Discurso no Senado Federal

A REFORMA DO ESTADO. MISTIFICAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • A REFORMA DO ESTADO. MISTIFICAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/04/1995 - Página 5138
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, GOVERNANTE, BRASIL, URGENCIA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, ESTADO, ADVERTENCIA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO, ATENDIMENTO, INTERESSE, ESPECULAÇÃO, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.
  • CRITICA, GOVERNO, APRESENTAÇÃO, PLANO, PRIVATIZAÇÃO, OCORRENCIA, ERRO, ENUMERAÇÃO, DOCUMENTO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • CRITICA, POSSIBILIDADE, PRIVATIZAÇÃO, REDE FERROVIARIA FEDERAL S/A (RFFSA), NECESSIDADE, APOIO, GOVERNO, MANUTENÇÃO, RELEVANCIA, SERVIÇO, TRANSPORTE FERROVIARIO.

A SRª JÚNIA MARISE (PDT-MG. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é consenso entre a elite dirigente do País que a reforma do Estado é uma necessidade imperiosa, urgente e necessária. O que se espera da elite dirigente e dos governantes é que não tratem do Estado como sua propriedade, do qual podem dispor segundo seus interesses particularistas, como tem sido a prática costumeira na vida nacional. Nesse sentido, a advertência de Celso Furtado é contundente:

      "Aqueles que lutam pela manutenção das atuais estruturas de privilégio já não poderão mistificar o povo, confundindo sua causa com a da democracia."

O que, em síntese, queremos levantar é a questão da legitimidade dos governantes para implementar práticas claramente lesivas aos interesses da maioria e da soberania nacional. As privatizações são o exemplo mais eloqüente desse conflito de consensos. Quem, afinal, deu a meia dúzia de burocratas poder para dispor do patrimônio público como se fosse sua propriedade particular?

O Programa Nacional de Desestatização - PND - é uma dessas muitas mistificações de que fala Celso Furtado, onde o povo não é consultado e, ao contrário, é submetido ao verdadeiro impulso da onda neoliberal. E o que é mais grave: o recrudescimento da onda privativista, está claro, não tem outro objetivo, senão o de atender ao capital especulativo, que tornou-se uma verdadeira ameaça à soberania de todas as nações.

Se a justificativa era o enxugamento da máquina estatal, a experiência recente do Brasil provou que as privatizações não são eficazes. As quase 30 empresas leiloadas em troca de moedas podres foram aquelas que menos ônus representavam para o Erário Público. Eram todas estatais que, salvo alguns casos, apresentavam lucros e tinham uma administração racional.

Se o pretexto dessa verdadeira liqüidação de ativos governamentais era buscar recursos para investir em áreas sociais, o fracasso foi retumbante. Pelo menos até agora o Governo não revelou o montante nem a destinação do que foi apurado nessas vendas. O levantamento feito sobre a venda das primeiras 20 empresas revelou que o apurado foi de apenas US$4,9 bilhões; dinheiro vivo mesmo só entraram US$66,4 milhões. É preciso ter em conta que nesse lote que foi a leilão estavam empresas do porte da CSN, da USIMINAS; enfim, todo o setor siderúrgico nacional, grande parte da área da petroquímica e praticamente todo o setor de fertilizantes.

Mesmo não levando em conta o caráter estratégico de determinados setores, o resultado das privatizações foi a simples transferência do controle estatal para monopólios ou oligopólios privados.

Os modelos mexicano e argentino estão aí para flagrar essas e outras mistificações dos privativistas. Não sem o alerta das Nações Unidas que, através do seu Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD -, enumerou os sete pecados da privatização:

1- Não se limitar a elevar ao máximo receitas; criar um clima competitivo;

2- Não substituir os monopólios públicos por monopólios privados;

3- Não vender com procedimentos discricionários e não-transparentes que provocam denúncias de corrupção;

4- Não utilizar a receita das vendas para financiar déficits orçamentários: amortizar a dívida nacional;

5- Não "atulhar" os mercados financeiros com empréstimos públicos em momentos de desinvestimento público;

6- Não fazer promessas falsas aos trabalhadores: retreiná-los para novas indústrias;

7- Não recorrer a ordens autoritárias: criar um consenso político.

Pois bem, sem qualquer correção nos procedimentos equivocados que até agora orientaram o Plano Nacional de Desestatização, o Governo apresenta um novo pacote de privatizações, cometendo um a um aqueles "pecados" enumerados pela ONU.

O anúncio de novas privatizações já não contemplam sequer o equilíbrio orçamentário ou o investimento para o social. Sem qualquer pudor, colocam na tômbola o patrimônio público para atrair os especuladores internacionais.

Entre as 17 empresas públicas que o Governo quer vender ainda este ano, examinemos o caso da Rede Ferroviária Federal.

A Rede Ferroviária Federal está longe de ser um exemplo de empresa pública; também não se pode compará-la com qualquer modelo de empresa privada. É preciso, no entanto, considerar que estamos falando de uma empresa com características próprias, de caráter estratégico, totalmente vinculada aos desafios do desenvolvimento nacional.

