Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA REFORMA TRIBUTARIA E FISCAL, VISANDO O BARATEAMENTO DE ALIMENTOS E O DESENVOLVIMENTO DO PAIS.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • NECESSIDADE DE UMA REFORMA TRIBUTARIA E FISCAL, VISANDO O BARATEAMENTO DE ALIMENTOS E O DESENVOLVIMENTO DO PAIS.
Aparteantes
Gerson Camata, Osmar Dias, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DCN2 de 03/03/1995 - Página 2443
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, URGENCIA, REALIZAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, REDUÇÃO, TRIBUTAÇÃO, INCIDENCIA, ALIMENTOS, MELHORIA, PREÇO, PRODUTO, VIABILIDADE, AUMENTO, CONSUMO, PRODUÇÃO AGRICOLA, CRIAÇÃO, EMPREGO.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muito se tem discorrido, nos últimos tempos, sobre o fantasma da fome, esse mal que atormenta grande parcela da nossa população. Mais do que diminuir forças e tornar as pessoas impotentes para o trabalho, o problema maior que a fome provoca é o de atacar, de forma inexorável e irreversível, o desenvolvimento físico e intelectual das pessoas. Não é exagero afirmar que, num futuro bem próximo, teremos uma geração marcada pela falta de inteligência e, em conseqüência, pela falta de perspectivas e horizontes.

Estou de acordo com aqueles que afirmam que o primeiro passo para acabar com esse problema deve ser o substancial aumento da produção de alimento, pois, com fartura, a tendência é de os preços se reduzirem e de o consumo aumentar.

Como disse, esse é apenas o primeiro passo. Atrás dele, deverão vir outros igualmente firmes e decididos. É preciso que se tomem outras medidas que redundem num barateamento efetivo dos alimentos, sem penalizar aquele que já é tão penalizado: o produtor. Uma dessas medidas é, ao meu ver, a diminuição da carga tributária incidente sobre os alimentos in natura ou industrializados.

De acordo com inúmeros levantamentos efetuados, o Brasil é o campeão mundial de impostos. Enquanto a média internacional de tributos sobre alimentos é de 7%, no Brasil ela ultrapassa o incrível patamar dos 30%. Não me arrisco a afirmar com certeza quantos são os tributos que incidem sobre os alimentos. Segundo os estudiosos, são mais de 50, incluindo-se impostos, taxas e contribuições federais, estaduais e municipais. O emaranhado é tão grande que nem os especialistas chegam a uma conclusão unânime sobre a matéria. Entretanto, o que importa não é a exatidão do número; importa que essa tributação é exagerada e assustadora. Entre esses tributos, incluem-se desde o conhecido Imposto de Renda até taxas municipais exóticas, como a taxa de pavimentação e de serviços preparatórios de pavimentação e taxa de vistoria em painéis e anúncios, para citar só dois exemplos.

Caso os alimentos brasileiros deixassem de ser gravados por esses tributos o seu preço final poderia ser reduzido em até 25%. De acordo com levantamento feito pelo Departamento Econômico da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação - ABIA, a despeito do incremento populacional verificado no Brasil, tem-se constatado, nos últimos anos, sensível retração na demanda por alimentos. As causas dessa retração são localizadas em dois pólos: a miséria em si e a insaciável vontade tributária do Estado. Conforme esse documento da ABIA, "a redução do número de consumidores se deve - além da miséria conjuntural afeita aos macroproblemas nacionais - à voracidade tributária do Estado, que onera indiscriminadamente os produtos alimentícios e, com isso, desestimula esforços da iniciativa privada relativos ao incremento da qualidade e da produtividade que certamente reduzem os preços finais dos alimentos".

