Discurso no Senado Federal

CRISE NO COMPLEXO COREIRO-CALÇADISTA DO PAIS.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • CRISE NO COMPLEXO COREIRO-CALÇADISTA DO PAIS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/05/1995 - Página 7614
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • LEITURA, DOCUMENTO, ANALISE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, SETOR, PRODUÇÃO, CALÇADO, COURO, PAIS, AUTORIA, GILBERTO MOSSMANN, DIRETOR, ASSOCIAÇÃO COMERCIAL, INDUSTRIA, SERVIÇO, MUNICIPIO, NOVO HAMBURGO (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), RESULTADO, SOLICITAÇÃO, ORADOR, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, OBJETIVO, BUSCA, SOLUÇÃO, CRISE, EXPORTAÇÃO, PRODUTO.
  • COMENTARIO, REDUÇÃO, OFERTA, EMPREGO, SETOR, PRODUÇÃO, CALÇADO, COURO, EFEITO, AUMENTO, NUMERO, FALENCIA, CONCORDATA, EMPRESA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, MUNICIPIO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTANCIA VELHA (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), RESULTADO, INSUFICIENCIA, FABRICA.
  • COMENTARIO, INSUFICIENCIA, ATUAÇÃO, SETOR, PRODUÇÃO, CALÇADO, MERCADO INTERNO, PAIS.
  • COMENTARIO, REDUÇÃO, EXPORTAÇÃO, CALÇADO, EFEITO, AUMENTO, IMPORTAÇÃO, PRODUTO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA.
  • DESVALORIZAÇÃO, MOEDA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, ESPANHA, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, TRIBUTAÇÃO, BRASIL, COBRANÇA, IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • NECESSIDADE, ADOÇÃO, URGENCIA, MEDIDA PREVENTIVA, CONTENÇÃO, IMPORTAÇÃO, CALÇADO, PROCEDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, MOTIVO, AMEAÇA, AUMENTO, DEMISSÃO, SETOR, COURO, BRASIL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, ABERTURA, IMPORTAÇÃO, AMEAÇA, COMPROMETIMENTO, PRODUÇÃO, INDUSTRIA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, INDUSTRIA, CALÇADO, PAIS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna debater um assunto específico que vive o Rio Grande do Sul e um setor muito importante da economia brasileira. O Governador Antônio Britto, prefeitos, parlamentares e empresários da região vêm debatendo, profundamente, o que se chama crise do complexo coureiro-calçadista em nosso País. Várias análises têm sido feitas nesse sentido.

Recebi um estudo, acompanhado de uma carta muito carinhosa daquele que, para alegria minha, foi Secretário de Indústria e Comércio quando eu era Governador do Rio Grande do Sul, o atual Diretor-Superintendente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Novo Hamburgo, Gilberto Mosmann. Passo a lê-la:

      "Distinto Senador:

      Apelo a sua tribuna no Senado Federal.

      Apelo para que a use a fim de mostrar ao Governo e à Nação o que ocorre em termos de crise em um setor empresarial que era, até bem pouco, motivo de orgulho ao Rio Grande do Sul e ao País.

      Apelo para que diga sobre o problema e diga da necessidade de medidas governamentais efetivas que restabeleçam a parceria sempre havida entre Governo e exportadores.

      Apelo porque a situação é realmente crítica, conforme demonstra o detalhado relatório que lhe alcanço.

      Apelo por sua ação firme, lastrada na sua reconhecida liderança.

Subscrevo-me, grato e respeitosamente,

Gilberto Mosmann."

Em seguida, ele apresenta uma análise detalhada da situação do setor, cujos dados são impressionantes. Passo a lê-los:

      "1. O QUE É ESTE COMPLEXO E OS PRIMEIROS NÚMEROS DA CRISE

      Trata-se da cadeia produtivo-comercial do calçado e dos artefatos de couro. No País, é composto de 43.000 empresas e é responsável por um milhão de empregos diretos. Senão, vejamos:

      Empresas

      - Indústrias de couros e peles................ 560

      - Indústrias de componentes....................300

      - Indústrias de máquinas e equipamentos........140

      - Indústrias de calçados e artefatos........ 4.000

      - Serviços afins............................ 3.000

      - Lojas de calçados e artefatos............ 35.000

      Mão-de-Obra:

      - Indústrias de couros e peles............. 60.000

      - Indústrias de componentes................ 25.000

      - Indústrias de máquinas e equipamentos.... 20.000

      - Indústrias de calçados e artefatos...... 350.000

      - Serviços afins........................... 30.000

      - Lojas de calçados e artefatos........... 165.000

      - Indiretos............................... 350.000

      (...)

