Discurso no Senado Federal

ANALISE DA LUTA SOCIALISTA NO PAIS. NECESSIDADE DE REFORMAS DO ESTADO. CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO POLITICA NACIONAL.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • ANALISE DA LUTA SOCIALISTA NO PAIS. NECESSIDADE DE REFORMAS DO ESTADO. CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO POLITICA NACIONAL.
Aparteantes
Artur da Tavola, Benedita da Silva, Jefferson Peres, Joel de Hollanda, José Fogaça, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 01/04/1995 - Página 4446
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • HOMENAGEM, LUIS CARLOS PRESTES, EX SENADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB), MOTIVO, ENTREGA, VIDA, COMBATE, PROBLEMA, ECONOMIA, MISERIA, POVO, BRASIL.
  • MANIFESTAÇÃO, CONDUTA, ORADOR, QUALIDADE, SENADOR, MORAL, ETICA, LUTA, JUSTIÇA, SOLIDARIEDADE, NATUREZA SOCIAL, COMBATE, CONCEPÇÃO, UNIDADE, PARTIDO POLITICO, CENTRALIZAÇÃO, ESTADO, SUBORDINAÇÃO, INDIVIDUALIZAÇÃO, COMUNIDADE.
  • AGRADECIMENTO, CONFIANÇA, ELEITORADO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), SUPLENTE, MANIFESTAÇÃO, APRECIAÇÃO, MEMBROS, CHAPA, ORADOR, COLIGAÇÃO, LIDERANÇA, MIGUEL ARRAES, GOVERNADOR.
  • ELOGIO, CONGRESSO NACIONAL, FORO, RELEVANCIA, DEBATE, AMBITO NACIONAL, DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, LEGISLATIVO, INICIO, SENADO, OBJETIVO, ATUALIZAÇÃO, AUMENTO, CRIATIVIDADE, EFICACIA, EXERCICIO, PRERROGATIVA, REDUÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • CRITICA, MISTURA, PARLAMENTARISMO, PRESIDENCIALISMO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, MOTIVO, SUBORDINAÇÃO, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, APRECIAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL.
  • NEGAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS), SISTEMATIZAÇÃO, OPOSIÇÃO, MANIFESTAÇÃO, VONTADE, CONSTRUÇÃO, UNIDADE, SOCIALISMO, DEMOCRACIA, OBJETIVO, BUSCA, ALTERNATIVA, SOLUÇÃO, CRISE, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • MANIFESTAÇÃO, ENTENDIMENTO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS), PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), SIMILARIDADE, PROGRAMA PARTIDARIO, DEFESA, CONSTRUÇÃO, UNIDADE, AFASTAMENTO, LIBERALISMO, NECESSIDADE, FORÇAS ALIADAS, NATUREZA SOCIAL, PAIS, OBJETIVO, REFORMA POLITICA, ESTADO, SOCIALISMO.
  • HISTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB), PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS).
  • DEFESA, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS), NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, ESTADO.
  • PROTESTO, JUDICIARIO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INTIMAÇÃO, SENADOR, MOTIVO, CRITICA, PRONUNCIAMENTO, PLENARIO, SENADO.

O SR. ROBERTO FREIRE (PPS-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em 1946, com o apoio de milhares de brasileiros e amparado em forte movimento democrático e social, alimentado pela vitória dos aliados sobre o eixo nazi-fascista, foi eleito para ocupar uma vaga nesta Casa Luis Carlos Prestes, cujo nome está inscrito definitivamente em nossa história. Pela primeira vez, subiu à tribuna do Senado um homem decididamente identificado com a causa socialista, fato por si só significativo para a vida política nacional.

Ao assumir também esta tribuna, e o fazemos com emoção, e na condição de representante do PPS, partido sucessor das melhores heranças democráticas do velho PCB, rendemos nossas homenagens a Prestes e a tantos outros companheiros que dedicaram a sua vida, nas situações mais adversas, à causa do povo brasileiro, à superação do atraso econômico e da miséria, enfim, à causa da justiça.

Os tempos e as idéias são outros, à história cabe o julgamento de homens e ações, mas em nossa conduta como Senador esperamos honrar o nome daqueles que souberam colocar os interesses dos deserdados deste País acima de tudo, pautando-se sempre pelos princípios da ética e da moralidade pública. Assumimos a postura de continuidade da ruptura: continuidade representada pela utopia, pela perseverança na luta por uma sociedade mais justa e solidária; ruptura, pela superação de concepções como as do partido único, do estatismo como caminho para o socialismo, do estado centralizado e da submissão da individualidade ao império do coletivo.

Gostaríamos, ainda, no início deste discurso, de agradecer a confiança em nós depositada pelos eleitores de nosso estado, Pernambuco, que acreditaram em nossas propostas e compromissos que não foram assumidos em face de um pleito eleitoral apenas - fazem parte da nossa história política e de vida. Não poderíamos, também, deixar de lembrar de nossos companheiros suplentes - Valdemar Borges e José Áureo Bradley - e dos militantes e dirigentes do PPS, fundamentais em nossa vitória.

Manifestamos a nossa admiração pelo companheiro de chapa Armando Monteiro Filho, leal, solidário e que muito nos ajudou na cruzada política que resolvemos empreender. Agradecemos aos amigos e aliados da Frente Popular, liderada pelo governador Miguel Arraes, que acreditaram na aglutinação de forças políticas e sociais visando recolocar Pernambuco na rota do desenvolvimento.

Assumir o mandato de Senador da República antes de ser um privilégio é um desafio. Mas o fazemos com tranqüilidade e determinação, pois aqui em última instância estaremos trilhando caminhos iniciados há vinte anos, quando eleito deputado à Assembléia Estadual de Pernambuco. Para cá trazemos ainda a experiência de 16 anos de mandato ininterrupto na Câmara Federal, onde pudemos ampliar nossos conhecimentos sobre a realidade nacional e onde aprendemos que não existem soluções milagrosas para transformar o Brasil na grande nação que queremos - existem, sim, dedicação, persistência, diálogo e negociação permanente entre interlocutores diversos que almejam o mesmo fim.