O Sr. Gerson Camata - Concede-me V. Exª um aparte, nobre Senador Valmir Campelo?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Gerson Camata - O pronunciamento de V. Exª na tarde de hoje é sobremaneira oportuno, nobre Senador Valmir Campelo. Ultimamente, observamos o enorme esvaziamento do campo e o inchamento dos subúrbios das cidades brasileiras. Há poucos dias, tive a oportunidade de ver uma reportagem de televisão que mostrava algumas distorções no Estado do Espírito Santo. Enquanto na grande Vitória há invasões de terreno para construção de casas, no interior do Estado, só em um Município, há mais de mil casas vazias. São pequenos proprietários que buscam parceiros para o trabalho agrícola e não encontram. V. Exª cita exatamente as causas desse desestímulo. Entre as pragas que V. Exª enumera e que estão acabando com a agricultura, e principalmente acabando com a atividade agrícola do pequeno proprietário, que é a de subsistência, de produção de grãos, vou acrescentar mais algumas pragas: os juros altos, a falta de recursos. No Espírito Santo apareceu uma outra praga: o IBAMA, que com a política intitulada Política de Conservação da Mata Atlântica - essencial e necessária - e não tendo funcionários para fazê-lo ou tendo-os, os funcionários não desejando fazê-lo, celebra convênios com a Polícia Florestal. Contudo, os guardas florestais não fazem um curso no IBAMA que lhes dê condição de distinguir o que é uma mata atlântica, o que é um capoeirão, um terreno abandonado que o agricultor, às vezes, deixa para descansar durante um ou dois anos. Sempre que o lavrador vai lavrar a terra que deixou descansar, leva uma multa do IBAMA. Inúmeros processos vem parar aqui, pois o lavrador procura o prefeito ou o vereador e este procura o Senador para resolver o problema. Eles são implacáveis. Não conseguem distinguir, por falta de um curso, o que é mata atlântica ou o que não é; assim, atravancam e impedem que haja uma renovação das áreas de cultivo, aumentando, com isso, a produção. Essa atuação do IBAMA é necessária, mas está sendo feita com atropelo, sem nenhum tipo de preparação técnica dos agentes que vão ao campo. Isso tem desestimulado demais o trabalho na agricultura. Para dar um exemplo de como o desestímulo é grande, nos últimos cinco anos, 10% da população do Espírito Santo e, talvez, 20% dos que militam na agricultura foram embora para Rondônia, para o Pará, porque naquele Estado não têm mais área de terra para cultivar, já que o IBAMA não permite que haja uma renovação das áreas cultivadas. Solidarizo-me com o pronunciamento de V. Exª. Há de se ter uma preocupação com isso, porque a pequena agricultura, a agricultura de subsistência, se não dizimada pela seca, pelas enchentes, pelos inúmeros tributos, o será pela burocracia do Governo, que torna cada vez mais difícil uma atividade essencial, não só para aqueles que nela militam e de onde tiram o seu sustento, mas também para aqueles que, morando na cidade, precisam do alimento melhor e bem mais barato para viver.

O SR. VALMIR CAMPELO - Nobre Senador Gerson Camata, incorporo com muita satisfação as suas palavras, o seu aparte, que vem demostrar não só o seu conhecimento como Senador da República, mas como ex-Governador de Estado que conhece muito bem os problemas da sua região e de todo o nosso País. V. Exª é, realmente, testemunha de que não são somente os tributos, o número, a quantidade exagerada dos impostos que onera a alimentação, mas a falta de sensibilidade do próprio Governo em colocar pessoas capacitadas para dirimir aquilo que é prejudicial às matas, aos mananciais de abastecimento, enfim, à natureza, que deve, realmente, ser preservada. Entretanto, pessoas sem nenhum conhecimento começam a proibir áreas que poderiam, perfeitamente, ser aproveitadas com plantações, com o próprio incentivo do Estado.

