é um dos motivos de glória da minha vida pública -, Presidente da Assembléia Legislativa do Ceará, passar às mãos de V. Exª o título de Cidadão Cearense, que V. Exª recebeu, tendo ao seu lado a sua esposa, D. Teresinha Santiago Calmon, e a sua saudosa genitora, que, com uma vitalidade impressionante, também subiu as escadarias do velho prédio da Assembléia Legislativa, para que pudesse partilhar das glórias e da consagração daquela noite inesquecível. Portanto, Senador João Calmon, em 16 anos de convivência com V. Exª nesta Casa - mesmo na época em que nos era imposto o bipartidarismo, como o MDB ou ARENA -, V. Exª teve sempre um comportamento retilíneo, exemplar, correto e identificado exclusivamente com o interesse público. V. Exª se transformou num verdadeiro apóstolo da cruzada educacional e, de forma vigilante, atuou na defesa da aplicação dos recursos constitucionais. Há cerca de 20 dias, numa intervenção nesta Casa, V. Exª profligava a inação desta Casa diante do desrespeito flagrante, da infringência explícita à norma constitucional, que obriga a aplicação de 18% do Orçamento em educação. V. Exª assumiu esse comportamento; com coragem, sobranceria, altanaria, V. Exª empunhou essa bandeira em defesa da educação. Não sei como - se V. Exª se transformou em um nome nacional, sobretudo pela defesa que fez da educação no País -, não concebo, Senador João Calmon, não admito, não encontro justificativa para que o povo do seu Estado, lúcido e esclarecido, que mandou para esta Casa Senadores como Elcio Alvares e Gerson Camata, tenha cometido esse equívoco, essa injustiça, deixando de renovar o mandato de um homem que sempre cumpriu, com a maior dignidade, o seu mandato de representante do povo brasileiro no Senado Federal. Saiba V. Exª, Senador João Calmon, que, neste instante, falo pelo meu coração, pela minha alma, pelos sentimentos mais nobres e mais caros que eu possa reunir para dizer que o Senado Federal vai sentir a ausência de V. Exª. Quando o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso ou outro que vier a sucedê-lo também negacear no cumprimento da norma constitucional, deixando de aplicar os 18% na educação, não sei se se erguerá, desta mesma tribuna, com a autoridade moral que V. Exª encarna, uma voz altissonante capaz de condenar veementemente esses governos que até hoje têm sido incorretos e descumpridores da própria letra constitucional. Senador João Calmon, quero saudar a presença de V. Exª na tribuna em nome de todos os companheiros, sem inibi-los de interferir também no seu discurso. Mas quero saudá-lo para dizer que V. Exª volta para o seu Estado, volta para sua casa, absolutamente certo de que soube cumprir o seu mandato, um mandato que V. Exª, de todas as formas, enobreceu e dignificou em tantos anos de atividade na vida pública do País.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Mauro Benevides, a amizade de mais de meio século nos une e explica a generosidade com que V. Exª se refere à minha modesta atividade como um cidadão fascinado pela educação.

Para mim, nobre Senador Mauro Benevides, o seu título maior - já proclamei neste recinto - foi a apresentação de um projeto de lei criando, no âmbito do Senado, a Comissão de Fiscalização e Controle. Por um desses mistérios que não conseguimos decifrar, não foi possível a manutenção dessa Comissão que, permanentemente, analisaria as atividades da Comissão Mista de Orçamento e também acompanharia a execução da Lei de Meios. O nobre Senador deixa esta Casa com o seu curriculum enriquecido. Esperamos que, depois de um hiato, não superior a quatro anos, V. Exª retorne ao Congresso Nacional para representar o glorioso povo do Ceará.

O Sr. José Fogaça - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com muita honra, Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça - Aproveito o ensejo do aparte do Senador Mauro Benevides para fazer, também, o meu registro, o registro de um colega que conviveu com V. Exª nesta Casa por oito anos. Fomos eleitos para o mesmo mandato, embora V. Exª já fosse um veterano da Casa e eu um simples iniciante. Quero fazer o registro de que ao longo desse período não é possível localizar um só momento de descanso, porque V. Exª não adormeceu, não dormitou um segundo sequer em relação a esta causa; não deixou uma lacuna, um espaço, uma brecha que fosse, em aberto, quando se tratava de educação. A sua extraordinária coerência, a sua saudável e grandiosa pertinácia em torno da educação constitui um motivo de orgulho para o Senado, para a classe política e para o seu Estado, o Espírito Santo. Sou testemunha do quanto V. Exª, em cada momento, em cada passagem do processo legislativo, ao longo desses oito anos, foi um batalhador incansável. Muitas vezes indo contra uma muralha de ferro, muitas vezes pregando no deserto, outras vezes extremamente bem sucedido na sua luta. Assim como o Senador Nelson Carneiro foi o grande legislador do Direito de Família, V. Exª sai desta Casa com o mérito de ter sido o grande legislador da Educação. E como eu disse ao Senador Nelson Carneiro, não cometo nenhum exagero, nenhuma injustiça, se disser que aqui no Senado também deveria haver uma placa que dissesse a senadores como V. Exª aquilo que registrasse o agradecimento do País ao trabalho feito. Mas como essas coisas são passageiras e de significado menor, prefiro que fique inscrita na alma e no pensamento do povo brasileiro estas palavras: "A João Calmon, o entusiasta, a pátria agradecida." Porque V. Exª, nos momentos de maior depressão e dificuldade da sua causa, nunca deixou de ser um entusiasta da causa extraordinária da educação. V. Exª teve uma visão de futuro. Hoje, no mundo, a educação não é apenas um suporte do processo. Ela é o fator decisivo do processo de desenvolvimento. Conhecimento, educação e informação são fatores de riqueza para um povo maiores do que as suas matérias-primas e suas riquezas naturais. De modo que V. Exª foi sobretudo um visionário, um utopista militante, um defensor incondicional dos direitos daqueles que são os mais sistematicamente esquecidos pelos governos e pelo poder. Portanto, Senador João Calmon, daqui desta bancada, quero fazer esta homenagem, este registro e dizer que tive orgulho de ser seu colega e que carrego comigo a grande honra de ter estado ao seu lado no Senado Federal. Obrigado a V. Exª.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador José Fogaça, eu já disse a V. Exª, várias vezes, que não sei por que o Rio Grande do Sul não se cansa de realizar proezas que chegam a provocar humilhação entre os demais brasileiros.

Depois de uma luta insana, consegui restabelecer um percentual mínimo da receita de impostos federais, estaduais e municipais para a Educação. Já na última etapa, vencendo obstáculos terríveis, consegui, na área dos Estados, graças ao apoio decisivo da maioria absoluta de meus Colegas, a fixação de um mínimo de 25% da receita de impostos estaduais para a Educação. De acordo com a melhor tradição gaúcha, reune-se a Constituinte de seu Estado, nobre Senador José Fogaça, e humilha o resto do Brasil, não admitindo a vinculação de apenas 25% da receita de impostos estaduais, mas aprovando um aumento para 35% da receita de impostos estaduais para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Dei parabéns várias vezes a V. Exª por essa proeza gaúcha.

Quando eu falava de uma outra obsessão que me domina, a criação de institutos de formação política para formar e renovar a classe política, o eminente Senador Pedro Simon me afirmou que, no Rio Grande do Sul, já existem, há muitos anos, pelo menos três institutos desse gênero.

Com o meu profundo agradecimento, nobre Senador José Fogaça, em cujo futuro vislumbro, sem ser vidente nem profeta, a conquista de postos cada vez mais importantes, tenho que me submeter ao reconhecimento de que o Estado de V. Exª, em várias áreas, sem dúvida alguma, suplanta o resto do País. Muito obrigado.

Como recordava, com o pretexto utilizado de que minha emenda esclerosava o Orçamento, o Governo Figueiredo, apesar dos ingentes esforços da admirável Ministra Esther de Figueiredo Ferraz, recusou-se a aplicar a emenda. Atendendo à promessa do então candidato à Presidência da República, Tancredo Neves, aos participantes da 3ª Conferência Brasileira de Educação, em Niterói, no ano de 1984, o Presidente José Sarney, que tanto me honra com sua presença neste plenário, aprovou rapidamente a regulamentação da emenda.

Assumiu o Ministério da Educação o notável Senador Marco Maciel, hoje Vice-Presidente da República, que se interessou vivamente em agilizar a tramitação daquele projeto de lei. Afinal, em 24 de julho, de 1985, o eminente Presidente José Sarney, em solenidade da mais alta importância, no Palácio do Planalto, sancionou o Projeto que se tornou a Lei nº 7.348.

Entre os numerosos créditos que são atribuídos ao nosso eminente Colega, José Sarney, geralmente se omite esse relevantíssimo serviço que a Nação ficou a dever a S. Exª.

O então Ministro Marco Maciel teve, na época, a generosidade de propor que me fosse outorgada a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Educativo, que recebi em uma solenidade inesquecível, no Palácio do Planalto, presidida pelo atual Senador José Sarney, no dia 22 de abril de 1986, na presença de 11 ex-Ministros da Educação.

Ninguém deve se espantar com esse número, porque o Brasil é o País que bate recordes de mudança de Ministro da Educação. Chegamos a ter Ministro da Educação atuando apenas um ano, mas o recorde foi amplamente superado em outro sentido. Um outro colega, na área do Ministério da Educação, desempenhou as funções de Ministro apenas durante 29 dias. Um Ministro da Educação, ao depor na Comissão de Educação da Câmara, naquela época, declarou: "Não sou Ministro da Educação. Estou Ministro da Educação". Com essa inflação de Ministros, com um período de atuação extremamente curto, dificilmente ganharemos, dentro de pouco tempo, a batalha que devia ser altamente prioritária: a da Educação.

O Sr. José Sarney - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Ouço V. Exª com prazer e muita honra.

O Sr. José Sarney - Senador João Calmon, lamento interromper o discurso de V. Exª. A nossa convivência não é da vida política dos anos em que passamos juntos no Senado. A nossa convivência é da vida inteira. O que trago a esta Casa para inserir no discurso de V. Exª não é um aparte, é um testemunho justamente desses anos todos sobre a integridade de V. Exª: integridade moral, de idéias, de convicções, de caráter, que presidiu toda a sua vida. É o testemunho que dou de todos os seus amigos, daqueles que o conhecem há tantos anos - e muitos deles hoje já estão na eternidade. Lembro-me de que, aos 17 anos, eu entrava nos Diários Associados. O chefe de todos nós, Diretor dos Diários Associados do Norte, era V. Exª, que comandava, em nome dos Diários Associados, toda aquela região, ao lado de Paulo Cabral - que ali está -, Otacílio Colares, Orlando Mota, Eduardo Campos, José Pires Saboia, essa figura extraordinária que ainda hoje é um testemunho vivo daqueles homens que fizeram a imprensa de antigamente e que mantêm até hoje essa flama inexorável do que era o jornalismo daqueles tempos e o que era a fidelidade à causa do jornal. Eu era um simples repórter de setor. V. Exª era o chefe de todos nós, que chegava no Imparcial do Maranhão, no Unitário do Ceará, no Diário de Pernambuco, incorporava jornais e se dedicava à causa do jornalismo na cadeia dos Diários Associados que se construía naquele tempo. Depois, ao longo da vida, fomos consolidando uma convivência e uma amizade que uniu a todos nós pela vida inteira, até hoje, não somente como amigos, mas como uma irmandade que constituía aqueles homens todos que lutavam nos Diários Associados no princípio das nossas vidas e que era uma escola da qual tive a ventura de participar e de também comungar, agradecendo a Deus, que sempre colocou a sua mão generosa, até mesmo os amigos que me deu desde aquele tempo, dentre os quais cito V. Exª como um dos orgulhos da minha vida. Joaquim Nabuco dizia que a vida parlamentar é feita de uma causa, que muitos Parlamentares passam mas não encontram a sua causa e, portanto, não passam no Parlamento, porque a vida parlamentar é feita de lampejos, é feita de um instante, de um aparte, de um projeto, de um discurso que imediatamente desaparece entre os fatos do cotidiano, da vida política e da própria vida; mas uma causa parlamentar, essa não desaparece nunca. E Nabuco, então, dizia: "A minha causa parlamentar foi a abolição". Foi a maior causa, talvez, que já teve este País, porque uniu todas as consciências em torno de uma idéia generosa, grandiosa, talvez a maior idéia que pode unir os homens, que é a da liberdade: liberdade das pessoas e liberdade no sentido geral do que ela significa para a vida de todo mundo. Tivemos, também, no Império, muitos homens que, nesta Casa, fizeram a sua causa parlamentar. O Conselheiro Saraiva passou a vida discutindo a reforma das leis eleitorais e fez a famosa Lei Saraiva, dos circuitos e dos distritos. Para não alongar-me, direi que, nos tempos atuais, por exemplo, temos a figura de Afonso Arinos, que passou a sua vida parlamentar defendendo leis contra a discriminação racial - a Lei Afonso Arinos; temos Nelson Carneiro, que agora sai e passou a sua vida defendendo o Direito de Família nesta Casa. E já vão desaparecendo os Parlamentares que têm a sua causa. Eu, por exemplo, procurei e nunca consegui realizar totalmente que a minha causa parlamentar fosse a da cultura. Desde que aqui cheguei venho apresentando projetos de incentivos culturais, venho defendendo a necessidade de o Brasil ser uma potência cultural e não somente uma potência econômica, porque não há potência econômica, não há potência política que não seja uma potência cultural. Mas V. Exª superou todos nós, porque a sua causa foi a causa da educação. V. Exª tem um lugar nos Anais deste País, nos Anais do Congresso Nacional. V. Exª sai desta Casa deixando uma obra extraordinária, que, além dessa fidelidade à sua causa parlamentar, é um exemplo que V. Exª deixa ao Congresso brasileiro, aos Parlamentares que chegam hoje para saberem o que é um homem que passou a sua vida dedicado a uma causa parlamentar. E qual foi essa causa? A da educação. Não há maior causa, hoje, principalmente porque atualmente o mundo mudou, as ideologias acabaram. As palavras revolução e revolta, que encheram o pensamento político durante mais de cem anos, incendiando todos os homens que acreditavam que o caminho da libertação da humanidade passava pela ideologia, o que restou delas? O que restou do fim da confrontação das ideologias? Apenas a certeza de que hoje o libertário, no mundo, é o conhecimento, o libertário, no mundo, é a educação. Então, V. Exª, nesta Casa, neste Parlamento, durante tantos anos, às vezes com delicadeza, às vezes com serenidade, outras vezes com revolta, agarrou-se àquilo que V. Exª achava que era o que hoje o mundo todo sabe: que só há, hoje, para a humanidade, uma palavra libertária, e essa palavra é educação. Esta foi a causa de V. Exª. Portanto, Senador João Calmon, aqui não vai o gesto do amigo; aqui vai o depoimento do mais antigo Parlamentar que hoje senta nesta Casa. Em 1955, eu chegava ao Parlamento brasileiro pela primeira vez, e não sabia que Deus iria me levar pelos caminhos da política que me levou. Como também V. Exª e eu não sabíamos, quando estávamos no jornalismo - eu começando e V. Exª como nosso chefe -, que a política iria nos levar pelos caminhos que nos levou. E V. Exª, de certo modo, largou o jornal para se dedicar à sua causa parlamentar. É este o exemplo que V. Exª deixa e é este o testemunho que faz um dos seus velhos companheiros, e, mais do que isso, com a autoridade do mais antigo Parlamentar que tem assento nesta Casa. Muito obrigado.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador José Sarney, se dispusesse de tempo para agradecer o seu aparte tão honroso, creio que deixaria de lado o texto que trouxe para esta Tribuna, para revelar à Casa o grau de afinidade que sempre nos ligou desde os tempos, já evocados por V. Exª, em que era repórter do nosso jornal do Maranhão, num momento, que durou pouco, em que os Diários Associados chegaram a manter, na capital maranhense, três jornais.

V. Exª começou n`O Imparcial, como repórter, e logo se destacou com singular relevo; depois fez uma carreira parlamentar sem precedentes. Como executivo, foi extraordinário Governador do Maranhão, depois, Presidente da República que deixou um nome imperecível no exercício de tão altas funções.

Entre V. Exª, nobre Senador José Sarney, e eu, há uma longa história, quase sempre vinculada aos interesses maiores do País, mas também há outro vínculo que eu não esqueceria mesmo que Deus permitisse que eu ultrapassasse os 100 anos de idade.

Quando recebi, como pai, o golpe mais violento da minha vida, V. Exª esteve ao meu lado. Pouco antes de ser iniciada a cremação do corpo de minha única filha, V. Exª estava ao meu lado, solidário. Jamais poderei esquecer este seu gesto.

Em outros momentos, que nem convém invocar aqui, quando a tempestade rugia sobre o grupo do qual eu era Presidente, V. Exª sabe que a minha gratidão ainda aumentou muito mais. É cedo, entretanto, para revelar esses detalhes, que constam de um diário que costumo escrever desde que ingressei na política, e que hoje tem onze mil páginas datilografadas. Agora, com o afastamento forçado das lides parlamentares, procurarei condensá-lo.

V. Exª, nobre Senador José Sarney, em relação a mim, sempre ultrapassou todos os limites admissíveis em termos de generosidade. Só me resta dizer-lhe muito obrigado, meu irmão José Sarney.

O Sr. Ronan Tito - Concede-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

O SR. JOÃO CALMON - Concedo o aparte ao nobre Senador Ronan Tito.

