Discurso no Senado Federal

DIA INTERNACIONAL PARA A ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • DIA INTERNACIONAL PARA A ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Edison Lobão, Eduardo Suplicy, Emília Fernandes, Geraldo Melo, José Sarney, Junia Marise, Lúcio Alcântara, Marina Silva, Ramez Tebet, Romeu Tuma, Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DCN2 de 22/03/1995 - Página 3407
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, PRIORIDADE, PROBLEMA, AMBITO NACIONAL, PROJETO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • MANIFESTAÇÃO, CONVICÇÃO, RESULTADO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, DEPENDENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL.
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DEFESA, VALORIZAÇÃO, MULHER, NEGRO, PATRIMONIO CULTURAL, BRASIL.
  • PROTESTO, VIOLENCIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, ABANDONO, IDOSO, ABUSO, IMPORTAÇÃO, MOTIVO, DESEMPREGO, DESEQUILIBRIO, BALANÇA COMERCIAL, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA PUBLICA, SUPRESSÃO, TEMPO DE SERVIÇO, APOSENTADORIA.
  • DEFESA, RESPEITO, DIGNIDADE, CIDADANIA, POVO, BRASIL.

A SRª. BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, assumo o mandato no Senado Federal consciente da grande responsabilidade e também do privilégio que significa representar um Estado com a importância econômica, política e cultural do Rio de Janeiro. Cartão de visita do Brasil, o Rio ostenta, com muito orgulho, glorioso passado de lutas, com seu povo trabalhador, generoso e combativo.

Neste pronunciamento, quero deixar clara a minha visão dos problemas e prioridades nacionais, meus projetos para o Estado do Rio de Janeiro e as linhas gerais que nortearão a minha atuação como Senadora da República.

Acima de tudo, gostaria de dizer que compartilho da crença do povo brasileiro na democracia. Conheço bem o povo e sei das enormes dificuldades que enfrenta todos os dias para ganhar a vida. Mas este povo que sofre tanto continua disposto a ouvir, dialogar e participar.

Compartilho também da sua fé no trabalho, pois o povo sabe que esse é seu único bem, o meio que conta para viver e sustentar a sua família.

Compartilho da sua confiança na solidariedade humana, na capacidade que todos nós temos para nos indignarmos com a miséria, a violência e a injustiça.

Compartilho, finalmente, da esperança do povo na justiça social, cuja procura se move incansavelmente na sociedade, nas instituições e na consciência dos dirigentes da Nação.

Assumo uma cadeira no Senado na condição de representante do Estado do Rio de Janeiro. Mas aqui cheguei trazida pelos valores fundamentais cultuados pelo povo. Democracia, trabalho, solidariedade e justiça social são princípios que, se respeitados, fazem de qualquer país uma grande nação.

Entro nesta Casa não com o punho cerrado, mas com a mão estendida para realizar, com os demais Senadores, um trabalho pelo progresso do povo, do Brasil e de nossos respectivos Estados. O Senado Federal é uma instituição que, por sua grande representatividade nacional, pode dar maior contribuição para a construção de um País mais justo e democrático.

Entendo que os valores fundamentais do povo devem ser não apenas proclamados, mas principalmente praticados. A minha atuação parlamentar continuará coerente com esse princípio. Podem ter certeza de que dignificarei o mandato de Senadora da mesma forma com que dignifiquei todos os mandatos que me foram outorgados pelo povo.

Sei que nesta Casa existem divergências sobre as prioridades da Nação. Numa democracia, divergências e debates são coisas normais, fazem parte de sua natureza. No entanto, quanto à gravidade e emergência da situação social do Brasil, acredito que haja consenso. Estou convicta de que nenhuma política econômica pode dar certo se não solucionar os problemas sociais.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, somos um País muito endividado, e não só de dívidas financeiras. O Brasil está em dívida com o seu próprio povo. Temos muitas contas a pagar na área social, no campo das relações raciais e na esfera cultural. São enormes as nossas dívidas com as crianças, com os adolescentes, com os idosos e com as mulheres.

           Penso que o desafio principal posto diante de todos os brasileiros, principalmente daqueles que ocupam cargos de liderança nos órgãos públicos e na iniciativa privada, é o de resolver a monumental dívida social historicamente acumulada. Somente enfrentando esse desafio podemos transformar o nosso País numa nação próspera, unida, pacífica e respeitada.

           Em todas as fases de nossa história - colonial, monárquica e republicana -, o crescimento econômico do País nunca beneficiou a maioria da população, que se tornava cada vez mais pobre. Nas crises econômicas, socializavam-se os prejuízos; nos períodos de desenvolvimento, privatizavam-se os lucros.

           Durante o recente regime autoritário, tentou-se justificar essa injustiça social com a famigerada pseudoteoria do ex-ministro Delfim Netto, segundo a qual, "primeiro o bolo precisa crescer para depois ser dividido". Pelo menos para o povo, o bolo nunca foi dividido. O resultado histórico de todos os modelos econômicos injustos adotados pelas elites brasileiras é a existência de uma Nação socialmente dividida, com a maioria da população vivendo numa situação de indigência ou pobreza extrema.

           O Brasil tem uma das piores distribuições de renda do planeta. Os 10% mais ricos da população recebem 53% da renda nacional. Nos Estados Unidos, os 10% mais ricos ficam com 25% da renda. Aqui, paga-se um dos mais baixos salários mínimos do mundo. Pior ainda, paga-se um dos mais baixos da América Latina.

           Mesmo assim, este salário perde continuamente seu valor de compra. Enquanto em 1964 o trabalhador precisava trabalhar 39,5 horas para comprar a cesta básica, em 1980 precisava trabalhar 157 horas e, em 1992, 188 horas. Além disso, o subemprego é uma prática generalizada. Em 1990, somente 58,8% da população economicamente ativa tinha carteira assinada. Desse total, 36,7% vivia no campo. Em suma, a grande maioria dos trabalhadores subempregados não consegue nem ganhar o salário mínimo integral.

           A maioria da população brasileira sofre um perverso processo de exclusão social. Mais de 10 milhões de crianças estão fora da escola. Mesmo entre as que estudam, grande parte acaba por abandonar os bancos escolares, seja por necessidade de trabalho, seja por falta de estímulo. Não há estímulo que resista diante de um ensino público de baixa qualidade e de uma educação elitista e discriminadora.

           Para agravar o quadro, a população pobre sofre com todo tipo de doenças como conseqüência da desnutrição, da falta de saneamento básico e da crise do serviço de saúde pública. Cerca de 100 milhões de brasileiros consomem abaixo das 2.240 calorias diárias, que representam o mínimo vital para o ser humano. Desse total, 32 milhões de pessoas passam fome.

           Como é profundo o abismo existente entre o reconhecimento formal e constitucional dos direitos do cidadão para todos os brasileiros e as condições subumanas em que vivem parcelas majoritárias do povo! É uma situação de apartheid social que agride a consciência democrática da Nação.

           Esta situação, Sr. Presidente, gera um contexto psicossocial tenso, explosivo, discriminador, violento e autoritário, no qual a vida perde gradualmente seu valor. Na realidade, a preocupação imediata de grande parte da população é defender o seu direito à vida.

           Precisamos ter a coragem de dizer que os segmentos mais pobres do povo brasileiro são vítimas de um genocídio lento, silencioso e ininterrupto. A mortalidade infantil ceifa milhões de recém-nascidos. A subnutrição, a fome e as doenças matam outros milhões de crianças, adultos e idosos. Os grupos de extermínio completam o serviço ao eliminar crianças, jovens e adultos não apenas das favelas e periferia das cidades, bem como do campo e do interior.

           Graças a Deus, contra esta barbárie, a sociedade se torna menos omissa. A opinião está tomando consciência de que a população que sofre também faz parte do Brasil e que todos estão no mesmo barco.

           Com a colaboração da sociedade civil, participei de várias CPIs na Câmara dos Deputados que revelaram, com dados concretos, os horrores do extermínio e do tráfico de crianças, da prostituição infanto-juvenil e da esterilização em massa de mulheres pobres. Mas, enquanto a sociedade civil começa a reagir, a maioria das autoridades continua omissa e indiferente à sorte do povo.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tento evitar as palavras radicais, mas é impossível não usá-las quando descrevemos a situação social do Brasil, porque radical é a condição de miséria em que o povo está submetido.

           As classes dominantes sempre viram como uma ameaça ao seu status quo a ascensão social das camadas populares. Para elas, qualquer esboço de movimentação ascendente por parte dos trabalhadores tem que ser rapidamente bloqueado e reprimido. O egoísmo das elites brasileiras é tão grave que não as deixa ter uma visão mais ampla e estratégica.

           Ora, sabe-se que os países com distribuição de renda mais igualitária têm padrões de produtividade mais elevados. Esse é o modelo de desenvolvimento que devemos seguir, segundo o qual a melhoria da qualidade de vida da população não é considerada incompatível com a estabilidade e o crescimento da economia.

           Sr. Presidente, em meio a todo esse caos social, dois grandes mitos dominam a história oficial do Brasil: o mito da índole pacífica do brasileiro e o da "democracia racial". As reivindicações e manifestações do povo, contudo, sempre foram esmagadas com violência. Cunhada na República Velha, a máxima de triste memória enunciava que "a questão social é caso de polícia". Bem a propósito, isso serve para, lamentavelmente, caracterizar todas as fases da história do País.

