Discurso no Senado Federal

MANIFESTAÇÕES VIOLENTAS E O INCONFORMISMO MUNDIAL COM OS ATUAIS SISTEMAS DE GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. JUDICIARIO.:
  • MANIFESTAÇÕES VIOLENTAS E O INCONFORMISMO MUNDIAL COM OS ATUAIS SISTEMAS DE GOVERNO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/05/1995 - Página 8587
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. JUDICIARIO.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, DIVIDA, DESEMPREGO, MISERIA, POBREZA, MUNDO.
  • COMENTARIO, TENTATIVA, FORMAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO, PROTEÇÃO, ESTADO, AMEAÇA, CRESCIMENTO, CRISE, GARANTIA, ATIVIDADE COMERCIAL, MERCADO INTERNO.
  • CRITICA, FORMA, HEGEMONIA, CAPITALISMO, PROVOCAÇÃO, FALTA, CONTROLE, GOVERNO, ECONOMIA NACIONAL, SUBORDINAÇÃO, IMPOSIÇÃO, TAXAS, CAMBIO, EXTERIOR.
  • COMENTARIO, DIVERSIDADE, FORMA, MANIFESTAÇÃO, CRISE, ATUALIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ALTERAÇÃO, COMPORTAMENTO, HOMEM, RESULTADO, TENSÃO SOCIAL, AMPLIAÇÃO, DESEMPREGO, FOME, MISERIA, POBREZA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, JUDICIARIO, SOLUÇÃO, INJUSTIÇA, ORDEM JURIDICA, ESPECIFICAÇÃO, JUSTIÇA DO TRABALHO, PREJUIZO, TRABALHADOR.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de usar o tempo que me é conferido para falar de assuntos mais amenos, para tratar de flores, para falar de poesia; mas, infelizmente, a minha consciência social, essa consciência da qual a minha opaca individualidade é apenas a portadora do conteúdo social maior que nos habita, não me permite usar este instante como se ele fora um hiato de repouso para o espírito e de engrandecimento para a mente.

Nós nos encontramos neste momento, no meu ponto de vista, numa situação que talvez não tenha precedentes, não apenas na nossa conturbada história política e social brasileira. Aqueles que têm antenas para perceber o futuro estão conscientes de que a sociedade, a cada momento, toma mais conhecimento, firma mais a sua convicção de que a situação, a conjuntura internacional é das mais graves.

Numa semana que passei em Paris, há quinze dias, tive oportunidade não apenas de ouvir de colegas da Sorbonne, mas também, percorrendo as livrarias e atualizando-me sobre a bibliografia da minha área de interesse, pude verificar a pletora de livros, tais como este que por acaso tenho em mãos, de Marisol Touraine, Le bouleversement du Monde, Géopolitique du XXème Siècle.

Essa senhora é diretora do Serviço de Segurança da França, assessora do Ministro da Segurança e professora da Universidade da Sorbonne. Livros como esse, que falam sobre essa situação em que se encontra o mundo, encontrei e comprei diversos.

São tão numerosas e proteicas as formas pelas quais o protesto humano se manifesta; são tão violentas as expressões de inconformismo com os 820 milhões de desempregados com que nos deparamos hoje; é tão grande a perplexidade diante de um endividamento que vai nos consumir o futuro, porque o endividamento atingiu e se aprofunda inclusive nos Estados Unidos, o núcleo axial desse sistema capitalista transtornado em suas raízes.

Ao mesmo tempo em que existe o movimento centrífugo de proteção e de tentativa de formação de um espaço, de uma área, como o Mercado Comum Europeu, como a área dos Tigres Asiáticos, como o NAFTA, como o MERCOSUL, a área de proteção é uma espécie de guarda-chuva diante das ameaças de aprofundamento da crise, porque em todas as crises o nacionalismo e o protecionismo quiseram fazer com que uma espécie de colchão protegesse o Estado nacional, o mercado nacional contra a invasão das mercadorias cada vez mais difíceis de serem colocadas nos mercados em que o desemprego, a miséria e a pobreza tomam conta.