O Sr. Ronan Tito - Nobre Senador João Calmon, há pouco tempo eu lia um artigo de um jornalista norte-americano, numa tentativa de aprendizado da língua inglesa, no qual ele contava um fato que considerei bastante sintomático e importante. Ele dizia que depois de Mao Tsé-Tung vencer a sua batalha - a Grande Marcha e, depois, a Revolução - os seus amigos, os seus asseclas tentaram dar a ele o título de "O Grande General" e ele disse: "Não, um povo livre não precisa de general, e vocês não entenderam A Grande Marcha. Eu não era general naquela marcha, eu era um companheiro." Mais tarde, quiseram chamá-lo de "O Grande Presidente"; e ele disse: "Um povo livre não precisa de presidente." As pessoas que lidavam com ele, dada sua importância, procuraram sondá-lo sobre qual o título que ele preferia: "Se vocês acham que é importante algum título, chamem-me de professor. A única coisa que vale à pena neste mundo é ensinar." Ele rejeitou todos os títulos. Mas deixemos Mao Tsé- Tung para lá; vamos ver aquilo que nos toca mais de perto. Todos nós, em determinados momentos, confessamo-nos cristãos. Jesus Cristo também rejeitou todos os títulos. Chamaram-no "O Rei", e ele disse: "O meu reino não é deste mundo." Uma vez chamaram-no de "bom", e ele disse: "Quem é bom, senão o Pai, que está no céu?" Mas um dia um discípulo gritou raboni; e ele disse: "Você me chamou de mestre, e eu sou." É bastante sintomática a presença da sua professora aqui hoje. Que ela saiba no que resultou a importância de ser mestre e de ser professora: um aluno que hoje leciona, não só para este Parlamento, mas para todo o Brasil, para esta geração e para gerações passadas, dizendo: "Se não educarmos o País, não temos saída. Educação, educação, educação." De tal maneira V. Exª bateu nesse tema que muitos de nós sentíamos a importância da educação, mas Ulysses Guimarães dizia que às vezes o óbvio é muito difícil de ser percebido. A tragédia do óbvio é ele não ser praticado. Nós continuamos na tragédia do óbvio. João Calmon, há mais de duas décadas, vem pregando: "Educação, educação, educação. Caso contrário, não há saída." A saída é uma só, outros países já mostraram. Em 1970, estive no Japão - naquela época, eu ainda não estava tocado pelo vírus da política, era um pseudo-empresário, um pequeno empresário do interior - e, impressionado com os números, ficava procurando as razões da riqueza daquela país: 360 mil quilômetros quadrados, apenas 16% habitável, agricultável. Já naquela época, em 1970 - estávamos lá para assistir a EXPO-70 - procurava as razões daquela riqueza: as hidrelétricas, as riquezas naturais, as matas, os minérios. Nada. Não encontrava nada. Para mim, como empresário, era muito difícil descobrir por que tanta opulência, por que desenvolvimento, por que tanta riqueza. Um belo dia, conversando com um professor universitário, ele disse: "Matsuhito descobriu há muito anos que a maior riqueza do homem está na sua cabeça, no seu cérebro. Durante 50 anos, investimos 50% do nosso orçamento em Educação, e aí está o resultado." Muitos pensam que o Japão é um milagre do pós-guerra. O Japão é um milagre que já vem acontecendo desde o início do século, por causa da visão de seus homens, que descobriram que é na massa cinzenta, na massa encefálica que está a maior riqueza do mundo. Há alguns dias, tive a oportunidade de ler Akio Morita, dizendo que, às vezes, as riquezas naturais chegam a ser incômodas para o País e que é muito bom que o Japão não as tenha. O Japão compra de quem quiser, de quem vender por um preço melhor, sem ter que se preocupar com a exaustão dessas riquezas. E continua dizendo que isso se deve à tecnologia, à educação, à ciência. Nobre Senador João Calmon, todos nós passamos pelo Congresso, pela vida. Disse muito bem o Senador José Sarney: "O grande parlamentar é um tarefeiro; ele tem que ter uma causa!" De todos nós, V. Exª foi quem abraçou a causa maior. Por isso, quero também prestar um depoimento à sua professora de que valeu a pena ensinar a esse homem, a esse Senador, que hoje é mestre de todos os Senadores, de todos os Parlamentares, de todos os homens públicos que têm esperança de que este País, um dia, vai se "desenvolver". No seu discurso de despedida, V. Exª poderá rezar como o fez Paulo, que combateu o bom combate, não perdeu a sua fé e venceu.

O Sr. José Sarney - Senador João Calmon, eu pediria licença apenas para fazer uma pequena retificação no meu aparte.

O SR. JOÃO CALMON - Com muito prazer, Senador José Sarney.

O Sr. José Sarney - Fiz o meu aparte com emoção, e o meu pensamento já se encontrava na futura Legislatura, que vai começar depois de amanhã. Não me lembrei de que, nesta Legislatura que esta terminando, eu não seria o mais antigo dos Parlamentares, porque teríamos a figura de Nelson Carneiro e de Aluízio Alves, homens que também participaram do Parlamento com grande brilho; sobretudo, aqui no Senado, essa figura excepcional de Nelson Carneiro, que também teve a sua causa parlamentar. Queria fazer esta retificação - para desculpar-me, porque avancei um pouco no tempo -, dizendo que vou ficar aqui como o mais antigo, mas seguindo sempre o exemplo daqueles que me antecederam, entre os quais quero colocar essa figura eminente do Senador Nelson Carneiro.

O SR. JOÃO CALMON - Ficará registrada, devidamente, a sua retificação.

Agradeço o aparte do nobre Senador Ronan Tito. A minha consciência obriga-me a repetir o que tenho dito muitas vezes em relação a S. Exª. S. Exª, realmente, bate recordes; supera as suas marcas, altamente invejáveis, em vários setores. Mas, na área em que apaixonadamente atuo, S. Exª é credor da admiração de todo o País e não apenas de Minas Gerais. Candidato a Governador de seu Estado, ele incluiu na sua plataforma o compromisso de, se eleito, passar a gastar não 25% da receita de impostos estaduais, como determina a emenda de minha autoria; não os 35% da receita também de impostos estaduais, como ocorre no Rio Grande do Sul e que recordei há poucos minutos; Ronan Tito assumiu o compromisso, perante o povo mineiro, de, se eleito Governador, destinar à educação 50% - permita-me repetir, 50% -, no mínimo, da receita de impostos estaduais.

Portanto, esses elogios tão generosos em relação à minha pessoa deveriam dar lugar a uma louvação a Ronan Tito, que superou amplamente tudo o que consegui fazer na área da Educação.

Como ele é, no bom sentido da palavra, ambicioso, superou os seus próprios recordes no exercício do mandato de Senador. O nobre colega presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Evasão Fiscal, provavelmente a maior ou a segunda Comissão Parlamentar de Inquérito mais importante da história do Congresso Nacional.

O que a CPI apurou foi realmente estarrecedor, tendo em vista que apontou à Nação revelações que pareciam inacreditáveis: somente numa Unidade da Federação, não porque ela possa ser acusada de graves defeitos. Não! Por causa de sua grandeza econômica numa única Unidade da Federação, a sonegação de impostos federais, estaduais e municipais supera significativamente o total do Orçamento Geral da República Federativa do Brasil.

Neste momento, estamos pensando novamente em aumento de impostos. Seria mais fácil, rápido e haveria êxito garantido se montássemos um esquema para valer, reduzindo drasticamente a sonegação de impostos em nosso País. Essa CPI foi criada por iniciativa do nosso então colega Fernando Henrique Cardoso.

O Sr. Ronan Tito - Mas foi V. Exª que nos inspirou a todos para essa CPI. Peço perdão por intrometer-me novamente no discurso de V. Exª. E a inspiração sempre foi por causa da educação, porque V. Exª verificou que havia poucos recursos para essa área e, depois de participar de duas reuniões, verificou que a sonegação era imensa. Foi baseado numa denúncia que V. Exª fez neste plenário que o hoje Presidente Fernando Henrique Cardoso passou a recolher assinaturas suficientes para a instalação daquela CPI. E V. Exª sempre teve como objetivo a educação e mais recursos para a educação. Dessa forma mais esse crédito cabe a V. Exª.

O SR. JOÃO CALMON - Como vêem os meus eminentes colegas, o Senador Ronan Tito é irremediavelmente incorrigível.

O Sr. Nelson Carneiro - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador João Calmon?

O SR. JOÃO CALMON - Com muito prazer e muita honra, concedo o aparte ao nobre Senador Nelson Carneiro, glória maior do Parlamento brasileiro.

O Sr. Nelson Carneiro - Muito obrigado a V. Exª. Infelizmente o meu estado de saúde não permite, nesta oportunidade, que diga a V. Exª quanto há no meu coração para traduzir o pesar com que o vejo sair desta Casa. Mas não poderia estar ausente para dizer que todos nós carregamos no curso da Legislatura algumas bandeiras. Bandeiras que vão e voltam, bandeiras que se extinguem. Mas V. Exª não. V. Exª desfraldou uma bandeira que há de continuar ainda desfraldada. Uma bandeira que não é desta geração, não é deste tempo, é das gerações que hão de vir, da perpetuidade e da grandeza do Brasil dos dias futuros. Se alguém deixa nesta Casa um vácuo, esta pessoa é V. Exª, que é um patriarca não dos dias que vivemos, mas dos dias do futuro. A Nação deve a V. Exª mais do que a todos nós juntos, porque, sem a instrução, sem a educação, nenhuma outra bandeira será desfraldada com sucesso. Vejo com pesar, nesta hora em que tantos deixam esta Casa, que entre eles esteja João Calmon, o patriarca da educação.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Nelson Carneiro, V. Exª recebeu a maior consagração - creio - do Congresso Nacional, quando se despediu da Casa que tanto dignificou.

O que ocorreu no Estado do Rio representa, Senador Nelson Carneiro, a confirmação de um preconceito, característico de países em desenvolvimento, condenando à aposentadoria aqueles que ultrapassaram certos limites de idade, não a idade de 80 anos. Não! A condenação é muito mais grave e começa muito mais cedo!

Nobre Senador Nelson Carneiro, durante a última campanha eleitoral no Espírito Santo, ouvi não uma, duas, dez vezes, mas dezenas de vezes, uma nota oficial do Superior Tribunal Eleitoral lembrando textualmente que, para eleitores com idade superior a 70 anos, o voto é facultativo. Obviamente, isso significa que este País, que bate recordes de poucos dispêndios com a educação, que tem manchas de pobreza e de miséria, algumas comparáveis a cubatas africanas, quer se dar ao luxo de impedir que pessoas com mais de 70 anos continuem a atuar na vida pública.

Tenho feito um teste com numerosas pessoas que, apesar desta freqüente publicidade no rádio e na televisão, e que declaram ignorar ou fingem ignorar que o Brasil já está tornando incapazes de votar, tanto que já abriu a faculdade de deixar de comparecer para depositar a sua cédula nas urnas a quem tem apenas 70 anos de idade.

Nobre Senador Nelson Carneiro, V. Exª é a glória maior deste Congresso Nacional. No dia de sua despedida, dei-lhe um crédito, não por generosidade, não por gentileza. Dediquei-me de corpo e alma a apenas uma causa no Congresso Nacional, porque aprendi com V. Exª uma lição inesquecível. V. Exª, há muitas décadas, passou a se concentrar praticamente em um tema: o divórcio. Nelson Carneiro era sinônimo da luta pela aprovação da lei de sua autoria. Foi sob a influência desse exemplo inspirador que escolhi um tema, naturalmente muito mais amplo: o tema da altíssima prioridade para a educação.

No momento em que me despeço desta Casa que V. Exª tanto honrou desejo, pela segunda vez, conceder-lhe este crédito, destacando que aqueles que não apenas o criticaram, nobre Senador Nelson Carneiro, mas o insultaram da maneira mais sórdida não deveriam continuar a merecer o respeito do povo e não poderiam também receber novos votos em próximos pleitos.

Muito obrigado, mestre dos mestres, Nelson Carneiro.

O Sr. Joel de Hollanda - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com muito prazer concedo o aparte ao nobre Senador de Pernambuco.

O Sr. Joel de Hollanda - Nobre Senador João Calmon, permita-me a ousadia não de fazer um aparte - porque não é minha intenção - mas de ter a ousadia de um calouro, de um novato que ainda não completou um mês de Senado e que se considera um aprendiz ante tantos mestres como V. Exª que têm assento nesta alta Casa. Não vou fazer um aparte; por uma criteriosa questão de consciência, faço uma louvação ao homem público que é V. Exª, que dignificou todos os cargos que ocupou. Ao educador dedicado e destemido que durante toda sua vida só vislumbrou um objetivo: cuidar das futuras gerações. Por isso mesmo, Senador João Calmon, V. Exª vai ficar sempre ao lado dos grandes educadores deste País na galeria que esta Nação deve memorizar e cultuar, os nossos grandes educadores como foram Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Lourenço Filho, o pernambucano Carlos Maciel e tantos outros que têm tantos serviços prestados à Nação brasileira. Gostaria de louvar o Parlamentar comprometido, sério, que, através de seus discursos, de seus livros, de seus projetos de lei, procurou melhorar quantitativa e qualitativamente a educação em nosso País. Louvar o construtor da cidadania, porque é isso que V. Exª é, cidadão João Calmon. Não há cidadania sem educação. A educação é a base para a construção da cidadania; e construindo a cidadania, construímos a própria Nação brasileira. O alicerce de uma nação - V. Exª tem pregado essa lição aos quatro cantos deste País - não está nas suas estradas, nas chaminés das suas indústrias, nas suas hidrelétricas; o alicerce de uma nação está fundamentado na educação de seu povo. V. Exª, ao defender a educação, ao defender a construção da cidadania, está lançando a construção de uma nação em bases seguras, firmes. É por isso que este parlamentar que apenas está chegando agora ao Senado, humildemente, coloca-se ao lado de todos os demais senadores que já apartearam V. Exª para esse ato de respeito e, sobretudo, de admiração pelo trabalho que V. Exª realizou, durante toda a sua vida pública, defendendo a educação. Foi muito feliz o nobre Senador Hugo Napoleão ao propor que a sala da Comissão de Educação tivesse o seu nome; momentaneamente, V. Exª estará fora do Senado, mas o seu nome permanecerá naquela sala de comissão, lembrando a todos nós que aqui esteve um Senador que dedicou seus dias e suas noites de estudo, de meditação buscando soluções para os problemas educacionais do nosso País. Terminaria, nobre Senador João Calmon, externando de público meu agradecimento pelas orientações que V. Exª me transmitiu, pelos artigos, pelos livros, pelos projetos de lei que V. Exª me ofertou e que me estimulam a continuar aqui, evidentemente não com o brilho, com a competência, com o conhecimento que V. Exª tem, mas com aquilo que eu possa aprender como um discípulo de V. Exª nesta Casa, defendendo a educação, buscando fazer com que passe a se constituir numa efetiva prioridade nacional para que possamos construir esta Nação de forma mais justa e democrática. Finalizo, lembrando aqueles famosos versos de Castro Alves:

      Bendito é o homem que semeia livros,

      livros a mancheia, e manda o povo pensar,

      o livro caído n`alma é germe que faz a palma,

      é chuva que faz o mar.

V. Exª, Senador João Calmon, é esse semeador de escolas, de livros, semeador da educação que por todo esse trabalho merece e merecerá sempre a admiração e o reconhecimento do povo brasileiro. Muito obrigado.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Joel de Hollanda, V. Exª atua no Senado há apenas poucos dias, em substituição a uma figura estelar de homem público que é o atual Vice-Presidente da República, Marco Maciel. V. Exª, com a humildade que o caracteriza, logo depois de sua posse, tomou a iniciativa de me procurar em meu gabinete em busca de livros, de teses que girassem em torno da educação, e me acrescentou da maneira mais enfática: "Senador João Calmon, V. Exª não estará mais atuando no Senado, a partir de fevereiro. Mas dentro das minhas limitações - que devo atribuir apenas à modéstia de V. Exª, pois considero que não existam - procurarei dedicar, virtualmente, todo o meu tempo, buscando substituir V. Exª e o Senador Marco Maciel, titular da vaga que ora ocupo."

Muito obrigado, Senador Joel de Hollanda. E conte comigo aqui em Brasília ou em qualquer outra Unidade da Federação. Estarei sempre mobilizado para dar minha contribuição à causa sacrossanta da educação.

O Sr. Coutinho Jorge - Nobre Senador João Calmon, permite-me a honra de um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Coutinho Jorge, que se destacou com um relevo singular como Ministro do Meio Ambiente, concedo a V. Exª, com o maior prazer, um aparte.

O Sr. Coutinho Jorge - Nobre Senador João Calmon, quero unir-me aos aparteantes que me antecederam, para expresssar o meu mais profundo respeito e admiração pelo trabalho que V. Exª desenvolveu ao longo da sua vida parlamentar em prol da Educação no Brasil. Este trabalho não pode ser medido em termos quantitativos ou percentuais. É irrefutável que a sua luta de dez anos para inserir na nossa Constituição a aplicação de 12% dos recursos da União em programas educacionais, gerou muitos benefícios para o setor. Da mesma forma, o seu empenho em 1983, para aumentar o percentual para 13% e 25%, a ser aplicado por Estados e Municípios. Mas, como eu disse, isto não reflete toda a extensão da sua luta. Considerar a educação como a base central para a conquista da cidadania; colocar a educação no centro dos debates ao longo de todos esses anos, é realmente uma bandeira que V. Exª abraçou com muita garra e brilhantismo. V. Exª deixa agora o Senado Federal, mas não abandonará essa luta por ela já faz parte integrante da sua vida. Este País deve muito a poucas pessoas. Dentre eleas destaco V. Exª. Uma carreira política de 30 anos, sem manchas, não só engrandece V. Exª, engrandece a todos nós brasileiros. Tenho certeza de que V. Exª plantou muitas sementes e elas germinaram por este Brasil afora. Pode ter o sentimento do dever cumprido e que deixou seguidores fiéis a sua bandeira. Para V. Exª desejo daqui para a frente a continuidade de todo o sucesso que tem pautado na sua existência.