Mas hoje, 21 de março, Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial, quero enfatizar a dívida histórica que o Brasil precisa resgatar.

O Brasil precisa saldar uma dívida histórica que tem causado muita dor a parte expressiva do povo. Estou falando da dívida racial que, ainda hoje, causa sofrimento e frustração a milhões de brasileiros.

Quanto à suposta democracia racial, esta só existe mesmo no discurso oficial e livros escolares. A democracia racial é uma ideologia criada para dissimular o racismo que existe na realidade, por meio da falsificação, omissão, folclorização e mitificação da história das populações afro-brasileiras e também da diminuição de seu peso específico na sociedade.

A discriminação racial está presente em todos os aspectos da vida social e é muito difícil ser regada. Segundo o Mapa do Mercado de Trabalho, do IBGE, relativo a 1990, enquanto o rendimento nominal médio das pessoas ocupadas era de 4,1 salário mínimos, as mulheres ficavam com 2,8 e os negros com 2,5.

No sistema educacional, os negros vão sumindo à medida que se sobe os graus de instrução. Na época do apartheid, havia mais negros nas universidades sul-africanas do que nas brasileiras. Temos que ainda considerar a ausência de referências às raízes históricas das populações afro-brasileiras nos currículos escolares.

Isso, naturalmente, deixa os negros em desvantagem, porque impede a construção da sua própria identidade coletiva, além de debilitar a sua auto-estima e dificultar o desenvolvimento de todo seu potencial cultural.

As crianças e os adolescentes vítimas dos grupos de extermínio são, em sua maioria, negros. Do mesmo modo, é negra a maioria das mulheres pobres que se submetem à esterilização em massa no País, conforme constatou a CPI da Esterilização criada pela Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, na Constituinte e nos meus dois mandatos como Deputada Federal, apresentei projetos não defesa não só dos direitos do negro, mas também em defesa do índio e do imigrante nordestino. Como se sabe, a discriminação racial atinge também a população indígena, cuja maioria esmagadora foi extinta no decorrer do processo de ocupação do território nacional. Mais sutil ainda é a existência de um novo tipo de discriminação que cresce no sudeste brasileiro. É o preconceito contra o nordestino pobre, que emigra para o sul em busca de oportunidade de trabalho.

Os teóricos do racismo brasileiro têm interpretado a miscigenação crescente, uma característica marcante de nossa sociedade, como um processo de branqueamento da população. Na realidade, somos hoje, depois da Nigéria, a segunda maior nação negra do mundo. Do ponto de vista democrático, o reconhecimento da miscigenação implica a aceitação da legitimidade da cultura do negro e de outras etnias, bem como da defesa da igualdade dos seus direitos na sociedade.

Existe uma relação de dependência entre a estratificação social e a discriminação racial. Quanto maior a discriminação racial maior a exclusão social. O resgate da dívida social não será feito sem o enfrentamento da questão social, já que seu êxito dependerá da participação dos próprios negros e demais etnias discriminadas.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, na formação da nacionalidade, a contribuição do negro foi marcante. Participamos ativamente de todos os momentos decisivos da história do País, tanto daqueles de consolidação nacional, quanto os de afirmação popular, democrática e racial. Estivemos com Henrique Dias na expulsão dos holandeses. Organizamos com Zumbi a República dos Palmares. Lutamos pela República, com Frei Caneca, na Confederação do Equador. Defendemos, na Bahia, com armas nas mãos, a recém-proclamada Independência do Brasil.

Estivemos, igualmente, nas revoltas populares da Cabanada, no Pará, da Balaiada, no Maranhão, da Sabinada, na Bahia, e da Praieira, em Pernambuco. Participamos da Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul e combatemos com heroísmo na Guerra do Paraguai. Cumprimos um papel decisivo na grande campanha popular do Abolicionismo, quando se destacaram os líderes negros Luís Gama, José do Patrocínio e André Rebouças. Estivemos com Antônio Conselheiro em Canudos. Participamos da consolidação da República e lutamos contra o elitismo da República Velha na Revolta do Forte de Copacabana e na Coluna Prestes.

Na seqüência, estivemos na Guerra do Contestado e na Revolta da Chibata, com o marinheiro João Cândido, o "almirante negro". Participamos da Revolução de 30 com Getúlio Vargas e lutamos bravamente na Força Expedicionária Brasileira contra o nazi-fascismo; participamos da campanha "O petróleo é nosso" e ajudamos a construir Brasília.

           Reorganizamos com Lula o movimento sindical independente e lutamos na linha de frente contra o autoritarismo militar, pela anistia e pelas Diretas-Já. Lideranças negras de diferentes segmentos estão sendo eleitas para cargos executivos e legislativos.

Destacamos a participação política do negro porque, mesmo quando é reconhecida, é subestimada. Na dança, na música, na literatura, nos esportes, nas artes plásticas e no folclore, nossa contribuição é mais reconhecida. Apesar do sistema educacional excludente, no campo das ciências e da filosofia, muitos negros também se destacaram como André Rebouças, na Engenharia; Juliano Moreira, na Medicina; Manoel Querine e Edson Carneiro na Etnografia, e Tobias Barreto, na Filosofia.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, os negros, índios, mestiços e pobres em geral que participam e continuam a participar da construção do País com o seu trabalho físico e intelectual sempre são deixados fora do edifício nacional; são vergonhosamente tratados como cidadãos de segunda categoria. Enquanto persistir tamanha injustiça social e continuar a absurda discriminação racial, nunca teremos uma democracia realmente ampla, sólida, enraizada.

Chego ao Senado com o voto de negros, mestiços, brancos e com o compromisso maior de lutar contra todo tipo de discriminação. Democracia significa, antes de tudo, o respeito às diferenças raciais, ideológicas, religiosas, culturais, regionais e de qualquer outra natureza. Assumo com muito orgulho minha negritude e minhas origens sociais. A trajetória que percorri, das bases sociais até minha atual condição, é uma referência da qual jamais me afastarei.

Vou trabalhar incansavelmente pelo fim das desigualdades sociais, para que todos os brasileiros tenham a mesma oportunidade de ascensão social. Enquanto não assumir o caráter multirracial de sua identidade nacional, o Brasil não encontrará seu verdadeiro destino de grande Nação.

No Dia da Consciência Negra, vinte de novembro, vamos comemorar os trezentos anos da morte de Zumbi, ou melhor, da imortalidade, pois seu espírito rebelde continua vivo em todos nós. Zumbi foi o maior líder do Quilombo dos Palmares, uma comunidade democrática criada no século XVII, na Serra da Barriga, Alagoas, por escravos negros fugitivos; e ao longo de quase cem anos Palmares foi uma comunidade multirracial da qual participaram também índios, brancos e mestiços. Portanto, Palmares é patrimônio histórico não apenas dos negros, mas também de todo o movimento democrático e popular do País.

A campanha pelos Trezentos Anos da Imortalidade de Zumbi é o momento ideal para se resgatar a identidade histórica do negro e para se discutir amplamente a discriminação racial no Brasil. É hora de realizar um grande diálogo multirracial para aprofundarmos a unidade nacional, com base no respeito às diferenças étnicas e raciais.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - V. Exª profere seu primeiro discurso nesta Casa e procura, em sendo o primeiro, definir seu perfil e seus compromissos, embora seja até despiciendo fazê-lo, porque o Brasil conhece seu perfil, conhece seus compromissos, porque conhece sua história. Mas, na oportunidade em que V. Exª traz à evidência e com clareza ímpar essa posição renovada de compromissos, o faz com o testemunho de seu espírito público, como reafirmação das posições adotadas até hoje. Esteja certa V. Exª de que todos nós sabemos de sua coerência, de sua vida e de sua história, história que nos orgulha, posição que nos envaidece. Permito-me até lembrar que, ainda Prefeito de minha querida cidade de Campina Grande, eu convidava V. Exª para participar dos eventos onde se discutiam temas como alguns dos que são abordados em seu pronunciamento; e o fazia não por uma decisão pessoal, mas por um imperativo da própria sociedade local que me cobrava, que me pedia o comparecimento de alguém que guardava fidelidade absoluta a princípios expostos com clareza, com brilhantismo e com patriotismo. Hoje, além desse perfil e da renovação desses compromisso, V. Exª traz o registro histórico e oportuno de uma homenagem neste dia específico e aborda o que V. Exª chama de democracia racial para significar toda a posição e toda a história da participação dos negros na construção deste País. Receba, portanto, não apenas o testemunho da minha admiração pessoal pelo seu perfil e pelos seus compromissos, mas, acima de tudo, pelas posições que adota e pela homenagem que presta e digo que todos nós democratas que somos estamos enfileirados, solidariamente enfileirados na posição que V. Exª defende a arrolar fatos históricos que vão se somar a outras posições sociais das quais os negros haverão de participar. Meus cumprimentos e minha solidariedade.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Também conheço seu trabalho naquele Estado querido e na Prefeitura. V. Exª sabe que não falo somente em discurso, mas na vivência do dia-a-dia contra a discriminação em nosso País não apenas relativamente aos negros, aos índios, mas também em relação a nosso querido povo nordestino, que reconhecemos ser uma potência cultural que precisa ocupar o seu lugar.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Senadora Benedita da Silva, quero dar um testemunho a respeito de sua atuação na Constituinte. Acho que fora dela seria desnecessário, uma vez que este País conhece a forma pela qual V. Exª, ao longo de sua vida, vem sendo uma lutadora incansável, às vezes até com dificuldades. A epiderme neste País nunca constituiu discriminação racial na verdade, mas sempre uma discriminação social. E V. Exª algumas vezes foi vítima disso. O depoimento que quero trazer a esta Casa é histórico. Deve-se à então Deputada Constituinte Benedita da Silva, com o acolhimento do Relator, menos pelo favor que o Relator fazia e mais pelos méritos da emenda da então Deputada, o inciso XLII, que existe hoje no texto constitucional, no art. 5º, que leio, para que fique registrado no aparte que faço a V. Exª. Com muita oportunidade V. Exª disse, naquela emenda, sem dúvida alguma, que: "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei." Se a Lei Afonso Arinos deixava uma lacuna, V. Exª veio preenchê-la com seu talento, seu trabalho e sua luta. É hora de o Senado Federal dizer que se honra em ter em seus quadros uma Senadora da estirpe da Senadora Benedita da Silva. Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte. V. Exª é conhecedor da matéria e pôde somar conosco, não apenas nesse artigo da Constituição, mas em tantos outros relativos a terras dos remanescentes dos quilombos, ao reconhecimento da história dos povos africanos, índios e suas diferentes contribuições a nosso País. V. Exª sabe perfeitamente que ainda temos que regulamentar artigos em nossa Constituição e fazer valer os direitos que nela estão garantidos. E agora, com o novo Governo, renasce a esperança de fazer cumprir a Carta Magna plenamente em relação a esses direitos que V. Exª tão bem conhece, por ter sido Relator da matéria e porta-voz desse anseio, dessa necessidade e desse desejo das diferentes etnias do povo brasileiro em poder contribuir com igualdade racial.

