Discurso no Senado Federal

DESVALORIZAÇÃO DO REAL JUNTO AO DOLAR COMO FORMA DE AJUSTAR O PLANO ECONOMICO DO GOVERNO.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • DESVALORIZAÇÃO DO REAL JUNTO AO DOLAR COMO FORMA DE AJUSTAR O PLANO ECONOMICO DO GOVERNO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DCN2 de 24/06/1995 - Página 10879
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, MANUTENÇÃO, TAXA DE CAMBIO, DEFASAGEM, VALOR, MOEDA ESTRANGEIRA, DOLAR, MOEDA, REAL, RESULTADO, FALTA, INCENTIVO, EXPORTAÇÃO, AUSENCIA, ESTABILIDADE, BALANÇA COMERCIAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como noticiam todos os jornais, o Governo, finalmente, mexeu no câmbio. Aliás, providência que já deveria ter sido tomada há muito tempo.

Sr. Presidente, não sou engenheiro de obras feitas, nem tampouco profeta de coisas passadas. Quando o ex-Presidente do Banco Central, Pérsio Arida, aqui esteve, perguntei-lhe a respeito do câmbio e por que a área econômica não tinha preferido, desde o início, estabelecer uma banda cambial apenas com um piso, sem fixar teto - o que seria uma medida muito mais racional. No entanto, S. Exª não me deu uma explicação convincente. Os avisos de que o câmbio era irreal já vinham desde novembro, quando se iniciaram os déficits da balança comercial.

Sr. Presidente, o Governo não deu importância ao exemplo do México. Todos estamos cansados de saber que a crise mexicana não está relacionada apenas com o problema da política macroeconômica equivocada, mas sobretudo - eu diria até quase que exclusivamente - com a teimosia do Governo mexicano em manter o câmbio congelado. O Governo brasileiro faz algo semelhante. Portanto, não é preciso ser economista, Sr. Presidente, pois trata-se de uma conta aritmética simples. Desde a instituição do Real, a inflação brasileira já está em mais de 30%, enquanto que a inflação americana, nesse mesmo período, foi de 3,5%. Evidentemente que com essa diferença de ritmo inflacionário a taxa cambial é insustentável. O Governo teima em agir pontualmente, topicamente, apagando incêndios aqui e acolá, quando lavra uma fogueira enorme, alimentada pela apreciação da taxa cambial. É inútil tentar corrigir isso através da elevação tarifária, que encarece muito os produtos importados, protege os ineficientes e cria problemas sérios - como agora - no âmbito do MERCOSUL. Estivesse o câmbio atualizado, se a paridade dólar/real refletisse realmente o valor das duas moedas, Sr. Presidente, evidentemente não teríamos um estímulo artificial às importações e um desincentivo às exportações. Essa é a causa do desequilíbrio.

Prova de que setores ineficientes estão se aproveitando disso para conseguir vantagens junto ao Governo está nesta nota, publicada ontem, pela jornalista Míriam Leitão, na edição de O Globo. Diz o texto:

      "Chama-se Open End a mais moderna máquina de fiação do mundo. Normalmente, as empresas, quando querem modernizar suas fábricas, compram dez ou quinze dessas máquinas. "Nós compramos uma grosa, ou seja, 12 dúzias", diz José Alencar Gomes da Silva, da Coteminas, empresa mineira do setor têxtil. Quando estiverem funcionando na fábrica instalada em Campina Grande - uma das seis do grupo -, as 144 máquinas farão o trabalho de 300 mil fusos.

      Os dados da Coteminas negam qualquer argumento de que a indústria têxtil brasileira esteja ameaçada pela competição estrangeira. Ela vende tudo o que produz. A demanda pelo seu produto é tal que só de três em três meses a empresa "abre venda" do produto. "E vendemos tudo em uma semana", admite Alencar. O patrimônio líquido da empresa pulou de US$40 milhões para US$490 milhões de dólares em nove anos. "Aumentamos 30% ao ano", diz, orgulhoso, Alencar (...). "Essa é uma indústria tradicional, que gera muito emprego e que enfrenta, às vezes, competição desleal", traduz. Quanto à sua própria produção, ele admite que não corre riscos: "Meus preços são imbatíveis".

      Luiz César Fernandes, do Banco Pactual, é também empresário do setor têxtil e de confecções..."