O Sr. Mansueto de Lavor - Senador João Calmon, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com muito prazer, concedo o aparte ao nobre Senador Mansueto de Lavor.

O Sr. Mansueto de Lavor - Eminente Senador João Calmon, nem sei mais o que dizer com meu aparte, diante de tantas manifestações de colegas nossos que destacaram o exemplar trabalho Parlamentar de V. Exª, durante todos esses anos em que exerceu o mandato outorgado pelo povo do Espírito Santo e pelo povo brasileiro. Quero, Senador João Calmon, lembrar uma reportagem, uma matéria que li hoje de manhã em uma revista semanal, se não me engano, a IstoÉ. Tratava do trabalho de arqueólogos franceses e ingleses para içar das profundezas do Delta do Nilo, próximo à Baía de Alexandria, no Egito, o farol construído na Ilha de Faros que, durante mais de mil anos, foi o guia de toda aquela navegação do Mediterrâneo. O Farol de Alexandria, uma das maravilhas do mundo antigo, ruiu, primeiramente destruído por um terremoto e, séculos depois, foi soterrado nas profundezas do mar por outro terremoto. Ouvindo V. Exª, estava a pensar: não haverá na educação brasileira esse terremoto para apagar o farol da educação brasileira, que é V. Exª. Não vai haver porque V. Exª fez escola, terá seguidores nesta Casa, na Câmara dos Deputados e em todas as Casas Legislativas brasileiras. A tocha que V. Exª conduziu não se apagará porque temos absoluta certeza de que V. Exª seguirá a palavra de Ulysses Guimarães: "Vou para a planície, mas não vou para casa. Não vou vestir o pijama, vou continuar fardado na luta." Queremos aqui fazer um apelo a V. Exª em nome da sua juventude: a juventude é o ideal do homem. O homem só envelhece quando perde os seus ideais. Com a sua juventude, Senador João Calmon, continue como o farol da educação do Brasil. Muito obrigado pelos exemplos que nos deu.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Mansueto de Lavor, suas afirmações caracterizam V. Exª como recordista mundial - não diria nordestino, pernambucano ou brasileiro - em termos de distribuição de elogios, os quais não mereço. Senador Mansueto, penso até que V. Exª deveria reduzi-los numa base de 50 a 60%, pois não consigo aceitá-los; e, se os aceitasse, ficaria com um peso na consciência. É generosidade pernambucana, é generosidade nordestina, da gente daquela área onde vivi alguns dos melhores anos da minha vida.

Resta-me apenas, depois dessa ressalva, agradecer a V. Exª esses elogios altamente inflacionados e que não mereço.

O Sr. Pedro Teixeira - V. Exª concede-me um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com prazer concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Pedro Teixeira - Senador João Calmon, depois dos memoráveis apartes que antecederam esta nossa intervenção, procurarei ser breve, porque há outros companheiros que irão realmente trazer subsídios prestimosos para essa memorável jornada, que é a despedida de V. Exª. Vou fazer meu um conceito de Napoleão: "O trabalho é o meu elemento. Nasci e instruí-me para o trabalho; conheci os limites de minhas pernas e os limites de meus olhos, mas nunca conheci os limites do meu trabalho". Penso que esse conceito se aplica a V. Exª nessa breve saída, porque sei que V. Exª a cada dia vai retomar sua caminhada com o mesmo vigor, com o mesmo ideal, com o mesmo entusiasmo, com o mesmo fervor em direção a uma subida certamente íngreme, mas respeitável. Encerro meu aparte dizendo que os homens devem fazer o que gostam e devem gostar do que fazem. Creio que ambos os conceitos se aplicam a V. Exª. V. Exª faz o que gosta e sabe como fazê-lo. Muito obrigado por ter-me proporcionado esta manifestação.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Pedro Teixeira, eu é que agradeço a V. Exª pelas referências tão generosas. Continuarei, dentro dos meus limites, dedicando à causa da educação a parte mais importante desse meu resto de vida. Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Aureo Mello - V. Exª concede-me um aparte?

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª concede-me um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com a licença do nobre Senador Aureo Mello, concedo um aparte ao mestre dos mestres, Senador Josaphat Marinho. Em seguida, ouvirei a palavra de Aureo Mello, a quem estou ligado por laços de profunda amizade, há mais de meio século, às margens do Amazonas, em Manaus.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador João Calmon, devo concisamente dar um testemunho e exprimir um julgamento. Há quatro anos eu o vejo e o acompanho, de segunda a sexta-feira, nesta Casa e neste plenário, salvo quando em cumprimento de outros deveres funcionais. V. Exª é dos que exercem o mandato com o tirocínio do homem público. Nunca lhe pareceu que devesse passar por esta Casa; nela permaneceu. Nem mesmo quando os desvios da vida partidária usurparam-lhe o mandato V. Exª deixou de ser o freqüentador assíduo deste plenário. Neste período todo, eu o vi e o ouvi tratando de vários assuntos, principalmente de três: o Orçamento, a evasão da receita e a educação. Lembro que um dos primeiros discursos que ouvi de V. Exª foi um pormenorizado estudo sobre o Orçamento da República e a necessidade de rever o Congresso o processo de fazê-lo e de acompanhá-lo. Depois, repetidamente, talvez até sem muita atenção da generalidade das pessoas, V. Exª salientou nesta Casa a importância da Comissão sobre a Evasão Fiscal, a necessidade de atentar-se no problema para corrigi-lo a bem do País. Mas, com certeza, V. Exª foi aqui a grande expressão a respeito da educação nacional. Não é preciso desdobrar argumentos, pois que a Casa é unânime no reconhecimento da sua precedência no exame deste assunto que é a primeira prioridade do País. Na verdade, V. Exª tratava do Orçamento e cuidava da evasão fiscal dentro do espírito fundamental que era o de corrigir erros mediante o cuidadoso exame dos problemas, que é o que sempre recomenda a educação. Foi, então, V. Exª na política - se eu o conheci - um Parlamentar educador. É por isso que lhe digo nesta hora, tendo tido a enorme satisfação de conhecê-lo e de guardar proximidade, que V. Exª não se despede. Quem educa constrói, e quem constrói está sempre presente pelas obras que realiza. Partindo, por força das circunstâncias, V. Exª estará aqui, inclusive dando aos erros da política o grande exemplo de um bom educador.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Josaphat Marinho, depois de ouvir a sua intervenção, se ainda me restasse um mínimo de mágoa em relação à condenação que recebi, de não continuar representando o meu Estado no Congresso Nacional, tal mágoa se esvaziaria inteiramente.

Ouvir esta intervenção do mestre inexcedível do Direito, do Parlamentar que ultrapassa a altitude do Everest representa para mim a maior recompensa e me leva a consolidar, ainda mais, a decisão já anunciada desta tribuna de que, enquanto tiver forças e a vida me permitir, continuarei indissoluvelmente ligado à causa da educação, porque - repito, pela centésima vez, no Congresso Nacional - só por meio da educação universalizada poderá haver distribuição mais eqüitativa e humana de renda entre todos os nossos patrícios. Só assim a renda deixará de ficar concentrada nas mãos de um mínimo percentual de privilegiados, que, por motivos ortodoxos ou heterodoxos, não recolhem corretamente os seus tributos aos cofres públicos.

Muito obrigado, mestre dos mestres, Josaphat Marinho.

O Sr. Aureo Mello - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Ouço V. Exª, Senador Aureo Mello, velho e querido companheiro de lides associadas às margens do Rio Amazonas, onde se encontram as águas do Rio Negro e do Rio Solimões, levando um conterrâneo do nosso amado Presidente dos Diários Associados, Paulo Cabral, a dar essa chave de ouro ao seu imortal soneto:

      Se esses dois rios fôssemos, Maria,

      Toda vez em que nos encontrássemos

      que Amazonas de amor não sairia de mim,

      de ti, de nós, que nos amamos.

      (Palmas)

A evocação do Amazonas me leva a citar esse poema imortal de Quintino Cunha, conterrâneo do nosso Presidente, Paulo Cabral.

Com imenso prazer e com emoção, ouço o aparte de V. Exª, Senador Aureo Mello, meu colega de despedidas do Congresso Nacional.

O Sr. Aureo Mello - Mestre Calmon, Paulo Cabral foi quem me colocou na Rádio Baré como locutor. Ele entendeu que talvez eu tivesse condições de proferir e ler diariamente os anúncios e falar para o povo do Amazonas naquela emissora, que era praticamente a única. Então, lá estava eu diariamente a irradiar para "BRFC, Rádio Baré, operando na freqüência de 4.895 quilociclos, onda intermediária de (risos) 61,28m. Um, dois, um dois, um dois, os meus ouvintes devem caminhar com saltos Coroa, saltos Coroa de J. G. Araújo, os melhores saltos que podem ser feitos no Amazonas, e as Pílulas de Vida, do Dr. Ross - R, O, S, S. Essas pílulas de Vida são inegavelmente as melhores! E, ainda, havia: Regulador Xavier, o remédio de confiança da mulher: nº 1, excesso; nº 2, escassez. V. Exª sabe que ainda bem nos lembramos daquele tempo. A turma que estava lá era realmente "imortal". Porque havia Ubiratan de Lemos, jornalista que se tornou célebre trabalhando na revista O Cruzeiro; Aloísio Girão Barroso, vulgo "Reco-Reco", na redação, era o nosso redator-secretário e, até hoje, milita no Tribunal de Contas do Estado do Ceará. Recentemente, recebi um telegrama dele. Havia, também o Wilson de Medeiros Calmon, seu irmão, depois eleito Deputado, várias vezes, que, infelizmente, faleceu anos atrás. Wilson ia lá todo o fim de tarde encontrar-se com o Aloísio Girão Barroso. Eu, Secretário-Geral do Jornal do Commercio, já estava furioso com os dois porque iam à Feira da Mocidade para ver as belas artistas, enquanto eu, Geraldo Pinheiro e Ubiratan de Lemos ficávamos trabalhando muito na redação. Antes disso, houve o Avelino Pereira, que tinha um gênio terrível, paraibano daqueles de puxar a durindana e não ter dúvida de massacrar aqueles que o perturbassem. Mas eu consegui sempre manter o bom humor do Avelino Pereira. Acima de tudo isso, acima de todo esse episódio, de toda essa panóplia de coisas adoráveis, que é a vida de redação, havia o nome de João Calmon. Era como se fosse o sol, o nume tutelar daquela redação. E enquanto estava eu lá trancado na Rádio Baré, anunciando aqueles belíssimos trechos da oração da Ave Maria: são seis horas, cai a tarde no Amazonas. Os pássaros repousam sobre os galhos com os últimos cantos do dia. E o Rio Negro passa lentamente. O farfalhar das folhas faz a melodia de toda essa paisagem maravilhosa. Minhas fãs, que eram algumas velhotas e algumas crianças, às vezes, invadiam o estúdio, e eu tinha dificuldade de fazer com que saíssem dali. Mas eu continuava: a emissora que vocês estão ouvindo é a Rádio Baré, operando na freqüência de 4.895 quilociclos. E aqui, irradiando de Manaus para o Brasil, e o Brasil é o Amazonas, com a sua potência indiscutível, e tal. E assim João Calmon passou a se amalgamar no sangue deste rondoniano. É uma pessoa como se fosse assim o meu alter ego. Não posso deixar de enfocar a sua firmeza de jornalista, Srs. Senadores. Esse é um homem que realmente criou no Brasil a forma de se fazer um jornalismo educado, disciplinado. O jornalismo associado era um jornalismo que tinha padrão, que tinha um sistema, uma norma, e o fazíamos ali cientificamente, cada qual empenhado em projetar cada vez mais o jornalismo associado no Brasil. Depois, S. Exª se enveredou pela política, quando o conheci. Quando Calmon entrou, eu, que tinha começado aos 22 anos, já era um veterano na política. Mas passei a admirá-lo e a apreciar a firmeza com que S. Exª se situou nesta convicção de que a instrução e a educação são fundamentais para o progresso do País. Agora João Calmon está se despedindo, provisoriamente - não aceito a sua despedida em termos definitivos. Eu o espero breve e novamente nesta tribuna, porque V. Exª é o famoso joão-sem-medo, madeira dura de dar em doido a ar comprimido. V. Exª não é de perecer nem de fenecer assim com essa facilidade. De maneira que tenho certeza de que a felonia e a indignidade que foi praticada contra V. Exª lá no Espírito Santo será reparada pelos espíritos conscientes que, nos próximos pleitos e nas próximas oportunidades, hão de trazê-lo novamente para iluminar, como sol que é, o plenário e as comissões deste grande sodalício que é o Senado da República. Nós aqui somos colegas de turma, todos somos estudantes que se apreciam mutuamente. V. Exª está saindo apenas no dia da sua formatura, é o dia em que recebe seu diploma. Porém, aqueles que ficam aqui sabem que V. Exª é um que está doutorado, que está abalizado, que está realizado para, em qualquer lugar em que se encontre, ser, inegavelmente, o legislador e o jornalista que V. Exª é, e disto dou testemunho. O Paulo Cabral, que está sentado ali, sabe disso muito bem, porque é seu partner, o seu lado-a-lado em todas as jornadas. Então, querido mestre João Calmon, quero, realmente, fazer um aparte assim bem melting pot, bem misturado, bem saladeado, porque V. Exª, na minha vida, é uma pessoa tão presente, tão real, tão constante, tão integrada, que não posso chegar e me despedir de V. Exª dizendo-lhe até logo, até breve ou até um dia. Tenho certeza apenas, para dizer aqui como quem planta uma flâmula, como quem finca uma bandeira, de que João Calmon continuará e prosseguirá e há de vir, sem dúvida, em breve tempo, para continuar o seu trabalho legislativo, que nem energúmenos nem medíocres serão capazes de interromper. Muito obrigado.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Aureo Mello, se as luzes vermelhas não estivessem permanentemente ligadas, alertando-me para o esgotamento do tempo que me é destinado, eu precisaria de pelo menos 30 minutos para comentar o seu aparte, que representa um mergulho nos tempos inesquecíveis em que tive o privilégio de viver no Amazonas, ao seu lado, no Jornal do Commercio, na Rádio Baré e, posteriormente, na TV Baré. Fica aqui, nobre Senador Aureo Mello, meu profundo agradecimento a V. Exª. Espero que, no próximo pleito, o eleitorado amazônida vá consagrá-lo com uma votação que garantirá, sem dúvida alguma, a sua volta a este Plenário.

O Sr. Valmir Campelo - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador João Calmon?

O Sr. Esperidião Amin - Senador João Calmon, eu gostaria que V. Exª me habilitasse a um aparte, logo depois do Senador Valmir Campelo.

O Sr. Hugo Napoleão - Eu também estou na lista de espera, com muito prazer.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Valmir Campelo, que atuou com tanto brilhantismo como Presidente da Comissão de Educação do Senado, é um grande prazer ouvi-lo.

O Sr. Valmir Campelo - Prazer é estar ouvindo V. Exª, que tanto nos ensinou. Realmente, fico emocionado ao ouvir sua despedida desta Casa. V. Exª representa muito para o Senado Federal; representa o idoneidade, a força viva, o exemplo de dignidade. Durante os quatro anos que estou nesta Casa, aprendi muito com o nobre Senador, pelos seus ensinamentos, pela sua postura de homem público, pelo comportamento correto, amizade, lealdade e transparência. Como Presidente da Comissão de Educação, do Senado Federal, convivi com V. Exª nesses dois últimos anos mais de perto, V. Exª, que é o Pai da Educação deste País, que por tantas vezes presidiu essa Comissão, onde hoje tenho a honra de substituí-lo; V. Exª, que me tem guiado, que tem me orientado e procurado sempre me indicar o caminho mais correto para uma Comissão tão difícil. Quero, assim, nesta oportunidade, testemunhar a minha amizade e gratidão. Que Deus o acompanhe. V. Exª deixará saudade, mas tenho certeza de que, nos Anais desta Casa, está escrita a história de V. Exª, a história da sua luta e das suas conquistas pela educação. O Brasil, por certo, continuará homenageando a sua pessoa, esse homem que todos homenageamos, pelo respeito e pela gratidão que o País tem para com V. Exª. Meus cumprimentos. Que Deus lhe pague!

O SR. JOÃO CALMON - Muito obrigado, nobre Senador Valmir Campelo, que bateu recordes de eficiência à frente da Comissão de Educação, procurando concluir uma tarefa que exigiria uma concentração de esforços sem precedentes. V. Exª está com sua consciência tranqüila, porque fez o que foi humanamente possível fazer para a agilização do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e com dedicação realmente inexcedível. Muito obrigado por suas palavras tão generosas.

Concedo o aparte ao nobre Senador Esperidião Amin.