      O Rio Grande do Sul é responsável por um terço da produção calçadista nacional, mas por 80% a 85% do total das exportações brasileiras de calçados. E esse setor compreende 30% da mão-de-obra industrial do meu Estado. Em janeiro de 1994, só o setor de calçados - no qual é manufaturado o produto de ponta mais representativo desse complexo, havia 153.000 empregados, em termos de empregos diretos. Hoje, esse número está reduzido a 111.500 - com a redução de 42.000 empregos em curto período, com a política que estamos vendo e sentindo no nosso País. Isso sem falar em outros Estados do País.

      Em Franca, São Paulo, já houve mais de 10.000 dispensas no setor.

      No Rio Grande do Sul, já há 69 falências e concordatas. Sem contar cerca de 100 empresas, no País, que cerraram suas portas, encerrando suas atividades.

      Em Estância Velha, RS, cidade que sempre se caracterizou como "Capital Brasileira do Couro", dado o grande parque industrial de curtumes e empresas acabadoras de couro, havia 5.200 desempregados (março/95).

      O que mais marca a crise nos setores calçadista e correlatos (curtumes, acabadores de couros, componentes, máquinas-equipamentos) é a geral diminuição da produção, com uma ociosidade, nas linhas de fabricação, no chão das fábricas, de 30% a 50%, conforme o grau de dificuldade de cada uma.

      É, pois, compreensível que 16 municípios gaúchos tenham decretado "estado de emergência" (26/04/95).

      Num tempo em que o Governo Federal fala em política de geração de empregos, a prioridade deveria ser a parceria com setores em dificuldades, de modo a se manter empregos - e evitar o desemprego.

      2. DETALHAMENTO DA CRISE

      1º FATOR DA CRISE - No setor de calçados, embora tenha havido uma certa melhoria nos negócios, no mercado interno, a partir do segundo semestre de 1994, jamais chegou a haver aquecimento.

      O aquecimento se tem restringido a automotivos, aos eletroeletrônicos e eletrodomésticos, além de alimentos.

      Então, o mercado interno de calçados amarga baixo desempenho há largo tempo.

      2º FATOR DA CRISE - Há um expressivo refluxo de indústrias exportadoras para o mercado interno.

      Com as dificuldades para vender ao exterior, muitas empresas que se dedicavam, há largos anos, integralmente às exportações, intentam a disputa do mercado interno, através de parte de suas linhas de produção.

      Resultado: sem aumentar o tamanho e o consumo do mercado interno, há mais produtores disputando o mesmo mercado.

      3º FATOR DA CRISE - Começam a assustar as importações, particularmente da China.

      Em 1994, chegaram a US$258.000.000 as autorizações para importar calçados. A efetiva importação atingiu US$80.000.000 até dezembro último. O restante, em relação às guias autorizadas, deve ter ingressado no País nos meses já transcorridos de 1995.

      Daí resulta a constatação de que os fabricantes dedicados ao mercado interno passam a sofrer a desleal concorrência de sapatos de baixo preço da China: a previsão das entidades empresariais do setor é de que haja US$550 milhões de importações em 1995. Desleal porque, sabidamente, o preço vil que a China cobra resulta de práticas subsidiadas e sub-remuneração dos mais variados fatores de produção.

      4º FATOR DA CRISE - Em 1992, o Brasil exportou US$l,475 bilhão em calçados. Naquele ano, perdeu-se, no mercado dos EUA, para a China, o fornecimento de um tipo de sapato de baixo preço (os huarachis, de estilo indígena-mexicano), com cotação de até US$4.00 por par.

      A essa perda o setor reagiu, passando a vender sapatos de maior valor agregado, a ponto de, em 1993, se ter atingido US$1,945 bilhão em exportações de calçados. Houve, pois, um up grade - melhor qualificação do produto exportado. O Anexo 1 mostra que o setor tem melhorado em preço médio.

      Em 1994, caíram as exportações calçadistas para US$1,624 bilhão.

      E, em 1995, a expectativa é de apenas US$1,200 bilhão em vendas de sapatos ao exterior. (...)