O diálogo, possível de ser exercido por campos políticos e ideológicos diferentes, precisa da ética e da utopia parta forjar uma nova nação. Sem estas duas dimensões torna-se estéril e lesivo à cidadania e ao País.

Temos consciência de que o Congresso Nacional não é uma instituição menor na grande estratégia de operar as transformações que o Brasil tanto necessita. Constituído pelos mais diversos segmentos sociais, é no Congresso onde os interesses nacionais melhor se manifestam e se resolvem. Na sociedade não haverá nenhum pacto democrático de retomada do desenvolvimento sem a chancela do parlamento.

As dificuldades, as distorções, os equívocos e, porque não dizer, as próprias mazelas do Congresso não são suficientes para lhe retirar a prerrogativa de agente por excelência das mudanças. E acreditamos estar aí uma das tarefas do novo Congresso: auto-reformar-se para ser contemporâneo do País que emergiu das últimas eleições. 

A auto-reforma do Congresso, no nosso caso, começa pelo Senado. Acreditamos que a Presidência desta Casa já deu passos importantes nessa direção ao instituir grupo de trabalho que alinhava propostas referentes aos aspectos administrativos e ao processo legislativo. Não podemos tolerar mais ineficiência e nem o fato de que as atividades-meios preponderem sobre as atividades-fins. O Senado não pode se converter em instância do pensamento e da conduta burocráticos, do avesso à criatividade.

No Senado é hora de trabalhar mais. E estamos certos de que nesta retomada contaremos com o apoio decisivo dos Srs. Senadores e do competente funcionalismo da Casa.

Nos aspectos de procedimentos políticos, o Senado precisa ousar, assumir com mais coragem suas responsabilidades constitucionais. Suas prerrogativas não podem continuar como meros rituais - temos de exercê-las em toda a sua plenitude. Não podemos ter medo de questionar, inquirir, informar-nos. Temos de zelar pela Federação, função precípua de nosso mandato. O ato de aprovar a indicação, por exemplo, de diretores do Banco Central, embaixadores ou de ministro do Judiciário deve se converter em momento de intensos debates e não de solenidade oficial com o intuito de agradar ao Executivo e aos indicados.

Outras mudanças fazem-se necessárias. Se é justo o Senado manter a sua posição de Casa revisora das inúmeras matérias legislativas ordinárias, o mesmo não podemos dizer em relação às emendas constitucionais.

Reformas constitucionais atingem necessariamente postulados federativos e todos sabemos que a representação interna e externa da Federação tem no Senado o seu forum basilar. Historicamente, a tramitação de emendas constitucionais previa discussões e sessões conjuntas do Congresso Nacional. As mudanças ocorridas posteriormente, com o início obrigatório pela Câmara dos Deputados das emendas oriundas do Executivo, redundaram no alijamento, de fato, do Senado dos debates. Sua participação posterior às decisões adotadas na Câmara, como ocorre atualmente, o coloca sob pressão dos encaminhamentos e quase refém da memória das decisões dos deputados.

Convém ressaltar que tal distorção é fruto do hibridismo da nossa Constituição que mantém ainda estrutura parlamentarista apesar da vitória do presidencialismo na Assembléia Nacional Constituinte, referendada em plebiscito. Uma outra grande distorção, e constantemente constrangendo as relações entre o Executivo e Legislativo, é a Medida Provisória, instrumento típico de parlamentarismo.

Esse quadro de contradições precisa ser sanado. A república é presidencialista e a Constituição deve melhor se adequar àquele regime. O Senado, por sua vez, não pode, sob pena de sucumbir ao peso das decisões da Câmara, manter-se como mera Casa revisora de emendas constitucionais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nas últimas eleições presidenciais, por contingências políticas e por nossa opção socialista, integramos a Frente Brasil Popular que lançou Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Como não concebemos a história como a história do vencedor, temos convicção de que a campanha da qual participamos contribuiu para o aprofundamento da questão democrática em nosso País e para manter viva na ordem do dia a bandeira dos excluídos, embora nos faltasse, como ainda nos falta, um projeto alternativo sistemático e viável. Mas a isso chegaremos.

O resultado das urnas, que não questionamos, colocou-nos objetivamente no campo da oposição ao Governo Fernando Henrique Cardoso. Não que não o consideremos democrático, mas porque o nosso campo de alianças foi outro, situou-se mais à esquerda no espectro ideológico.

Quando assumimos a postura de oposicionistas, em nenhum momento admitimos fazer o jogo da desestabilização. Ser oposição no contexto de um governo democrático significa aceitar as regras do jogo e dentro dele tentar modificar ou mesmo reverter expectativas. Não participaremos de nenhum bloco sistemático de oposição ao Governo, à esquerda ou à direita. Querer inviabilizar governo no sistema presidencialista, o qual no plebiscito não foi nossa opção, parlamentaristas históricos que somos, é grave equívoco político e incentiva concepções golpistas, infelizmente tão presentes na política nacional. Queremos, isto sim, construir a unidade da esquerda democrática e com ela buscar as melhores alternativas para retirar o Brasil da crise que continua mergulhado, há muitos séculos.

Concebemos a existência de posições políticas à esquerda e à direita, referenciais que tantos teimam em negar. Quando o negam de boa-fé, fazem-no pela crise de identidade que a todos atinge e que é bem própria de períodos de transformação, como o vivenciado hoje no mundo. Quando de má-fé é para confundir e melhor manter a dominação.

Apesar dessa nossa visão, negamos o maniqueísmo, a luta entre o bem e o mal: a época das verdades absolutas acabou. Um exemplo de nossa posição: entendemos o PSDB e o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso como integrantes do campo da esquerda. Esperamos, no entanto, que tal compromisso histórico se alargue, sob pena de se dissolver em um esquema de alianças que só beneficiaria o neoliberalismo e aqueles que se apropriaram do Estado brasileiro. A nossa ação oposicionista estará demarcada por este universo político.