De modo que, então, ao lado deste movimento de formação de mercados e de áreas comuns, a fim de protegerem e de resguardarem um espaço maior para que o comércio não atinja níveis tão grandes de degradação, como aconteceu em crises anteriores, como a de 1929 e a de 1935, em que 68 países já haviam desvalorizado a sua moeda e o protecionismo se ergueu a fim de defender esse espaço interno; hoje, sentimos a presença deste mecanismo de defesa de um lado e, de outro, vemos que as etnias se confrontam, lutas medievais se atualizam e se modernizam, espaços privilegiados procuram livrar-se do contrapeso de seus vizinhos, de seus apêndices, a fim de conquistar uma posição de superioridade, de destaque e de privilégio diante da crise que se aproxima.

Cada um estuda um desses tipos de dissensão. Desde a Irlanda à luta dos bascos, desde a Chechênia até os confins da Ásia, Bósnia, etc. Do meu ponto de vista existe uma unidade entre todas essas dissensões, que não apenas ocorrem no espaço conturbado do Leste europeu, mas que permeiam a América Central e, praticamente, o mundo todo.

Esse é o conteúdo novo dessa crise. As crises anteriores não apresentaram esse aspecto, que é um dos pontos mais importantes e mais interessantes que essa degradação, esse bouleversement du monde, esse transtorno que o mundo moderno apresenta.

Não tenho nenhuma dúvida de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso assinaria embaixo das minhas palavras, como assino embaixo das palavras de Sua Excelência quando diz existir um movimento inexorável que pode, hoje, ser apelidado, de uma maneira educada, de uma nova forma de inserção do Brasil no mundo, mas que antes era chamado de relações do imperialismo mundial em direção à periferia.

Movimento esse que levaria fatalmente, de acordo com o ex-professor Fernando Henrique Cardoso, a uma situação como essa em que o próprio Governo nacional não tem mais controle sobre as alavancas de comando da economia. São ditadas e impostas as teias dos limites do equilíbrio orçamentário e as relações externas nos são impostas através de taxas de câmbio que vêm de fora.

E assim vamos vivendo esse processo de dominação crescente. Capital é poder; poder sobre coisas e pessoas, como o Presidente Fernando Henrique Cardoso repetiu de Marx. E ao vir o capital, o capital produtivo, principalmente na década de 50, e atrás dele o capital de comércio e o capital bancário, o poder foi sendo tomado e permeado por estes elementos externos e estranhos à nacionalidade brasileira.

O Presidente da República Fernando Henrique Cardoso afirma que se cria aqui o anti-estado nacional, e neste apenas pequenos estamentos, pequenos grupos privilegiados escapam do processo de espoliação e de exclusão. O Chefe da Nação afirma que apenas alguns capitalistas felizes se associam ao grande capital externo com o seu poder de dominação, assim como alguns segmentos do Exército e da elite intelectual.

Aqui, num exame feito meticulosamente pelo Presidente da República, percebemos que Sua Excelência sabia o que estava acontecendo, e nós estávamos sendo levados para um beco sem saída. Diante dessa situação, de duas uma: ou daríamos murro em ponta de faca porque as forças externas são inexoráveis, sua força e potência são avassaladoras, ou seguraríamos o punhal, passando para o outro lado, o lado dos vitoriosos.

Nesse quadro, todo o comportamento humano é situacional. E eu não gostaria de ver uma brasilidade inerme, uma brasilidade dócil, completamente passiva e impassível diante desse tumulto que parte das raízes da nacionalidade e repercute até os confins do mundo.

Diante dos fatos que ocorrem mundo afora, diante das convulsões em que essa crise fantástica assume formas de manifestação terríveis que vão desde o fato de 49 pessoas serem assassinadas em um fim de semana no Rio de Janeiro ou de 490 pessoas serem assaltadas dentro dos ônibus na capital de São Paulo, quando vemos tanques subirem as favelas e quando vemos os arrastões da fome descerem dos morros para perturbar a tranqüilidade dos que descansam na praia de Copacabana, naturalmente com todo o direito, diante desse quadro o que percebemos é que a crise atual manifesta-se de diversas formas.