      Resultado: a balança comercial setorial, neste ano, deverá ser magra, como se demonstra:

      Exportações

      - De calçados..................... US$1,200 bilhão

      - De couro (a)..................... US$400 milhões

      - De máquinas-equipamentos

      e componentes (b).................US$200 milhões

      Importações

      - De calçados...................... US$550 milhões

      - De couros (a).................... US$400 milhões

      - De máquinas-equipamentos

      e componentes (b)................ US$200 milhões

      Saldo, de apenas................... US$550 milhões

      (...)

      5º FATOR DA CRISE - Em que reside a causa dessa queda nas exportações?

      Um fator, exógeno, refere-se à expressiva desvalorização da lira e da peseta, em 1994, com o que a Itália e a Espanha, que estavam pouco competitivas, voltaram a disputar exitosamente o mercado europeu. Já o Brasil, com sua moeda sobrevalorizada, está perdendo quase toda a fatia mercadológica européia que tinha conquistado ao longo de muitos anos.

      6º FATOR DA CRISE - Totalmente interno, refere-se este fator à madrasta conseqüência da política de câmbio, afetando direta e incisivamente a exportação de bens de menor valor agregado.

      Dissequêmo-la:

a) Defasagem acumulada antes do Plano Real: cerca de 8%;

b) Deságio, hoje na ordem de 10%;

c) Defasagem pós-Real: medida pelo IPCr, praticamente 25% de inflação não repassada à taxa cambial.

      Ora, como formar preços internacionalmente competitivos com esses mais de 35% de atraso no câmbio, particularmente para bens de baixo valor agregado? 

      Em produtos, como o calçado, com preço médio de US$10 nas exportações, há limite para a qualificação do produto, para a racionalização de custos e para a melhoria de índices de produtividade, para compensar tamanhas perdas no câmbio.

      7º FATOR DA CRISE - Tributos internos embutidos nos produtos exportados constituem errada prática brasileira, de longa data, contrariando a regra universal da desgravação.

      Pois esse efeito se expressa ainda mais agora, em função da sobrevalorização cambial, porque ele se soma como dificuldade na formação de preços concorrenciais no mercado internacional.

      Tirantes os encargos sociais, só nos dois primeiros elos da cadeia produtiva do sapato vai este fator a mais de 10% sobre o preço de venda. Se examinada toda a cadeia, devem aproximar-se dos 15% esses descabidos tributos internos, onerando as vendas ao exterior.

      8º FATOR DA CRISE - A Argentina, em tempo de Mercosul, se protege e prejudica o Brasil.

      Incluído em sua lista de adequação/exceção, o sapato brasileiro paga 27% de Imposto de Importação naquele país; já o sapato argentino, aqui, tem alíquota zerada.

      Ademais:

a) Nós liberalizamos a venda de nosso couro semi-acabado (wet blue), ao ponto de, em 94, infelizmente, ter-se vendido ao exterior mais wet blue do que couro acabado;

b) A Argentina simplesmente não permite a exportação, para país nenhum, de seu couro em estágio de wet blue, protegendo essa sua matéria-prima.

      9º FATOR DA CRISE - O "efeito China" expressa-se em três estágios:

a) Em 92, levou-nos a perder a fatia do low price shoe;

De certo modo, isso era previsível, porque, a partir de 1970, desbancamos a Espanha nos EUA nesse mesmo tipo de sapato; ora, em 92, outra nação emergente (China) tomou para si essa parcela, fazendo o mesmo conosco.

Afetou ela os nossos exportadores, com práticas injustas; mais, como já vimos, reagimos, em 93, com o grow up de nosso sapato exportado;

b) na atualidade, a China é perigo concreto para os fornecedores brasileiros do nosso mercado interno, principalmente em tênis, conforme já demonstrado.

Se não forem tomadas medidas preventivas de contenção, o Brasil amargará uma importação de meio bilhão de dólares de calçados chineses, em 1995, dando emprego lá, em detrimento de crescentes demissões aqui.

O que, em nome do bom senso, não faz sentido.

c) A China, quase certamente, concorrerá na atual faixa em que o Brasil opera no mercado internacional de calçados, à medida em que aprender a bem produzir sapatos de couro - no que, no geral, ainda não se sai bem o país oriental. Por isso, teremos que praticar um novo up grade produtivo-comercial, indo do atual preço médio de U$10 para o dobro, ou impedir que a China continue praticando injustiça por meio de custos de produção subsidiados e sub-remunerados.