Por várias décadas, ainda na condição de membros do Partido Comunista Brasileiro, fomos acusados, sobretudo por franjas das esquerdas brasileiras mais radicalizadas, de reformistas. E o somos porque acreditamos que só através da revolução processual e democrática se pode transformar o mundo. Desde a declaração de março de 1958, quando Giocondo Dias - de saudosa memória -, junto com outros líderes comunistas, iniciou o resgate para o socialismo da centralidade da questão democrática, o PCB optou pelas reformas.

Compreendemos que o caminho das mudanças e da construção do socialismo, em nossa Pátria, passa pela democracia, pela convergência de amplas forças sociais, pelo exercício da cidadania que só consegue expressar-se plenamente em completo regime de liberdade. A nossa revisão crítica, há décadas, abandonou atalhos e deixou de cultuar as vanguardas ou lideranças carismáticas. Mudar é obra da grande maioria e não de poucos.

Apoiamos decididamente as reformas de base à época de João Goulart e articulamos e participamos da grande frente política, tendo ao centro o MDB; resistimos à ditadura sem cair no desespero do confronto armado; levantamos as bandeiras da anistia, da Constituinte e das eleições diretas ainda em 1967, em nosso VI Congresso; participamos do Colégio Eleitoral que viabilizou a superação da ditadura; colaboramos no processo constituinte, momento maior da cidadania brasileira; defendemos e nos empenhamos no frustrado esforço da Revisão Constitucional; agora, somos sem medo pela reforma democrática do Estado brasileiro.

A reforma do Estado, em alguns aspectos consubstanciada nas propostas governamentais, não pode ficar restrita ao chamado aparelho estatal, à máquina burocrática ou, quando muito, à ordem econômica, como pretendem alguns segmentos liberais que creditam unicamente ao Estado todo o peso da crise brasileira e teimam em apostar na primazia absoluta do mercado sobre todas as outras instâncias, crentes que são do fetiche do mercado livre.

O Sr. Joel de Hollanda - V. Exª permite um aparte, nobre Senador?

O SR. ROBERTO FREIRE - Ouço V. Exª, Senador Joel de Hollanda.

O Sr. Joel de Hollanda - Nobre Senador Roberto Freire, no momento em que V. Exª estreia na tribuna desta Casa como representante de Pernambuco, quero externar-lhe a nossa satisfação em recebê-lo, com o brilho de sua inteligência, neste Senado, para conosco participar deste grande momento de construção que o Brasil está vivendo. V. Exª honra Pernambuco no trabalho que vem desenvolvendo pela consolidação da democracia, pelo aperfeiçoamento das instituições políticas do nosso País. E a estréia que faz é bem o testemunho do que acabo de afirmar. V. Exª traz um pronunciamento profundo, bem elaborado, com idéias, com contribuições para o momento peculiar que estamos vivendo, de reformas políticas, econômicas e sociais no nosso Brasil. Portanto, nobre Senador Roberto Freire, queremos lhe transmitir as boas vindas, dizendo que V. Exª tem muito a contribuir com esta Casa, com a sua obstinação, com a sua determinação, com a experiência dos muitos embates de que já participou, no decorrer de toda a sua longa vida pública. Para nós que integramos, ao lado de V. Exª e do companheiro Carlos Wilson, a Bancada de Pernambuco nesta Casa, é motivo de orgulho tê-lo como companheiro, sabendo do seu espírito de "pernambucanidade", de seu espírito público em defesa dos excluídos, dos mais necessitados, dos mais pobres e, sobretudo, da nossa região nordestina. Parabéns, Senador Roberto Freire, pelo excelente pronunciamento que V. Exª faz e também pela estréia feliz, trazendo ao debate essas idéias, já numa contribuição para todas as decisões que estaremos tomando neste País, em termos de reformas constitucionais. Muito obrigado.

O SR. ROBERTO FREIRE - Agradeço a V. Exª. Vamos realmente discutir. Pretendemos trazer aqui uma contribuição, até mesmo para que o Senado não fique apenas observando todas as articulações e discussões sobre a reforma constitucional feitas pela Câmara. É este o nosso intuito, é o intuito do Partido Popular Socialista.

O Sr. Jefferson Peres - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Jefferson Peres - Desculpe-me interrompê-lo. Sei que o discurso de V. Exª é longo, mas não poderia silenciar diante de seu lúcido pronunciamento, de uma pessoa que não deixa que seu pensamento se congele em dogmas e sabe evoluir. Uma passagem de seu discurso me chamou a atenção, quando se referiu ao erro que é tentar desestabilizar um governo no sistema presidencialista. Li, com preocupação, nos jornais, Senador Roberto Freire, depoimento de um dos líderes da esquerda afirmando que está conversando e vai se reunir com militares e oficiais chamados de nacionalistas. Vejo isso com extrema preocupação, porque, da última vez que isso aconteceu, em 1963, quando se criaram os chamados generais do povo, segmentos mais radicais da esquerda levaram a agitação, a inquietação e a discussão política para os quartéis, e nós sabemos no que deu. Espero que a esquerda, pelo menos a esquerda lúcida da qual V. Exª faz parte, não repita esse trágico erro.

O SR. ROBERTO FREIRE - V. Exª citou algo até meio irônico. Estamos aqui na tribuna e até agora não comemoramos o 31 de Março, até porque o povo brasileiro não tem nada para comemorar; mas estamos exatamente nos referindo aos antecedentes daquilo que redundou no golpe de 1964, que hoje completa 31 anos de má memória.

O Sr. Pedro Simon - A presença de V. Exª na tribuna hoje é só coincidência.

O SR. ROBERTO FREIRE - É coincidência, porque esta data está tão esmaecida, Senador Pedro Simon, que nem me recordei. Lembrei-me de 1946 - ano em que este País recobrou a democracia -, que foi uma data muito mais importante; em 1964, a perdemos.

