Discurso no Senado Federal

RELATA A DRAMATICA SITUAÇÃO DE MISERIA DA POPULAÇÃO DO VALE DO JEQUITINHONHA-MG.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • RELATA A DRAMATICA SITUAÇÃO DE MISERIA DA POPULAÇÃO DO VALE DO JEQUITINHONHA-MG.
Aparteantes
Arlindo Porto.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/03/1995 - Página 3273
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, JORNAL, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, FOME, MISERIA, POBREZA, POPULAÇÃO, VALE DO JEQUITINHONHA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • CONCLAMAÇÃO, CONGRESSISTA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, INCLUSÃO, VALE DO JEQUITINHONHA, AREA, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), RECONHECIMENTO, CIDADANIA, DIGNIDADE, RESPEITO, POPULAÇÃO, GARANTIA, ACESSO, MERCADO DE TRABALHO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, SAUDE PUBLICA.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DETERMINAÇÃO, LIBERAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, AUXILIO, POPULAÇÃO, VALE DO JEQUITINHONHA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).

A SRª JÚNIA MARISE (PDT-MG. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Jornal Nacional da Rede Globo retratou ontem a dramática situação em que se encontra a população do Vale do Jequitinhonha, no meu Estado, Minas Gerais.

O Vale do Jequitinhonha é também o vale da pobreza, significativa e lamentavelmente uma das regiões mais pobres do nosso País.

Há quem diga, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que este é o grande momento da solidariedade nacional a favor do Vale do Jequitinhonha.

Quando aqui apresentei um projeto, que esta Casa resgatou, para o Vale do Jequitinhonha, integrando aquela região mais pobre do Brasil à área da SUDENE, enfocamos a importância desse gesto e dessa aprovação.

Um mineiro, o grande brasileiro Juscelino Kubitschek, quando Presidente da República, compreendeu a necessidade de resgatar o Nordeste brasileiro, assolado pela fome, pela seca e pela miséria.

Agora, chegou a vez de os nordestinos e todos os demais brasileiros darem as mãos aos nossos irmãos do Vale do Jequitinhonha.

Ontem, o Jornal Nacional, da Rede Globo, mostrou ao Brasil inteiro a situação de miséria em se encontra aquela região. Essa visão, certamente, não emocionou só a mim, mas a todos que tiveram a oportunidade de assistir àquele jornal.

Quem de nós, Senadores, não se emociona ao ver aquela gente pobre do Vale do Jequitinhonha garimpando água no meio do deserto, fazendo caminho de terra na zona rural, onde a seca é parceira da fome? Aquele povo só encontra fé no dia-a-dia por esperar que alguém lhe dê a mão para que tenha condições de sobrevivência.

Quando a Senadora Benedita da Silva, que agora preside os nossos trabalhos, assomou à tribuna do Senado, aqui estava eu enfileirada para pedir-lhe um aparte, porque via que S. Exª, com o seu pronunciamento, estava pondo o dedo na ferida dessa chaga social que o Brasil apresenta aos brasileiros e ao mundo.

Temos visto a repercussão mundial, através da televisão e dos jornais, da grande miséria que assola o nosso povo, aliada à violência que se pratica contra as nossas crianças e contra as nossas mulheres. Mas o pior de tudo é a condição de miséria absoluta em que se encontram setenta milhões de brasileiros.

Nós vimos, ontem, o retrato vivo dessa chaga social estampado no Jornal Nacional, quando repórteres especiais estiveram no Vale do Jequitinhonha para mostrar as crianças, as mulheres e os homens peregrinando naquela região em busca de solução para a sua sobrevivência.

O nosso projeto, aprovado no Senado, inclui o Vale do Jequitinhonha, uma região onde 49% da população é de analfabetos. Veja bem, Senadora Emília Fernandes, o Brasil, que tem hoje 40 milhões de analfabetos adultos, tem, incorporado a esse contingente, esse número extremamente negativo dessa região de Minas Gerais.

No Vale do Jequitinhonha, existe apenas um médico para cada 10 mil habitantes, e a renda per capita é a menor do nosso Estado. É nessa região também que se verifica o menor índice proporcional de distribuição de rede elétrica e de rede de saneamento básico de Minas Gerais. Em suma, não existe atendimento público de saúde, saneamento básico e nenhuma infra-estrutura urbana na região do Vale do Jequitinhonha.

Trata-se, portanto, de uma região de extrema pobreza que, apesar de estar situada num dos Estados que tem, como Minas Gerais, o segundo PIB nacional, ainda é um desafio para este Brasil e para os nossos governantes, do passado, do presente e do futuro, que, lamentavelmente, têm-se omitido ao longo dos anos no atendimento àquela região.

Já se fizeram algumas campanhas de solidariedade para aquela região; já houve, inclusive, distribuição de cestas básicas para matar a fome do povo do Vale do Jequitinhonha, que tem quase um milhão de habitantes. Na semana passada, o jornal O Globo, em quase uma página, mostrou fotografias exatamente do momento em que um caminhão distribuía cestas básicas para a população daquela região, e entrevistou uma senhora, uma trabalhadora rural, que disse: "Eu recebi esta cesta básica com alegria, mas sei que a minha alegria vai acabar cedo". É verdade. Programas como esse, de distribuição de alimentos, podem matar a fome de um dia, talvez de dois, três ou quatro. Mas não é esmola o que o povo deseja dos governantes. Ele espera ser reconhecido na sua cidadania, espera ser tratado com dignidade e respeito, espera que se abram as portas para que possa trabalhar, para que tenha acesso ao mercado de trabalho, à escola, à saúde pública e a todos os meios de produção do nosso País.