O Sr. Esperidião Amin - Nobre Senador João Calmon, apesar de seu pronunciamento já ter propiciado a esta Casa momentos de emoção, de descontração, de alegria; apesar, portanto, de o seu pronunciamento pontificar, no dia de hoje, e trazer a lume não apenas tantas qualidades de V. Exª, mas também as causas que abraçou ao longo da sua vida pública, não pretendo apenas trazer palavras de reconhecimento, palavras de agradecimento e de satisfação pela circunstância de querer inscrever-me no rol de seus admiradores e - se Deus me permitir e V. Exª também - dos seus amigos. Quero aqui trazer uma advertência, porque o seu pronunciamento e a sua vocação para a vida pública demonstram, praticamente ao término desta Legislatura, que é preciso dispor de missionários para uma boa missão. A circunstância, no mínimo caprichosa, de não podermos contar com V. Exª a partir de 1º de fevereiro - o que já foi por todos nós deplorado - traz a lume a seguinte situação - na última sexta-feira, mencionei isto muito rapidamente quando agradeci um aparte de V. Exª: quem cuidar da preservação e da efetiva implementação da vinculação de recursos à Educação nesta Casa, não estando V. Exª aqui? Quem terá a capacidade de lembrar ao Governo que não é necessário apenas preservar esses recursos, mas também fiscalizá-los, tarefa que V. Exª tem cumprido com lealdade e princípios? Daí por que, além de compartilhar deste momento tão significativo da vida desta Casa, ouvindo o seu pronunciamento, quero pedir-lhe, juntamente com essa advertência, que não deixe que nos descuidemos. Por ocasião do envio a esta Casa do chamado "Emendão", à época do ex-Presidente Fernando Collor, e o mesmo se repetiu por ocasião da apresentação do Fundo Social de Emergência, foi a presença pessoal de V. Exª nesta Casa que inibiu o Governo de "desobstruir", de desvincular recursos para a Educação, como chegou a ser amplamente divulgado nas duas ocasiões. E agora, quando vamos, mais uma vez, tratar da reforma constitucional, será que alguém se sentirá assanhado a retirar essa vinculação em nome dessa propalada desconstitucionalização, cujo âmbito integral não se conhece ainda? Essa a advertência que eu gostaria de tornar pública, porque a considero a maior e a mais sincera homenagem que eu poderia trazer a V. Exª, ao seu espírito corajoso, à sua lealdade; lealdade a princípios, lealdade e fidelidade que o tornaram merecedor do nosso respeito, da nossa admiração. E, em nome de tudo o que V. Exª já fez, já que as circunstâncias aqui abordadas e deploradas não permitiram que V. Exª estivesse vigilante ao nosso lado, visto que a causa que V. Exª abraçou transcende mandatos, porque a sua dimensão diz respeito diretamente ao futuro do Brasil, peço-lhe nos inspire sempre a lutar com a garra, com o denodo de que V. Exª é exemplo, para que a causa da Educação não seja descurada. Essa é - creia, deste seu amigo tantas vezes afagado pela palavra generosa, estimulante e encorajadora de V. Exª - a homenagem mais sincera, mais legítima e mais ampla e abrangente que poderia ocorrer-me neste momento. Eu jamais poderia admitir que o seu discurso fosse uma despedida dos seus amigos e, muito menos, a despedida de uma causa que a todos nós incumbirá honrar, sempre com a sua insubstituível inspiração. Muito obrigado.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Esperidião Amin, há poucos dias, neste mesmo Plenário, eu exaltava a personalidade fascinante de V. Exª e ousei até fazer uma previsão, depois de ouvir as suas pregações como candidato a Presidente da República ou, como dizia Ulysses Guimarães, "anticandidato" à Presidência da República. V. Exª decidiu entrar nessa disputa sem sonhar sequer em ganhá-la, porque a desproporção de forças era realmente de dimensões siderais. Quis V. Exª fazer uma pregação e alcançou plenamente o seu objetivo.

Dentro dessa mesma linha, e como a nossa Carta Magna não nos nega o direito de sonhar, continuarei de corpo e alma, apesar de algumas limitações notórias, dedicado à causa da Educação. É desejável, mas não é indispensável um mandato parlamentar para lutar nessa área.

Nobre Senador Esperidião Amin, não me foi possível, por decisão minha, ler todas as páginas deste pronunciamento. Obviamente, o texto será publicado, na sua íntegra, no Diário do Congresso Nacional. Entretanto, eu aproveitaria a oportunidade apenas para antecipar um dos dados sobre o Brasil.

Nobre Senador Esperidião Amin e demais colegas que me honram com a sua atenção, incluo, neste pronunciamento, os dados mais recentes dos anuários da UNESCO e do IBGE, nas suas últimas edições. Apesar da vinculação de um percentual mínimo da receita de impostos federais, estaduais e municipais para a manutenção e desenvolvimento do ensino, situamo-nos em 80º lugar, em dispêndios públicos com educação, em relação ao PNB!

Eu já deveria estar cansado de repetir essas informações, que todos os anos são divulgadas no mundo inteiro pela UNESCO, a que o Brasil é filiado. Agora, nobre Senador Esperidião Amin, aparece uma fonte nova; antes eu só citava um organismo da ONU - a UNESCO. Graças à vigilância, ao zelo da Consultoria Legislativa deste Senado, Consultoria que é motivo de orgulho de todos nós - isto deveria ser proclamado ad nauseam -, foi-me encaminhado o último levantamento divulgado na Encyclopaedia Britannica. O Brasil aparece em 97º lugar em dispêndios com Educação em relação ao Produto Nacional Bruto! Tudo consta desse pronunciamento, que, evidentemente, não terei tempo de ler. Já não é mais informação da UNESCO, onde possuímos permanentemente um embaixador do mais alto nível.

Percorri uma via-crucis para tentar desmentir os dados da UNESCO, mas fracassei inteiramente, porque, eles são verdadeiros. Qualquer crítica a esses dados não deve ser dirigida à UNESCO, pois é o Brasil que fornece à Organização das Nações Unidas, através da UNESCO, da sua sede mundial em Paris, todas essas informações. As informações brasileiras são encaminhadas pelo IBGE e complementadas, também, pelo Serviço de Estatística, do Ministério da Educação.

Está aqui presente o nobre Senador Hugo Napoleão, que, apesar de não ter podido demorar razoavelmente à frente do MEC, conseguiu uma performance invejável.

Agora a situação se agrava com a incorporação, neste meu melancólico repertório, das informações da Encyclopaedia Britannica. E todos vimos, nos jornais de anteontem, que outra entidade mundial, o UNICEF chega a apontar um município brasileiro como recordista mundial de analfabetismo. Quando esse problema, que é o mais importante do Brasil, vai se encaminhar para uma solução?

Sou uma pessoa otimista, mas, diante de todos esses quadros expostos mundialmente, creio, embora seja esta a minha última oportunidade neste Senado de abordar esse tema, que esse problema deveria ser objeto de um mutirão, não apenas de todos os Senadores, mas também de todos os Deputados federais e, vou mais longe, de toda a sociedade brasileira, que parece não se impressionar com as informações mais chocantes, mesmo partindo de uma entidade incontentável do mais alto nível.

Há poucos mais de dois meses, o então Ministro da Educação Murílio Hingel, com a coragem que o caracteriza, proclamou em entrevistas concedidas a O Estado de S. Paulo e ao Jornal do Brasil, publicadas em manchete: "A educação brasileira está falida e sua situação tende a piorar ainda mais." Qual foi o resultado dessa denúncia, feita não por um Senador, mas pelo Titular da Pasta da Educação?

Aqui, deste Plenário, por várias vezes, divulguei informações aparentemente inacreditáveis. Numa das oportunidades, citei um detalhe que parece fruto de alguma imaginação maligna: até no meu Estado natal, até no meu município natal, visitei escola funcionando num açougue. Eu estava em companhia do então Prefeito Tadeu Giuberti, que, hoje, voltou a ser prefeito. Nessa ocasião, não me contive. Lembrei-me da lição que aprendi numa academia política na República Federal da Alemanha: "O primeiro dever de um homem público é ficar em paz com a sua consciência. O segundo dever de um homem público é defender os interesses do seu País. E o terceiro dever - menos importante - é seguir as diretrizes do seu Partido."

Revelei esse detalhe na minha terra, através da TV Gazeta. Quando encerrei o programa, o telefone tocou e a professora Ana Bernardes, que é uma sumidade da educação em nosso País, disse: "Senador, fiquei emocionada com a sua indignação, a sua ira sagrada diante do caso da escolinha funcionando em um açougue. Senador João Calmon, quando eu era Secretária da Educação do então Governador Gerson Camata - veja com que autoridade ela falava -, chegou ao meu conhecimento que, no Município de Muqui, uma escolinha funcionava na capela de um cemitério. As aulas que estavam sendo dadas eram interrompidas quando chegava um esquife. Os estudantes se retiravam e voltavam somente no dia seguinte."

Não me contive. Em um pronunciamento que está gravado e foi publicado no Diário do Congresso Nacional, repeti ipsis litteris o que Ana Bernardes acrescentou:

      Ao tomar conhecimento desse caso tão clamoroso, o Governador na época, Gerson Camata, imediatamente abriu um crédito para construir uma escolinha em Muqui, para que terminasse esse ciclo de escola funcionando na capela de um cemitério.

Repeti isso no Plenário do Congresso Nacional, com a revolta que me domina quando trato de um assunto tão clamoroso. No texto do meu pronunciamento, publicado no Diário do Congresso Nacional, foi cortada, não por mim, a referência à existência de uma escolinha funcionando na capela de um cemitério.

Diante de todos esses fatos, todos deveremos assumir um compromisso sagrado, quem sabe, a partir da Legislatura que começa depois de amanhã, para darmos à educação essa prioridade. Se não tomarmos esse rumo, somente um milagre de Deus evitará uma convulsão social, já que até na periferia de São Paulo, que hoje é a segunda megalópole do mundo depois de Tóquio, já tendo superado Nova Iorque, a Professora Guiomar Namo de Mello, Secretária Municipal de Educação do Prefeito Mário Covas - hoje convidada pelo Banco Mundial para trabalhar na área de Educação, nos Estados Unidos -, revelou à Comissão de Educação que eu então presidia que, naquela época, havia escolas com quatro a cinco turnos, com as crianças estudando apenas uma hora e meia por dia.

Há um longo caminho a percorrer. Espero que um dia aconteça o que não consegui ver: uma mobilização nacional para valer, para alterar esse quadro que, para nós, realmente representa uma vergonha que nem sequer posso qualificar.

Está aqui presente o nobre Senador Hugo Napoleão, com a sua autoridade de ex-Ministro da Educação, que ajudou de uma maneira sem precedentes o Padre...

O Sr. Hugo Napoleão - O Padre Lira.

O SR. JOÃO CALMON - ...o Padre Lira, que erradicou o analfabetismo no seu município...

O Sr. Hugo Napoleão - ...de D. Inocêncio.

O SR. JOÃO CALMON - ...no Município de D. Inocêncio. Um milagre que foi exposto ao mundo por uma escritora inglesa, que editou um livro na Europa. Ela ficou deslumbrada com a criatividade, com o dinamismo desse sacerdote que foi, em seguida, beneficiado por verbas encaminhadas ao seu município na gestão desse Senador modelar que é o ex-Ministro Hugo Napoleão.

Perdoem-me a exaltação. Faço apenas uma breve interrupção nos assuntos ligados à Educação para registrar a presença, que agradeço profundamente, do Deputado Luiz Henrique, Presidente Nacional do PMDB. Muito obrigado, nobre Deputado e Presidente Luiz Henrique.

Concedo o aparte ao nobre Senador Hugo Napoleão.

O Sr. Hugo Napoleão - Eminente Senador João Calmon, inicialmente V. Exª me desvanece, já que por duas vezes fez referência ao meu modesto nome.

O SR. JOÃO CALMON - Merecidamente.

O Sr. Hugo Napoleão - Agradeço penhoradamente, porque isso se converte em um galardão para mim. Gostaria de dizer que, na última quinta-feira, como sabe V. Exª, apresentei indicação à Mesa do Senado Federal para que a sala da Comissão de Educação passe a se chamar Sala João Calmon, numa singela mas sincera homenagem a um homem que dedicou, dedica e ainda vai dedicar toda a sua vida à educação no nosso País. Aqui está a meu lado o Deputado Federal Átila Lira, que me deu a honra de ser o Secretário de Educação quando do meu Governo no Piauí. O referido Parlamentar foi com V. Exª - e isto achei notável - ao Município de D. Inocêncio fazer uma visita ao Padre Lira Parente, que realmente erradicou, eliminou o analfabetismo - uso as duas expressões, porque a Constituição brasileira ora fala em eliminação ora em erradicação. Mas ele conseguiu esse intento no Município do extremo sul do meu Estado. E lá foi, então, o Senador João Calmon. Deslocou-se de Brasília para Teresina e de Teresina, em companhia do Deputado Federal Átila Lira, que era também, pela segunda vez, Secretário de Educação do ex-Governador e Senador eleito Freitas Neto, para o Município de D. Inocêncio fazer uma visita. Mas que coisa extraordinária, Senador João Calmon! V. Exª sair daqui e ir para o sul longínquo do Piauí, para fazer uma avaliação in loco da situação encontrada naquele Município! Já tive a oportunidade, Senador João Calmon, de ressaltar neste plenário que, quando eu era Ministro da Educação, propus o repensar do ensino de IIIº Grau no Brasil. Nos vários e seqüenciados debates pela televisão, afirmei algumas vezes que João Calmon merecia uma estátua em todas as cidades do nosso País. E isso eu manifesto pela verdadeira devoção de V. Exª à Educação. Aliás, as universidades e as escolas superiores, as IFES - Instituições Federais de Ensino Superior, no Brasil, absorvem mais de dois terços dos recursos do Orçamento, setenta e cinco por cento do total dos recursos orçamentários. Na realidade, vivemos no Brasil com a pirâmide invertida em matéria de educação, restando apenas em torno de 25% para o ensino fundamental e o de IIº Grau. Eu verificava isso com tristeza, como verificava também o corporativismo, o assembleísmo exagerado, porque, nas próprias Instituições Federais de Ensino Superior, noventa e cinco por cento destinam-se ao pagamento de pessoal, sobrando apenas 5% para os chamados OCC - Outros Créditos e Custeio. Condenava o assembleísmo e o grevismo exagerado também, não obstante não deixe de reconhecer que os salários são defasados. Mas eu citava alguns exemplos, como no caso do Estado do Senador Esperidião Amin: na Universidade Federal de Santa Catarina, durante o vestibular, seqüestraram o material de vestibular. A Banca teve, então, de se reunir novamente para preparar, com o atraso de meses, o novo vestibular. Aqui mesmo, na Universidade de Brasília, recordo-me de que apagaram e desligaram o setor de Obras Raras da Universidade, onde há papiros e documentos históricos. Quer dizer, essas coisas não podem acontecer e, a propósito disso, eu citava o nome de V. Exª, como um baluarte. Eu encerraria, para não tomar o tempo e nem me privar do direito de continuar a ouvir V. Exª, relembrando Winston Churchill, que, no livro Minha Mocidade, numa tradução magnífica de Carlos Lacerda, comparou a Câmara dos Comuns, asseverando: "Como era bom fazer parte daquela Casa de homens ilustres!" Pois bem, Senador João Calmon, como tem sido gratificante para mim ser Senador e participar desta Casa ao lado do admirado e admirável João Calmon!

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Hugo Napoleão, V. Exª, seguindo a linha paterna, já que seu pai tem publicado artigos que quase me matam de emoção, inflaciona os meus méritos. Seria necessário dar um desconto, porque me limito a fazer algo que deveria, pelo menos, ser dever primário de qualquer ser humano. 

O Piauí tem feito, inclusive na gestão de V. Exª e do nosso magnífico Átila Lira, que agora integra os quadros de direção do Ministério da Educação, sem dúvida nenhuma, um esforço altamente elogiável, mas que tem limitações. Não é possível que um desafio dessa magnitude possa ser enfrentado apenas com a minguada receita dos Municípios do Piauí, ou mesmo do Governo estadual. O que a União envia para o Piauí, obviamente, não é suficiente para resolver esses problemas.

Nobre Senador Hugo Napoleão, escolhe-se injustamente o Piauí quando se quer citar distorções inimagináveis na área da educação. Ninguém se emociona quando uma extraordinária educadora de São Paulo denuncia, na Comissão de Educação do Senado, o caso de escolas de Iº Grau, na periferia daquela megalópole, conforme já repeti, com quatro a cinco turnos por dia. Tenho a impressão, nobre Senador Hugo Napoleão, de que aqui no Brasil ainda se luta pela educação de corpo e alma enfrentando injustiças, julgamentos que envolvem ingratidão ou, pelo menos, a falta de reconhecimento de trabalho feito com o coração em festa.

Mas não desanimo. Vou continuar nesta batalha, que agora vai ter um novo lance que me parece altamente animador. O Presidente atual, nosso ex-colega, Fernando Henrique Cardoso, é professor catedrático da Universidade de São Paulo, a USP. Foi Sua Excelência que teve a providencial idéia de instalar a CPI sobre sonegação fiscal. Os resultados foram, conforme já salientei, muito animadores, mas ainda não se realizou nem sequer 15 ou 20% do que deveria ter sido feito. Agora, com Fernando Henrique Cardoso à frente dos destinos do País, no Palácio do Planalto, e dispondo também de um luminar da educação, como o Professor Paulo Renato Souza, ex-Reitor da Universidade de Campinas, no Ministério da Educação, não tenho dúvida nenhuma de que vamos ter condições quase ideais para encontrarmos uma solução para esse problema, que, entretanto, não pode ficar enquadrado na área do imediatismo. A revolução da educação não pode esgotar-se ao longo de um mandato de um presidente, por mais genial que seja, por mais dinâmico que seja.

Há aquele provérbio, tão antigo e tão verdadeiro, da sabedoria oriental: "Se você quiser realizar uma corrida, uma marcha de mil milhas, deve dar logo o primeiro passo". Temos agora uma condição realmente sem precedentes na história do País: se o Presidente da República e o Ministro da Educação contarem com o apoio sem limitação da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Congresso Nacional no seu conjunto, das Assembléias Legislativas, das Câmaras Municipais, estou certo de que esse problema será solucionado.