      3. COMPLEMENTOS RELEVANTES SOBRE A CRISE

      Quanto às empresas:

      - Um ponto de transcendental relevância é a "lição de casa" que o setor tem feito, qualificando fornecedores e o produto, enxugando custos e aumentando os índices de produtividade;

      - As "gorduras" que o setor calçadista teria acumulado ao longo dos exitosos anos das exportações crescentes são seguidamente alegadas, até por autoridades, mas nunca comprovadas;

      A verdade é que, salvo algumas poucas grandes empresas capitalizadas, o setor é atomizado em médios e pequenos empreendimentos, como o prova o total do número de empresas, bem ao início discriminado;

      Via de regra, todos sempre reinvestiram seus ganhos nas próprias atividades empresariais.

      - Para o capital de giro, sempre se contou com o aporte bancário. Hoje, como efeito colateral da crise do setor, as empresas estão desoxigenadas quanto ao capital de trabalho, e os bancos se afastam do setor, como se todo ele estivesse doente, o que é um absurdo, já que no mínimo 75% das empresas são sadias e viáveis.

      - As entidades empresariais dos vários setores que compõem o complexo coureiro-calçadista uniram-se, em meados de 94, em torno de uma ação conjunta e permanente - o Programa Calçado do Brasil -, com a finalidade de ajudar as empresas a continuar a fazer, sempre melhor, a "lição de casa" e a pleitear junto às autoridades de forma organizada e com uma só voz.

      Quantos aos pleitos:

      - O Programa Calçado do Brasil já realizou 26 reuniões, com autoridades (Anexo 3) e já formulou 32 pleitos (Anexo 4), estes não atendidos.

      - Quanto à prometida e demorada desgravação do PIS e da COFINS, sempre se ponderou, em Brasília, que, para o caso do calçado, não caberia a compensação via IPI, porque o sapato não é gravado por esse tributo.

      Exatamente como não se esperava, a MP 948 criou a compensação através do IPI!

      Agora, luta-se por uma melhoria redacional para viabilizar, sem dificuldade de interpretação de texto, o ressarcimento em espécie pelo setor calçadista.

      Quanto a outras ações:

      - Foi criada uma articulação com cerca de 50 parlamentares federais, visando apoio aos nossos pleitos básicos;

      - Foi divulgado "Manifesto à Sociedade Brasileira" (Anexo 5) em dez jornais de expressão nacional, mostrando a crise calçadista.

      A propósito, os nossos dados de exportação diferem ligeiramente dos constantes no referido "Manifesto", porque os nossos incluem sapatos e suas partes, e os do "Manifesto" excluem essas partes;

      - Foi constituída Comissão Tripartite para novas ações mais 4 representantes (empresariais) do Programa Calçado do Brasil, quatro representantes dos sindicatos/federações de operários do setor calçadista e 4 homens públicos (prefeitos e parlamentares).

      4. PLEITOS MAIS URGENTES PARA DEBELAR A CRISE

      São três:

a) Crédito acessível e a juro compatível;

b) Estancamento das importações;

c) Desgravação dos tributos internos nas exportações.

      Explicando-os:

a) A primeira providência destina-se a reoxigenar as empresas, tanto as dedicadas ao mercado interno como as voltadas às exportações;

b) O segundo pleito visa proteger os fornecedores brasileiros do mercado interno;

c) A terceira necessidade objetiva compensar o desajuste cambial e a revitalizar a competitividade internacional dos exportadores calçadistas.

      Dissecando-os:

a) Quanto ao crédito: não se rejeita o mecanismo BNDES, via bancos estaduais/regional de desenvolvimento. Todavia, preocupam às PMEs as exigências, as contrapartidas obrigatórias e os destinos ao numerário resultante dos financiamentos.

O que se precisa é de capital de giro puro, acessível às empresas de menor porte, as verdadeiramente necessitadas.

Não é hora de investir, pois há ociosidade marcante nas plantas industriais das empresas carentes de capital de trabalho.

Adequado seriam, na verdade, empréstimos via Banco do Brasil, eis que essa instituição tem capilaridade em todos os rincões do território nacional e, em suas múltiplas agências e postos, os funcionários locais conhecem as empresas e os empresários.

