Discurso no Senado Federal

DIFICULDADES NOS ASSENTAMENTOS RURAIS NO ESTADO DO ACRE.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. :
  • DIFICULDADES NOS ASSENTAMENTOS RURAIS NO ESTADO DO ACRE.
Aparteantes
Jader Barbalho, Valmir Campelo.
Publicação
Publicação no DCN2 de 28/03/1995 - Página 4111
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LANÇAMENTO, PROGRAMA NACIONAL, REFORMA AGRARIA, ESTADO DO CEARA (CE).
  • DEFESA, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, ASSISTENCIA SOCIAL, CRIAÇÃO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, PRODUÇÃO AGRICOLA.
  • DENUNCIA, AUSENCIA, ASSISTENCIA SOCIAL, ASSENTAMENTO RURAL, MOTIVO, REFORMA AGRARIA, ESTADO DO ACRE (AC), RESULTADO, PARCELEIRO, MORTE, ISOLAMENTO, INSALUBRIDADE, PERDA, PRODUÇÃO AGRICOLA, DIFICULDADE, CREDITO AGRICOLA, DESISTENCIA, ATIVIDADE AGRICOLA, ABANDONO, TERRAS, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, URGENCIA, MELHORIA, CREDITO RURAL, REFORÇO, BANCO DA AMAZONIA S/A (BASA).
  • DENUNCIA, SITUAÇÃO SOCIAL, SERINGUEIRO, IGUALDADE, PARCELEIRO, AUSENCIA, APOIO, GOVERNO, RESERVA EXTRATIVISTA, ESTADO DO ACRE (AC).
  • PROTESTO, URGENCIA, NECESSIDADE, PROJETO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, HISTORIA, DISCRIMINAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, ATENDIMENTO, VONTADE, HABITANTE.

O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, no último dia 24, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, lançou, em São João do Jaguaribe, no Ceará, o Programa Nacional de Reforma Agrária, que prevê o assentamento de 280 mil famílias em mais de 11 milhões de hectares de terra, durante seus quatro anos de mandato. Começa, este ano, com a desapropriação de 1 milhão de hectares, para assentamento de 40 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra.

Num país onde dos 330 milhões de hectares de terras aproveitáveis, 166 milhões são terras improdutivas, em contraste com 12 milhões de trabalhadores rurais sem terra; num país que é palco de constantes conflitos agrários e que paga com a fome, com a miséria, o preço dessa situação, a medida merece atenção, até porque, pela primeira vez no Brasil, o Governo estabelece uma meta no setor e começa a cumpri-la no início do mandato.

Como diz o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho: "É um bom começo, desde que seja apenas o começo". Porque, o Presidente mesmo reconhece: "É preciso ir além. Muita injustiça continua a castigar o homem do campo". Além disso, reforma agrária, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não significa apenas a desapropriação e distribuição de terras. É um projeto social e econômico que requer crédito, pesquisa, assistência técnica, estradas, armazenamento e escoamento da produção, serviços de saúde e educação.

Enfim, é dar ao homem a terra e as condições necessárias para que possa tirar dela o seu sustento e contribuir com o aumento da produção nacional, com a elevação do índice de emprego e renda e a redução da fome, deixando de ser problema e passando a ser solução para o Brasil.

Para isso, é preciso apoiar não só os novos projetos de assentamento como também os que já existem no país, onde milhares de parceleiros clamam por socorro. Cito o exemplo do meu Estado, o Acre, onde cerca de 70% dos agricultores integram projetos de assentamento que, todavia, estão muito longe da consolidação e do cumprimento dos objetivos para os quais foram criados.

A falta de assistência vem desde a implantação dos primeiros projetos. Idealizados pelos governos militares, cuja política primordial era o assentamento de trabalhadores rurais do Centro-Sul na Região Norte, os projetos mais pareciam campos de concentração.

O Sr. Valmir Campelo - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. FLAVIANO MELO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Valmir Campelo - Escuto com atenção seu discurso e não poderia deixar de dizer da minha satisfação em ouvir as palavras de V. Exª, como ex-Governador, que conhece os problemas da agricultura de um modo geral e, particularmente, do trabalhador rural no seu Estado tão sacrificado. Não poderia também, nesta oportunidade, deixar de louvar a iniciativa do Governo Fernando Henrique Cardoso, que, no interior do Ceará, lançou, sábado, um programa de assentamento que vai realmente beneficiar vários colonos. Essa é uma região que necessita dos cuidados do Governo no que diz respeito à reforma agrária, e, como bem disse V. Exª, pela primeira vez, no acender das luzes de um governo dá-se início a um programa de campanha, como fez Fernando Henrique Cardoso agora. Não basta que - essa era a minha grande preocupação - nos programas de reforma agrária, de assentamento dos colonos, seja dado um pedaço de chão. Isso não é o suficiente. Devem ser dados, além da terra, os meios para que se possa prender o colono à própria terra. Somente a terra, sem que lhe sejam dadas as condições para que ele desenvolva os projetos agrícolas, de nada vai adiantar. O programa que foi estabelecido por Fernando Henrique Cardoso prevê exatamente que sejam dadas as condições, através do Banco do Brasil, para que o colono possa desenvolver suas atividades agrícolas na própria região. Portanto, quero parabenizar V. Exª e reconhecer o trabalho que o Governo está fazendo no setor agrícola do nosso País.