Prossigo o meu discurso.

Pouco antes de morrer, em 1974, o grande dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho definiu, com profundidade, a situação da cultura no Brasil. Disse ele:

      "Reduzir uma sociedade de 100 milhões de pessoas a um mercado de 25 milhões exige um processo cultural muito intenso e sofisticado. É preciso embrutecer esta sociedade de uma forma que só se consegue com o refinamento dos meios de comunicação, da publicidade, com um certo paisagismo que disfarça a favela, que esconde as coisas."

Desde então, esse quadro sociocultural piorou cada vez mais, o que confirma a aguda observação de Vianninha.

Em relação à cultura nacional, o Brasil tem uma grande dívida com o povo. Nossas raízes culturais são desprezadas, e o povo é envolvido pela superficialidade da cultura de massa, uma cultura esvaziada de qualidade criativa, de memória histórica e de identidade nacional.

Apesar do reconhecimento da Constituição, o caráter multirracial da cultura nacional não é respeitado na prática. Salvo algumas exceções, as culturas indígenas e afro-brasileiras, principalmente, não são protegidas nem estimuladas. A fixação de datas significativas para os diferentes componentes étnicos do País é desprezada. Nos principais meios de difusão cultural, o negro quase nunca aparece. E, quando aparece, é de forma subalterna ou distorcida.

Nosso patrimônio cultural é tratado cronicamente com descaso e monotonia, sem a preocupação de atrair os interesses das novas gerações que precisam da informação histórica para manter viva a identidade nacional.

A Srª Júnia Marise - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com muito prazer, nobre Senadora Júnia Marise.

A Srª Júnia Marise - Nobre Senadora Benedita da Silva, é muito importante este momento em que V. Exª faz, da tribuna desta Câmara Alta do Congresso Nacional, uma grande convocação nacional para um debate, que toda a sociedade deseja e precisa fazer, a respeito dos chamados preconceitos e discriminações. Nesta sessão, estamos comemorando o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Esta talvez seja a primeira vez em que o Senado Federal destina parte de uma sessão para discutir essa questão. Ao longo dos anos, temos ouvido algumas vozes, principalmente conservadoras, que insistem em afirmar que, no Brasil, não há discriminação racial nem discriminação entre homens e mulheres. Freqüentemente, a sociedade e os governantes têm colocado uma venda nos olhos diante de uma realidade dramática e transparente, que está a exigir que se estabeleça um debate no sentido de se fazer prevalecer o preceito da Constituição que diz que todos são iguais perante a lei. Na sessão da sexta-feira, quando V. Exª ocupava a cadeira da Presidência dos trabalhos, lembrei aqui Martin Luther King, que convocava seus irmãos negros americanos para uma grande luta em defesa de uma sociedade democrática. Ele dizia que o seu grande sonho era que existisse uma nação em que não houvesse mais discriminação entre brancos e negros, ricos e pobres, homens e mulheres. Fazemos parte, Senadora Benedita da Silva - assim como a nossa Companheira Marina Silva e outras que compõem os Plenários do Senado e da Câmara - dessa minoria. Estamos discutindo essas questões há muitos anos, lutando contra preconceitos e discriminações, mas, certamente, estamos impondo respeito à sociedade e aos eleitores que trouxeram V. Exª para esta Casa, como a todas nós que aqui estamos exatamente com a mesma responsabilidade. Além das questões nacionais, que dizem respeito à sociedade como um todo, estamos, principalmente, colocando o dedo na ferida da discriminação racial que temos no País. Temos, portanto, que aproveitar este momento em que Benedita aborda esta questão para fazer uma grande reflexão a respeito do assunto, estendendo a discussão a todos os setores da sociedade. V. Exª lembrou muito bem: existe algum negro no Ministério de Fernando Henrique Cardoso? V. Exª lembrou que, em 1983, quando candidatos democráticos e de Oposição assumiram governos estaduais - Tancredo Neves em Minas e Leonel Brizola no Rio de Janeiro -, as mulheres discutiam a criação e a instalação dos Conselhos Estaduais da Mulher, exatamente para debater a questão da discriminação contra a mulher em todos os setores da atividade profissional. Nessa época, Leonel Brizola disse: "Tenho duas mulheres na Secretaria do meu Governo; mais do que duas mulheres, são duas mulheres negras que estão participando do meu governo". Por isso, nobre Senadora, é importante esse debate que V. Exª inicia hoje no Senado Federal, a fim de que haja uma conscientização a respeito desse problema. Dessa forma, poderemos varrer, de nossa sociedade, o entulho da discriminação e do preconceito e ter uma nação efetivamente democrática e justa. Muito obrigada.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Tenho a certeza de que encontrarei, em V. Exª e nos meus Pares, no momento certo, respaldo para o debate político. Em meu discurso, já estou mostrando como devemos contribuir - e vamos continuar contribuindo - para este País que amamos, ainda que trazidos no navio negreiro, ainda que corrompidos, ainda que dizimados.

Tenho ainda familiares com 95, 100 anos, e todos contam essa história. Eles viveram aquele momento; eu vivo um outro momento. Lembro-me de que, todo dia 13 de maio, mamãe fazia reuniões em casa, com todos os filhos. Minha avó e bisavó iam para lá, aconselhavam e contavam histórias, falando na sua língua. E repetiam sempre: "Não estão aqui todos os nossos filhos, porque alguns foram vendidos - e não sabemos para quem; não estão todos aqui, mas nós estamos aqui." E diziam: "Negro tem que ter vergonha; negro tem que ter brio; negro tem que vencer!" Elas diziam isto não com ódio, mas com amor e com carinho, até porque amamentaram muitas crianças brancas. Foram as negras que amamentaram os filhos dos brancos, que, assim, puderam dar ao País os governantes de hoje. Quantas de nós nas cozinhas, quantas de nós na senzala, quantas de nós nas ruas, quantas de nós nas casas, quantas de nós fora da política e quantas de nós na política!

Este momento não é apenas de comemoração e de emoção pura e simplesmente, mas é o momento de se fazer valer os direitos conquistados com suor, com trabalho, com o sangue das escravas e dos escravos negros, dos índios, hoje uma sociedade miscigenada, injusta do ponto de vista social e injusta do ponto de vista racial.

Lembro-me perfeitamente - e aqui um adendo ao meu discurso, é necessário fazer esse cometário - de que, no dia da posse dos Senadores, dia em que todos estávamos felizes com nossos familiares, recebendo as lideranças políticas, circulando por esses corredores e pelo plenário, aconteceu algo importante que preciso registrar. Passaram pela porta do meu gabinete e disseram: "Olha, aqui vai ser o gabinete da Senadora Benedita da Silva; aqui vai ter de tudo, até pagode". Foi uma alusão depreciativa não em relação ao pagode, mas em relação à representação que exerço.

Pude ver a alegria estampada nos rostos dos democratas, das pessoas que conhecem minha luta - não se trata apenas de vaidade pessoal ou de uma representação partidária; trata-se do compromisso que cada um de nossos mandatos representa. Mas nem por isso deixaram de dar, como sempre dão, uma espetadela. Essas espetadelas não constituem pedras de tropeço; pelo contrário, alimentam a minha consciência e renovam a minha esperança de ver um país diferente.