Então, se pleiteia que o Banco do Brasil seja instado a entrar no processo de mais apoio ao complexo coureiro-calçadista, independentemente do mais difícil mecanismo do BNDES.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

Já encerro, Sr. Presidente. Peço a compreensão de V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Pois não, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - É da maior importância o diagnóstico que V. Exª está fazendo sobre a situação da indústria de calçados em todo o Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, mas também mencionando Franca, Minas Gerais e outros lugares onde esta indústria se desenvolveu com grande relevância nos últimos anos. Gostaria de transmitir a V. Exª que também tenho recebido a preocupação daqueles que trabalham em Franca, dos trabalhadores e dos empresários. Juntamente com alguns parlamentares, como o Deputado José Machado, na próxima segunda-feira, estarei na Câmara Municipal de Franca, exatamente para ouvirmos empresários e trabalhadores com o intuito de se verificar meios para resolver a situação tão crítica. Na cidade de Franca, nesses últimos meses, tal como ocorre no Vale dos Sinos e em todo o Rio Grande do Sul, houve cerca de 10 mil trabalhadores despedidos das indústrias de calçados. Mais de uma dezena de empresas de grande, médio e pequeno porte foram fechadas em Franca nos últimos meses. Anteontem, a Ministra da Indústria e Comércio Dorothéa Werneck recebeu alguns Parlamentares do Rio Grande do Sul e de São Paulo, ocasião em que mencionou que, ainda no mês de maio, fará constituir a Câmara Setorial de Calçados para que empresários, trabalhadores e Governo possam apreciar sugestões como as que V. Exª aponta aqui com muita propriedade. Avalio que, dentre essas sugestões, é preciso ressaltar a importância da política cambial para a indústria de calçados. Se a sobrevalorização, de um lado, teve efeitos que o Governo considera positivos em algumas áreas, em outras, especialmente industriais, como a de calçados, obviamente, registraram-se efeitos de desequilíbrios tão sérios quanto os que V. Exª apropriadamente comenta neste momento.

O SR. PEDRO SIMON - Muito obrigado pelo importante aparte. Na realidade, tem razão V. Exª; essa é uma questão nacional, e a situação de Franca, sobre a qual já havia feito menção, é um caso tão sério quanto o do Rio Grande do Sul.

Continuo, Sr. Presidente:

"b) Quanto às importações: não se pode negar boa vontade na cogitação de um processo de dumping do Brasil contra os sapatos chineses; todavia, é processo fadado a não resolver o problema, pois o dano (que precisa ser demonstrado num processo dessa natureza) das importações avassaladoras previstas para 1995 ainda está por vir.

Os prazos e a mecânica são lentos por natureza; trata-se de país fechado, com extrema dificuldade de comprovar dados e situações, com o adicional de que a China não pertence à OMC (ex-GATT).

Portanto, é preciso corrigir a rota, nesse particular, apelando o Brasil para o mecanismo de salvaguardas - criando prontamente uma taxa de importação aleatória, provisória, que suste as importações em vista - sob pena de o resultado, a longo prazo, ser convertido em mera fumaça.

O setor pleiteia:

- tarifa de 70% para os países da OMC;

- tarifa de 1.000% para o caso chinês, com base em idêntico procedimento, adotado pelo México há um mês;

c) Quanto à desgravação: em primeiro lugar, é preciso que a Medida Provisória nº 948, sem dificuldade interpretativa de texto, atenda ao setor, na forma do Anexo 6;

Ao lado disso, é preciso que o Governo crie, já e prontamente, um mecanismo de reintegro, na ordem de 12% a 15%;

Em termos permanentes, o caminho será o da reforma tributária embutida na revisão constitucional;

Descabe esperar por essa desgravação permanente, nada fazendo - o que resultaria em crescente débâcle no setor exportador de calçados.

      5. AÇÕES DESTACADAS COM VISTAS À CRISE.

      São elas as desencadeadas pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Antônio Britto, que, desde janeiro de 1995, engajou-se na luta por soluções em favor do complexo empresarial em crise;

      Com o pleito dos curtumes de Estância Velha (via prefeito e sindicatos locais), no primeiro mês deste ano, S. Exª fez pronto contato com o BNDES, do qual resultam as atuais ações dessa instituição;

      Promoção de reuniões no Palácio Piratini, participação em encontro com o Vice-Presidente da República na FENAC, e coordenação de audiência em Brasília com oito setores exportadores do Rio Grande do Sul - contabilizam-se como procedimentos do ilustre governante gaúcho;

      Em 27 de abril de 1995, S. Exª mobilizou três Ministros - da Fazenda, do Planejamento e da Indústria, Comércio e Turismo -, do que resultam os procedimentos cogitados quanto às importações de calçados;