Prossigo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

O debate das reformas será o momento adequado para sepultar de vez as concepções do Estado máximo ou mínimo, dois equívocos profundamente ideologizados e que sempre se colocaram em oposição. O Estado, historicamente fundamental na construção das bases da moderna sociedade industrial brasileira, encerrou o seu ciclo em esferas que agora demandam também a competência da iniciativa privada. Mas precisa ter elasticidade e presença efetiva em áreas como saúde, educação, segurança pública e também em certos processos econômicos, em alguns com parceria e sob o seu controle, e em outros com presença ativa, principalmente aqueles que tangem as fronteiras da ciência e tecnologia.

Queremos as reformas política, previdenciária, fiscal, tributária, patrimonial e dos três Poderes, entre outras, como também não abrimos mão da possibilidade de conceber um novo papel do Estado no desenvolvimento de políticas de reestruturação econômica e social e de integração nacional como pressupostos para uma inserção competitiva e soberana do Brasil nos mercados regionais que tendem a se consolidar com a globalização da economia. Afinal, Estado eficiente e mercado com mecanismos de regulação social não se excluem; complementam-se.

Excetuados o PPS, o PSDB e algumas lideranças do PT, o erro que alguns setores da esquerda cometeram por ocasião da Revisão Constitucional, quando assumiram posição conservadora, não pode ser repetido agora, em 1995. Não admitir a reforma do Estado, que, entre nós, foi privatizado, e que atuou preponderantemente na manutenção dos privilégios, é, no mínimo, do ponto de vista da esquerda, um paradoxo. Queremos um Estado eficiente, publicizado de fato e que consiga contribuir para o rompimento do círculo nefasto da exclusão social e do atraso econômico. O Estado que aí está e a sociedade perversa na qual se insere não foram por nós construídos e nem por nós são aceitáveis.

Nesse sentido, consideramos ser necessária a nossa participação no processo de reformas em marcha, anunciado pelo Governo. No atual estágio da vida política nacional não existem, em qualquer partido e na sociedade, projetos ou programas prontos e acabados, alternativos ao de Fernando Henrique Cardoso. E esta não é uma questão natural. Pelo contrário, leva a sociedade à perplexidade e confunde a caracterização de quem é situação ou oposição no espectro político. Temos de entender que é a partir da agenda de mudança do Executivo que poderemos divergir, buscar novas saídas, afirmar posições. Colocar-se em trincheira contrária ao processo de reformas, obstruindo-as a qualquer custo ou meramente reagindo, antes de um erro político, é arremeter-se contra a sociedade que já se decidiu pelas reformas.

Nunca é demais lembrar o processo constituinte. A esquerda só saiu do isolamento quando resolveu negociar suas propostas amplamente no Congresso, garantindo uma Carta Magna mais progressista que a então anunciada. Se não participarmos positivamente das reformas em marcha elas ocorrerão e, o que é pior, talvez desconhecendo as nossas principais bandeiras. A hora não é de ampliar o campo dos adversários; é de aprofundar as convergências.

Incentivar a criação de bloco político contra as reformas é um contra-senso. O PPS está disposto a participar de encontros e debates, em especial com o campo da esquerda, para formular propostas no sentido de reformar o Estado brasileiro. Mas se nega a fortalecer qualquer movimento que vise conservá-lo.

Neste final de século, experimentamos uma transformação sem precedentes na história mundial. Somos contemporâneos de uma intensa revolução técnico-científica, que perpassa, em escalas diferenciadas, todos os países e continentes e, também, do prenúncio do fim dos estados nacionais e talvez do fim da própria sociedade industrial do trabalho, alavancas que conformaram o atual padrão de desenvolvimento, o próprio modelo civilizatório em que vivemos. Os megablocos regionais são uma realidade e a agilidade de uma economia já não é dimensionada pela velocidade do produto e, sim, pela do estoque financeiro brutal que paira sobre o mundo, medido em trilhões de dólares e com capacidade para gerar investimentos ou crises.

As telecomunicações, a informática e a informação estruturam essa revolução. As rodovias da informação cruzam o mundo, os oceanos e redes, plurais e mundiais, como a INTERNET, colocando o homem, o cidadão frente a realidades até então inimagináveis. A informação se rebelou e o Estado não pode controlá-la como fazia sob a velha bitola do estado nacional, quando tinha poder de cercear a circulação de pessoas, bens econômicos e até idéias.

Entretanto, se reconhecemos a globalização, não a mistificamos, até porque ela, sozinha, sem a atuação da política, da cidadania, de estados democráticos, não poderá resolver os graves problemas sociais que afligem a civilização por séculos. Mas temos de admitir uma verdade: a revolução técnico-científica e o seu irreversível processo de globalização, com seus impactos positivos e negativos a nível das nações, integradores e desestruturadores ao mesmo tempo, afetam todas as esferas da vida - os padrões de trabalho, as relações sociais e de família, a educação, as formas de lazer e expressão artística, a cultura, os processos de organização e administração nas empresas e instituições públicas e privadas. Ainda que muitos julguem um paradoxo, este movimento descortina grandes oportunidades e oferece possibilidades de efetiva integração, com cooperação e solidariedade, e também de reestruturação da ordem mundial. Possibilidade de vencer o desafio já muito bem assinalado pelo Vice-Presidente do Conselho de Estado cubano, Carlos Lage, qual seja, o de superar a atual globalização da fome e da miséria.

A globalização, para os neoliberais e assemelhados, é o resultado e a vitória do livre mercado, um fetiche, repito, cuja simbologia é constantemente recriada para se consolidar como verdade absoluta. Para nós, um momento rico e decisivo da história da humanidade, condicionador da integração mundial, mas que demanda estados mais ágeis e democráticos, capazes de, sozinhos ou regionalmente, intervir, disciplinar, regular mercados. Sempre em nome da liberdade, do homem, da cidadania.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, reunida recentemente em Brasília, a Executiva Nacional do Partido Popular Socialista entendeu que a reforma do Estado brasileiro é uma necessidade. Não é verdade, entretanto, que a Constituição brasileira, democrática e contemporânea no campo dos direitos e das garantias da cidadania e detentora de importantes avanços no campo social e dos direitos difusos da coletividade, seja obstáculo às transformações de nossa estrutura política, econômica e social. Mas alguns óbices existem e mudanças se impõem de forma a melhor conformar o nosso aparelho, para fazer frente às novas realidades do mundo.