O Sr. Geraldo Melo - Permite V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo - Senadora Benedita da Silva, ouço com emoção e respeito o pronunciamento de V. Exª, ao qual me associo. Como cidadão brasileiro, como uma fração do povo brasileiro, orgulho-me em saber que também sou representado por V. Exª nesta Casa. Ouço a sua voz como a síntese de todos os gritos mal escutados deste País. V. Exª fala pelo negros, pelas mulheres, pelos trabalhadores de todas as categorias, pelos favelados, pelos índios, por todas as frações que não viram o florescimento das atividades econômicas. Portanto, é com emoção que ouço o discurso de V. Exª. Fui buscar essa emoção no solo do meu Rio Grande do Norte, Estado que tem no seu passado a tradição de fidelidade aos sonhos que o Brasil ainda não realizou. O Rio Grande do Norte aboliu a escravatura anos antes de que o Brasil, em seu conjunto, o fizesse. O Rio Grande do Norte é o Estado do qual saiu a primeira mulher que votou numa eleição geral; o Rio Grande do Norte teve, em D. Alzira Soriano, a primeira prefeita do País; em D. Maria do Céu Pereira, a primeira deputada estadual do Brasil. Trago de lá a expressão de um Estado que tem a vocação da integração, do amor, do companheirismo; de um Estado que deseja ver este Brasil transformado em uma grande nação, boa para se viver, onde todos os brasileiros possam distribuir esse imenso amor que vejo derramar-se da tribuna nesta tarde. Associo-me ao discurso de V. Exª, com muita honra, respeito e alegria.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Muito obrigada a V. Exª pelo aparte. Tenho certeza de que não serei uma voz clamando no deserto; contarei, sem dúvida, não apenas com os gritos sufocados na minha garganta, mas com os daqueles que lutam pela justiça social.

Em relação à cultura nacional, o Brasil tem grande dívida com o povo. Nossas raízes culturais são desprezadas, e o povo é envolvido pela superficialidade da cultura de massa, uma cultura esvaziada de qualidade criativa, de memória histórica e de identidade nacional.

Qualquer apoio à produção cultural de um povo com vocação artística, como o nosso, desperta rapidamente a criatividade e o interesse das pessoas. Mas a produção cultural de pequeno porte, que é aquela responsável por manter viva as manifestações mais autênticas da cultura nacional, não conta com apoio significativo.

A difusão de nossa produção cultural é muito reduzida e não tem espaço nos modernos meios de comunicação. Precisamos de políticas que visem a ampliar de forma permanente o universo dos consumidores populares de cultura. Isso é muito importante para a elevação do grau de exigência artístico-cultural do povo e a ampliação do mercado cultural.

A importância que se dá à cultura no Brasil pode ser medida na sua ínfima participação nos orçamentos públicos da União, Estados e Municípios. É necessário desenvolver a concepção de que investir na cultura significa investir na cidadania e na motivação social, econômica e política dos brasileiros.

O Sr. Edison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA  - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Edison Lobão - Senadora Benedita da Silva, esteve V. Exª muito bem inspirada quando requereu que esta parte da sessão do Senado fosse dedicada a homenagear o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Os negros, em nosso País, estiveram na raiz de nossa História. Eles contribuíram de maneira significativa para que o Brasil fosse o que é hoje: este País de que nos orgulhamos. Em meu Estado os negros foram fundamentais e ainda são, pois participam da sociedade por inteiro. Temos, por exemplo, Alcântara, ao lado de São Luís, com sua história também nascida com a escravatura. Nessa cidade, conservamos o pelourinho, que representa a lembrança viva do que foi a discriminação racial em anos anteriores. Ali, os negros eram sacrificados, castigados e até imolados em nome de uma discriminação odiosa. Mas esses tempos, Senadora, já vão ficando para trás. Quanto mais o Brasil cresce, mais os negros se integram à nossa cultura e à nossa sociedade. A presença de V. Exª aqui é um símbolo dos novos tempos. Regozijamo-nos com isso e nos orgulhamos da sua presença aqui. Cumprimentos por sua iniciativa. Prossiga nessa linha e terá sempre o apoio desta Casa e do Congresso Nacional como um todo. Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. V. Exª resgata uma etapa do processo histórico da comunidade negra no País. O que o pelourinho representou desperta em nós um questionamento quanto ao lugar do negro no País e no mundo. Estamos realmente numa nova etapa, não mais a do pelourinho, mas a do resgate do sonho do Quilombo dos Palmares, o sonho de uma sociedade justa, fraterna, plural, onde as oportunidades sejam iguais para todos. É essa a sociedade que estamos buscando. Sabemos que os "pelourinhos ideológicos" existentes no comportamento individual e até mesmo coletivo de alguns, não poderão barrar, de forma alguma, a força do estímulo, do sangue, da fé e da esperança que existiu nos Quilombos dos Palmares e que deverá estar em cada um de nós.

Tenho consciência, Senador, de que, na verdade, não serão as leis pura e simplesmente e alguns gestos do Executivo que acabarão com a discriminação racial. É bom que saibam que isso dependerá muito mais da atitude e do comportamento de cada um de nós; dependerá da esperança e da fé numa revolução cultural, que está introjetada em cada um de nós há séculos - e falo como uma mulher temente a Deus, que não faz distinção de pessoas; uma revolução que nos faça compreender que cor de pele, sexo ou classe social não devem e não podem ser justificativas para as injustiças que cometemos, consciente e inconscientemente.

A Srª Emília Fernandes - Permita-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte à nobre Senadora.

A Srª Emília Fernandes - Gostaria de, neste Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, inicialmente saudar a Senadora e companheira Benedita da Silva pela iniciativa de propor esta sessão especial e também aos demais Senadores por acatarem essa sugestão. Parece-me que esta data é, sem dúvida, um momento importante para que se faça uma reflexão sobre esse problema. Apesar das conquistas obtidas - e a presença de V. Exª neste momento no Senado é uma prova autêntica desse avanço - ainda existem algumas questões em relação à discriminação que precisam ser definitivamente banidas da face da Terra. Entendemos que a discriminação contra os negros, em particular, é uma das mais hediondas manifestações de exclusão social, econômica e política a que são submetidos os brasileiros pobres, afastados dos mais ínfimos direitos à cidadania: acesso a emprego, a melhores salários, a condições dignas de vida e a felicidade. É importante ressaltar aqui também que as mulheres negras, principalmente neste dia e a partir desses avanços que gradativamente são conquistados, devem se dar conta da importância da nossa luta enquanto mulheres, enquanto pessoas discriminadas, e de que é importante prosseguir. O Brasil e o mundo inteiro precisam realmente da integração total dos cidadãos, respeitadas as suas características particulares, sejam elas quais forem: de raça, de cor, de credo, enfim, de ideologia. O importante é que se construa uma comunidade de homens baseada na igualdade, na solidariedade, no desenvolvimento e na paz. Parabéns pela sua iniciativa! A luta de V. Exª tem sido exemplo para inúmeras mulheres não só do Brasil, mas de todo o mundo.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, que me emociona muito - por que não dizer que estou emocionada? É bom saber que podemos contar com lutas idênticas, em que nós mulheres conseguimos dar passos maiores do que os negros. Falo como mulher e mulher negra. Mas tenho consciência de que essa luta não está dissociada das demais lutas do povo brasileiro. Por isso essa convocação ao povo brasileiro, representado aqui por cada um de nós, para um grande mutirão de solidariedade, de fraternidade e sobretudo de justiça.

O Sr. José Sarney - Permita-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª com muito prazer, Senador Presidente José Sarney.

O Sr. José Sarney - Nobre Senadora Benedita da Silva, a presença de V. Exª na tribuna desta Casa neste dia nos dá a simbologia do quanto avançamos neste País no sentido da dignidade da raça negra, sobretudo no que diz respeito ao avanço social e na abertura de espaços dentro da sociedade. Este País, realmente, tem uma dívida muito grande para com os negros pelo que eles, negros, fizeram como participantes da fundação cultural, econômica, política, enfim, de toda a paisagem brasileira, sobretudo humana. Quando Presidente da República, em discurso nas Nações Unidas, surpreendi a muitos delegados que ali se encontravam ao afirmar que o Brasil abrigava a segunda maior população negra entre os países do mundo depois da Nigéria, e que nos orgulhávamos disto. Disse que isto nos dava responsabilidades em relação à luta contra qualquer tipo de discriminação, e que apoiaríamos firmemente todas as ações internacionais nesse sentido. Tenho também a satisfação pessoal de, em 1961, ter pronunciado, nas Nações Unidas, talvez um dos primeiros discursos contra o apartheid, levantando perante o mundo a indignidade que significava esse regime, que, hoje, graças ao avanço da humanidade, vemos banido da África do Sul. E, quanto ao continente africano, sem dúvida, o mundo tem um outro dever para com ele: integrá-lo na ordem mundial. Recentemente, em uma reunião do Conselho dos ex-Presidentes da República, no Canadá, o nosso tema foi justamente o da marginalização da África em relação ao processo de desenvolvimento mundial, continente que se empobrece cada vez mais, ficando à margem do progresso mundial, sem que o mundo desperte para a dívida que todas as nações têm para com aquele continente. Certa manhã, em Cabo Verde, tive a oportunidade de ver uma manifestação popular da qual, até hoje, não posso me esquecer. Nessa oportunidade, estava a meu lado o escritor Jorge Amado, e descobrimos que herdamos a nossa alegria e o nosso comportamento do continente africano. Foi a África quem nos deu essa força e essa qualidade singular que nos mantêm unidos até hoje, no momento em que se procura dissolver as culturas num processo de globalização. O Brasil só mantém essa sua identidade cultural através da cultura popular. A cultura do futebol, a cultura do carnaval, a cultura do sincretismo religioso mantêm a identidade nacional, porque a cultura erudita, podemos falar assim, canônica, essa começa a desaparecer. E essa força está presente, a força justamente da raça negra. Aqui, nesta Casa, tive também a oportunidade de votar a lei contra a discriminação, a Lei Afonso Arinos, que transformou em crime qualquer tipo de discriminação no Brasil. De maneira que neste instante, no Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, V. Exª - uma mulher de fibra, inteligente, capaz, que se afirmou politicamente no Brasil como a primeira mulher negra no Senado Federal- é um símbolo que nos anima a prosseguir na luta contra todas as formas de discriminação. Ao mesmo tempo, faz-nos saber que avançamos com a sua presença, e simboliza também um compromisso de luta para o futuro. Muito obrigado a V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª e não posso deixar de lembrar que, quando V. Exª era Presidente da República, em que pesem as divergências que tínhamos com relação a como desenvolver o País, a como conduzir a política, e também do ponto de vista partidário, acompanhamos atentamente a criação, através de lei, da Fundação Cultural Palmares. A Fundação cumpriu o objetivo, naquele momento, de iniciar, dentro da estrutura governamental, um espaço onde pudéssemos ter a possibilidade de medidas compensatórias. Sem essas medidas, entendemos que jamais o negro poderá se igualar, seja do ponto de vista social, econômico ou político, dada a defasagem, as desigualdades e a marginalização de que tem sido vítima ao longo do tempo no Brasil.