O Sr. Epitacio Cafeteira - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com muito prazer e muita honra, concedo o aparte ao nobre Senador Epitacio Cafeteira.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador João Calmon, eu estava meditando sobre as coisas da vida, sobre uma palavra, maktub, "estava escrito". Não sou ninguém para criticar decisões partidárias. Cada Partido tem o direito de assumir as suas posições, mas não posso deixar de registrar a maneira como o Partido de V. Exª se portou em relação a V. Exª nessa eleição. V. Exª pode nem reclamar, mas tenho certeza de que V. Exª seria eleito Senador se legenda lhe fosse oferecida para disputar a eleição. E, quando me refiro à palavra maktub, veja V. Exª, estava escrito que até a homenagem prestada a V. Exª haveria de prejudicar a sua vida política. Na hora em que, em homenagem a V. Exª, foi dado a um cidadão o nome de João Calmon, o pai nunca pensou que essa homenagem fosse prejudicar João Calmon, o lutador; que os votos seriam anulados se não estivesse escrito: "João Calmon, PMDB". Então, V. Exª também não se elegeu deputado por uma homenagem prestada a V. Exª. Maktub. Estava escrito que V. Exª passaria uma Legislatura sem ocupar o cargo de legislador. Mas tenho a certeza de que não é somente este seu amigo Cafeteira, de que não são somente os colegas que o apartearam e que, de forma tão brilhante, realçaram as qualidades de V. Exª, mas é o ensino brasileiro, todo ele, que está esperando a volta de V. Exª. E quero estar junto com o povo para aplaudi-lo na hora de seu retorno. Era o que tinha a dizer.

O SR. JOÃO CALMON - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Epitacio Cafeteira, as suas referências, que me sensibilizam. Entretanto, em nenhum momento, neste pronunciamento, até agora, focalizei, desta tribuna, o episódio que ocorreu na minha amada terra natal, o Espírito Santo.

Pretendo incorporar ao meu pronunciamento, apenas para efeito de publicação, algumas informações e alguns documentos, sem pensar em expô-los ao Plenário da Casa. E há uma explicação, nobre Senador Epitacio Cafeteira: na primeira campanha eleitoral de que participei - está aí o nobre Senador Elcio Alvares para confirmar -, tive uma absorvente preocupação didática. Em todas as oportunidades, nos comícios, nos programas gratuitos de rádio e televisão, procurava informar aos eleitores a origem do lema da bandeira do meu sempre amado Estado do Espírito Santo - e trouxe aqui a bandeira do Estado -, as palavras "Trabalha e Confia". Naquela época, creio que mais de 99% dos capixabas não conheciam - eu, inclusive, só soube por acaso - a origem desse lema. Um dos maiores, senão o maior Governador do meu Estado, Jerônimo Monteiro, estudou no Seminário do Caraça, em Minas Gerais, e lá aprendeu uma frase imortal de Santo Inácio de Loiola, fundador da Ordem dos Jesuítas: "Trabalha, como se tudo dependesse de ti, e confia, como se tudo dependesse de Deus".

Esta é a minha reação diante dos episódios que impediram a minha volta ao Senado, que tornaram impossível a minha candidatura à Câmara dos Deputados e que, finalmente, torpedearam a minha disposição de aceitar o oferecimento, inteiramente espontâneo, de um jovem político do meu município natal, Dailton Magnago, que abria mão da sua candidatura à Assembléia Legislativa para que eu pudesse continuar a minha pregação na área da educação.

Meu primeiro impulso, obviamente, foi recusar, mas não cheguei sequer a traduzir essa decisão íntima em palavras, porque a minha hesitação não durou mais de um minuto. Aceitei, depois de ter sido impedido, não pelo eleitorado da minha terra, mas na Convenção do PMDB. Não citarei os detalhes desse episódio.

Há, entretanto, um consolo muito importante para mim: o candidato que me substituiu na chapa do PMDB ao Senado recebeu apenas 1,6% dos votos; não chegou sequer a 2% dos votos. E mais significativo do que esse detalhe foi o resultado da votação para o Senado: ao longo da história política do Espírito Santo, os votos nulos e brancos nunca ultrapassaram a casa dos 150 a 180 mil; desta vez, em sinal de repulsa contra aquela ignominiosa decisão da Convenção Regional do PMDB, os votos nulos e brancos, votos de protesto, aproximaram-se da casa de um milhão, ou 63,6 por cento dos votos aptos, numa demonstração insofismável de repúdio contra essa conspiração nefanda, que impediu que eu disputasse, pela última vez, uma cadeira no Senado.

Devo dizer, entretanto, nobre Senador Epitacio Cafeteira, que tomou a iniciativa de abordar o assunto no Plenário do Senado, que nada disso diminui, em um milímetro sequer, o meu amor, a minha paixão pelo Espírito Santo, que tem um povo maravilhoso, um povo que não é responsável - é difícil encontrar uma palavra que não seja demasiadamente contundente - por essa atitude inqualificável, que me levou a não poder disputar uma cadeira no Senado, nem uma cadeira na Câmara dos Deputados, por motivos que são tão tristes, que eu me limitava, quando interrogado pelos jornalistas sobre a causa desse fenômeno, a uma resposta bem-humorada: "Vou me limitar a responder a essas perguntas com o título de um fado de uma famosa cantora portuguesa, Amália Rodrigues:"Nem às paredes confesso"".

O Sr. Elcio Alvares - Nobre Senador João Calmon, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com muita honra, concedo o aparte ao nobre Senador Elcio Alvares, uma das figuras mais notáveis da nova geração de políticos do nosso amado Espírito Santo.

O Sr. Elcio Alvares - Senador João Calmon, pela nossa amizade, pelo nosso afeto, pela minha posição de Senador do Espírito Santo, gostaria de ser o último aparteante, mas parece-me que o Senador Pedro Simon deseja enriquecer esse belíssimo pronunciamento de V. Exª, razão pela qual solicito a sua vênia para deixar que o Senador Pedro Calmon o aparteie, para logo em seguida...

O SR. JOÃO CALMON - Não é apenas gente mais idosa que troca uma palavra. V. Exª deu-me, neste momento, um consolo para os meus lapsos de memória, para as minhas distrações.

Com muita honra, concedo o aparte a este Líder extraordinário, Pedro Simon, tesouro da vida pública do nosso País.

O Sr. Pedro Simon - O Senador Elcio Alvares quis fazer-me um elogio chamando-me de Pedro Calmon, mas V. Exª foi muito maldoso e não permitiu que S. Exª concretizasse a homenagem. V. Exª foi muito duro, devia ter deixado passar despercebido, porque já eu tinha entendido e já estava me sentido importante. Agora, V. Exª me coloca no meu devido lugar. Mas, Senador João Calmon, do meu lugar, gostaria de lhe dizer que estamos fazendo uma série de pronunciamentos de despedida para um grande número de companheiros que estão saindo desta Casa num péssimo momento. Volto a dizer que estamos vivendo o instante mais significativo da vida do Parlamento brasileiro. Não podíamos prescindir da presença de V. Exª; não há por que os desígnios determinarem isso exatamente agora, quando cumprimos várias etapas da nossa vida política. Hoje, há democracia e liberdade, e V. Exª sabe como foi difícil lutar para tê-las.

O SR. JOÃO CALMON - Nós o sabemos.

O Sr. Pedro Simon - Hoje, elegemos diretamente o nosso Governo. Nessa escolha, erramos uma vez; foi necessário decretar o impeachment do Presidente e votarmos novamente. Havia grandes candidatos à Presidência da República - à minha direita, encontra-se um deles, o Senador Esperidião Amin -, mas, dentre vários, escolhemos um homem de bem, que tem o respeito e a credibilidade da Nação. Sou dado a estudar a História do Brasil, e não me lembro de alguém ter tido a oportunidade de que o Presidente Fernando Henrique desfruta: índice de inflação de 0,5%; índice de desenvolvimento, no ano passado, de 7%; alta credibilidade. Diz-se que, no Brasil, há corrupção e imoralidade, mas o ex-Presidente Itamar Franco obteve 88% de confiança da Nação. O terceiro principal motivo da confiança depositada no ex-Presidente Itamar Franco foi o Plano Real; um dos principais motivos era o de que S. Exª demonstrava ser uma pessoa séria. O Presidente Fernando Henrique é isto: um homem de bem, sério, que tem as melhores das intenções. Então, o Executivo está no caminho certo. Agora, chegou a vez do Congresso Nacional. Não que o Congresso não tenha feito as suas etapas. Quando a imprensa diz que este Congresso vai embora e não deixa saudades, penso ser uma grande injustiça. Este é o Congresso que fez o impeachment; que teve a coragem de cortar a própria carne na CPI da corrupção; que fez uma CPI, como diz V. Exª, não só denunciando que metade paga imposto e a outra não, como também dando o nome dos sonegadores.

O SR. JOÃO CALMON - Faltou divulgação.

O Sr. Pedro Simon - Mas a grande verdade é que agora chegou a vez do Congresso. Temos de nos modernizar, agir, tomar posição; e, nessa hora, V. Exª não estará aqui. Isso é uma crueldade conosco. É claro que sei que há um movimento da Nação para que V. Exª não esteja aqui, mas ali do lado, no Conselho Nacional da Educação. E, se dependesse de mim, na Presidência do Conselho, pois, sendo parte do Conselho, quem seria o Presidente, senão V. Exª? Não tenho dúvida de que, para pessoas como V. Exª, o futuro é imprevisível com relação à trincheira de luta. V. Exª esteve nos Diários Associados - está aí o seu sucessor para dizer -, numa hora difícil, dramática, na qual V. Exª teve a coragem de lutar e previu o que está acontecendo. Infelizmente, as pessoas não entenderam, mas V. Exª lutou com bravura, veio para o Congresso e continuou a caminhar. O que ocorre, de fato, é que a causa de V. Exª é uma causa que não dá voto, pode não dar prestígio...

O SR. JOÃO CALMON - Nossa causa.

O Sr. Pedro Simon - A causa de V. Exª é a causa número um deste País. Não tenho dúvida, Senador João Calmon, de que V. Exª haverá de continuar. Lá, no Conselho Nacional de Educação, terá oportunidade de dar valiosa contribuição à educação neste País. Ganha - isto sim - o Ministro Paulo Renato Souza, homem de bem, competente, sério, dinâmico, que tem passagem pela Secretaria de Educação do Governo Franco Montoro, em São Paulo, pela Universidade de Campinas, tem cursos de especialização pelo mundo inteiro; esteve no Chile na época de ouro, quando os exilados da América travavam debates, entre eles o atual Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministro José Serra e tantos outros, sobre os problemas do mundo inteiro. Esse jovem, hoje, está no Ministério da Educação. E, estando V. Exª ao lado dele, juntamente à equipe que, com tanta felicidade, está armando, tenho a expectativa de dizer que talvez tenha sido o destino que tenha tirado V. Exª daqui, onde executou já um trabalho fantástico, e o tenha levado para outro campo, exatamente não o Executivo, o Ministério, mas o Conselho, que representa a coordenação e faz o elo entre a sociedade e o Presidente da República, via Ministério. O que admiro em V. Exª é o caráter, a dignidade, a seriedade. Senador João Calmon, já lhe disse várias vezes que o que falta ao Brasil são os "Joões Calmons" da vida; precisávamos ter muitos "Joões Calmons". O que é a vida, o que é uma sociedade? Numa sociedade, há os que dão e os que tiram. Se repararmos, cada um de nós tem a sua ocupação. Eu, por exemplo, sou Senador; o outro é operário; o outro é médico; o outro é engenheiro; o outro é empresário. Enfim, todos damos a nossa colaboração pelo global do bem público que constitui o necessário para o Brasil conviver. O operário trabalha oito horas e fabrica o pão, que nós comemos, mas o Brasil inteiro fabrica o resto que o operário necessita para viver: a luz, a água, a energia, a alimentação, etc. O empresário possui a sua fábrica que cria produtos, mas, em compensação, há os que dão e tiram em igual proporção: os homens singelos. Se todos dessem e tirassem em igual proporção, o Brasil já seria um bom País. Existem aqueles que, por razões as mais variadas, tiram mais do que dão; desde os pobres, que não produzem, às crianças inválidas, que ganham, ainda que seja da miséria e da caridade, porque não têm como produzir. Mas existem aqueles, como alguns empresários, donos de oligopólios ou maus-caracteres, que tiram muito mais do que trabalham, agarram muito mais do que produzem. Há também aqueles que produzem infinitamente mais do que levam. Enquanto isso, temos um "João Calmon", um "Professor Adib Jatene", figuras que vieram para produzir, construir, doarem-se e, praticamente, hoje, vivem com o mínimo necessário. É V. Exª um homem simples, sem bens, vaidades ou preocupações. O nobre colega, como Diretor dos Diários Associados e Senador da República, possui um nome que é uma bandeira neste País. Quem vê V. Exª caminhando pelos corredores do Senado Federal ou pelas estradas deste País, claro que o conhece, mas, se não conhecesse, diria: "Lá vai um homem simples, lá vai um senhor que envelheceu. O que será que ele fez?" Pessoas como V. Exª é que são a grandeza de um país. É por isso que digo que, se tivéssemos muitos e muitos "Joões Calmons", se V. Exª não estivesse pregando, inclusive aqui muitas vezes, num deserto, sendo um dos responsáveis por esse deserto, se todos nós estivéssemos impregnados da décima, milésima parte da garra e da vontade de V. Exª, não há dúvida de que o Brasil seria diferente. V. Exª é dessas pessoas que Deus coloca no mundo para iluminar, para ficar em cima da mesa e servir de luz e orientação para todos nós. Este Congresso vai ficar, principalmente este Senado, muito vazio sem a presença, sem a garra da constância, sem a gentileza do caráter sem a beleza dos pronunciamento de V. Exª, sempre com uma palavra de carinho, de afeto, de amizade nos bons e principalmente nos maus momentos. Mas, principalmente, pela garra de V. Exª nas questões de educação, da sonegação. V. Exª é o exemplo de um homem dedicado a uma bandeira permanente. E não tenho dúvida nenhuma de que V. Exª está certo. Passam-se dias e noites, passa a nossa vida inteira sem que se possa resolver os problemas do Nordeste, do Sul e do Leste, os problemas da pobreza, do desenvolvimento e do crescimento. E estamos aí, todos os anos, distribuindo dinheiro e alimentação para que haja um Natal sem fome. Mas, o que não fazemos, é transformar o indivíduo em gente. Não ajudamos a transformar aquela criança num cidadão que construa, que produza. Para isso, não fizemos nada. No dia do Juízo Final, V. Exª terá muitos louros a seu favor. Não tenho dúvida de que o Mestre de todos haverá de dizer: "Este pregou, este fez o que Eu dizia, no sentido de olhar as crianças, no sentido de dar força àquilo que merece força". Muitos de nós não sei o que haverão de responder. Principalmente nós, que tivemos a oportunidade de ouvir V. Exª por muito tempo. Outros, talvez por não ouvirem um de seus pronunciamentos, por não lerem ou por não terem tido a felicidade de conviver e ouvir a pregação de V. Exª, poderão até dizer: "Mas eu não sabia desse tal de João Calmon; eu ouvia falar, mas nunca me inteirei disso". Mas, nós, o que vamos responder? Nós não estávamos lá? Não ouvimos, tantas e tantas vezes, o Senador João Calmon dizer e repetir? V. Exª sai daqui numa má hora para nós. Claro que a democracia é o melhor regime; mas a democracia, muitas vezes, comete injustiças atrozes. Às vezes, pensa-se que, se o regime fosse de arbítrio, era só baixar um decreto: O Senador João Calmon é Senador honorário, Senador vitalício, sem direito a voto - não precisaria de voto -, talvez até sem remuneração, mas estaria aqui presente, sentado, para orientar, para determinar. E digo mais: nem precisaria falar, bastaria que olhássemos para V. Exª para que nos conscientizássemos da responsabilidade que tínhamos. Mas, infelizmente, o regime é o democrático. E, neste regime, temos que respeitar o povo, mesmo quando erra. Só que, no caso, o povo não errou; erraram as Lideranças partidárias. É incompreensível, Senador João Calmon, que V. Exª não tenha tido a oportunidade de ser reconduzido ao Senado pelo povo do seu Estado. É incompreensível que, não sendo reconduzindo para cá, pelo menos tivesse a chance de ir para a Câmara dos Deputados. O Partido de V. Exª deveria ter-lhe dado, na última hora, pelo menos a chance de ser candidato a deputado estadual. Tiraram-lhe o nome João Calmon, porque um outro cidadão, que nunca usou esse nome, o fez na véspera da campanha eleitoral. Voto dado para João Calmon não era voto dado para V. Exª. Era voto dado para um outro João Calmon que se inventou e se criou às vésperas das eleições. Isso é democracia? É, mas não é o bom uso dela. Temos de aprender muito até chegarmos à verdadeira democracia, que é a busca dos melhores, dos mais capazes, dos mais competentes. Muitas vezes, o povo erra, mas há vezes em que o povo não tem chance de escolher, como aconteceu com V. Exª. Não se deu ao povo a chance de escolhê-lo. E V. Exª aceitou isso com esse espírito de resignação e traz, no seu olhar, a mágoa de não estar aqui; mas é uma mágoa que não tem ressentimento, que não tem ódio, que não tem vindita; é a mágoa dos homens de bem. V. Exª sente mais a mágoa de não poder continuar, mas sabe, porque eu lhe garanto, que o importante não é a altura da tribuna, o importante é quem ocupa a tribuna. Quando V. Exª está nessa tribuna, a causa da educação tem a tribuna mais alta da história deste País, o que não quer dizer que outros que ocupem essa mesma tribuna tenham a mesma ressonância. V. Exª representa e caracteriza de tal maneira a causa da educação, a causa da seriedade, a causa da integridade, a causa da moralidade, que, onde V. Exª estiver, essa causa estará lá. Tenho o pressentimento de que, daqui a algum tempo, quando quisermos falar em educação, mais do que aqui, nessa tribuna, a causa da educação estará lá, no Conselho, e teremos que ir até lá para ouvir seu pensamento e suas idéias. Meu abraço muito carinhoso, minha amizade e respeito ao querido mestre João Calmon.