      Em 26 de abril de 1995, a região do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, fez reunião que teve expressiva participação de prefeitos, sindicatos, operários, empresários e dirigentes de entidades;

      Enalteceu-se a ação do Governador Antônio Britto;

      6. UMA APRECIAÇÃO SOBRE A CRISE.

      Vão bem as exportações brasileiras no geral; e é deficitária a balança comercial do País;

      Tende o Governo Federal a analisar o macrocenário das vendas ao exterior, sem detectar que, setorialmente, vários segmentos estão perdendo desempenho internacional por falta de compensações à política cambial;

      Analisando a primeira contestação deste tópico, temos que:

a) As exportações globais têm aumentado em função de dois componentes:

- um, de sorte, decorrente da valorização internacional de commodities, de expressiva presença em nossas vendas ao exterior;

- Outro, paradoxalmente decorrente da madrasta política cambial vigente: bens que utilizam componentes importados, de tecnologia de ponta, que passaram a viabilizar preços internacionalmente competitivos para o Brasil porque tais componentes gozam da dupla vantagem do real sobrevalorizado e das alíquotas de importação rebaixadas;

b) As importações cresceram avassaladoramente;

c) As exportações não cresceram tanto como poderiam ter crescido, no global. Se outro fosse o patamar cambial, certamente as vendas ao exterior teriam melhor performance;

Vem daí que, no global, o lado das vendas vai bem, mas há setores duramente prejudicados - exatamente os que construíram modelos de exportação nos últimos 30 anos, instados pelos governos da União;

A demora em instituir para esses setores mecanismos de compensação vai desestruturando-os a passos largos - com enormes dificuldades para, no futuro, retomar posições no mercado internacional."

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - O tempo de V. Exª está esgotado.

O SR. PEDRO SIMON - Para encerrar, Sr. Presidente, permita-me reafirmar que se trata de uma matéria exageradamente séria. Dificilmente faço esse tipo de pronunciamento, mas, desta vez, quero dizer a V. Exª, como Representante do Rio Grande do Sul, que o Vale do Sino, que é a região produtora de calçados daquele Estado, está vivendo a crise mais difícil de sua história.

Aquela região, Sr. Presidente, é apontada como exemplo para o Brasil: é próspera, rica, extraordinária, e representa matéria-prima de primeira qualidade. A mão-de-obra do sapateiro do Rio Grande do Sul é das melhores do mundo. De repente, o que era um oásis de progresso e crescimento está vivendo uma das crises mais dramáticas e cruéis.

Ontem, falei com o Ministro José Serra; há três dias, houve em Porto Alegre reunião entre o Governador Britto, empresários e Parlamentares que discutiram essa matéria. Na semana que vem, o Presidente da República receberá representação do Rio Grande do Sul.

Creio, Sr. Presidente, que essa é uma questão muito séria. Tenho já muitas interrogações com relação às chamadas importações. Penso que devemos discuti-las. As importações, no sentido de garantirem o combate à inflação, são absolutamente corretas; temos alguns oligopólios no Brasil que cederão seus preços apenas com importações. Mas daí a importarmos 4,2 bilhões de dólares, com um déficit de mais de 1 bilhão de dólares; daí a importarmos calçados a um dólar o par - o que pode parecer uma maravilha, mas na verdade vai destruir nossa produção; daí a abrirmos nossas portas à importação de balas e produtos os mais supérfluos do mundo inteiro, entendo constituir-se num equívoco, Sr. Presidente.

Parece-me que vamos abrir nossas portas para o mundo, vamos dizer que o Brasil é internacional, e tudo bem. Lembro-me, quando Ministro da Agricultura, que o Brasil já era quase auto-suficiente em trigo, e os Estados Unidos nos venderam esse grão com 40 anos de prazo para pagar; o Brasil reduziu a zero sua produção, e depois multiplicaram por dez o preço do trigo que havíamos comprado.

Então me parece, Sr. Presidente, que devemos importar, sim; garantir a baixa da inflação, também; combater os oligopólios nacionais, idem; mas não destruir a indústria brasileira; não esfacelar a produção nacional; não reduzir nossa mão-de-obra, nem diminuir nossa produção.

Parece-me que o que está acontecendo na indústria de calçados no Rio Grande do Sul é um exemplo extraordinariamente importante.

Ontem, dizia-me o Ministro José Serra que está convencido daquilo que o Governo deve analisar em seu conjunto e em seu contexto geral.

Feito isso, Sr. Presidente, dou como lido meu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/05/1995 - Página 7614