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Osmar Dias - Senador Valmir Campelo, quero participar de seu pronunciamento pela importância e oportunidade dele. Fui Secretário de Agricultura do Paraná nos dois últimos governos, e participei do esforço do Presidente da República, o atual Presidente do Senado, Senador José Sarney, e do Ministro da Agricultura, Senador Íris Rezende, quando nós, Secretários da Agricultura, fomos convocados pelo então Ministro para iniciarmos as safras recordes que foram colhidas e que, de lá para cá, continuaram crescendo, apesar das dificuldades que os agricultores enfrentam para produzir neste País. Quero acrescentar a este seu discurso que o maior tributo que o agricultor paga hoje, somando-se a toda essa carga tributária, que é exagerada - e isto todos nós reconhecemos -, é a TR, que incide sobre os financiamentos agrícolas. Um cálculo feito ainda ontem, com os agricultores da região oeste do Paraná, onde passei esses dias, levou-nos à conclusão de que o agricultor que financiou a sua safra terá um acréscimo, no custo de produção, quando vencer o seu contrato, de 23,82%, apenas pela incidência da TR. Ou seja, haverá um descasamento entre a receita do produtor e o custo do financiamento de 23,82%, isto só em função da incidência da TR. Além disso, a defasagem cambial, já que o Governo insiste em manter a atual política de câmbio, é de 24,8%, dando um acumulado de mais de 50% de diferença entre a receita que será auferida pelo produtor e a contabilidade que ele fará para pagar o seu financiamento. O que significa que os produtores rurais terão de produzir muito acima da média nacional de produtividade para pagar apenas o custo de produção. E aí quero alertar o Governo, que talvez não esteja sendo informado disto. O Governo será o maior comprador desta safra. Para comprar somente a soja financiada, ele despenderá dois bilhões de reais, um custo que ficará 400 milhões de reais acima do desconto da TR. Se ele simplesmente retirasse a TR, retroativa a 1º de julho, de todos os financiamentos rurais, teria um custo de 1,5 bilhão de reais. Mas o custo para adquirir a safra, armazená-la, transportá-la e leiloá-la será de 2 bilhões de reais, com uma agravante: as indústrias têm um cronograma de produção, esse cronograma não será alterado em função da burocracia do Governo, que administra muito mal os estoques - é histórico mostrarem-se na imprensa estoques enormes de alimentos perdidos -, e o Governo, além do custo, pagará também pela perda de qualidade dos alimentos. Haverá muito alimento importado em função dessa política descasada de abastecimento e de produção em nosso País.

O SR. VALMIR CAMPELO - Agradeço a V. Exª pelas explicações e pela experiência que nos traz, do trabalho desenvolvido em seu Estado, dos problemas ligados à agricultura. Muito obrigado pelo seu aparte.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª, nobre Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Desculpe-me interromper o brilhante discurso de V. Exª, mas aprendi um pouco sobre a atividade agrícola e a economia aplicada à agricultura com os ilustres Senadores que o apartearam. Recebo, com muita angústia no coração, algumas das colocações de V. Exªs, devido ao que observei, durante a campanha eleitoral, caminhando pelo interior de São Paulo. Essa política selvagem que V. Exª ilustrou com os dados numéricos sobre a agricultura nos indica mais gente sem possibilidade de trabalhar na terra. O grande pedido que nos faziam durante a campanha, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era que conseguíssemos levar aos centros agrícolas do Estado de São Paulo indústrias de transformação, para que dessem oportunidade aos jovens nascidos no interior, que não teriam assim que se deslocar para as cidades, inchando as metrópoles de São Paulo e de outros Estados. E aqui eu vejo que o gerenciamento que o Governo dá à atividade agrícola traz-nos uma preocupação, já que não vai vincular à terra o homem lá nascido e que lá quer viver. Mais esvaziamento haverá e mais falta de oportunidade nos grandes centros. A própria estrutura que as prefeituras poderiam oferecer para uma vida sadia perde-se nas projeções, pela falta de informações aos administradores de quanta gente mais ocupará as favelas de nossas cidades. Acho que este é um alerta importante. Temos que lutar para que essa política selvagem cesse e o agricultor receba uma atenção melhor do Governo, porque a agricultura tem um aspecto social importantíssimo. Temos que acreditar que o campo é o futuro do País, pela sua agricultura, e temos que dar oportunidade aos jovens que nascem no interior de fazer as suas vidas em suas cidades. Meus parabéns, Senador Valmir Campelo, pela oportunidade de seu discurso.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado, nobre Senador Romeu Tuma. Agradeço as palavras de V. Exª e fico muito feliz, porque, realmente, elas refletem a realidade nacional. Não basta o Governo dar um pedaço de papel, com um título de propriedade, e uma enxada ao produtor. É preciso que ele, além da diminuição dos tributos, da redução das alíquotas, dê também as condições para que ele seja fixado na própria terra, onde poderá produzir para o nosso País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, talvez não tenhamos refletido adequadamente sobre uma realidade inquietante: aqueles que produzem no Brasil têm por obrigação trabalhar dobrado para sustentar um sócio totalmente inoperante, que pouco ou nada faz para que a empresa cresça, e, ao final, ainda abocanha um terço daquilo que fatura tendo ou não lucro; e, o pior, utiliza mal esses recursos. Tal sócio, senhores, é o Governo. Essa parceria indesejada acontece por causa da perversidade do nosso sistema tributário. Agentes governamentais ligados ao sistema fiscal reconhecem que, se uma empresa cumprir todas as determinações tributárias, terá dificuldades para sobreviver.