O SR. JOÃO CALMON - V. Exª, nobre Senador Pedro Simon, confirma, de maneira realmente incontestável, o que afirmei no decorrer desta sessão, quando respondia a um aparte do seu nobre conterrâneo, Senador José Fogaça. Um pronunciamento com estas características não é muito fácil ouvir em todas as Unidades da Federação brasileira.

Sem dúvida, essa superioridade da vida política do Rio Grande do Sul tem um motivo que já focalizei durante esta inesquecível sessão. O Rio Grande do Sul deixa de lado o percentual da Emenda Calmon, 25%, e o aumenta para 35%. V. Exª foi o autor da informação de que o Rio Grande do Sul já se antecipou ao projeto de instalação do Instituto de Formação Política, que não conseguiu ainda ser cumprido no âmbito nacional. Não há apenas um, mas três, de acordo com o que V. Exª confirmou. Devo proclamar, nobre Senador Pedro Simon, como já o fiz há poucos minutos, que não há mágoa no meu coração em virtude desse acidente de percurso que sofri no último pleito do Espírito Santo. Já reafirmei o meu amor ao Espírito Santo, a paixão pela terra onde nasci. Se ainda faltasse um detalhe para justificar esse meu amor inexcedível à terra onde tive o privilégio de nascer, bastaria a presença, nesta sessão, da minha primeira professora primária, hoje com 91 anos de idade.

D. Laura Neves, quando nos dava aula numa escolinha de uma sala em Baunilha, invariavelmente, conservava o lencinho na mão para enxugar as lágrimas que lhe deslizavam pela face, não por qualquer motivo de ordem escolar, mas porque ela, naquela época, tinha uma obstrução do canal lacrimal que só desapareceu após intervenção cirúrgica, anos depois.

Todas essas palavras, que reconheço, com o coração nas mãos, não merecer - porque, graças a Deus, tenho autocrítica -, eu as atribuo, todas elas, tão generosas, à bondade, ao alto grau de politização daqueles que desejariam que este lutador da causa da educação continuasse no âmbito do Congresso Nacional. Mas, prometo, nobre Senador Pedro Simon e nobres colegas desta Casa que, enquanto me restarem energias, continuarei a me dedicar apaixonadamente à causa da educação, sem qualquer limitação.

Nobre Senador Pedro Simon, aceite a minha profunda gratidão por essa nova demonstração da sua generosidade em relação a mim.

O Sr. Elcio Alvares - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Concedo, com muita honra e prazer, o aparte ao nobre Senador Elcio Alvares.

O Sr. Elcio Alvares - Nobre Senador João Calmon, desta feita não vou me equivocar, e quero até prestar uma homenagem ao Senador Pedro Simon. O discurso de V. Exª, realmente, toca, e há um lugar comum na minha cabeça, que é João Calmon; e o Senador Pedro Simon, que é um nome permanente pela gratidão e admiração, deve me perdoar, evidentemente, pelo equívoco, porque foi algo que nasceu de um sentimento. Devo registrar que não tinha percebido.

Quero até fazer um registro: o Senador João Calmon, nessa nossa conversa, que é um diálogo permanente de amizade, sempre fica preocupado e diz: de vez em quando, numa determinada fase da idade, trocam-se os nomes. Creio que já tenho essa absolvição. Depois dos 60 anos, começa-se a errar e é natural. Tenho a impressão de que o Senador Jacques Silva deseja aparteá-lo, Senador João Calmon. Mais uma vez, reivindico o direito de ser o último aparteante do discurso de V. Exª.

O SR. JOÃO CALMON - Muito obrigado.

O Sr. Jacques Silva- V. Exª concede-me um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com prazer ouço V. Exª

O Sr. Jacques Silva - Senador João Calmon, permita-me V. Exª que inicie este meu brevíssimo aparte prestando uma homenagem à sua primeira professora primária, D. Laura Neves, que soube tão bem encaminhar V. Exª para os estudos. Quem sabe não foram aquelas aulas que lhe fizeram apaixonar-se pela causa da educação. Tenho certeza que sim, porque a professora primária sempre marca. Não assisti a todo o discurso de V. Exª porque fui chamado ao meu gabinete exatamente para atender a um telefonema da Professora Maria Costa Leite Amorim, do Maranhão, que foi também a minha primeira professora primária, lá na cidade de Filadélfia. Devo dizer, Senador João Calmon, que durante o pouco tempo que permaneci nesta Casa, uma das grandes satisfações que tive, sem dúvida alguma, foi ser colega de V. Exª, que é uma figura que está acima do bem e do mal. É um homem querido não só no Espírito Santo, mas também em todo este País pelo muito que fez, sobretudo pelos mais necessitados, pelos mais jovens na área da educação e em muitas outras áreas também. Devo dizer a V. Exª que há muito o admirava pela sua luta como jornalista e como político em mais de trinta anos de vida pública. Lamento também, profundamente, a atitude incompreensível do meu Partido, Seção do Espírito Santo, em não ter dado a legenda para que V. Exª tivesse tido a oportunidade de concorrer a mais um mandato, o qual, tenho certeza, o povo capixaba não lhe negaria. Lamento que este Senado, daqui a dois dias, esteja mais pobre, porque não contará mais com a presença do Senador João Calmon. Todavia, o respeito que esta Casa tem pelo nobre Senador continuará existindo. Receba o meu abraço emocionado. Rogo a Deus para que V. Exª, que ainda é jovem, possa, o mais breve possível, retornar a esta Casa. Seja feliz, Senador João Calmon.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Jacques Silva, V. Exª, com poucas semanas de atuação no Senado, substituindo nosso colega Iram Saraiva, que hoje está atuando com alto grau de eficiência no Tribunal de Contas da União, conquistou a simpatia e a admiração de todos. V. Exª acompanhou durante pouco tempo minha atuação. Por isso mesmo, suas palavras tão desvanecedoras comovem-me. Transmito-lhe, com o coração nas mãos, meu profundo agradecimento.

O Sr. José Paulo Bisol - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Concedo o aparte, com muita honra, a um dos mais extraordinários Senadores da República.

O SR. PRESIDENTE (Humberto Lucena. Fazendo soar a campainha) - Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por 15 minutos, para que o orador conclua sua oração. (Pausa)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por 15 minutos.

Sr. José Paulo Bisol - Meu querido Senador João Calmon, diferentemente de V. Exª, estou saindo deste Senado e do Congresso Nacional em silêncio. Não tenho outra alternativa para sair, senão calado. O meu silêncio tem um sentido profundo e, dentro deste sentido, ele é uma maneira terna e triste de responder a uma injustiça. Mas vou quebrar este silêncio porque não posso deixar passar este momento, o da despedida de V. Exª, sem uma palavra de carinho e de devoção. Na verdade, nunca se sai de lugar nenhum sem ir para outro lugar. Talvez na morte isso possa acontecer, mas na vida convivida sempre se sai de um lugar para outro e sempre se leva, do primeiro para o segundo lugar, aquilo que se é como sentido, aquilo que se é como expressão, aquilo que se é como mensagem e como linguagem, e aquilo que se é como carinho, ternura e compreensão humana. Não preciso, diante dos pronunciamentos que já se verificaram nos apartes anteriores, lembrar o grande homem público que V. Exª é; não preciso, porque já foi dito, e maravilhosamente dito, que V. Exª é um dos mais extraordinários exemplos de assunção heróica de uma causa. Mas preciso registrar um pequeno detalhe particular que ocorreu nesse período todo, silenciosamente, neste plenário, nas comissões e nos corredores do Senado: quero dizer a V. Exª que é muito comum o homem público perder a sua humanidade, a simplicidade do calor de sua chama de ser aquele homem e aquela diferença específica dentre os outros homens, porque o homem público precisa assumir uma representação, no mais amplo dos sentidos desse conceito. E, ao assumir uma representação, ele assume uma aparência; e, ao assumir uma aparência, ele assume um discurso; e nessa dura caminhada de ascensões, a sua humanidade, a sua particularidade humana se esvai, é esquecida, é colocada de lado. Curiosamente, e esse é o registro que eu quero fazer, em sua homenagem, V. Exª nunca deixou de me fazer sentir que ali onde estava o homem público João Calmon estava o homem simples João Calmon, com a sua chama acesa, com a sua ternura desvendada, com o seu coração palpitante e generoso. Ali, onde estava João Calmon, homem público, ali uma luz diferente se fazia; era uma luz de reverência, era uma luz de probidade, era uma luz de humanidade. Esse homem simples, que o grande homem público João Calmon nunca deixou esvair-se, esse homem simples, que deu calor ao nosso trabalho, esse homem simples, que deixava transparecer a sua força simpática, no sentido original do conceito de simpatia - sym, que significa junto, e pathia, que vem de padere e significa padecer -, do padecer junto, do compadecer à luta, é, possivelmente, nobre Senador João Calmon, o sentido mais belo de sua vida. Eu o levo dentro do peito como a outra chama além da minha pequenina chama de ternura e de amor. Muito obrigado.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador José Paulo Bisol, as suas palavras me comovem profundamente, porque, ao longo de nossa atuação no Senado Federal, foram raras as oportunidades de uma troca de idéias entre nós dois. V. Exª me inspirava, mediante referências de amigos comuns do Rio Grande do Sul, uma admiração ilimitada.

Lembro-me de uma série publicada numa revista americana que circula no mundo inteiro, inclusive com tradução portuguesa também aqui no Brasil, Seleções do Reader's Digest. A seção se intitulava Meu Homem Inesquecível. Li praticamente todos os exemplos de homens inesquecíveis em numerosos países, e V. Exª, pela observação que fiz ao longo deste último mandato, enquadra-se perfeitamente nessa definição de "homem inesquecível".

Sob certos aspectos, V. Exª até excede essa figura. A sua capacidade de silenciar quando era alvo das mais nefandas injustiças me levou a colocar a sua personalidade entre as mais fascinantes desse meu longo convívio com o Congresso Nacional.

Nobre Senador José Paulo Bisol, confesso que não esperava receber, quase no fim desta sessão inesquecível, esse prêmio de um Senador de altíssima categoria, que representa um Estado da Federação, cuja cultura política é realmente invejável.

Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Elcio Alvares - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Elcio Alvares, com muito prazer e muita honra, acolho o aparte de V. Exª.

O Sr. Elcio Alvares - Meu querido Senador João Calmon, tenho, inicialmente, o dever partidário, uma vez que represento, neste momento, a Liderança do Partido da Frente Liberal, de dizer, para que seja gravado nos Anais desta Casa, que o seu nome representou para o nosso Partido uma legenda magnífica de trabalho e foi o exemplo para todos aqueles que, ao longo dos anos, conviveram com a sua admirável capacidade de construir. Registro também, emocionado, que recebi, há pouco, um telefonema do Vice-Presidente da República, Marco Maciel, que, por não ter mais as prerrogativas de Senador e, por isso já não poder fazer aparte neste plenário, pediu-me que, ao falar pela Liderança do PFL, citasse o nome de V. Exª como o elemento que teve a responsabilidade de nos conduzir nesses quatro anos, para testemunhar, pessoalmente, na condição de Líder que foi e do grande admirador que é desse grande Senador do Espírito Santo, a sua admiração, pedindo que o abraço dele fosse o abraço de todos os pernambucanos e, de maneira muito afetiva, também o abraço de um homem que, no convívio importante e democrático que aqui teve com V. Exª, aprendeu a admirá-lo cada vez mais. Senador João Calmon, gostaria, agora, de tirar toda a roupagem do Senador que sou, como V. Exª o é. Quero pegar nas minhas mãos, Senador João Calmon, um brinquedo de infância: o caleidoscópio. Quando menino, sofrendo as agruras de uma infância marcada pela pobreza, ganhei um caleidoscópio. Tive uma revelação que me encheu os olhos de menino ao verificar que as figuras, a um gesto de mão, ganhavam um contorno admirável e indizível. V. Exª, nessa viagem no tempo que pretendo fazer agora, porque é necessária, representou em muitos momentos o meu brinquedo de infância, o meu amado brinquedo de infância. A sua capacidade de ver as coisas de repente modificava tudo aquilo que, às vezes, parecia uma imagem distorcida ou negativa para me oferecer uma imagem altamente otimista e positiva. Esse discurso que V. Exª está fazendo, Senador João Calmon, de mim vai ter o preito da admiração e a linguagem otimista. Conheço-o muito bem e quero dizer que, nessa convivência de quatro anos, sentados lado a lado, nossas conversas intermináveis pelas tardes afora gravaram de maneira muito forte os nossos laços de amizade. O João Calmon que conheci, o João Calmon que proporcionou aos capixabas a primeira imagem da televisão, da TV Vitória, quando, ainda cheio de sonhos e de ilusões, não sonhava com a vida pública, esse João Calmon dos nossos Diários Associados - fico até certo ponto deslumbrado porque essa grande escola dos Diários Associados semeou, pelo Brasil afora, figuras que ficaram na política, na vida pública, nos setores mais importantes da sociedade brasileira. No nosso Estado, V. Exª marcou, de maneira muito efetiva, não só participação dos Diários Associados naquele pioneirismo da primeira imagem e dos avanços da comunicação para se transformar, a partir da sua primeira eleição de Deputado Federal, nos idos de 1960, num homem que é indiscutivelmente uma legenda. A Baunilha de João Calmon, a Baunilha que está nos discursos, a Baunilha das oratórias é presença permanente diante de nossos olhos. O nobre Senador conseguiu transformar um distrito do interior do Estado do Espírito Santo na terra abençoada da utopia da sua infância e dos seus sonhos. Baunilha, para quem não conhece, de repente é a cidade encantada, a cidade onde o menino João Calmon viu o deslumbramento do mundo, que mais tarde se desenhou perante os seus olhos. Agora, Senador João Calmon, talvez a maior homenagem - e V. Exª ouviu o elogio unânime desta Casa, não o elogio do discurso sentido, choroso, mas o enaltecimento do preito à inteligência e ao valor de um dos maiores Parlamentares do Senado Federal - V. Exª recebe de sua primeira professora, a Srª Laura Neves, que aqui está presente e se deslocou do nosso Estado para ouvir as palavras tão importantes deste discurso que não é de despedida, mas que marca a posição de V. Exª ao longo da vida pública. Quero falar aqui, Senador João Calmon, como o Espírito Santo que não admitiu o resultado da eleição. V. Exª tem sido um homem profundamente ético. Não contou para ninguém o que aconteceu numa convenção partidária, o desdobramento dessa convenção e o seu gesto de humildade, que muitos não entenderam, principalmente aqueles que participaram, numa hora em que houve perturbação de raciocínio e de inteligência, de um movimento que não lhe permitiu o sagrado direito de ser candidato a Senador. V. Exª deu uma demonstração de ética.

O SR. PRESIDENTE (Humberto Lucena. Fazendo soar a campainha) - Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por 20 minutos, para que o orador ouça os apartes e conclua o seu pronunciamento. (Pausa)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por 20 minutos.