Na ordem econômica, os pontos agendados pelo Governo colocam em discussão um novo conceito: a flexibilização dos monopólios. Parte o Governo da convicção de que o Estado demanda outros mecanismos de captação de recursos, assegurando-lhe novos padrões de investimento e fortalecendo sua atuação em áreas de fronteira tecnológica, e que por isso necessitaria da abertura dos monopólios em associação, parceria, concessões e contratos com capitais privados ou estatais, nacionais ou estrangeiros.

Entendemos como correta esta posição porque, preservado o monopólio, abre-se a possibilidade de tornar mais competitiva a nossa economia nos processos de integração. Para que não reste dúvida, e essa posição enfaticamente defendemos, vamos apresentar emenda aditiva ao texto governamental estabelecendo que o monopólio do petróleo, flexibilizado e exercido pela União, deva se dar por intermédio de empresa estatal, e esta empresa já existe e muito nos orgulha: a PETROBRÁS. Nas telecomunicações, monopólio atípico e não incluído no título da Ordem Econômica e, sim, no que trata da competência da União, já flexibilizado em alguns de seus serviços, como rádiodifusão sonora, de sons e imagens, admitimos a ampliação das concessões para todos os serviços, mas com a manutenção das empresas estatais EMBRATEL e TELEBRÁS.

Consideramos acertada a posição do Governo Fernando Henrique Cardoso em preferir a política de concessão à da pura e simples privatização quando anunciou a manutenção da PETROBRÁS e da TELEBRÁS, contrariando alguns apologistas do livre mercado. É importante que tal orientação não fique restrita ao anúncio, mas que seja uma efetiva política de Governo. Estas empresas devem se constituir nos instrumentos do poder público para celebrar contratos de parceria com o capital privado e empresas estrangeiras, dentro de uma nova visão de desenvolvimento. Privatizar as duas empresas, pelo volume de capital que demandariam, além de volatizar o seu patrimônio, implicaria fomentar a construção de novos monopólios, desta feita privados, sem o controle social e à margem do Estado.

As telecomunicações merecem uma abordagem à parte. Elas têm desdobramentos estratégicos para a democracia e o país soberano por que tanto lutamos. O fluxo de dados e informações está no centro da questão democrática e da cidadania, e, também, de qualquer pretensão à modernidade da economia brasileira. Se é verdade que para desenvolvê-las há de se contar com a concorrência de capitais privados e de capitais públicos de outros países, também é verdade que para mantê-las articuladas a um projeto democrático de desenvolvimento nacional, cujas conquistas sejam revertidas universalmente à sociedade, o Estado não pode se fazer ausente.

As telecomunicações não se cingem à questão econômica, como pretendem os "privatistas" de plantão que não conseguem enxergar além de taxas de lucro, fluxo de capital e monopólio do poder. Cinge-se, sim, ao tipo de democracia que queremos no futuro: aberta e transparente, ou privatizada e submetida ao jogo de grupos, das bolsas ou da especulação financeira.

O Sr. José Fogaça - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. José Fogaça - Em primeiro lugar, peço desculpas a V. Exª por interromper esse fluxo abundante e rico do seu discurso, mas é que V. Exª acaba de tocar num ponto que me parece extremamente crucial e importante no seu pronunciamento, e quero registrar: vejo como uma das mais modernas e consistentes manifestações que este Senado já ouviu a respeito do conjunto de propostas, de mudanças, de iniciativas que vêm sendo feitas pelo atual Governo. Não só cumprimento V. Exª, mas aproveito a oportunidade para fazer este registro enfático do que acaba de dizer. Ou seja, quando o Governo opta por um sistema de concessões ele não está, de fato, privatizando um determinado setor da economia brasileira. A concessão nada ter a ver com as formas de privatização que até aqui estavam sendo encaminhadas. Quando se privatizou a Companhia Siderúrgica Nacional, ela foi totalmente entregue a um grupo privado. Preço de aço não é mais preço público, não há controle sobre tarifas; está submetido inteiramente às regras absolutas de mercado. O Governo não tem mais nada a ver com aço no Brasil. No entanto, quando se trata, por exemplo, de telefonia, ou quando se trata de energia elétrica, o Governo opta por um sistema de concessões. Isso significa que o serviço é público - e isso está na Constituição, está na Lei das Concessões -, o interesse é público, o controle é público. A democracia se dá através da participação do usuário-cidadão e da sociedade. A empresa que presta serviço pode ser estatal ou privada, mas tem que cumprir todas as regras de exigência do mais relevante interesse público, o que significa dizer que, hoje, público não é só o que é estatal. Também uma empresa privada pode prestar serviço público. É um novo conceito, é um conceito moderno, e como vejo que V. Exª abraça isso com firmeza e com convicção, desejo cumprimentá-lo e fazer este registro, com toda a satisfação que me dá em ouvir seu pronunciamento. Obrigado a V. Exª.

O SR. ROBERTO FREIRE - Senador José Fogaça, agradeço o aparte de V. Exª, que enriqueceu meu pronunciamento, porque algo a que apenas fiz referência, V. Exª aprofundou: a questão da diferença da opção feita pelo Governo no caso de políticas de concessão e políticas de privatização. E lembrando um dado que, hoje, é fundamental: não se trata do controle das comunicações, mas da definição de que as comunicações têm que ser públicas, mesmo que sejam exploradas pela iniciativa privada. Essa é a grande transformação na rede pública. O mais interessante é que esse conceito de público vem derrubar a velha dicotomia entre estatal e privado. Algo de novo, talvez, não tão novo, até porque pode ser um resgate do que Marx falou, há muito tempo, quando tratou da questão do público, que era muito mais a questão do interesse da comunidade, da coletividade, e menos o interesse de empresa estatal, até porque ele imaginava, no final da sua utopia comunista, o fim do Estado.

A Srª Benedita da Silva - Permite V. Exª um aparte?

O Sr. Artur da Távola - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE - Permitam-me terminar.