O SR. FLAVIANO MELO - Muito obrigado pelo aparte, Senador Valmir Campelo. Inclusive, mais à frente do meu pronunciamento, referir-me-ei a esta preocupação que também é de V. Exª: a idéia de dar meios para que o homem permaneça no campo.

Algo que me deixou preocupado foi o fato de a divulgação do próprio assentamento não ter sido suficiente, a meu ver. Em seu pronunciamento, o Presidente Fernando Henrique Cardoso - os motivos, Sua Excelência os conhece muito bem - usou um discurso mais de ataque à direita e à esquerda, e a isso foi dado mais destaque. Acho que a iniciativa, logo no início do Governo, de fazer já essa desapropriação é excelente, mas a própria mídia não deu importância ao ato em si.

A falta de assistência vem desde a implantação dos primeiros projetos. Além dos conflitos com os nativos locais, essa população não tinha conhecimento da região. Era abandonada na floresta sem a devida assistência e famílias inteiras chegavam a ser dizimadas por doenças como a malária que, quando não mata, reduz, em pelo menos, em 25% a capacidade da força de trabalho.

Hoje, a situação não é muito diferente. Atualmente, por exemplo, cerca de 90% dos 11 mil parceleiros dos 22 projetos de assentamento existentes no Estado estão isolados por falta de estradas; 90% das escolas e postos de saúde locais também estão fechados. O Governo Estadual, segundo denunciam entidades rurais, nada tem feito para amenizar o problema; ao contrário, cogita sobre a extinção de órgãos de apoio como a EMATER e a única companhia de armazenamento do Estado.

Em que pese aos esforços da atual administração do INCRA, a situação é crítica. Se perdurar, a previsão é de que no mínimo 70% da produção deste ano estará perdida, problema que vem se repetindo ao longo dos anos. Sem contar com as dificuldades de acesso ao crédito.

Impotentes diante de tantas dificuldades, muitos agricultores estão desistindo de produzir. Ou pior: estão abandonando suas áreas e provocando a reconcentração fundiária, fazendo ressurgir novos latifúndios dentro dos próprios projetos de assentamento. Há projetos, como o Pedro Peixoto, ao longo da BR-364, onde a reconcentração já atinge 20% das parcelas.

Se providências não forem tomadas, não tarda a cair definitivamente por terra os objetivos desse tipo de assentamento. É preciso exigir dos Governos Federal e Estadual o efetivo cumprimento do seu papel no processo. É urgente a melhoria e ampliação dos créditos.

No Acre, Sr. Presidente, Srs. Senadores, está comprovado que um dos fatores que inibem a reconcentração fundiária é o crédito PROCERA. Mas os recursos são poucos, e a burocracia emperra outros financiamentos como o F.N.O., inacessível para a grande maioria dos colonos, além do notório desaparelhamento dos agentes financeiros regionais como o BASA, cujo fortalecimento é vital para o homem do campo na Amazônia.

Não se pode esquecer, Sr. Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, que a situação também não é diferente nas reservas extrativistas - sonho antigo dos seringueiros como garantia do acesso à terra, organização do sistema produtivo e preservação do meio ambiente. Por falta de apoio, também não têm conseguido atingir seus objetivos.

Ao falar sobre este assunto, tenho a satisfação de ressaltar que as primeiras quatro reservas do Brasil foram criadas pelo então Presidente José Sarney, entre elas, a Reserva Chico Mendes (a maior do mundo) e a Alto Juruá, no Acre.

Na época, eu governava o meu Estado e incentivava a iniciativa junto aos órgãos que atuam no setor e às lideranças rurais, como o líder seringueiro Chico Mendes, brutalmente assassinado por conflitos fundiários.

Demos o primeiro passo. No entanto, o trabalho não teve a continuidade desejada. Os seringueiros, que viviam em regime de semi-escravidão, continuam em dificuldades. Como os parceleiros dos projetos de assentamentos também não têm estradas; ressentem-se da falta de escolas, postos de saúde, pesquisas para diversificação da produção e financiamentos.

Conforme o Conselho Nacional dos Seringueiros, as reservas sobrevivem, basicamente, com o apoio de instituições internacionais, que, entretanto, financiam projetos restritos. E o sonho de tornar essas reservas auto-suficientes parece longe de ser concretizado.

Certamente, os problemas do homem rural das demais regiões do País não diferem muito do quadro que se apresenta no Acre, cada qual com suas características próprias.