Vivemos a sutileza do mito da democracia racial, mas esse é um assunto importante, que realmente muitos não assumem, porque mexe ideologicamente com sentimentos que deveremos assumir dentro da cultura que absorvemos. Estamos num País onde existe racismo e machismo, e a melhor forma de enfrentarmos isso é fazendo com que haja justiça, reconhecendo que esses sentimentos existem e que deles temos que abrir mão.

Quem não é racista e machista num País onde essas injustiças foram cometidas? Como não existir o racismo num País onde a escravidão teve lugar, onde os negros foram assassinados, exterminados e amarrados? Como não ter em cada um de nós esse preconceito? Como não existir o machismo num lugar onde há injustiça, onde as mulheres foram e continuam a ser maltratadas? É preciso que tenhamos consciência de que essa situação existe para, então, podermos trabalhar o racismo e o machismo que existe em cada um de nós, mesmo sendo homem, ou sendo mulher, ou sendo branco, ou sendo negro.

Portanto, acredito que estaremos junto ao Governo Federal para que a Fundação Cultural Palmares se torne um instrumento, ligado ao Ministério da Justiça, capaz de tratar realmente com igualdade os dispositivos constitucionais que aí estão colocados e as políticas que estão para ser implementadas, tanto pelo Legislativo quanto pelo Executivo.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

A Srª Marina Silva - Em primeiro lugar, quero parabenizá-la pela iniciativa de transformar esta parte da sessão em uma solenidade pelo Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial. Muito feliz esse seu requerimento! V. Exª comentou que, no dia de sua posse, em meio à alegria que teve com as comemorações da vitória e em compartilhar com outros colegas Senadores esse momento tão importante para a vida do nosso País, particularmente para aqueles que querem desenvolver um projeto de trabalho e de compromisso com a Nação, alguém passou pelo seu gabinete e disse que lá ia ter de tudo, até pagode. Engraçado é que a cultura negra muitas vezes é depreciada. Se alguém passasse pelo gabinete de um outro Senador e dissesse que lá iria ter música clássica e ópera, com certeza não dariam o sentido pejorativo que deram ao pagode, porque a cultura negra, infelizmente, ainda é considerada cultura de segunda categoria por uma parte da população. Esse sentimento, tal como o machismo e a discriminação racial, não é um produto puro e simples - digamos assim - da maldade das pessoas. É algo que, infelizmente, historicamente, socialmente e antropologicamente está enraizado nas pessoas. E isso tem que ser combatido de dentro para fora. Acredito que a presença, o empenho e o compromisso de V. Exª são, com certeza, o desabrochar desse processo de dentro para fora. De dentro das entranhas de uma sociedade que tem sido injusta com o negro desde o período da colônia, quando fizemos a riqueza deste País. E, muitas vezes, fazendo a riqueza deste País, fomos presenteados com o tronco, com a senzala. Desejo parabenizá-la, mais uma vez, e dizer que o pagode também é arte, também traz alegria e, em nenhum momento, pode ser considerado como algo de segunda categoria. Afirmo que, como mulher, também negra, estou extremamente compromissada com essa luta contra os preconceitos, contra as discriminações entre as raças. E o preconceito não é só contra os negros, é contra as mulheres, é contra os índios, é até contra os velhos e as crianças, que, embora não sejam exatamente uma raça, sofrem discriminação, pois o preconceito pressupõe força, pressupõe sempre o domínio do forte em relação àquele que, circunstancialmente, está assumindo a condição de fraco. Parabéns, Senadora Benedita da Silva, e que esse pronunciamento de V. Exª seja, acima de tudo, um manifesto de compromisso de todos nós em defesa de uma igualdade que respeite as diferenças! Muito obrigada.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª e quero dizer que não me sinto entristecida, porque estou acostumada a trabalhar com essas questões. Tenho consciência, Senadora, de que quanto maior for a ascensão do negro, mais discriminado ele será, porque, na verdade, existe o preconceito e existe também a discriminação. Assim, tenho consciência - e tenho muita - de que não é apenas resolvendo uma situação social que estaremos combatendo a discriminação racial.

É com essa consciência que estou aqui, junto aos meus pares, fazendo este pronunciamento. Espero que possamos assumir o compromisso não só do debate - não só hoje, no dia 21 de março -, mas o de fazer com que as faces que o Brasil tem, não só do ponto de vista social, mas também racial, estejam projetadas e reproduzidas de maneira fiel, perfeita e real na imagem de nossas televisões, nos jornais, nas revistas e nas propagandas.

Por isso, tenho a paciência de reconhecer qualquer manifestação contrária a isso apenas como falta de conhecimento. E até digo que fomos todos muito aculturados; por conseguinte, não conseguimos ainda absorver toda essa riqueza da miscigenação, não conseguimos também reconhecer a riqueza trazida da África. Como há pouco ressaltou o Senador José Sarney, o nosso jeito, o nosso modo trazido da África foi a única coisa que conseguimos preservar. Os valores do conhecimento foram abandonados, porque colocar o conhecimento a serviço do poder significa exercer um pouco o poder, e o poder ainda não foi conquistado pelo negro.

É preciso que tenhamos consciência de que o nosso debate deve levar a ações mais concretas. Para isso, estamos aqui para colocar essa questão - nem sempre temos oportunidade e coragem para fazê-lo -, de maneira fraterna, envolvente, num jeito bem africano.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senadora, permite-me V. Exª um aparte?

O Sr. Romeu Tuma - Senadora, permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte ao nobre Senador Eduardo Suplicy e, em seguida, ao nobre Senador Romeu Tuma.

O Sr. Eduardo Suplicy - Nobre Senadora Benedita da Silva, graças à iniciativa de V. Exª, a partir de hoje e, especialmente, em 20 de novembro, quando serão completados 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, o Senado Federal terá sempre presente o valor de Zumbi na História do Brasil. E esperamos também que todos nós, sejam os Senadores que aqui convivem com V. Exª, sejam todos aqueles que nos elegeram para representá-los, possamos ter uma atitude completamente diferente da que levou o Brasil a ter mais de 300 anos de escravidão. Hoje, diversos Senadores manifestam a sua solidariedade à causa da luta contra a discriminação racial. É muito importante que isso esteja acontecendo. Faz-se necessário que tenhamos meios práticos de fazer com que o Governo brasileiro consiga compensar tudo aquilo que foi, indevidamente, objeto da exploração do povo negro, que, arrancado da África, veio a se tornar brasileiro. Nossa solidariedade à proposição de V. Exª e à lembrança de como todos nós devemos conhecer melhor os ideais de Zumbi dos Palmares, os ideais de justiça e de fraternidade, para que possamos sempre estar ouvindo o seu grito de libertação dos negros, dos escravos e de todos os povos.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Tenho certeza de que o nosso grito de liberdade não será dado isoladamente. Ele será, sem dúvida, retumbante, porque acreditamos na mudança do nosso País, na melhoria da qualidade de vida de cada um dos brasileiros, na igualdade social, econômica, política e racial.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Senadora Benedita da Silva, gostaria de participar da homenagem que V. Exª presta, na luta contra a discriminação racial. Serei breve. Estive na África, no Senegal, e o chefe de polícia daquele país nos conduziu a uma ilha onde se concentravam, antigamente, os escravos recolhidos por todo o continente africano, distribuídos por idade, tipo físico, beleza e resistência. De lá, eram embarcados nos navios negreiros para os países onde a escravatura rendia um trabalho praticamente gratuito. Confesso a V. Exª que senti uma forte emoção, pela descrição feita dos acontecimentos pela pessoa que nos recebia. Arrepiei-me pelo que senti no interior daquela senzala - não sei qual é o termo que os africanos usam. Desejei apenas elevar meu pensamento a Deus e orar, pedindo perdão pelo que os nossos antepassados fizeram com os membros da raça negra. Hoje, V. Exª resgata essa angústia que eu senti durante esses quatro ou cinco anos em que estive no Senegal. Sinto-me feliz por vê-la à nossa frente, com liberdade, com força interior, gritando a voz do negro para honrar esta Casa, este Senado. Que Deus a proteja! Muito obrigado, Senadora.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Ele me faz também lembrar do momento em que cheguei à ilha de Goré, onde o nobre Senador esteve. A ilha de Goré foi um entreposto de escravos, e estamos lutando para lá erguer um memorial, porque essa história precisa ser contada, ser resgatada; por isso, temos um projeto defendendo a importância de se contar a história dos povos africanos, porque nós, brasileiros, temos a ver com ela.