O Sr. Arlindo Porto - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª JÚNIA MARISE - Concedo o aparte com prazer, meu caro conterrâneo, companheiro e amigo, Senador Arlindo Porto.

O Sr. Arlindo Porto - Nobre Senadora, gostaria de cumprimentá-la pela oportunidade do assunto. Nós, mineiros, conhecemos bem a realidade de Minas Gerais, e V. Exª, como Senadora, conhece bem o seu Estado e o Vale do Jequitinhonha, uma região hoje assolada pela seca, onde falta trabalho. O que percebemos é que ali há um êxodo rural constante, principalmente para outros pontos de Minas Gerais e para outros pontos do País. O que nós vemos, naquela região, Srª Senadora, são famílias na orfandade, são pais que saem em busca de uma oportunidade que garanta a sobrevivência de suas famílias. V. Exª conhece tão bem o Vale do Jequitinhonha que os mineiros podem ficar tranqüilos, pois têm aqui uma Representante à altura de suas necessidades, na busca da solução dos seus problemas. O Vale do Jequitinhonha e as famílias que lá residem não precisam apenas de assistência - e V. Exª foi muito feliz quando mostrou e registrou a distribuição de cestas básicas. Aquelas famílias precisam de apoio, de oportunidade, para que tenham dignidade e para que sejam livres. Pessoas que vivem com fome, miseráveis, sem emprego, não são cidadãos livres. Gostaria de cumprimentá-la pela oportunidade não apenas deste pronunciamento, mas do projeto que foi apresentado por V. Exª. Esperamos, mais do que nunca, que o Poder Legislativo possa ser ágil e consiga tirar essas famílias desse constrangimento em que vivem; esperamos, sobretudo, que os nossos conterrâneos do Jequitinhonha possam ter uma luz nova, a luz da oportunidade, e, principalmente, a luz da dignidade. Nossos cumprimentos a V. Exª por trazer esse assunto, tão oportuno, ao Senado da República. Muito obrigado.

A SRª JÚNIA MARISE - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento, na certeza de que V. Exª, conhecedor dos problemas do Vale do Jequitinhonha, também o faz não apenas com compreensão mas, sobretudo, com a convicção de que devemos assumir a mesma indignação que tomou conta de toda aquela região.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é por isso que, neste momento, precisamos fazer mais do que apenas debater essa situação de miséria social que aflige toda a região do Vale do Jequitinhonha. Quantas regiões neste País não estão, hoje, de pires na mão, esperando e aguardando as soluções de seus problemas? Lamentavelmente, o tempo e a história têm demonstrado que ainda não chegou o momento de se dar prioridade às questões sociais neste País, de se resgatar a pobreza e a miséria do nosso povo.

Eu também, que como Benedita da Silva, Emília Fernandes, Marina Silva e tantas outras mulheres optaram, um dia, pela vida pública, nasci numa vila, em Belo Horizonte, numa época em que não havia sequer uma escola na região. Não tínhamos transporte, rede de água, iluminação pública, saúde, nada.

Foram exatamente a discriminação e a pobreza com que tive de conviver que me politizaram para a tarefa de cumprir o papel de defender os oprimidos e os excluídos do nosso País. Foi no silêncio da ditadura, optando por lutar pela redemocratização, enfrentando a polícia repressora, que decidi lutar por um Brasil com liberdade e com democracia.

Martin Luther King, convocando o seu povo, num gesto que a História registrou como o mais memorável de um homem que deu a vida em defesa da liberdade, disse: "Que esta Nação se ponha de pé um dia, e não existam mais discriminações entre negros e brancos, entre pobres e ricos, entre homens e mulheres. Se nós pudermos realizar este sonho, acalentado por toda uma geração, certamente se fará justiça neste país".

É lembrando Martin Luther King que fazemos a conclamação, companheira Benedita da Silva, no sentido de unirmos as nossas forças para a aprovação desse projeto, que se encontra na Câmara dos Deputados, incluindo o Vale do Jequitinhonha na região da SUDENE. É o primeiro passo decisivo e importante para a redenção da região mais pobre do nosso País, uma região onde adultos e crianças estão comendo calango, em plena praça pública, para matar a sua fome. Quem de nós não se sensibiliza diante de tamanha pobreza?

Por isto, apelo, neste momento, ao Presidente Fernando Henrique Cardoso - e por que não fazê-lo também à antropóloga Ruth Cardoso, que coordena o Programa Comunidade Solidária -, para que, quem sabe ainda hoje, determine a liberação de recursos para a sobrevivência da população daquela região, que tem um dos solos mais ricos do nosso País, mas onde os trabalhadores rurais não têm como sobreviver diante da seca e da miséria.

É o apelo que faço ao Governo, diante do que ontem foi mostrado para todo o Brasil pela Rede Globo.

Srªs e Srs. Senadores, tal como o Nordeste, o Vale do Jequitinhonha também é um compromisso do Brasil.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/03/1995 - Página 3273