O desafio do Governo é resolver o problema de cada uma delas.

Espero, inclusive, que, ao lançar o Programa Nacional de Reforma Agrária no Nordeste, o Presidente da República também tenha mantido presente as diferenças regionais existentes no País.

O problema é gritante na Amazônia, historicamente discriminada e que precisa urgentemente de um projeto de desenvolvimento claro, originado na vontade de seus habitantes que anseiam por dizer o que querem e precisam para a região.

O Sr. Jader Barbalho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. FLAVIANO MELO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Jader Barbalho - Quero cumprimentar V. Exª pelo discurso que faz e dar meu testemunho do interesse de V. Exª pela política de reforma agrária no Brasil, pela questão fundiária no Acre, fundamentalmente com relação aos seringueiros. Recordo-me bem que, como Ministro da Reforma Agrária, tive oportunidade de ir ao Acre e ser recebido por V. Exª em seu gabinete, onde conheci Chico Mendes. Em razão daquela viagem, o Presidente José Sarney assinou diversos decretos de desapropriação, criando as primeiras reservas, entre elas a Reserva Chico Mendes. Visitei o interior do Acre levado por V. Exª, que fez questão de mostrar de perto a realidade de alguns projetos implantados pelo INCRA e que enfrentavam dificuldades no Acre. Além disso, no momento em que V. Exª comenta o lançamento por parte do Presidente da República de mais um programa visando minorar a questão agrária no Brasil, gostaria de acrescentar um dado que me parece importante. Essa questão da reforma agrária, no Brasil, sempre foi tratada de forma muito politizada, ou seja, muito idealizada no sentido de que a reforma agrária tem que ser a entrega da terra, o acesso à terra. Gostaria de registrar, com a experiência de quem passou pelo Ministério e de quem tratou desses assuntos no quotidiano, que entendo que o Brasil não terá sucesso com nenhuma política de reforma agrária se esta não for inserida como um projeto econômico. Inevitavelmente, qualquer programa de reforma agrária tem o seu lado social muito forte, mas se não dermos acesso ao crédito ao pequeno agricultor, qualquer política de reforma agrária, no Brasil, estará fadada ao fracasso. Portanto, quando vejo o lançamento de mais um programa, preocupa-me a questão do crédito, seja no Nordeste, seja na Amazônia, seja em qualquer ponto deste País. Há necessidade de se rever toda a política de crédito no Brasil a fim de facilitar o acesso do pequeno agricultor ao crédito. Eu, por exemplo, tenho feito restrições à política de incentivos fiscais, seja para Amazônia ou para o Nordeste. Essa política, ao longo do tempo, concentrou terras e também recursos creditícios e, por via de conseqüência, mantém esse quadro de concentração de renda, danoso ao Brasil. Espero que no momento em que o Presidente da República lançar esse programa as autoridades econômicas estejam atentas para a necessidade de, ao lado da distribuição da terra, ao lado da democratização do acesso à terra, haver a democratização do acesso ao crédito, o que é fundamental. Quero cumprimentá-lo pelo oportuno discurso que V. Exª faz, nesta tarde, e reafirmar o meu testemunho do interesse de V. Exª em relação à questão agrária e particularmente pelos seringueiros do seu Estado.

O SR. FLAVIANO MELO - Muito obrigado, Senador Jader Barbalho, pelo seu aparte e pelo testemunho de sua visita ao Estado do Acre quando Ministro da Reforma Agrária. Dessa visita, concretizou-se a primeira reserva extrativista do mundo. V. Exª também afirmou que reforma agrária não é apenas distribuir a terra, mas também é um projeto econômico. Concordo em gênero, número e grau com essa assertiva que, inclusive, é a linha mestra do meu pronunciamento.

No Acre, às margens da BR-364, há o maior projeto de assentamento do estado, onde há milhares de pessoas assentadas, mas está havendo uma reconcentração terrível dessa terra porque grandes latifundiários começam a comprá-la. Mesmo não sendo de forma legal, eles vão formando grandes latifúndios na região.

O único instrumento que conseguiu manter o parceleiro na terra foi o crédito. O crédito PROCERA, criado no governo do Presidente José Sarney, quando V. Exª era Ministro da Reforma Agrária, tem conseguido manter os assentados naquele lugar, porque com esse crédito eles conseguem iniciar o processo produtivo e, em função disso, melhorar a sua qualidade de vida.

Muito obrigado, Senador Jader Barbalho.

Espero também, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o governo consiga provar com ações concretas que o ato da última sexta-feira não é mais uma medida de efeito psicológico e, sim, o início efetivo da concretização da tão sonhada reforma agrária em todos os seus aspectos no País, promovendo a verdadeira democracia na terra, conforme campanha lançada também no último dia 24, pelo sociólogo Betinho, na terceira fase da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 28/03/1995 - Página 4111