A RFFSA, criada em 1957, hoje responde por 73% da malha ferroviária brasileira, formada de pouco mais de 30 mil quilômetros; é responsável por 12% de todo o transporte nacional. É, de fato, inquestionável que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas hoje pela empresa, ela tem prestado e continua prestando relevantes serviços à Nação.

Desde meados da década passada, vários grupos interministeriais têm-se debruçado sobre os problemas da RFFSA, indicando soluções. São graves seus problemas, mas não são insolúveis. Sua dívida de R$466 milhões junto ao INSS, por exemplo, é apenas uma questão de negociação com a União, que deve à empresa R$514 milhões, referentes ao aporte orçamentário que deveria ser feito por conta de custos operacionais de ramais antieconômicos.

Foi por força de decreto federal que a RFFSA foi obrigada a assumir as obrigações da ENGEFER, empresa responsável pela construção da desastrada Ferrovia do Aço, interrompida por decisão governamental. Essa herança representa hoje um passivo de R$142 milhões, apesar da amortização de R$66 milhões. Sobre essa pendência, já existe parecer favorável de grupo interministerial para que o Tesouro absorva essa dívida, pela qual a Rede não foi responsável.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se se concretizar o projeto de desestatização já aberto pelo BNDES será natural que se faça o saneamento financeiro da empresa antes de leiloá-la. Essa tem sido a praxe de todas as privatizações. Ora, então por que não sanear as finanças da Rede, que hoje representa um dos vértices mais importantes para a redução do chamado "custo Brasil", sobretudo nesse momento em que a economia nacional depende fundamentalmente da redução de custos para garantir competitividade aos nossos produtos interna e externamente?

De outra parte, a Rede carece de uma atualização do seu modelo organizacional e gerencial. O primeiro passo seria desmontar sua estrutura arcaica e centralizadora, dando maior autonomia e racionalidade a suas unidades administrativas.

Estudos respeitados feitos no Brasil e em países com larga tradição no setor de transporte ferroviário indicam que essa modalidade é pelo menos cinco vezes mais barata do que o transporte rodoviário. E dos vários estudos recentes sobre a Rede, reproduzimos aqui algumas propostas feitas pelo Conselho de Entidades Ferroviárias da Superintendência de Juiz de Fora, a começar por providências do setor governamental para corrigir distorções e reintroduzir como um dos pilares do desenvolvimento nacional:

- Revisão do Sistema Nacional de Viação de forma a determinar novos princípios e diretrizes, definindo investimentos necessários para o incremento de operações multimodais e ocupação do território brasileiro;

- Inclusão no processo de reforma tributária de novas fontes de captação via Orçamento Geral da União, e até mesmo a criação de impostos transitórios para atender às necessidades de investimentos emergenciais;

- Promoção do cancelamento imediato dos processos de concessão ou permissão em andamento no BNDES, considerando estar a iniciativa privada incapacitada para o atendimento dos vultosos investimentos necessários ao setor de transportes. Nesse caso, é preciso advertir para os riscos da formação de monopólios privados;

-Promoção da interiorização das linhas férreas de modo a contribuir para a ocupação do território nacional, integrando o interior aos grandes centros urbanos e aos portos nacionais;

- Inclusão de representantes dos empregados, clientes e usuários nos Conselhos de Administração das empresas de forma a propiciar maior transparência dos atos de suas administrações;

- Aplicação de dispositivos legais para responsabilizar administrativa e criminalmente os que praticaram atos ilícitos como corrupção, nepotismo e outras formas de apadrinhamento por parte de dirigentes das estatais do setor de transportes;

- Criação da Câmara Estrutural de Transportes como foro ampliado para discussões dos problemas metroferroviários com a participação de Governo, indústria ferroviária, técnicos, clientes, usuários e outros representantes da sociedade civil.

O debate, pois, está aberto. Que o Governo se envolva para salvar esse grande patrimônio que é de todo o povo brasileiro. O que não podemos aceitar são decisões simplistas baseadas na falsa premissa de que a privatização é a grande panacéia.

O processo de privatização da Rede aponta hoje não para a democracia do capital, mas para atender a interesses desconhecidos. Com um ativo avaliado pelo próprio Governo em R$16,2 bilhões, por quanto seria vendida a Rede Ferroviária Federal? Por cinco, por um ou por míseras moedas podres, sobrevalorizadas, com a cumplicidade dos gestores da privatização?

Esse é o alerta que fazemos, sintetizando o pensamento de toda uma sociedade perplexa diante da possibilidade de ver mais um patrimônio público, gerador de divisas, e que tem 40 anos de existência e de tradição. Os brasileiros aprenderam a gostar de suas ferrovias, acanhadas, precárias, mas suficientes para o transporte de uma população que se acostumou com os apitos e as sirenes dos trens ferroviários.

O SR. PRESIDENTE (Lúdio Coelho) - O tempo de V. Exª está esgotado.

A SRª JÚNIA MARISE - Concluindo, para atender à campanhia da Presidência, quero dizer que fazemos aqui uma análise da situação da Rede Ferroviária Federal, conclamando o Governo a não privatizá-la, mas dar-lhe condições de sobrevivência, a fim de que essa empresa possa continuar desempenhando seu papel, tão importante, no transporte ferroviário do País.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/04/1995 - Página 5138