Acredito que com relação à questão do aço, não é que o Estado tenha que ficar fora. Eu estou aguardando o resultado do julgamento do Conselho de Defesa Econômica numa questão relacionada com o aço, pois, na verdade, é importante a presença do Estado para evitar o monopólio do grupo gaúcho GERDAU.

O Sr. Pedro Simon - Anulou.

O SR. ROBERTO FREIRE - Boa notícia: anulou! É a presença do Estado, não fixando preços, não exercendo a atividade diretamente, mas exercendo a regulamentação de mercado para evitar dumping, monopólios, tudo aquilo que um mercado livre pode trazer de destrutivo para uma atividade mais competitiva, para uma economia melhor e mais livre.

O Sr. Artur da Távola - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE - Eu estou aqui preocupado com os 20 minutos.

A discussão concreta em torno das propostas governamentais, importante em função mesmo de posturas adotadas pelo Presidente desta Casa, adotadas por Lideranças do próprio Governo e da Oposição, como a questão da Previdência, deve ser melhor encaminhada. Não é como pretendeu o Governo: uma proposta mal elaborada, uma proposta que não atenta que isso não é merchandising, que isso não significa problema de mercado. Ao contrário, é algo que significa vida da cidadania e que, portanto, não poderia ser feito de forma atabalhoada, com açodamento e com visão tecnocrata, muito próprio do Ministro da Previdência. Isso tinha que ser enfrentado, resguardando não apenas direitos adquiridos. Tinha que se resguardar o contrato social que gerava expectativas de direito. Poderíamos aprofundar a discussão desse assunto, já que não vai ser objeto de definição imediata pela Câmara, em muito boa hora. Eu admitiria até a sua retirada, não apenas a desaceleração de tramitação. Poderíamos iniciar, no Senado, uma verdadeira discussão sobre esta questão, com alternativas que garantissem a sua reformulação; que, fundamentalmente, gerasse tranqüilidade para a cidadania brasileira; que, compulsoriamente, fez um contrato com a Previdência Social.

O Sr. Artur da Távola - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE - Concedo o aparte ao Senador Artur da Távola.

O Sr. Artur da Távola - Senador Roberto Freire, não vou levar o martírio do tempo contra o brilhante discurso de V. Exª. Desejo apenas fazer o registro da qualidade da contribuição. Oxalá que o discurso de V. Exª merecesse a meditação das chamadas esquerdas clássicas, porque é um discurso de grande contemporaneidade, é um discurso que não se afasta um milímetro da visão de mundo de V. Exª, da luta e da coerência dessa luta ao longo de tantos anos. O Senado está honrado com o discurso de V. Exª. Acredito que são contribuições como esta que farão, ao longo do tempo, gradativamente, o Senado Federal se transformar no principal centro de debate da vida nacional. Particularmente, depois, expressarei a V. Exª o teor do meu inteiro entusiasmo, para não interrompê-lo e não ultrapassar o tempo. Agradeço a V. Exª a gentileza.

A Srª Benedita da Silva - V. Exª me concede um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE - Com prazer, Senadora Benedita da Silva.

A Srª Benedita da Silva - Senador Roberto Freire, o seu brilhante discurso faz-me aparteá-lo, e o faço com muita pena, porque estou acompanhando atentamente e sei da importância do seu conteúdo não apenas para a reflexão da esquerda brasileira, mas como uma contribuição ao debate político a respeito das mudanças necessárias no País, para todos nós. Eu não poderia deixar de fazer o registro - posso não concordar, porque a unanimidade ignora a pluralidade, portanto, não ajuda - e, neste momento, vejo no discurso uma contribuição necessária para o debate nacional, com a preocupação que sempre teve ao tempo do MDB, do PCB e, agora, como PPS. Tenho acompanhado sua trajetória e sou testemunha da contribuição político-partidária da sua concepção ideológica ao movimento popular e democrático do País. Como conhecedora da organização do movimento de favelas no Brasil, reconheço a contribuição que pôde ser dada pelo PCB, à época, nos debates políticos, nas organizações existentes nessas comunidades. Portanto, nobre Senador, parabenizo-o pela contribuição partidária que V. Exª tem dado ao longo da sua vida política e sinto-me honrada por ter sido uma de suas companheiras na Câmara dos Deputados. Temos um debate profundo a fazer, ponto a ponto, com relação ao conteúdo do discurso de V. Exª. Considero oportuno também registrar a caminhada do seu Partido junto à Frente Brasil Popular e a contribuição decorrente, contribuição essa que continuará sendo dada, uma vez que tal frente longe está de ser apenas um momento eleitoral, mas uma oportunidade oferecida de unificar essas nossas concepções e fazer delas, evidentemente, um programa que pode agregar outras concepções e fazer desta Nação um país diferente. Agradeço a V. Exª a chance que me dá de fazer este aparte.

O SR. ROBERTO FREIRE - Nobre Senadora, eu é que agradeço.

V. Exª captou um dos objetivos deste discurso, que é abrir o debate no seio da esquerda. Realmente, fico constrangido em alguns momentos ao ver a esquerda se furtar ao debate, uma esquerda que não tem qualquer responsabilidade com essa sociedade perversa que existe. Até porque, historicamente, estamos tentando mudá-la, transformá-la, e alguns até tentam revolucioná-la. Durante toda a nossa história isso foi pretendido.

No momento em que se oferece a oportunidade de discutir a mudança, mesmo que não tenhamos concordância com as propostas, da discussão não podemos fugir, sob pena de ficarmos numa posição conservadora e, em alguns momentos, até reacionária. Este é um dos objetivos: despertar, para que nós, mesmo discordando, ofereçamos à sociedade a nossa alternativa. Não podemos é nos transformar em movimentos do contra ou dos "arrastões" contra a reforma. Isso evidentemente é um equívoco.

