Discurso no Senado Federal

CORTE EFETUADO PELO MINISTRO DO PLANEJAMENTO, JOSE SERRA, A EMENDAS DE PARLAMENTARES AO ORÇAMENTO DA UNIÃO DE 1995.

Autor
João França (PP - Partido Progressista/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • CORTE EFETUADO PELO MINISTRO DO PLANEJAMENTO, JOSE SERRA, A EMENDAS DE PARLAMENTARES AO ORÇAMENTO DA UNIÃO DE 1995.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/04/1995 - Página 4774
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, JOSE SERRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), VETO (VET), EMENDA, APRESENTAÇÃO, CONGRESSISTA, APROVAÇÃO, LEGISLATIVO, RELAÇÃO, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, EXERCICIO FINANCEIRO, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL.
  • DEFESA, PRERROGATIVA, CONGRESSISTA, APRESENTAÇÃO, EMENDA, ORÇAMENTO, ATENDIMENTO, PRIORIDADE, PROGRAMA DE GOVERNO, ESTADOS, FEDERAÇÃO, INTERESSE PUBLICO.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), VETO (VET), TOTAL, EMENDA, PRIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, CAPITAL DE ESTADO, REALIZAÇÃO, OBRA PUBLICA, INFRAESTRUTURA, SANEAMENTO BASICO, DEMONSTRAÇÃO, ARBITRARIEDADE, DECISÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), EXCLUSIVIDADE, BENEFICIO, MUNICIPIOS, PACARAIMA (RR), BONFIM (RR).
  • EXIGENCIA, JUSTIFICAÇÃO, GOVERNO, CRITERIOS, DEFINIÇÃO, VETO (VET), EMENDA, ORÇAMENTO.

O SR. JOÃO FRANÇA (PP-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em fins de janeiro deste ano, os representantes do povo nas duas Casas do Congresso Nacional viram, com surpresa e indignação, noventa e cinco por cento das cinco mil e seiscentas emendas ao Orçamento da União para 1995 apresentadas e aprovadas pelo Poder Legislativo serem cortadas pelo Ministro do Planejamento, José Serra.

Desde então, não pararam de se fazer ouvir nas tribunas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados manifestações de protesto contra esse ato arbitrário e autoritário que se constituiu num profundo desrespeito ao Congresso Nacional.

Essa atitude causa espanto ainda maior por ter sido adotada por um Ministro que, antes de ocupar as atuais funções, exerceu mandato parlamentar, estando, portanto, familiarizado com a prática que permite aos membros do Poder Legislativo atuar no processo orçamentário em favor dos Estados que aqui representam.

Srªs e Srs. Senadores, todos sabemos muito bem que, em qualquer democracia representativa, o trabalho de discussão e aprovação do Orçamento de um país é tarefa da maior responsabilidade atribuída aos representantes do povo.

Redigir emendas ao Orçamento da União é um direito legítimo, é uma prerrogativa e até uma obrigação dos parlamentares, justamente em nome dos interesses dos eleitores que os levaram pelo voto à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal.

O Orçamento da União oferece aos deputados e senadores uma das únicas oportunidades de intervenção no planejamento e na execução de obras públicas. Apesar de seu caráter eminentemente autorizativo, as emendas dos congressistas refletem as necessidades prementes das populações, nos diversos estados, regiões e municípios de nosso vasto País.

Não se pode condenar o parlamentar por pretender agir como um canal das mais legítimas reivindicações das nossas populações, sobretudo das mais carentes que convivem diuturnamente com a dura realidade social e econômica do Brasil, realidade essa que as impede de ter acesso à educação, à saúde, à alimentação, ao saneamento básico, a condições dignas de vida a que todo cidadão deste País deveria ter direito. 

De forma inesperada e drástica, achou-se o Ministro no direito de praticamente refazer o Orçamento, cortando, sem maiores explicações, a quase totalidade das emendas que foram elaboradas, discutidas, negociadas pelos parlamentares, como se as mesmas tivessem sido fruto apenas de interesses secundários e sem nenhuma importância.

Todos sabemos que a realidade é bem diferente. As emendas por nós apresentadas foram objeto de longa análise e de criteriosa seleção no âmbito das duas Casas do Congresso Nacional. Cônscios das responsabilidades do Poder Legislativo para com os destinos do País, os membros da Comissão Mista de Orçamento ouviram, em novembro passado, os governadores eleitos, acolhendo, de comum acordo com as bancadas estaduais, as emendas que melhor atendiam às prioridades estabelecidas nos programas de governo pelos novos dirigentes dos Estados da Federação.

Por essa razão, parece-nos ainda mais surpreendentes os vetos ao Orçamento feitos pelo Ministro José Serra. Os cortes efetuados praticamente alijaram a participação do Congresso Nacional do processo de elaboração, apreciação e aprovação do Orçamento Geral da União. As emendas apresentadas por parlamentares e aprovadas pelo Relator do Projeto restringiam-se a cinco bilhões e cento e vinte e dois milhões de reais. Essa cifra, já pouco expressiva desde o início se considerarmos os números totais do orçamento, reduziu-se para míseros quinhentos e oitenta e cinco milhões de reais, após os cortes realizados pelo Ministro do Planejamento, com base em critérios pouco compreensíveis, até o momento. 