O Sr. Elcio Alvares - Sr. Presidente Humberto Lucena, quero declinar um pensamento. Penso como o Senador Josaphat Marinho. Os apartes têm que ser muito reduzidos, estreitos e objetivos. Mas eu cometeria uma ofensa ao meu coração se, neste momento, não passasse por cima do Regimento para falar aquilo que estou sentindo. E creio, Senador João Calmon, que V. Exª vai ouvir na minha voz, Senador por seu Estado, talvez as palavras que deveria ter ouvido há mais tempo de todos aqueles que realmente o admiram, na expressão da palavra. Como eu dizia, o seu gesto de humildade, aceitando uma eleição para Deputado Estadual no Espírito Santo, não teve a compreensão da classe política capixaba. Entendi o recado de V. Exª, um recado muito claro que só os espíritos superiores podem dar. Infelizmente, vivemos uma fase muito delicada nas eleições passadas. Praticamente sem alternativas. E isso não foi só no âmbito das eleições para Deputado Federal ou Senador. Tivemos problemas seriíssimos no nosso Estado. E preocupa-me, como Senador que sou, a perspectiva do Estado do Espírito Santo. Mas V. Exª, sobranceiro, condor admirável de sonhos e de esperanças, alçou talvez o maior vôo da sua vida e da vida política, foi candidato a Deputado Estadual. E mesmo assim, para ter essa vaga, V. Exª precisou de um gesto de um colatinense, que hoje sei que está escrito no seu coração. Daílton Magnago abriu mão de uma candidatura. Se ele não tivesse esse gesto, infelizmente V. Exª não teria o registro do seu Partido para disputar a deputação estadual. Sou do PFL e não entro na economia interna de outro Partido, respeito. Mas senti como eleitor, como capixaba. Não diria como elemento ligado à vida política, porque V. Exª, pela sua atuação luminosa, não merecia jamais esse tipo de gesto. V. Exª calou com o silêncio que valoriza a grandeza de caráter dos homens que são homens na acepção da palavra. Hoje, V. Exª tem dentro de si o conforto desse depoimento unânime. É preciso que o meu Espírito Santo, e também o seu, por meio da Professora Laura Neves, do meu querido José Carlos da Fonseca, do meu querido Walter Duprat, que como nós, João Calmon, caminham pelas estradas do Espírito Santo, levem esse depoimento, para que aqueles que lá ficaram, uma minoria reduzida, saibam que o seu não-retorno a esta Casa foi realmente um atentado contra a educação brasileira, não permitindo que o nosso Estado tivesse o orgulho de proclamar, como sempre proclamou: nós temos o Parlamentar mais dedicado à causa da educação deste País. Então, neste instante, sou o amigo incondicional; neste instante, sou o companheiro relativamente resignado, por não ter mais o privilégio desse contato de 4 anos, que criou uma amizade muito séria, mas sou acima de tudo um modesto cronista dos fatos, para dizer que foi imperdoável o gesto daqueles que não permitiram ao admirável Senador João Calmon o direito de disputar uma eleição. É o direito mais sagrado, é o direito mais democrático que tem um parlamentar, ainda mais um parlamentar da estatura de V. Exª. Recolha, Senador João Calmon, essas palavras. Não são palavras, que eu diria, de consolo. São palavras de afirmação. V. Exª sempre foi um homem de lutas, sempre timbrou, ao longo da sua participação na vida pública brasileira, por uma posição combativa, corajosa, inteligente, esclarecida. E, neste momento, é o João Calmon que estou vendo. Não é o Senador que está se despedindo da vida pública choroso, lamentando os fatos que aconteceram. É o Senador que se alteia em cada frase do seu discurso; é o Senador que me dá tranqüilidade de recolher a sua figura como um paradigma para gestos futuros. Quero dizer que, enquanto aqui estiver, esta cadeira ela será a cadeira do Senador João Calmon. V. Exª a mereceu, não por um simples resultado de urna; V. Exª a mereceu pelo respeito de todos os colegas. No dia em que o Senador João Calmon retornar a esta cadeira, será recebido com uma salva de palmas e braços abertos de todos nós, porque sabemos que sua participação aqui no Senado, para o nosso querido Espírito Santo e, muito mais ainda, para todo este País, honrou e enobreceu nosso Estado. Retorne, Senador João Calmon, volte ao nosso Estado como sempre fez, de cabeça erguida, e diga a todos - não para aqueles que, como eu, reconhecem e proclamam seu merecimento -, no mesmo gesto de serena altaneria, que o João Calmon indormido, o João Calmon da causa da educação, sem mandato, é muito maior do que o João Calmon que esteve aqui na tribuna para falar. João Calmon não vai silenciar, João Calmon não vai adormecer seu sonho, João Calmon não vai amputar sua esperança. Enquanto tivermos, amigos e companheiros seus, o condão da comunicação vamos perpetuar. Fiquei sensibilizado quando ouvi o Senador Pedro Simon dizendo - e com isso quero também, desde já, me perfilar - pelo seu vigor e lucidez da inteligência, que a causa da educação brasileira não pode prescindir do mestre João Calmon, Senador que honrou seu mandato, educador que, pela vida afora, ainda dará ao Brasil a satisfação de saber que sua voz não silencia em virtude de não ter obtido o mandato de Senador da República. Confesso que tive alguma emoção, uma emoção muito natural, mas neste instante, com muita ternura, quero lhe dizer mais do que nunca que os amigos que somos continuaremos sendo ao longo da vida. E em qualquer momento, em qualquer circunstância, quero ter as portas da minha casa e as do meu Gabinete permanentemente abertas, para lhe dizer o que fiz ao longo desses quatro anos. Tenho por V. Exª uma admiração muito grande. Neste instante, falo com o impulso do meu sentimento, mas traduzo, Senador João Calmon, a voz do verdadeiro Espírito Santo, o Estado que, por certo, há de sentir, ao longo do tempo, a ausência de um Parlamentar, mas não vai perder nunca o amor de um homem que deu ao seu Estado tudo e não pediu nada de volta. Deus o acompanhe. Enquanto tivermos condição de falar, de dizer, de pronunciar discursos, de dar entrevistas, estaremos aqui para honrar a trajetória luminosa do Senador João Calmon, honra e glória do Estado do Espírito Santo. Muito obrigado.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Elcio Alvares, as suas palavras excedem de uma maneira realmente extraordinária tudo o que eu poderia esperar de um Parlamentar da alta categoria de V. Exª, que já brilhara na Câmara dos Deputados e, que depois exerceu, com correção e extraordinário dinamismo, o mandato de Governador na nossa terra. Nesta tarde, V. Exª consegue algo que pareceria impossível: exceder-se, ultrapassar todos os limites da sua generosidade que conheço há mais de quatro décadas.

O adiantado da hora não permite estender-me neste agradecimento. Recolho as suas palavras como uma demonstração de estímulo à minha atividade de lutador da causa da Educação, não apenas no meu Município natal, no meu Estado natal, mas na base nacional. Estou convencido de que o Brasil até agora conseguiu evitar uma convulsão social, porque está vitoriosa na nossa Pátria a conspiração permanente para não permitir que o povo seja adequadamente educado.

Fica aqui a minha gratidão a V. Exª, com a certeza de que minha ausência deste Plenário não será muito longa, pois, com ou sem mandato, estarei, espero, com alguma freqüência, utilizando o direito regimental garantido a ex-Senadores de aqui acompanhar o trabalho dos meus eminentes colegas. Apesar de não ter direito à voz, continuarei a lutar pela Educação em contato com todos os Senadores, sem nenhum preconceito de ordem partidária. Tentarei fazer com a alma em festa uma assessoria inteiramente não remunerada; eu diria que haverá uma remuneração, ou seja, permitir que eu continue em paz com a minha consciência. A meu ver, não há outra alternativa: ou muda o rumo errado que se está seguindo até hoje, ou será extremamente difícil, para não dizer impossível, o nosso País enfrentar alguns fenômenos já observados em outros países. Não quero dar aqui maiores detalhes porque seriam dispensáveis, já que estou dirigindo-me a uma Assembléia do mais alto nível, que é o Senado Federal.

Fica aqui o meu profundo agradecimento a V. Exª, extensivo também à sua adorável esposa, Irene, mãe de seus filhos, que tem sido, ao longo da vida, permanente fonte de inspiração e de estímulo para o prosseguimento da sua vitoriosa carreira política.

Muito obrigado, nobre Senador Elcio Alvares.

A Srª Júnia Marise - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador João Calmon?

O SR. JOÃO CALMON - Não só permito como também não posso abrir mão de conceder um aparte a V. Exª, que tem um crédito, nobre Senadora Júnia Marise, desconhecido no âmbito do Congresso Nacional.

Três Parlamentares - dentre eles V. Exª - decidiram apresentar, quase simultaneamente, uma proposta de emenda à Constituição em favor da Educação. A nobre Senadora está aqui para confirmar essa revelação e para que todos os seus colegas possam apreciar, daqui para diante, que o seu devotamento à Educação nunca diminuiu.

Há poucos dias, V. Exª trouxe ao conhecimento da Casa as últimas revelações sobre a situação calamitosa da Educação brasileira, fazendo uma denúncia de extrema gravidade. Já me referi às palavras do ex-Ministro Murílio Hingel: "A Educação brasileira está falida e a sua situação tende a piorar ainda mais". A denúncia que V. Exª transmitiu a esta Casa confirma a corajosa afirmação do ex-titular da Pasta da Educação.

Por isso mesmo, considero uma honra receber o seu aparte tão precioso, quase no limiar de encerramento desta inesquecível sessão do Senado Federal.

A Srª Júnia Marise - Senador João Calmon, V. Exª, na tarde de hoje, recolheu as manifestações unânimes de todos os Senadores, numa demonstração, para o Brasil inteiro, de como o mandato de V. Exª, exercido nesta Casa, foi marcado, sobretudo, pela sua integridade pessoal, integridade política, pela sua coragem e vocação de servir ao País e ao nosso povo. V. Exª não envergou apenas a bandeira da Educação no Brasil. Seria muito simples para todos nós erguer nossas vozes, neste momento, provando que V. Exª edificou, durante todo o seu mandato, a construção de uma causa pela Educação. V. Exª foi mais além: no momento mais difícil da vida nacional, quando o Congresso Nacional, subordinado e submetido ao regime autoritário que vigorava no País, quando as inversões de valores tantas e tantas vezes foram implantadas, V. Exª defendeu, com a sua coragem e sobretudo com a sua vontade, a mudança de rumos deste País a partir da educação, a mudança da pirâmide educacional brasileira. No momento em que V. Exª envergou essa bandeira, o Governo brasileiro destinava 4,3% dos recursos orçamentários da União para a educação, enquanto outro tanto era destinado para a edificação de obras faraônicas pelo Brasil inteiro - obras que ficaram inacabadas, o retrato vivo da omissão, do desperdício e da má aplicação do dinheiro público. Pois foi V. Exª, com sua coragem e determinação, que resolveu iniciar essa trajetória de mudanças no Brasil a partir do ensino, da educação. V. Exª não se conformava que tivéssemos 40 milhões de analfabetos adultos, porque durante mais de 25 anos as nossas crianças não encontravam banco de escola para estudar. V. Exª não se conformava que tivéssemos 15 ou 20 milhões de crianças fora da escola, porque também não encontravam banco de escola para estudar. Não havia recursos, não havia prioridade educacional. Por isso, neste momento em que V. Exª assoma à tribuna do Senado Federal, como testemunha que fui do trabalho empreendido por V. Exª, quando eu estava na Câmara dos Deputados, quero trazer aqui...

O SR. PRESIDENTE (Humberto Lucena) - Nobre Senadora Júnia Marise, interrompo V. Exª para, mais uma vez, se não houver objeção do Plenário, fazer a última prorrogação, por mais 10 minutos, para que o nobre Senador João Calmon possa terminar o seu pronunciamento.

A Srª Júnia Marise - Presidente Humberto Lucena, V. Exª, com as prorrogações desta sessão, está mais uma vez prestando também a sua homenagem, a homenagem da Presidência do Senado Federal à ilustre figura do nosso querido companheiro Senador João Calmon. Continuando, Senador João Calmon, testemunha sou do trabalho de V. Exª. Também eu me comovia com o trabalho de V. Exª no Senado Federal, com a sua atuação parlamentar na apresentação de emendas constitucionais que pudessem ser aprovadas e mudassem o rumo e os destinos do Brasil. Quantas e quantas vezes estivemos juntos no plenário do Congresso Nacional, sem quorum, pedindo a aprovação da emenda de autoria do Senador João Calmon. Mas V. Exª, incansável, aguardava o ano seguinte. Mais uma vez, a emenda de V. Exª era apresentada e, mais uma vez, estávamos juntos na defesa da aprovação da Emenda João Calmon. Parece-me, Senador, que foram 4 ou 5 anos de luta, quando, em dia memorável, na sessão do Congresso Nacional, - felizmente o Brasil inteiro pôde assistir àquela histórica sessão do Congresso Nacional - foi aprovada a Emenda do Senador João Calmon, fixando em 12% os recursos da União para a educação. Emocionada, como todos os Senadores que ocuparam o microfone para apartear V. Exª, quando adentrei ao plenário do Senado, tive o privilégio de cumprimentar o grande jornalista Dr. Paulo Cabral - um cearense que Minas Gerais adotou, com muita alegria para todos os mineiros, a quem tive a felicidade de conhecer quando ele era presidente do jornal Estado de Minas, e eu, Vereadora ou Deputada Estadual em Minas Gerais - que me apresentou a sua primeira professora. São gestos como este que certamente calam fundo na alma e no coração de V. Exª. Ao deixar a tribuna, V. Exª sai com a sua consciência tranqüila, com a consciência do dever cumprido no Senado Federal, na defesa intransigente que V. Exª fez por várias e várias vezes dos interesses do povo do Espírito Santo, do povo mineiro, do povo brasileiro, enfim. Nesta oportunidade, é o Brasil inteiro que lhe confere o preito de gratidão, Senador João Calmon, por tudo o que V. Exª representa - o exemplo do homem público que pontificou a sua carreira pautado pela ética, pela seriedade, pela lisura e sobretudo pela coragem e pela determinação. Recolho o exemplo que V. Exª deixa para todos nós como a sinalização de que, apesar de tudo, ainda existem valores políticos e morais que, certamente, precisam passar para a história deste País. Nas palavras de Schopenhauer, busco uma frase muito simples: "O homem só se engrandece quando a obra parte dele." V. Exª se engrandeceu no plenário do Senado Federal, porque transformou a sua atuação política, a sua trajetória e a sua obra num grande exemplo para todos os brasileiros. V. Exª não pode se ausentar desta Casa e, certamente, não o fará. V. Exª tem assento no Senado Federal. Senador João Calmon, ainda temos muitos caminhos a percorrer e muitas bandeiras a levantar. V. Exª foi o grande precursor, mas ainda falta muito. É preciso fazer com que as autoridades brasileiras tenham sensibilidade e possam seguir o exemplo de V. Exª para percorrer os caminhos do futuro. É preciso que se conscientizem que a educação é o alicerce do desenvolvimento, que todos os brasileiros, independentemente de raça, cor ou sexo, tenham acesso à escola, para fazer prevalecer a Constituição Federal, que determina a obrigatoriedade, a responsabilidade das autoridades e do Governo de dar escola pública gratuita a todas as crianças brasileiras em idade escolar. Lamentavelmente, esse ainda é só um artigo, uma letra morta na Constituição. Por isso V. Exª tem uma tarefa a cumprir e - tenho certeza - muitos e muitos anos a dedicar à causa da Educação no Brasil. V. Exª não leva apenas o conforto das palavras recolhidas no plenário do Senado Federal; ao contrário, nós é que ficamos com o conforto da presença de V. Exª e o estímulo para prosseguirmos juntos nessa determinação que V. Exª deixa para a História do nosso Brasil. Não vou despedir-me; não vou dizer-lhe adeus. Esta Casa lhe pertence e pertencerá sempre. Um grande abraço.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senadora Júnia Marise, V. Exª foi, realmente, muito generosa com este seu velho admirador. Desde aquela época, que parece remota, em que V. Exª compartilhava das mesmas apreensões que me dominavam em relação ao sombrio futuro da Educação em nosso País, V. Exª, outros Parlamentares e eu pensamos incluir um artigo na Constituição vinculando um percentual mínimo da receita de impostos federais, estaduais e municipais para a manutenção e o desenvolvimento do ensino.

Nobre Senadora Júnia Marise, incluir um artigo na Constituição e fazê-lo vitorioso para ser integralmente cumprido ainda é, no Brasil, um sonho irrealizado.

Não quero repetir aqui uma frase de extremo mau-gosto de um propagandista da República porque é muito chocante. Desgraçadamente, nobre Senadora Júnia Marise, é chocante, mas dificilmente pode ser contestada. V. Exª se referiu ao drama do ensino fundamental neste País.

O Sr. Alfredo Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com muito prazer.

O Sr. Alfredo Campos - Senador João Calmon, não poderia deixar passar esta oportunidade, triste para o Senado e para o Congresso Nacional, sem lhe dirigir uma breve palavra de reconhecimento por tudo o que V. Exª representou para a vida política, legislativa e educacional do nosso País. V. Exª soube, como muito poucos, dignificar a atividade parlamentar, honrando exemplarmente os compromissos assumidos com o Estado do Espírito Santo e com o povo capixaba. Destaco, no entanto, sua luta em benefício da educação nacional e da formação cultural do jovem brasileiro, cujo testemunho posso assegurar não só como seu colega e admirador, mas principalmente como ex-dirigente da CNEC nacional. A Nação brasileira saberá perpetuar o seu nome, Senador João Calmon, como exemplo edificante para as novas gerações de políticos. Ao cabo desses cinqüenta anos de vida pública, fica V. Exª devedor, à Nação brasileira, da publicação de seu "Diário de Bordo", monumental acervo de registros históricos acerca do cotidiano político do nosso País, que precisam, a bem da pesquisa e do estudo das instituições nacionais, ser divulgados com a máxima brevidade de tempo. A memória nacional exige que isso seja feito.

O SR. JOÃO CALMON - Gratíssimo a V. Exª, brilhante Senador de Minas Gerais e meu primoroso amigo, pelo seu generoso aparte.

O SR. PRESIDENTE (Humberto Lucena. Fazendo soar a campainha) - Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por mais dez minutos, para que o orador conclua a sua oração. (Pausa)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por dez minutos.

O SR. JOÃO CALMON - Muito obrigado, nobre Presidente Humberto Lucena.

Foi incluído na "Constituição Cidadã", a que se referia o nosso inesquecível Ulysses Guimarães, um artigo que determinava, de maneira insofismável, que, quando um Prefeito não cumprisse o dispositivo constitucional de utilização do percentual da receita de impostos municipais para manutenção e desenvolvimento do ensino, o Governador do Estado, imediatamente, deveria decretar a intervenção e o Vice-Prefeito não assumiria. O Prefeito destituído seria substituído pelo interventor. Nobre Senadora Júnia Marise, jamais foi cumprido esse artigo em nenhuma Unidade da Federação, e há centenas de municípios brasileiros que não cumprem esse dispositivo constitucional.

Para ilustrar a tese tão brilhantemente defendida por V. Exª, há o art. 60 das Disposições Transitórias, que determina que, nos dez anos seguintes à data da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a colaboração dos setores organizados da sociedade e com a utilização de, pelo menos, 50% dos recursos a que se refere o art. 212, que fixa os percentuais para a Educação, para a erradicação do analfabetismo e a universalização do ensino fundamental. Esse artigo não foi cumprido até hoje. Metade dos 18% representaria 9%, no mínimo, da receita de impostos para o referido fim.

O Tribunal de Contas da União, que é órgão auxiliar do Congresso Nacional, denuncia a nós, eleitos pelo povo, que, em vez da destinação de 9% para essas duas finalidades altamente prioritárias, tem sido reservado apenas 4,2% da receita de impostos para a erradicação do analfabetismo e a universalização do ensino fundamental.

Realmente é uma reflexão melancólica. Que fazer? Excluir aquele artigo da Constituição? Ele não é cumprido. Existe um órgão auxiliar do Congresso Nacional que nos denuncia a violação desse art. 60, por sinal de autoria do eminente Deputado Osvaldo Coelho. O Tribunal de Contas da União denuncia em sucessivos anos. Isso é denunciado no Plenário da Câmara, pelo Deputado Osvaldo Coelho; no Plenário do Senado, por mim, pela Senadora Júnia Marise e por outros Parlamentares. E não acontece absolutamente nada.