      "Ele admite que as cotas às importações de têxteis serão um ótimo negócio para ele: "Mesmo assim, sou contra. Acho que as empresas que investiram, como eu investi, podem enfrentar a competição estrangeira"."

E o Governo, como fez com os sapatos e com os automóveis, já pensa em elevar o imposto de importação, ou seja, a tarifa protecionista, que atualmente é de 14%. Uma tarifa como essa protege qualquer indústria em qualquer país do mundo, não fosse a defasagem do câmbio.

O Governo agora deu um passo, mas insiste em manter a banda superior, um erro que talvez nos custe muito caro, quando as autoridades econômicas decidirem acordar para essa bomba de efeito retardado, que é o congelamento, mesmo periódico, da taxa cambial. Como diz o ex-Ministro Mário Henrique Simonsen, "Inflação incomoda, mas o câmbio mata". E o exemplo disso está na crise mexicana.

Ao mesmo tempo, o Governo insiste nas estratosféricas taxas de juros. É uma combinação altamente explosiva. A ameaça de uma futura crise cambial, combinada com uma recessão profunda, que o País já está vivendo, é um preço elevado demais para manter-se a taxa de inflação em níveis muito baixos. Creio que seria até melhor que a inflação se elevasse um pouco, mas que o câmbio estivesse atualizado e que os juros não fossem tão altos.

A equipe econômica parece que tarda em atender ao clamor nacional, insiste no erro e, assim, vai atingindo, aqui e ali, setores vitais para a economia do País, assestando golpes violentos também em nível regional.

Por motivo dessa defasagem cambial e da crise da balança comercial, o Governo deu um duro golpe no parque industrial de Manaus quando estabeleceu o contingenciamento das importações da minha Região - um golpe desferido de surpresa, sem consulta, sem prévio aviso sequer ao Governador do meu Estado; algo que seria inteiramente dispensável, desnecessário, não fosse o congelamento da taxa cambial.

O Sr. Roberto Requião - Senador Jefferson Péres, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Cedo-lhe o aparte com muito prazer, Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião - Senador Jefferson Péres, V. Exª analisa as conseqüências de uma visão política macroeconômica. Falta ao Governo a sintonia fina. Falta ao Governo promover o ajuste de setores da economia que estão sendo profundamente prejudicados pelas grandes linhas do método econômico hoje utilizado para a sustentação do Real e o combate à inflação. Mas os sinais estão surgindo, com clareza; o Governo não os vê porque não quer. Hoje, 370 das 371 prefeituras do Paraná estão fechadas, em protesto contra o aumento da taxa de juros - que potencializa, aumenta, multiplica, a dívida dos Municípios - e contra a falta de financiamento para a agricultura. Esse fechamento das prefeituras, embora seja por um dia, tem uma importância enorme. No sudoeste do Paraná, há quatro dias, pararam 38 prefeituras. Não só essas paralisaram suas atividades, mas também o comércio, a indústria e os agricultores. Jamais houve uma unanimidade tão grande numa manifestação como agora. E o Governo Federal teima - ao menos, o seu setor econômico - em não enxergar as conseqüências da sua política econômica. Diria que o Plano Real vai bem, para quem tem emprego nos grandes centros urbanos, porque a cesta básica pode ser provida com mais abundância. Mas quando o desemprego e a recessão se iniciam e grassam pelo País inteiro, parece que as autoridades monetárias não conseguem enxergar o fato simples de que as pequenas e as médias empresas urbanas e rurais estão quebrando e desempregando, e que, de cada dez empregos oferecidos no Brasil, seis são oferecidos pela pequena e pela média empresa. É preciso que o Presidente da República acorde para essa realidade e não se atenha única e exclusivamente aos dados macroeconômicos, aos aumentos de arrecadação, que se devem, fundamentalmente, ao fato de que a poupança, estando remunerando tão pouco, diante da inflação potencial, do aumento potencial dos preços, obriga as pessoas a um consumo imediato. Muito obrigado, Senador.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado, Senador Roberto Requião. Nem sempre nossas opiniões convergem, mas, nesse particular, estamos inteiramente de acordo.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Jefferson Péres, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço-o com prazer, ilustre Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Jefferson Péres, V. Exª sabe, até pelo nosso convívio, que sou um homem que não navega nas águas procelosas da economia, da qual, justiça seja feita, V. Exª é especialista. Acontece que o discurso de V. Exª, malgrado essa minha deficiência na área econômica, é de uma clareza tal que ouso fazer este aparte, até pela intervenção que lhe fez, no momento oportuno, o Senador Roberto Requião, com quem V. Exª nem sempre se afina, mas, neste caso, está posta a concordância. Na hora em que V. Exª aborda, com precisão, a chamada defasagem cambial e outras medidas que tais, que levaram certas áreas do Governo a torpedear o parque industrial da Zona Franca de Manaus, sem sequer um aviso prévio ao Governador Amazonino Mendes, não seria eu que, como amazonense, me calaria, silenciaria, e não lhe daria o meu apoio, que é fruto do apreço e da solidariedade que lhe dedico.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.