Esse é um dos objetivos. O outro é discutirmos no mérito as reformas que todos nós pretendemos.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE - Com muito prazer, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Peço inicialmente ao prezado Presidente José Sarney, cumpridor do Regimento, que entenda que estamos vivendo um momento histórico neste momento. Lá se vão quase 50 anos desde que o Sr. Prestes falou daquela tribuna. Cinqüenta anos depois, fala aquele que vem, seguidor das suas idéias, num outro momento e numa outra época. Então, estamos aqui, com muita honra e com muita alegria, vivendo um momento histórico do Parlamento brasileiro no Senado da República. Sou um admirador permanente de V. Exª, e V. Exª sabe disso.

O SR. ROBERTO FREIRE - Muito obrigado. É recíproco.

O Sr. Pedro Simon - Sou uma das pessoas que vem acompanhando, ao longo do tempo, ao longo da história, a vida de V. Exª. Convivi com V. Exª no MDB, quando V. Exª, defendendo as suas idéias, foi um dos grandes líderes da abertura democrática. Junto com V. Exª e Teotônio Vilela, percorremos os caminhos do Brasil. E lembro-me, como se fosse hoje, de quando estivemos junto lá em Fortaleza, Teotônio Vilela, V. Exª e eu assistindo à saída do último preso político no Brasil. Exatamente naquele momento de emoção profunda, quando Teotônio foi às lágrimas, estávamos ali, depois de termos percorrido os cárceres do Brasil na luta pela anistia. Lembro-me de quando, junto com V. Exª e com Teotônio, fomos ao ABC, de quando o Lula foi preso, de como nos misturamos naquela praça metade soldados e policiais, metade trabalhadores. E o Teotônio dizia: agora, a única alternativa que temos é deixar este País, se não vai acontecer uma carnificina aqui. E o Coronel, com muita grandeza, concordou em retirar os militares da praça e, conseqüentemente, os trabalhadores também saíram. V. Exª tem uma missão, um trabalho muito grande prestado. Relembro, e louvo V. Exª, quando foram abertos os partidos políticos e V. Exª foi para seu partido mantendo conosco, que ficamos no MDB, o mesmo carinho, o mesmo respeito, a mesma amizade, e continuando na mesma caminhada. Recordo-me de V. Exª na campanha para Presidente da República. E afirmo que V. Exª, se estivesse em segundo lugar nas intenções de voto, teria sido eleito Presidente da República em lugar do Collor. O que conheci de pessoas para os quais V. Exª era o segundo candidato! Não votavam porque V. Exª era do Partido Comunista, mas se identificavam com seu pensamento, se apaixonavam pela sua maneira de expor, pela sua serenidade, pela competência com que V. Exª fez a exposição. Realmente foi um dos grandes momentos da campanha. V. Exª talvez tenha sido dos que melhor dignificaram aquele debate da campanha, uma campanha em que V. Exª não tinha nenhuma chance de eleger-se Presidente da República. Lembro, e admiro, V. Exª naquela caminhada da luta pelo impeachment, da luta da CPI. Quando nos organizamos, o Senador Suplicy e eu, lá na Câmara e aqui no Senado não queriam, não admitiam a hipótese do impeachment. V. Exª foi daqueles que entenderam e mostrou-nos a diferença que havia entre 1954, 1964, quando se criou no Congresso uma comissão que deu força para que o golpe se consumasse, e o que estávamos fazendo aqui. V. Exª esteve presente. Lembro-me da escolha de V. Exª, quando assumiu o Presidente Itamar, em que nós fomos buscar um Líder na Câmara dos Deputados. O Presidente Itamar Franco achou que o nome de V. Exª representava bem. Mas um comunista Líder do Governo? Sim, era um Governo de coalizão, um Governo de entendimento, um Governo que representava o Brasil que tinha se dado às mãos, através de praticamente todas as forças que queriam liberdade, que queriam seriedade, que queriam austeridade. E V. Exª, com muita dignidade, com muita honradez, com muita seriedade, liderou o Governo na Câmara dos Deputados. Lembro de V. Exª nessa mesma posição que está tomando agora, para a qual precisa ter coragem - diz bem a Senadora Benedita. Vamos debater. Lembro-me de V. Exª em nossos debates, nas nossas reuniões de Ministério com o Presidente Itamar, V. Exª sempre me chocava. E eu pensava: por amor de Deus, será que estou começando a ficar à esquerda do Roberto Freire? Alguma coisa deve estar errada comigo. Mas a firmeza, a convicção de V. Exª em debater esta matéria é da maior importância. V. Exª está trazendo aqui um debate que parece altamente positivo, bastante real, porque V. Exª está sendo absolutamente sincero. O mundo mudou? O mundo mudou. A concepção que V. Exª apresenta não é mais aquela que o Sr. Prestes apresentava nesta Casa. Não é mais, porque o mundo é diferente. Mas também não é a liberal, ultraliberal, como querem alguns. Hoje, V. Exª está oferecendo a proposta de buscarmos o caminho. Acho que V. Exª está sendo absolutamente correto - vamos ser sinceros - quando diz que o Presidente Fernando Henrique Cardoso está, na maior democracia, com o maior respeito, mandando as suas propostas a esta Casa. Os seus Ministros estão falando com todos e querem falar com todos: com a CUT, CGT, PMDB, PDT, PT, para debater com o conjunto da sociedade. Não se trata de um ato de força, não se trata de medida provisória, não se trata de fechar o Congresso com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Não há nenhum tipo de pressão. Precisamos de 3/5 de aprovação para mudar. Mas temos que ter a sinceridade de querer mudar. Diz bem V. Exª: isso não significa que há a obrigatoriedade de aprovar-se o Projeto do Governo. Ele poderá ser alterado, poderá ser modificado. Significa sentarmos à mesa para discutir. Ainda ontem falava eu, pelo telefone, com o Presidente da República, dizendo o que eu imagino. Penso que nessa hora devia haver um gesto de grandeza, no sentido de o Presidente chamar as esquerdas. Devíamos chamar Lula, Brizola, Arraes, os vários representantes que integram as esquerdas, para sentarmos à mesa e debatermos, à busca de um pensamento comum. Não é feliz e não é correto dizermos que vamos votar contra e que não vamos deixar votar. Podemos debater, podemos divergir. A Câmara dos Deputados, no meu entender, equivocou-se quando impediu que o General Geisel viesse debater na Câmara dos Deputados uma emenda sobre a PETROBRÁS. O General Geisel foi Presidente da República. S. Exª pode ter posições das quais divergimos, mas é um homem que para um debate sério deve ser chamado. Por isso acho que V. Exª está trazendo um pronunciamento da maior importância, do maior respeito, e que, em cima do seu pronunciamento - do qual peço, de imediato, uma cópia, para poder analisar -, poderemos estabelecer uma grande discussão e talvez aqui, no Senado, iniciar o grande debate sobre o momento que vive o Brasil e a humanidade em torno da busca dos seus reais destinos. Meus cumprimentos, com o meu carinho e com a minha amizade muito fraterna, com o respeito que sempre tive e continuo tendo pela presença, pela ação e pela competência e seriedade de V. Exª.