A título de exemplo, permitam-me citar aqui o que ocorreu em meu Estado. Das cento e seis emendas propostas pelos representantes de Roraima no Congresso Nacional, apenas cinco não foram vetadas: a referente à infra-estrutura urbana na Vila Pacaraima, em Boa Vista; a referente à construção de entrepostos alfandegários nos Municípios de Pacaraima e Bonfim; a referente à construção de espaços para micro-empresas nos citados municípios; a referente à construção e ampliação do sistema de abastecimento de água no Estado e, finalmente, a emenda referente a saneamento básico em pequenas localidades do Estado.

Todas as emendas referentes a infra-estrutura de saneamento básico na capital - e foram várias - receberam o veto do Ministro José Serra. A única emenda referente a saneamento que não foi vetada beneficia apenas pequenas localidades do Estado. Trata-se de uma decisão no mínimo arbitrária e reveladora de um grande desconhecimento da realidade do Estado, pois é evidente que os problemas de uma capital como Boa Vista são muito mais graves e atingem a um número muito maior de pessoas, devendo portanto ser considerados prioritários.

A priorização da destinação de verbas para a capital tem sua razão de ser, Senhoras e Senhores Senadores. Boa Vista sofreu não só todas as conseqüências da política de incentivos à entrada de migrantes implantada na Amazônia, desde a década de setenta, mas também as decorrentes do fenômeno do garimpo em Roraima, entre 1985 e 1990. Em um Estado cuja densidade demográfica é de apenas 0,96 pessoas por quilômetro quadrado, o Município de Boa Vista, com uma área de pouco mais de quarenta e quatro mil quilômetros, é o que apresenta maior densidade populacional, chegando a 3,22 habitantes por quilômetro quadrado.

Dos cerca de duzentos e vinte e oito mil habitantes do Estado, mais de cinqüenta e cinco por cento moram em Boa Vista. Além da natural migração da população do campo para a cidade, atraída pelas melhores condições de vida existentes nos grandes centros, Boa Vista também recebeu um grande contingente de garimpeiros, no final da década de oitenta. Boa parte dessa população acabou por radicar-se nos bairros periféricos da capital, tornando-a uma cidade com grande concentração urbana, sem condições adequadas para abrigar a população excedente que recebeu.

As conseqüências mais graves dessa concentração na Capital de cerca de cinqüenta e cinco por cento da população que vive no Estado se fazem sentir principalmente sobre o meio ambiente. No Estado de Roraima, os problemas ambientais mais sérios concentram-se na área urbana de Boa Vista, quer pela sua amplitude, quer pelo grande número de pessoas que se alojam na periferia da cidade. O lançamento de esgotos in natura nos igarapés e rios é a ameaça maior. Além dos riscos à saúde pública, a falta de saneamento básico já comprometeu áreas de praia e vem fazendo com que futuros mananciais de abastecimento público de água fiquem cada vez mais distantes do consumidor.

Por todas essas razões, um terço das emendas ao orçamento apresentadas por representantes do Estado de Roraima destinavam recursos à capital, contemplando obras de infra-estrutura de saneamento básico, de ampliação do sistema de esgotamento sanitário, do sistema de abastecimento de água, de drenagem de igarapés e canais, de construção de hospitais, de infra-estrutura urbana, entre outras. Praticamente todas foram vetadas, exceto a referente à infra-estrutura urbana na Vila Pacaraima.

Segundo o Ministro, o Governo quer privilegiar as rodovias, ferrovias, pontes, portos e aeroportos, grandes obras necessárias ao desenvolvimento regional, evitando a destinação de dinheiro para projetos "em nível municipal".

Lamento profundamente que o Ministério do Planejamento tenha efetuado cortes que vão prejudicar obras de drenagem, infra-estrutura urbana e saneamento básico na capital de meu Estado. Essas obras não são novas, Senhoras e Senhores Senadores. A maioria delas, localizadas em áreas endêmicas da periferia da capital, já se encontra em andamento. Existem diversos projetos de expansão de rede, de construção de adutoras, de reservatórios, de estações de tratamento e tantas outras de vital importância para a população do Estado que tenho a honra de representar nesta Casa.

Sei muito bem que a maioria das Senhoras e Senhores parlamentares aqui presentes têm os mesmos motivos que eu para manifestar seu descontentamento e poderia enumerar tantos cortes em seus Estados quantos os que acabei de mencionar com relação a Roraima. Sei também que está em nossas mãos exigir a justificação dos critérios utilizados para definir os cortes efetuados no Orçamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Congresso Nacional não pode abdicar de suas funções e de sua responsabilidade, não pode abrir mão de suas prerrogativas de deliberar sobre o Orçamento Geral da União e controlar sua execução. Está em nossas mãos exigir que o Governo respeite as decisões do Poder Legislativo e recomponha, em negociações com os governos e as representações parlamentares dos Estados, verbas que foram sacrificadas em função dos cortes no Orçamento determinadas unilateralmente pelo Ministro do Planejamento, para que obras consideradas prioritárias pelos diferentes Estados da Federação não fiquem paralisadas.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/04/1995 - Página 4774