Na ilha de Goré, observamos que qualquer um que ali chega sente vergonha, como bem colocou o Senador Romeu Tuma. Imaginem uma pessoa como eu - que já me considero a reserva das reservas, com 1,78m de africanidade -, dentro de uma cela daquelas, cuja altura era de apenas 60 ou 70 centímetros, com mais de vinte escravos!

Era vergonhoso como as mulheres escravas tinham filhos ali dentro. E sabem como era a ilha de Goré? Em cima, havia a casa, o restaurante, o bar, a sala de reunião dos senhores. Em baixo, gemiam de dor, de fome, de vergonha e de medo negras e negros.

O Senador Romeu Tuma também viu o que vi, mas uma coisa posso lhe dizer: se observarmos o sistema penitenciário brasileiro, os nossos presídios, verificamos que, para nós, isso ainda não acabou. É a mesma coisa: são 50 ou 60 escravos no mesmo lugar. Em suma, vamos identificar um quadro idêntico àquele que S. Exª e eu tivemos a oportunidade de ver.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Lúcio Alcântara - Nobre Senadora Benedita da Silva, V. Exª e o Plenário do Senado fizeram muito bem ao dedicar parte desta sessão ao Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Tenho o privilégio de ter sido colega de V. Exª na Câmara dos Deputados e na Comissão do Trabalho, de forma que conheço a luta que V. Exª vem travando, sua determinação e, sobretudo, o espírito de afirmação que tem inspirado toda a sua atuação parlamentar, em favor não apenas dessa causa, a luta contra a discriminação racial, mas de tantas situações sociais injustas que têm merecido de V. Exª não apenas o reparo, mas a permanente militância na busca de reverter essa situação. Que esse dia de luta contra a discriminação não seja apenas um dia, mas que sejam todos os dias de nossas vidas, todos os momentos, minutos, de luta contra a discriminação, qualquer que ela seja. V. Exª tem dito muito bem: não é só a discriminação racial, mas também a discriminação social, e o negro é discriminado ao dobro, ao triplo ou muito mais vezes, porque, em sua grande maioria, ainda não atingiu, num País de tantas desigualdades, de tantas injustiças, uma posição social mais justa, mais decente, mais compatível com a sua condição humana. Como V. Exª disse muito bem, temos que relembrar esse fato a fim de sacudirmos um pouco a nossa alma, os nossos sentimentos e não fazermos de conta que não é conosco. Esse problema existe no Brasil, devemos ter consciência desse fato e enfrentá-lo. Não é apenas problema do Governo, das leis, da legislação, é um problema de consciência. Não podemos fingir que esses fatos que compõem a saga dos negros no Brasil não existem; ao contrário, eles devem sempre estar presentes em nossa memória, a fim de que possamos reagir, em todos os momentos, contra essas injustiças, essas discriminações. Devemos combatê-las e fazer com que desapareçam de vez da nossa sociedade. Este meu aparte é no sentido de juntar a minha voz à de V. Exª e de tantos outros Senadores que já se pronunciaram, com vistas a que esta Casa seja também um bastião de luta contra qualquer tipo de discriminação, que não se comporta mais dentro de uma sociedade moderna, uma sociedade que deve buscar, por todos os meios, a justiça social.

O SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o seu aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me um aparte, nobre Senadora?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet - Senadora Benedita da Silva, queria registrar a minha alegria e o meu contentamento pelo magnífico pronunciamento de V. Exª, nesta tarde. Presenciei esta Casa saudá-la como a primeira Senadora negra do Brasil. Mas não aparteio simplesmente uma Senadora negra, porém mais do que isto. É a primeira intervenção em aparte neste plenário e o faço no discurso de uma grande Senadora, uma mulher que sempre tem se colocado em defesa das grandes causas e dos injustiçados. Associo-me à sua luta, à sua fala, à sua vocação, ao seu entusiasmo. Quando V. Exª referiu-se ao seu espírito religioso, lembrei-me de um político norte-americano que, ao discursar em uma assembléia, recebeu o aparte de um racista. O orador rebateu o seu aparteante com a seguinte pergunta: "Mas, meu amigo, qual é a cor de Deus?" Senadora Benedita da Silva, tenho plena convicção que Deus tem abençoado a todos nós. Em comparação aos demais países do mundo, podemos afirmar que esta Pátria tem conseguido vencer suas dificuldades sem grande derramamento de sangue. Esta Pátria, sem dúvida, ainda será muito feliz pela compreensão do seu povo de espírito pacífico e pelo idealismo de pessoas como V. Exª, como os membros que estão compondo esta Casa, como o Congresso Nacional, que está redimindo o País nesta hora tão importante que estamos atravessando. É com alegria que peço a V. Exª que receba humildemente esta minha manifestação de contentamento e admiração pela sua luta.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senadora Benedita da Silva, todos nós estamos ouvindo com o maior encantamento o discurso de V. Exª. Mas pediria que seja breve em seu discurso. O Regimento tem duas disposições contraditórias: uma delas manda que o Expediente comece às 15h30min, podendo ser prorrogado por 15 minutos, e outra que determina que o mesmo seja prorrogado até o fim dos oradores inscritos, caso haja um assunto especial.

Como ainda temos uma oradora inscrita, a nobre Senadora Marina Silva, pedimos a V. Exª que seja breve e que os colegas colaborem nos apartes. Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço àqueles que me apartearam, àqueles que me ouviram atentamente e os que gostariam de me apartear e não puderam fazê-lo.

           Qualquer apoio à produção cultural de um povo com vocação artística como o nosso desperta rapidamente a criatividade e o interesse das pessoas. Mas a produção cultural de pequeno porte, que é aquela responsável por manter viva as manifestações mais autênticas da cultura nacional, não conta com apoio significativo.

           A difusão de nossa produção cultural é muito reduzida e não tem espaço nos modernos meios de comunicação. Precisamos de políticas que visem a ampliar de forma permanente o universo dos consumidores populares de cultura. Isso é muito importante para a elevação do grau de exigência artístico-cultural do povo e a ampliação do mercado cultural.

           A importância que se dá a cultura no Brasil pode ser medida pela sua ínfima participação nos orçamentos públicos da União, Estados e Municípios. É necessário desenvolver a concepção de que investir na cultura significa investir na cidadania e na motivação social, econômica e política dos brasileiros.

           Sr. Presidente, na condição de formar maioria na população brasileira, a mulher continua sendo discriminada em casa, no trabalho e na sociedade. Continua a ser vítima de violência, maus-tratos e abusos sexuais. Inúmeras foram as vezes em que me manifestei na Câmara dos Deputados e na Constituinte para defender os direitos da mulher e denunciar casos de violência. Mas, apesar das conquistas legais e dos avanços políticos, não há como negar que temos muito a percorrer.

           Muito arraigado na sociedade, o preconceito machista não aceita a igualdade de direitos entre a mulher e o homem. Segundo suas "premissas", a mulher é um ser inferior, incapaz de exercer funções públicas e sociais. O machismo é usado como justificativa para a exploração da mulher em casa, por meio da dupla jornada, e no trabalho, por meio da desigualdade salarial em relação ao homem, o que resulta sua preterição na ascensão profissional. Incorporadas nos hábitos e costumes do cotidiano cultural, outras formas de discriminação menos visíveis sujeitam diariamente a mulher a situações desprezíveis de diferenciação na sociedade.

           Todas a mulheres sofrem a discriminação machista, mas a mulher negra, em particular, é a sua maior vítima. A discriminação que sofre é maior porque além de mulher, é negra e, em virtude disso, integra geralmente a população de baixa renda.

           Na CPI que investigou a esterilização em massa de mulheres pobres, da qual fui presidente, constatamos que, no Brasil, já foram esterilizadas cerca de vinte e cinco milhões de mulheres, das quais noventa por cento eram mulheres negras. Somos, assim, desrespeitadas até no nosso direito mais fundamental, o direito de sermos mães. Tudo isso porque organizações do Primeiro Mundo acham que a diminuição da quantidade de bocas é a única solução para os problemas sociais do Terceiro Mundo. Rejeitam adotar um novo tipo de desenvolvimento.

           Nas populações de baixa renda, as mulheres exercem geralmente o duplo papel de pai e mãe. São elas que sustentam a casa, fazem o trabalho doméstico e cuidam e educam os filhos.

           As mulheres brasileiras, que, juntamente com os homens, construíram este País como mães, escravas, donas-de-casa, comerciárias, secretárias, artistas, engenheiras, escritoras e em outras funções, são relegadas a um segundo plano, a uma situação subalterna. Isso acontece sobretudo por força da inaceitável discriminação pelo poder masculino. Essa é mais uma dívida social que o Brasil tem que saldar para se desenvolver como uma nação livre e justa.

           Sr. Presidente, muito já se falou da absurda situação de crianças e adolescentes que vivem abandonados nas ruas. Envolvidos na criminalidade, na prostituição e no vício, eles acabam sistematicamente assassinados pelos grupos de extermínio. Esta dívida social que temos para com nossas crianças é a que mais revela a natureza extremamente injusta, violenta e desumana da sociedade brasileira. Um País que não cuida de suas crianças não pode ter futuro.