O SR. ROBERTO FREIRE - Senador Pedro Simon, eu é que agradeço as palavras de V. Exª. Não sei se é o momento, mas quero dizer-lhe que retribuo tudo, em dobro, o que sua figura e a sua liderança também representaram nesta minha caminhada. Talvez, com mais tempo de vida pública, a atuação de V. Exª serviu, em vários momentos, como um incentivo.

Não se preocupe em pensar que V. Exª está à minha esquerda. Não fico imaginando que alguém possa estar mais à esquerda ou mais à direita. Entendo que Esquerda significa mudança; o outro lado é conservadorismo, manutenção do status quo. Podemos até não fazer mudanças corretas, não ter concepções mais adequadas, mas ficarmos parados, evidentemente não é consentâneo com quem se diz de Esquerda.

Costumo sempre pedir ao meu amigo José Genoíno que não se preocupe quando lhe dizem que é de Direita. S. Exª é a Esquerda do PT, é o contemporâneo do futuro, tal como queremos ser.

Vou concluir mencionando rapidamente o Governo Fernando Henrique Cardoso. Posição equivocada, profundamente equivocada; e eu diria mais: a sua atuação não tem correspondência com a sua postura na campanha presidencial.

Naquela campanha, o Senhor Fernando Henrique dava a dimensão do entendimento, do diálogo, mesmo em momentos difíceis. Em momentos de confronto, que o eleitoral sempre traz, Sua Excelência demonstrava essa capacidade de entendimento, particularmente com o seu principal contendor, o nosso candidato Luís Inácio Lula da Silva. Quando ingressou no Governo, mudou de posição; partiu para o confronto, tratou a Oposição sem nenhuma possibilidade de diálogo e perdeu, inclusive, momentos importantes. Talvez, em uma única investida a uma questão socioeconômica, de atendimento dos interesses da maioria, anuncia a desapropriação de 1 milhão de hectares, algo importante para este País e para nós, que lutamos há muito tempo pela reforma agrária. Perde-se na luta contra a falsa Esquerda e os especuladores.

A tranqüilidade que o Presidente da República deve ter nesse momento é a de saber que será parceiro do Congresso. Sua Excelência não imporá ao Congresso as suas reformas, terá de negociá-las e, com essa postura, não tem de estar buscando o confronto, mas sim o diálogo.

Precisamos estar abertos para esse diálogo; é o que propõe o PPS. Não se trata de concordância, até porque o Governador Miguel Arraes já o demonstrou claramente, sabemos da posição de S. Exª. Tenho posição divergente em relação à questão dos monopólios, da flexibilização e de várias outras. Mas devemos respeitá-lo não apenas pelas suas idéias, mas pelo seu procedimento de admitir o debate, e não posicionar-se contra sem participar do diálogo.

É nesse sentido o nosso projeto, com propostas no campo tributário e imaginando que este País não pode cair na falácia de que temos uma alta carga tributária. Temos sim uma péssima distribuição de renda. Já apresentamos projetos nesse sentido à época do Governo Itamar Franco.

Precisamos rediscutir a criação do Imposto sobre Transações Financeiras, algo que foi justo porque incidiu fundamentalmente sobre todas as transações que não têm incidência da Receita Federal; transações das contas-fantasmas, dos ilícitos, transações da economia informal, transações dos ricos que, neste País, não pagam impostos.

Queremos discutir a Previdência, como eu disse, na proposta da coexistência de dois sistemas, respeitando o contrato social, sem imaginar que este País pode fazer, vivendo em regime democrático, uma ruptura de algo que significa a vida de todos, de uma hora para a outra, com tecnicismo, mas entendendo sim que se deve fazer, até porque, do ponto de vista demográfico, a sociedade brasileira exige um outro sistema. Só que não agora, não por problemas de caixa, mas por problemas estratégicos, de uma Previdência que seja bem melhor do que a que temos.

São propostas que estamos fazendo no campo da reforma política e da reforma do Judiciário.

Lamento eu não ter tido tempo de sustentar uma discussão não do Judiciário, que hoje assume uma postura evidentemente agressiva em relação a um discurso do plenário desta Casa, equivocado, que deveria ser repelido pelo Senado. O juiz tem de admitir que daqui se pode fazer críticas, e o Judiciário brasileiro merece crítica.

Fizemos uma crítica diferente, não a ligeira, mas a que se aprofundava numa reforma do Judiciário, cuja tentativa se deu na Assembléia Nacional Constituinte, não apenas do controle externo, mas da democratização interna, da discussão de uma Justiça que seja mais ágil, que atenda a todos os cidadãos, e não a Justiça também dos privilegiados.

Claro que essa discussão tem que se aprofundar, não com intimações ou com intimidações, mas com a certeza de que este Estado brasileiro precisa ser reformado.

Essa era a minha proposta.

Lamentavelmente, o tempo não foi o suficiente. Mas há algo que deve ficar claro: o Partido Popular Socialista quer ser contemporâneo do futuro. Entendendo dessa forma, o Partido quer participar da discussão de como poderemos construir esse futuro, que não pertence só a nós, mas nós, nesta Casa, podemos contribuir para a sua construção.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 01/04/1995 - Página 4446