Sr. Presidente, é verdade que o problema da taxa de juros tem uma questão de fundo muito séria, que é a dívida pública do Governo, o que não justifica as taxas tão elevadas, mas explica por que não se poderiam reduzir tanto os juros no País.

Para que não se diga que o Congresso Nacional apenas critica sem tentar soluções, está tramitando na Casa uma proposta de emenda constitucional do Senador Vilson Kleinübing, polêmica, mas que, pelo menos, aponta um caminho, restabelecendo o IPMF e destinando a sua receita para o abatimento da dívida.

Estou apresentando, hoje, uma emenda à emenda do Senador Vilson Kleinübing, tentando corrigir o que me parecem algumas falhas da sua proposta. Penso que esse é o caminho.

A médio prazo, temos que encontrar uma saída para o problema da dívida pública de curto prazo, que tem de ser rolada, de trinta em trinta dias, pelo Governo e que é responsável pela grave crise fiscal da União, da qual decorre toda uma seqüência de outros problemas.

Parece-me um erro, com o devido respeito pelos colegas, que se restaure esse imposto apenas para atender ao setor saúde. Temos que resolver a crise fiscal da União, do Poder Público, para que o Governo tenha recursos não apenas para a saúde, mas para que o Estado brasileiro desempenhe seu papel e cumpra as suas funções de prestador de serviços, as quais não pode realizar no momento, por estar semifalido.

Mas, voltando aos erros dos responsáveis pela política econômica, Sr. Presidente, cito um fato acontecido há poucos dias, típico de medida tomada precipitadamente, sem olhar as repercussões, principalmente nos Estados mais pobres. Refiro-me à desequalização do preço do gás de cozinha; uma medida que, se efetivada, atingirá profundamente, dará um golpe violentíssimo na população mais pobre do interior do meu Estado. É preciso não conhecer a Amazônia, não saber que 90% dos Municípios do Estado do Amazonas não são servidos por estradas, mas apenas por hidrovias. De Manaus à cidade de Eirunepé leva-se mais de 20 dias de viagem subindo o rio, Sr. Presidente. O custo do botijão de gás - que, em Manaus, é e continuará baixo, porque lá há refinaria - nas cidades do interior, de R$4,50 subirá para R$18,00 ou R$20,00. As populações voltarão a usar o fogão a lenha ou o fogareiro de carvão vegetal.

Felizmente, alertados os Ministros da área econômica - ainda ontem conversei com o Ministro Raimundo Brito, de Minas e Energia - quanto aos efeitos da portaria, S. Exªs tomaram a decisão de suspendê-la temporariamente para procurarem uma solução. Mas não precisariam se reunir para rever essa questão se tivessem conversado com representantes da área sobre a repercussão de uma medida desse tipo.

Por esse motivo, gostaria que os responsáveis pela política econômica do País fossem menos arrogantes, menos auto-suficientes, mais humildes, para perceberem que não sabem tudo e que tomam decisões que afetam o País inteiro. Também deveriam ter conhecimento de que o Congresso Nacional não é composto apenas de demagogos e irresponsáveis, que não estão dispostos a encarar as providências - às vezes até duras - para a solução dos problemas do País. Essas pessoas que representam a sociedade brasileira devem ser ouvidas, porque, amanhã, quando as conseqüências se fizerem sentir em todo o País, S. Exªs terão deixado seus cargos, mas todos os brasileiros estarão pagando por isso.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 24/06/1995 - Página 10879