           A CPI que, em 1994, investigou o extermínio de crianças e adolescentes, requerida por mim, constatou que em apenas três anos, entre 1988 e 1990, foram assassinadas quatro mil seiscentos e onze jovens no Brasil. Desse universo, vinte e três por cento eram meninas e oitenta e dois por cento eram da raça negra. Mas hoje estas cifras já foram superadas por números ainda mais estarrecedores, uma vez que o número estimado para os dias atuais é de três mil assassinatos por ano.

           A justificativa para crime tão hediondo é a de que, desse modo, se está eliminando um futuro delinqüente. Outros dados mostram toda a dimensão da tragédia que se abate sobre a nossa infância e adolescência: mil crianças morrem diariamente por causa da fome e de doenças diversas; 15 milhões estão em estado de desnutrição; 60% dos bebês moram em residências sem água e esgoto; 4 milhões de crianças estão fora da escola; 72,5% dos jovens de zero a 17 anos vivem em famílias com renda mensal de até um salário mínimo. Mais desastrosa ainda é o caso da prostituição infanto-juvenil: 500 mil meninas de até 18 anos estão na prostituição.

           Dizem que no Brasil não existe adoção e sim tráfico de crianças. De fato, a rede internacional de tráfico de bebês, que controla o lucrativo comércio de crianças, desenvolve intensa atuação no País. Segundo relatório da Polícia Federal, anualmente cerca de três mil crianças são levadas clandestinamente para o exterior. Existem até casas conhecidas como "fazendas de engorda de bebês".

           Das 4 mil crianças adotadas pela Itália, 3 mil estão "desaparecidas". Denúncias vindas do exterior afirmam que elas podem ter sido usadas para "abastecer" banco de órgãos. Para apurar essa monstruosidade, pedi na Câmara dos Deputados a criação de uma CPI para investigar exclusivamente a realidade da adoção e do tráfico de crianças no Brasil.

           As crianças e os idosos são os segmentos mais desprotegidos da sociedade. Sobre eles recaem as conseqüências mais cruéis do modelo econômico. A população da terceira idade vem crescendo com rapidez no Brasil. No ano 2000, teremos cerca de 14 milhões de pessoas com mais de 60 anos. A grande maioria dos idosos vive em situação de extrema miséria. A concepção de mercado não absorve o papel do idoso e o vê como um ser descartável. É imensa a dívida social do Brasil para com os seus idosos. O desafio é de recuperar a dignidade dos idosos e abrir-lhes novas perspectivas de vida.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aqui estou não só como representante do Rio de Janeiro, mas também como Senadora pelo PT, um partido que é oposição. O mínimo que se deve esperar de uma oposição responsável é a cobrança das promessas de campanha do presidente eleito e a apresentação de propostas alternativas. Não faço oposição por princípio, nem busco o confronto como método de ação, mas serei firme na defesa dos interesses populares e do meu Estado. Uma oposição vigilante, crítica e propositiva é necessária para a defesa da sociedade.

           O presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo num mar de otimismo, quando então destacou, acertadamente, o investimento social como prioridade nacional. O Executivo, no entanto, vem tomando determinadas decisões que preocupam a Nação. A resistência à sanção do novo salário mínimo no valor de 100 reais por tanto tempo foi injusta e covarde. A demora não se justifica e contradiz a proclamada prioridade social. Pior ainda, é sabermos que o presidente só concordou com o novo valor na medida em que seu prestígio interno e externo esteve em queda vertiginosa.

           Mesmo o episódio recente da anuência do Executivo ao empréstimo de 300 milhões de dólares ao México, ainda que não consumado, representou desgaste político incontestável diante da sujeição da soberania nacional às pressões externas. Sem hesitação, o fato representou no mínimo um contra-senso defronte dos graves problemas do País.

           A manutenção da importação desenfreada de bens de consumo, em nome de uma suposta "abertura comercial", atinge a indústria nacional, gera desemprego e desequilibra a balança comercial. A privatização indiscriminada de empresas estatais estratégicas e lucrativas compromete a nossa capacidade de autodeterminação. A supressão, a toque de caixa e sem um debate nacional, do critério de tempo de serviço para a aposentadoria está provocando enorme tensão social.

           Sr. Presidente, fruto de uma operação desastrosa do governo FHC, a desvalorização abrupta e inesperada do real no começo de março imprimiu, para a desgraça do Brasil, uma mancha de desconfiança e ceticismo de difícil dissipação. As suspeitas de ganhos ilícitos por parte dos famosos especuladores de plantão só têm a depor contra uma equipe econômica reputada até pouco tempo como impoluta. Estas e outras iniciativas do Executivo sinalizam uma orientação política em tudo contrária à plataforma de campanha e ao discurso de posse do presidente.

           É lamentável que o Executivo perca a oportunidade política ideal de mobilizar a Nação para saldar as dívidas sociais históricas que o Brasil tem com o seu próprio povo. A resposta do governo tem frustrado a Nação. Nas suas propostas de revisão constitucional não existe nada que vise ao combate da fome, das doenças, do desemprego e da miséria, todas as pragas que afligem o povo.

           Ao contrário, as reformas atingem os aposentados e servidores públicos e liqüidam o patrimônio público. As reformas do governo entregam inteiramente as alavancas estratégicas da economia brasileira aos oligopólios nacionais e internacionais.

           Conduzir o Brasil ao seu destino de País justo e democrático é um desafio muito grande. Não é tarefa de uma elite, nem de uma vanguarda, mas de todos os brasileiros, principalmente dos que formam o Governo e dos que estão na oposição. Os dirigentes políticos precisam sair de seus gabinetes e dialogar com a Nação suas idéias e propostas. Devem buscar ampliar os pontos de consenso que alavancam o desenvolvimento do País. O meu caminho continuará sendo este, o do diálogo com a sociedade civil, com os movimentos sociais, com o povo. Anseio por um diálogo produtivo, destinado a gerar compromissos e ações práticas que transformem o meu Estado e o País.

           Em meu mandato no Senado, combino os componentes social, racial e feminino, que tradicionalmente identificaram a minha trajetória política, com os novos componentes decorrentes da representação federativa de que sou portadora como Senadora da República.

           Mas os diferentes componentes políticos que formam o meu mandato têm o mesmo objetivo: encurtar a enorme distância que existe entre a situação do povo e os direitos de cidadania inscritos na Constituição. Transformar o simples trabalhador em cidadão de fato significa produzir a força vital da democracia. No Plenário e nas Comissões desta Casa, nas ruas e recintos fechados, sempre estarei lutando pela construção da cidadania popular.

           Tenho consciência de que na defesa dos direitos humanos é preciso incorporar novas questões, como a da geração de emprego e renda, a do meio ambiente, a de um novo padrão de desenvolvimento e a da governabilidade democrática, entre outras. Em conjunto, essas questões constituem a chamada segurança humana global.

           Será por meio do diálogo com os diferentes setores da sociedade civil e do movimento popular que formularei projetos e articularei ações concretas coerentes com os compromissos do meu mandato. Estou fazendo a minha parte na busca de um consenso democrático para transformar o País. Nesse sentido, apresento, a seguir, a definição geral dos principais campos de minha atuação político-parlamentar.

           Sob a justificativa de uma suposta "modernidade", cujo modelo está fracassando no México, o Governo defende uma série de mudanças na Constituição. Penso que na sociedade não existe apenas uma única opção de desenvolvimento econômico. É preciso buscarmos sempre aquele tipo de desenvolvimento mais condizente com o avanço da civilização, portanto, direcionada para a sua atividade-fim, que é a de assegurar uma convivência democrática e humana entre os seus cidadãos.

           Não encontro essa preocupação nas reformas do Governo. É a partir da visão humanista da modernidade e com os critérios de justiça social, democracia, fortalecimento dos Municípios e Estados no pacto federativo e autodeterminação e soberania nacional, que me posicionarei frente a cada proposta do Executivo.

           Na questão da geração de empregos, fundamental para a cidadania popular, sabemos que, isoladamente, o desenvolvimento econômico não garante o aumento de emprego. Isso só é possível quando ele está condicionado a uma estratégia mais global na qual o emprego é objetivo independente.

           Por isso defendo, ao lado do grande investimento nacional e estrangeiro, o estímulo ao setor da micro, pequena e média empresa, o maior empregador da mão-de-obra de pouca qualificação. Defendo também o investimento em pesquisa de sistemas de produção alternativa e a reciclagem dos desempregados pelo avanço tecnológico.

           Sabemos ainda que o desenvolvimento econômico, por si só, não diminui as desigualdades sociais. A ação política, apoiada pela pressão da sociedade, tem de vincular o desenvolvimento econômico à justiça social e assim reduzir as desigualdades. É necessário levar para as comunidades de baixa renda os serviços públicos de saúde, educação, segurança e transportes, a urbanização de favelas e uma política habitacional criativa para moradia popular.

           Importante também é implementar programas de segurança alimentar e executar projetos de geração de renda nas populações carentes, em parceria com os governos federal, estadual e municipal e com entidades privadas nacionais e estrangeiras. Sem a efetiva erradicação da miséria absoluta, o desenvolvimento econômico não cumpre sua função social.