Chamar a Constituição da República Federativa do Brasil de Carta Magna é um escárnio. Ela está transformada em uma lei ordinária, mas ordinária naquele outro sentido.

Não quero, entretanto, encerrar este pronunciamento - em que bati recorde de abuso de paciência dos meus eminentes Pares - sem deixar registrada a minha esperança de que a batalha não está perdida. Continuarão no Congresso Parlamentares da mais alta categoria, em termos de patriotismo, em termos de dedicação à causa pública. Estou absolutamente certo de que, embora tenha ocorrido, à minha revelia, esta condenação a que eu não pertença nos próximos anos - quem sabe nunca mais - ao Congresso Nacional, outros virão ocupar o meu lugar.

Para os que vão continuar e para os que virão ainda e que poderão, a título de curiosidade, ler todas essas graves denúncias, vamos conseguir finalmente êxito, porque se isso não ocorrer - permitam-me repetir -, só um milagre evitará o pior. E só não aconteceu ainda o pior porque o povo não está suficientemente educado e a classe política ainda não decidiu levar até as últimas conseqüências a punição daqueles que não cumprem os dispositivos claros, insofismáveis, da nossa Carta Magna.

Nova guerra foi travada durante a Assembléia Nacional Constituinte. Como relator da Subcomissão de Educação, Cultura e Desporto, propus a elevação de 13 para 18 por cento do percentual mínimo de aplicação e descentralização da receita tributária a manutenção do piso de 25 por cento da receita de impostos dos Estados e Municípios passaria a incidir sobre uma quantia significativamente maior, ampliando os recursos para a Educação. Foi longa a via crucis, percorrida. A Comissão de Educação foi a única que não conseguiu aprovar o seu relatório e o seu anteprojeto. Apesar da entusiástica colaboração do então relator geral deputado Bernardo Cabral, a vinculação em favor da Educação foi estranhamente suprimida do primeiro anteprojeto da Comissão de Sistematização, graças à continuidade da influência tecnocrática, que predominara à época da Constituição de 1967 e do Governo Figueiredo. No entanto, os anteprojetos seguintes incluíram todas as conquistas obtidas nas etapas anteriores.

Em 1988, a nova Constituição foi promulgada, contendo todas aquelas conquistas e desencadeando, nos Estados e Municípios, movimentos pelo aumento do piso de recursos para a Educação em suas Constituições e Leis Orgânicas. Numa indicação de que os percentuais podem e devem ser aumentados, o Rio Grande do Sul elevou o piso para 35 por cento, enquanto Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo o fixaram em 30 por cento no mínimo.

Assegurado o volume mínimo de recursos para a Educação, passei a enfatizar a necessidade de melhor aplicá-los. Estou convencido de que este é o caminho para conseguirmos a Educação de que precisamos com a correta utilização do dinheiro público. Com uma pirâmide educacional tão afilada quanto a da distribuição de renda, o Brasil nega a milhões de crianças o acesso à escola fundamental. As primeiras séries retêm pelas deficiências qualitativas jovens que deveriam, em sua maior parte, prosseguir até o fim da escola do segundo grau, como acontece em países que têm um nível de desenvolvimento semelhante ao do nosso. Por isso, não tenho dúvidas de que a prioridade da Educação brasileira é o ensino fundamental, onde devem ser postas em prática políticas consistentes de universalização do acesso e de elevação substancial da eficiência, da qualidade e da eqüidade.. Foi o que procurei colocar em debate quando, durante o Ano Internacional da Alfabetização, na qualidade de presidente da Comissão de Educação do Senado e de Embaixador Honorário da UNESCO em 1990, promovi em cooperação com o IPEA, o seminário O Desafio da Escola Básica.

Porém, como palavras não bastam, tenho colocado em foco o artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, jamais cumprida pelo governo federal desde o início de sua vigência, conforme análises do Tribunal de Contas da União e do IPEA. Conquanto tal dispositivo não seja de minha autoria mas do eminente Deputado Osvaldo Coelho, considero-o uma forma concreta de priorizar o ensino fundamental, tal como a intenção dos Constituintes, inequivocamente revelada pelos Anais da respectiva Assembléia.

Até hoje, porém, apesar das reiteradas denúncias do Tribunal de Contas da União, os caminhos labirínticos da Justiça e as dificuldades de redirecionar as despesas federais para a erradicação do analfabetismo e a universalização do ensino fundamental tornaram o artigo 60 letra morta. Passados seis anos da promulgação da Carta Magna, o país ainda não encontrou caminhos adequados para reorientar a prioridade em favor do ensino de primeiro grau, alicerce da Educação. Da mesma forma, em desobediência ao artigo 35 da Constituição não se conhece, até hoje, exemplo de intervenção em um Município que desrespeite o mínimo de recursos para o setor educacional. Assim, consegue-se a aprovação da Lei, mas não o seu cumprimento.

Outra vertente de minha atuação se referiu nestes últimos anos, à necessidade de avaliar a Educação e, desta forma obtermos melhores resultados dos maiores recursos investidos pela sociedade a partir da vinculação constitucional. Tendo sido relator da Comissão de Orçamento do Ministério da Educação em diversos anos, entre 1984 e 1991, quando foi instaurada a nova ordem constitucional, apresentei Emenda ao Projeto de Lei Orçamentária para 1989, consignando recursos para uma avaliação do universo da Educação brasileira. Inspirei-me no notável balanço crítico da educação dos Estados Unidos, no início dos anos 80, consubstanciado do relatório A Nation at Risk, do qual ofereci um exemplar a cada Presidente da República e a cada Ministro da Educação no último decênio, bem como em outras experiências admiráveis, a exemplo da mútua avaliação por japoneses e norte-americanos dos respectivos sistemas educacionais e de posições assumidas por Gorbatchev durante a Prestroika. Propus, por meio de Emendas apresentadas também em 1988 e 1989, que se fizesse um amplo balanço capaz de mobilizar a Nação e que, em outra linha, se desenvolvesse o acompanhamento contínuo da Educação, capaz de monitorar o rendimento escolar, os custos, os benefícios, a alocação de recursos, enfim, as diferentes dimensões da política educacional. Lamentável e significativamente, porém, os recursos não foram utilizados para o fim previsto. Apesar da guarida do Congresso Nacional às minhas Proposições; procede-se apenas a trabalhos fragmentários que não permitem avaliar nem global nem continuamente a Educação no nosso país.

Nestes longos anos, em que no sistema de independência e harmonia dos Poderes da República, cooperei com o Orçamento, devo dizer que compartilhei das angústias e limitações do administrador público. Embora com idéia clara das prioridades da ação federal e lutando por elas, busquei preservar o ensino técnico e superior, para que, aplicando literalmente o citado artigo 60, não provocasse uma comoção nacional, conforme a expressão usada por um alto dirigente do MEC. Foi esta ótica que me levou em 1990 a lutar pela aprovação da Emenda minha e do eminente deputado Carlos Sant Anna, restabelecendo a CAPES e o INEP quando foram equivocadamente extintos no bojo de uma reforma administrativa.

No entanto, a compreensão das dificuldades dos gestores não me autorizou a apoiar, antes a repelir com todas as minhas forças, os cortes da vinculação de impostos e do salário-educação, efetuados pelo Fundo Social de Emergência. Felizmente foi conseguido um recuo parcial do Poder Executivo. A Educação é um setor da mais transcendental significação, ainda com graves carências e que deve ser permanente e apaixonadamente protegido pela vinculação de recursos.

Após todas essas lutas, tive o privilégio de constatar que, nos anos seguintes à regulamentação do piso constitucional de recursos financeiros e à promulgação da Carta Magna, cresceram significativamente as despesas educacionais. Infelizmente, a recessão econômica dos anos 90 veio, porém, provocar um declínio abrupto dessas verbas. Em 1993 os dispêndios educacionais do Governo Federal ainda não haviam recuperado o nível de 1989, levando o corajoso ministro Murílio Hingel a declarar em entrevista ao Jornal do Brasil e a O Estado de S. Paulo que "a Educação brasileira está falida e que a sua tendência é piorar ainda mais". Tais corajosas declarações não traumatizaram a opinião pública. Sem dúvida, o caminho para salvar a Educação é combater, exemplarmente, a sonegação de impostos que, no Brasil, alcança cifras astronômicas, de modo a obtermos maiores recursos financeiros, mesmo diminuindo um pouco a carga tributária. Esta é uma das conclusões a que chegou a Comissão Parlamentar de Inquérito da Sonegação de Impostos. Cumpre-me enfatizar que essa Comissão foi corajosamente proposta pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso quando exercia o mandato de Senador e foi presidida exemplarmente pelo Senador Ronan Tito, tendo como relator o Senador Jutahy Magalhães.

Devemos notar ainda que, a partir do mau aproveitamento de recursos, as verbas para a Educação no Brasil ainda são reduzidas. Basta observar que em 1989 o Brasil ocupava a quinquagésima sétima posição dentre os países-membros da UNESCO no que se refere às despesas educacionais em relação ao Produto Nacional Bruto. Em 1990, atualizando-se com dados da Fundação IBGE, o Brasil caiu para o octagésimo lugar. Com os problemas que enfrentamos, tal declínio que poderia ser considerado até maior, dependendo dos dados utilizados, representa um amplo distanciamento dos horizontes de uma educação de qualidade para o nosso povo. Segundo o Anuário da UNESCO e a Enciclopédia Britânica, a posição do Brasil é vergonhosa. Incorporo a este pronunciameto o completo levantamento de dados mais recentes realizado pela magnífica Consultoria Legislativa do Senado.

Não cansarei ainda mais os meus eminentes colegas com este melancólico balanço pois, se muito me foi possível realizar nesses decênios de atividade parlamentar muito mais precisa ser feito. Gostaria ainda de ressaltar que a Educação, não ocorrendo apenas dentro da escola, é indispensável aos políticos como um todo. Por isso mesmo, tive aprovada no início da década de 70, com elogios do relator, Senador Tarso Dutra, a Emenda que deu origem aos incisos IV, V e VI do artigo 118 da Lei Orgânica dos Partidos, que determinaram a criação de Institutos de Educação Política, destinados a formar, renovar e aperfeiçoar quadros e lideranças dos partidos, bem como a manutenção de cursos de liderança política. Existem hoje vários Institutos que em geral não oferecem tais cursos, com exceção do Partido dos Trabalhadores, que tem formado inclusive quadros políticos e sindicais em Cajamar (SP), Betim (MG) e outras quatro cidades. O mesmo dispositivo foi incluído na nova versão da Lei Orgânica dos Partidos, cujo brilhante relator foi o Senador também gaúcho, José Fogaça.

Com este melancólico balanço, despeço-me do Senado com o sentimento de não ter alcançado plenamente minhas metas e com a convicção de que há ainda um longo e tormentoso caminho a percorrer. Tendo alcançado significativa votação em meu Estado desde minha primeira eleição para a Câmara dos Deputados, em 1963, não consegui na última eleição a inclusão do meu nome na relação de candidatos na Convenção do PMDB para disputar a reeleição. A revolta do eleitorado se traduziu nos votos brancos e nulos que somamos chegaram a um milhão, oitenta e oito mil, cento e oito, correspondendo a 63,6 por cento dos votos apurados. Desse modo, superaram em mais de cem mil o conjunto de votos dados aos dois candidatos eleitos para o Senado. Estes com as suas votações somadas alcançaram apenas 980.100 votos, divididos entre as duas vagas. Após tantos pleitos, os eleitores capixabas não puderam encontrar o meu nome na cédula para o Senado. O candidato que me substituiu na chapa do PMDB conseguiu apenas l,7 por cento dos votos.

Apesar de já contar com 78 anos de idade eu pretendia submeter-me pela última vez ao julgamento de meus conterrâneos. Desejava enfrentar quase um plebiscito, verificando se o meus Estado aprovava a minha luta de 32 anos em favor da Educação Nacional. Entretanto, vi-me impedido de concorrer para o Senado por uma nefanda conspiração registrada, minuciosamente na documentação que incorporo a este meu pronunciamento de despedida.

Impossibilitado de concorrer à reeleição para o Senado não hesitei em aceitar o oferecimento de um jovem político de meu município natal, Dailton Magnago, candidato à Assembléia Legislativa que colocou à minha disposição, com .uma espontaneidade comovedora, a sua vaga.

Naquele momento, eu não poderia imaginar que um primo meu, em terceiro grau, já conseguira sua inscrição no Tribunal Regional Eleitoral, como candidato a deputado estadual. O TRE concedeu-lhe o registro, porque, naquele momento, eu ainda não havia sofrido um nefando golpe na Convenção Regional de meu partido.

Em face do problema criado, o meu remoto parente impetrou recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral, tentando anular a minha inscrição como candidato à Assembléia Legislativa. O T.S.E. rejeitou o recurso, mantendo a candidatura dos candidatos homônimos, cuja deferenciação deveria ocorrer com o acréscimo da sigla partidária de cada um e o do número de inscrição. O resultado dessa decisão foi péssimo, porque o eleitorado nunca enfrentara a necessidade de deixar insofismavelmente clara a distinção entre os dois candidatos. Incorporo a este pronunciamento o recurso que encaminhei sem êxito à Justiça Eleitoral de meu Estado. Tudo no Brasil conspira contra a Educação, inclusive o raro caso homonimia... Nem tudo foi um esforço perdido no horário gratuito do TRE, continue minha pregação em favor da Educação na nova etapa de minha candidatura à Assembléia Legislativa.

Ao longo de minha jornada de 32 anos no exercício de 5 mandatos, contei com a inexcedível colaboração de meus companheiros de gabinete, sob a direção, da excelente professora Leda Nande, nos últimos anos da exemplar funcionária Sônia Bentim Damasceno, de meus assessores, professor universitário e jornalista Eduardo Brito e do PhD em Educação Cândido Alberto da Costa Gomes e de um grupo de eficientes funcionários. No Departamento Médico do Senado contei sempre com o desvelo e a competência do Dr.Cid Nogueira.

Dos já citados lamentáveis episódios eleitorais, minha palavra final não é de pessimismo mas de otimismo. Há muito o que fazer. O término deste mandato não significa para mim o fim de uma luta. Sou e continuarei sendo, até quando Deus permitir, um fascinado combatente da causa da Educação.

Encerro, profundamente emocionado, este depoimento com a certeza de que, contando na Presidência da República, com o eminente professor Fernando Henrique Cardoso e à frente do Ministério da Educação com outro notável educador, ex-reitor da Universidade de Campinas, Paulo Renato de Souza, renovam-se nossas esperanças de que afinal, a Educação passe a merecer a prioridade que jamais teve no Brasil.

Não encerraria esta fala deixando de lado sete das dez páginas que escrevi sem manifestar ao nobre Presidente desta Casa, Senador Humberto Lucena, com quem convivo há mais de meio século, o testemunho da minha gratidão e a proclamação de que, ao longo deste período tão extenso, acompanhei a vida do atual Presidente do Senado e do Congresso Nacional. Seguindo o preceito que aprendi numa academia política da então República Federal da Alemanha, de ficar em paz com a minha consciência e defender os interesses do meu País, não posso encerrar este pronunciamento sem prestar este depoimento sobre o desempenho de Humberto Lucena ao longo de várias décadas.

Ninguém conseguiria enganar todo mundo durante todo o tempo. Por isso mesmo, nobre Senador Humberto Lucena, no momento em que agradeço a sua bondade por prolongar tantas vezes esta sessão, desejo manifestar a V. Exª que um dia será feita justiça a quem se dedica à vida pública tantos anos sem ter sido alvo de nenhuma acusação fundamentada. A Paraíba de João Pessoa, a Paraíba de José Américo de Almeida jamais reconduziria ao Congresso Nacional tantas vezes Humberto Lucena se realmente não fosse V. Exª um homem preocupado com sua correção que, para mim, neste depoimento final, está fora de qualquer dúvida.

Nobre Senador Humberto Lucena, para encerrar este discurso, que jamais pensei fosse ocupar tanto tempo, vou revelar que há mais de 30 anos - desde que entrei na vida pública - comecei a escrever um diário, que hoje tem 11 mil páginas datilografadas. Ao longo de todo este período, os fatos iam sendo registrados invariavelmente.

O SR. PRESIDENTE - (Humberto Lucena. Fazendo soar a campainha.) - Nobre Senador João Calmon, permita-me, mais uma vez, consultar o Plenário sobre a prorrogação da sessão por 15 minutos, para que V. Exª conclua a sua oração, após a qual será lido expediente pelo Sr. 1º Secretário. (Pausa)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por 15 minutos.

O SR. JOÃO CALMON - Nobre Senador Humberto Lucena, violei numerosas vezes o Regimento da nossa Casa e V. Exª concedeu sucessivas prorrogações. Mas tudo tem um limite.

Encerro, pois, este discurso, solicitando seja publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional, com a afirmação de que um dia será feita justiça ao atual Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional. A mim não importa que haja qualquer interpretação do reconhecimento feito desta tribuna por mim, porque continuarei a seguir, até o último alento da minha vida, o princípio que aprendi na academia política já citada, na República Federal da Alemanha: o primeiro dever de um homem público é ficar em paz com a sua consciência. Para ficar em paz com a minha consciência, não me perdoaria se, na base de uma espontaneidade absoluta, deixasse de prestar este depoimento.

O texto do meu discurso será, como já solicitei, reproduzido na íntegra pelo Diário do Congresso Nacional. Continuarei disponível para prestar assistência, absolutamente sem remuneração, a qualquer colega do Senado, da Câmara, portanto, do Congresso Nacional, para que a chama do amor à educação continue a crepitar com a mesma intensidade.

Ficarei, portanto, com a alma em festa se receber, a qualquer momento, pedido de subsídio ou de colaboração dos representantes do povo brasileiro que foram eleitos para o Congresso Nacional.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

(Muito bem! Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 31/01/1995 - Página 1444