Por causa do grande número de tributos, a arrecadação se torna muito complicada e onerosa e, em conseqüência, a fiscalização, difícil e ineficiente. Assim, o número daqueles que os recolhem regularmente é bastante pequeno. Surge daí outra distorção: a carga tributária, por não ser equânime, é injusta e pesada demais para alguns poucos.

Outra distorção do sistema localiza-se num fato real: aqueles que têm renda mais baixa pagam relativamente mais tributos do que aqueles que a têm mais elevada. Estudo elaborado pela Universidade de São Paulo, em 1975, citado no trabalho da ABIA, mostra que as famílias com rendimento de um salário mínimo pagavam 30% do que recebiam em impostos, enquanto as famílias com rendimento de 100 salários mínimos destinavam apenas 15% da renda a tributos. Esse fato, que se repete nos dias atuais, além de demonstrar um grave descompasso econômico, revela uma desumanidade social sem precedentes.

Por tudo isso, a reforma tributária e fiscal é um imperativo urgente e impostergável. É preciso diminuir as alíquotas, restringir o número de tributos, para que a fiscalização e a arrecadação sejam simplificadas, e aumentar o leque daqueles que estão sujeitos ao recolhimento. Com isso, a arrecadação, ao invés de diminuir, aumentará. Enganam-se aqueles governantes estaduais ou municipais que julgam perder recursos caso essas modificações sejam implantadas. Perderão na diminuição da carga tributária, é certo, mas ganharão com o crescimento do volume tributado.

Projeções da ABIA indicam que o mesmo ocorrerá com a indústria de alimentos, caso a carga tributária sobre ela incidente seja reduzida para a média internacional de 7%. Tomando como parâmetro o Estado de São Paulo, concluíram seus técnicos que, se isso vier a ocorrer, o faturamento das indústrias decorrente do aumento da produção crescerá 780 milhões de dólares ao mês, o que representará um incremento de 4,89%. Feitas as devidas compensações do imposto, haverá um acréscimo de 30 milhões de dólares no montante recolhido, o que representará acréscimo de 6,98%. As projeções indicam que esses índices se repetirão, se estendidos para o Brasil como um todo. No âmbito nacional, o aumento mensal de faturamento será de 2,2 bilhões de dólares.

Esse, porém, não é o fator preponderante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. O melhor é que o preço dos alimentos ao consumidor sofrerá um sensível decréscimo, o consumo aumentará, as empresas produzirão mais, a produção agrícola também aumentará e, conseqüentemente, novos empregos serão criados. No cômputo geral, conclui o estudo, "a proposta de redução da tributação sobre os alimentos no Brasil, dos mais de 30% atuais para a média internacional de 7%, além e em virtude de contribuir socialmente para a redução da injustiça social, bem como ativar a expansão da indústria e do sistema agroeoconômico, deve proporcionar a criação de 626.000 novos empregos, o que, com certeza, representa uma perspectiva entusiasmante..."

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, razões há de sobra a justificar a reorganização geral da nossa carga tributária e fiscal. Aquilo que se disse a respeito do setor alimentício aplica-se a todos os outros setores da nossa economia. Basta que nos detenhamos um pouco na análise dessas justificativas para nos convencermos da necessidade de tais modificações.

De minha parte, estou convencido de que essa reorganização será o passo principal a ser dado no sentido da alavancagem geral da nossa economia. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 03/03/1995 - Página 2443