           A mulher, a criança, o adolescente e o idoso continuarão a encontrar no meu mandato um suporte para a luta por seus direitos. Combateremos a violência contra a mulher e a discriminação de que é vítima no trabalho, na família e na sociedade. Combateremos por meio da conscientização, da ação legislativa, das denúncias, da criação das delegacias da mulher e outras medidas efetivas. Vou realizar programas de educação sobre a sexualidade e o planejamento familiar e exigir o fim da esterilização involuntária de mulheres pobres, com punição aos culpados.

           Vamos apoiar o desenvolvimento da mulher nas atividades econômicas, sociais, políticas e culturais e fornecer incentivo à mulher microempresária. Defendo a construção de creches e programas de atendimento à saúde da mulher. Vou lutar pela regulamentação da Lei da Empregada Doméstica, de minha autoria. Outrossim, seguirei mantendo articulação permanente com as diversas entidades e movimentos de mulheres no Brasil e no exterior.

           Quanto aos direitos da criança e do adolescente, a questão mais importante é defender e fiscalizar o cumprimento de seu Estatuto e definir medidas concretas para se retirar as crianças das ruas. Com isso, pretendemos proporcionar proteção, abrigo, saúde e educação a todas estas crianças. Lutarei pela implantação do PAISM.

           Exijo o fim do extermínio de crianças e adolescentes, da prostituição infanto-juvenil e do tráfico de bebês e crianças. Exijo a punição de seus responsáveis. Vou desenvolver programas de recuperação de viciados e de combate às drogas entre a juventude. Lutarei para que nenhuma criança fique fora da escola.

           Defendo a dignidade dos idosos, que, depois de já terem dado a maior parte de suas vidas ao País, mereceriam maior respeito da sociedade. Na reforma da Previdência, estarei vigilante quanto aos interesses dos aposentados e à não redução de seus benefícios. É preciso tomar medidas urgentes para melhorar o seu atendimento previdenciário e adotar programas que abram para a terceira idade nova perspectiva de vida, social e culturalmente ativa, integrada à família e aos demais idosos. Defendo a criação de centros de referência para idosos que funcionem como locais de produção de conhecimento, de formação profissional e de prestação de serviços à comunidade.

           No Senado, continuarei a minha intensa atuação contra a discriminação racial, ao denunciar todos os casos de que souber e ao exigir o rigoroso cumprimento da lei. Defendo a criação de delegacias especializadas em crimes raciais. Luto para que seja incluída nos currículos escolares a disciplina sobre a história e cultura da África. Luto também para que os negros sejam incluídos obrigatoriamente nos filmes, peças publicitárias e programas de televisão.

           É necessário promover as manifestações culturais afro-brasileiras e defender o caráter multirracial da cultura nacional. No ano em que se comemoram os 300 anos de Zumbi, temos que organizar grandes eventos, dentre os quais um amplo debate nacional sobre a discriminação racial no Brasil. Neste ano, temos de transformar o vinte de novembro, Dia da Consciência Negra, em feriado nacional.

           Sr. Presidente, meu compromisso com os valores e os princípios da democracia é inabalável. Por isso mesmo, sua frágil estabilidade tem-me suscitado algumas inquietações. O principal instrumento da democracia, o voto, apresenta no Brasil defeitos tão graves que podem comprometer o próprio regime democrático. Temos de desobstruir o caminho para o voto consciente, livre e efetivamente soberano.

           Precisamos unir a vontade democrática da Nação para definir uma regulamentação rigorosa, que impeça o uso indevido e manipulador das pesquisas de opinião por meios de comunicação inescrupulosos e pela máquina dos governos em períodos eleitorais. É também essencial o aperfeiçoamento da legislação eleitoral para prevenção contra fraudes e para informatização do processo de votação e apuração.

           Sr. Presidente, eleita Senadora, assumi o compromisso de lutar pela recuperação da importância econômica, política e cultural do Estado do Rio de Janeiro na Federação. Tem faltado "bairrismo" para defendermos o desenvolvimento do nosso Estado. Precisamos revitalizar o orgulho de sermos cariocas e fluminenses. O momento é de unificar trabalhadores, empresários, intelectuais, jovens, donas-de-casa, idosos, políticos e governos estadual e municipais, toda a população enfim, para formar uma poderosa corrente pelo Rio de Janeiro. Abraço a tarefa de defender o meu Estado com a mesma determinação com que o cacique Aimberé liderou, no século dezesseis, a heróica resistência da Confederação dos Tamoios em defesa de seu território, a Baía da Guanabara.

           Lutar pelo Rio de Janeiro significa atrair novos investimentos, fixar as empresas já instaladas, garantir e ampliar mercados e abrir perspectivas concretas para as pequenas e médias empresas. Precisamos de políticas que efetivamente defendam aquelas empresas que produzem no Estado e apostam no Rio de Janeiro. Quero ampliar os contatos do meu mandato com os diferentes setores produtivos, para conhecer mais a fundo todo o potencial econômico do Estado.

           Defendo um amplo debate sobre o planejamento estratégico para o Estado do Rio de Janeiro, aberto para os que representam o trabalho, o capital, o saber, a comunicação e o poder público. O objetivo é mobilizar a sociedade para chegarmos a um consenso sobre o que é essencial para o desenvolvimento do Estado. Subordinados à meta geral de resgatar a importância do Rio de Janeiro, destaco quatro grandes campos de atuação relacionados com o desenvolvimento econômico, a geração de empregos, a diminuição da miséria absoluta, a melhoria de qualidade de vida e o respeito aos direitos humanos. São eles:

           a) Interrupção do processo de esvaziamento econômico, por meio da criação de condições para a manutenção das empresas já instaladas, com priorização de seus produtos e serviços, abertura de mercados e políticas fiscal e creditícia. Temos de acabar com o "êxodo empresarial" do Rio de Janeiro. É necessário defendermos a indústria naval, setor que tem importância específica para o Estado, mas que tem ultimamente atravessado dificuldades. Também merecem atenção os setores de turismo, cultura, construção civil, siderurgia, pesca, informática e química fina. É preciso investir na agricultura e avicultura, para buscar a auto-suficiência em determinados itens da cesta básica. É da maior importância a recuperação do Banerj e sua manutenção como banco estatal, voltado para o fomento econômico do Estado, apoiando especialmente as pequenas e médias empresas.

           b) Criação de políticas mais ousadas para atrair novos investimentos, seja do Brasil, seja do exterior. A conclusão do Porto de Sepetiba, a instalação do pólo petroquímico, a transferência do Banco Central para o Rio, ao lado da atração de pequenas, médias e grandes empresas, como são os casos da Brahma e da Antártica, tudo isso abrirá as portas do Estado para a retomada do desenvolvimento. Vou ampliar as relações internacionais do Rio de Janeiro ao procurar atrair o interesse de investidores negros dos Estados Unidos e da África.

           c) Conjugação do desenvolvimento econômico com o desenvolvimento social. O crescimento da economia do Estado tem de representar o aumento de empregos, a melhoria da qualidade de vida e a diminuição da miséria absoluta. Por isso, o debate sobre o planejamento estratégico precisa envolver também os setores de baixa renda. É preciso melhorar os salários dos professores e a qualidade da educação. É preciso evitar de vez que ainda se deixem crianças fora da escola.

           É urgente uma solução para o sistema de saúde, que se encontra em profunda crise. Temos que ter um plano de emergência para a Baixada fluminense, recuperando e concluindo os hospitais da região. Luto pela instalação do Incor no Rio de Janeiro, elevando os salários dos profissionais de saúde e melhorando o atendimento à população. Defendo a criação de Postos Comunitários de Saúde e Cidadania, para prestar serviços ambulatoriais e preventivos em áreas carentes e sob supervisão da comunidade organizada. A política habitacional tem de priorizar os setores de baixa renda, com programas de moradia popular, que conte com a participação da própria comunidade. É prioridade absoluta a implementação de programas sociais e educacionais para as crianças e adolescentes de rua. Defendo a construção de creches e programas de atendimento à saúde da mulher, bem como políticas especiais para os idosos.

           d) Combinação do combate à violência, necessário para a segurança do cidadão, com o respeito aos direitos humanos. A ação da polícia nas comunidades carentes continua sendo feita com violência indiscriminada e com absoluto desrespeito aos direitos do cidadão. É preciso uma reforma profunda e urgente na polícia para acabar com policiais corruptos, exterminadores e aqueles de comportamento racista. A experiência da "Operação Rio" mostrou que, se a ação militar ou policial não for complementada com a urbanização das favelas, com a instalação dos serviços públicos e com a criação de empregos, a criminalidade continuará. O saldo do desenvolvimento econômico com justiça social é a promoção da cidadania popular e o fortalecimento das bases do regime democrático.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como vereadora e Deputada Federal por dois mandatos, lutei pelos direitos dos despossuídos e discriminados, principalmente mediante propostas legislativas, CPIs, denúncias e pressões políticas. Agora, no Senado, continuarei esse trabalho com o mesmo vigor, mas, simultaneamente utilizarei todas as possibilidades que me confere a condição de Senadora para obter do sistema econômico e dos poderes públicos um retorno efetivo para as demandas sociais reivindicadas pelo meu País e pelo meu Estado.

Quero concluir afirmando que defendo o respeito, a dignidade humana e a concretização dos direitos de cidadania para o povo brasileiro. É lutando pela realização de nossas utopias individuais e coletivas que iremos conquistar vitórias para ajudar na construção de um Brasil mais justo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 22/03/1995 - Página 3407