Se a sociedade é agressiva, se a sociedade coloca nas penitenciárias os transgressores da lei, se a sociedade transforma essas penitenciárias em campos de concentração, se a sociedade organizada marginaliza-se e deixa que duas crianças morram por minuto neste País, não é possível exigirmos do homem um comportamento civilizado.

O homem tem seu comportamento como ser social, situacionalmente determinado, ele não é um ser de laboratório, ele é o resultado dessa vivência, ele é o resultado das exclusões e dos sacrifícios a que se submeteu, ele é o resultado de seu desemprego, ele é o resultado do seu desencanto, quando ele viu, depois de trinta anos de promessas, seus sacrifícios serem desprezados, sacrifícios que iriam construir uma nação em que as grandes empresas estatais seriam o baluarte para que o Brasil se apresentasse como uma organização nova, em que o bolo crescesse e fosse distribuído para todos.

Que bolo é esse? Que bolo perverso é esse, que nos reclama mais a cada dia?

Enquanto isso, o Governo brasileiro paga cerca de R$22 bilhões aos banqueiros e aos portadores da dívida pública. Ao mesmo tempo, 10% da população se apropriam de 50% do resultado do trabalho coletivo.

Nós que conhecemos a índole dos brasileiros não poderíamos esperar que os mesmos permanecessem como seres desumanos, incapazes de reagir. Lamentamos sim a forma pela qual as reações podem-se manifestar, mas também lamentamos esta situação a que a sociedade brasileira foi levada.

Os trabalhadores não foram consultados, senão para lhes retirar mais, para lhes burlar os índices de recuperação do mísero salário, para lhes retirar 11 milhões de casas. Foram colocados 34.700.000 brasileiros abaixo da linha da miséria.

O sociólogo Fernando Henrique Cardoso compreende melhor do que eu a gravidade da situação e entende melhor do que eu que numa situação dessas não existe seres de laboratório que se comportem de forma ideal diante de uma realidade tão dura.

Sabemos o quão injusta é a nossa ordem jurídica. Quando os trabalhadores recorrem à Justiça do Trabalho, têm que esperar até que o Tribunal Superior do Trabalho julgue os dissídios que antes eram resolvidos de imediato na primeira instância. E o tempo corre contra os trabalhadores, que mudam de endereço e de emprego, que não têm um serviço jurídico para socorrer as suas demandas.

O sistema jurídico brasileiro é totalmente injusto, o que podemos sentir e, por isso mesmo, desejamos uma reforma profunda do Poder Judiciário. Os próprios juízes sabem disso.

O Professor Antônio Álvares da Silva, catedrático de Direito do Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais e Juiz togado do Trabalho nesse mesmo Estados fez um estudo no qual demonstrou que o valor total das demandas trabalhistas no Brasil é inferior ao que o Brasil paga à Justiça do Trabalho, aos seus funcionários, burocratas e juízes.

Se o Governo brasileiro desse a cada um dos pleiteantes que recorresse à Justiça do Trabalho o total de seus pleitos, seria mais barato do que sustentar essa Justiça do Trabalho, injusta e inadequada.

O SR. PRESIDENTE (Bello Parga) - O tempo de V. Exª se esgotou, nobre orador.

Devemos ingressar, agora, na Ordem do Dia.

O SR. LAURO CAMPOS - Vou concluir, Sr. Presidente.

Não é possível, em um momento com este, fazermos poesias, a não ser, talvez, aquelas que os futuristas fizeram na época de Mussolini, louvando e comparando o fogo das metralhas com flores, colocando a morte nos campos de batalha como se fossem lírios e objetos da exaltação poética.

Sinto - e recrimino, em certo sentido - que tenhamos atingido esse nível individual de agressividade, mas, ao mesmo tempo, compadeço-me mais do fato de pertencer, eu também, a uma sociedade que infelizmente não nos permite trocar carinhos, afetos, simpatias, mas apenas gestos positivos engrandecedores.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/05/1995 - Página 8587