Discurso no Senado Federal

RELATORIO DO BANCO MUNDIAL, DE 1995, INTITULADO, 'OS TRABALHADORES NUM MUNDO EM INTEGRAÇÃO'. EXPECTATIVA DE IMPLANTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE RENDA MINIMA NO BRASIL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • RELATORIO DO BANCO MUNDIAL, DE 1995, INTITULADO, 'OS TRABALHADORES NUM MUNDO EM INTEGRAÇÃO'. EXPECTATIVA DE IMPLANTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE RENDA MINIMA NO BRASIL.
Aparteantes
Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/08/1995 - Página 12783
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANUNCIO, VONTADE, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, PAGAMENTO, BENEFICIO, IDOSO, DEFICIENTE FISICO.
  • ANALISE, RELATORIO, BANCO MUNDIAL, RELAÇÃO, NIVEL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL.
  • ANALISE, ESTUDO, FORMA, MODELO ECONOMICO, COMPLEMENTAÇÃO, RENDA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEMONSTRAÇÃO, EFICACIA, SISTEMA, GARANTIA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • INFORMAÇÃO, AMPLIAÇÃO, DEBATE, NECESSIDADE, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, SANÇÃO, PROGRAMA, RESPONSABILIDADE, LIDICE DA MOTA, PREFEITO DE CAPITAL, ESTADO DA BAHIA (BA), RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE, SIMILARIDADE, PROPOSTA, ADOÇÃO, CRISTOVAM BUARQUE, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), JOSE ROBERTO MAGALHÃES, PREFEITO, MUNICIPIO, CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Teotonio Vilela Filho, Srªs e Srs. Senadores, diante do impacto da notícia do Relatório de 1995, do Banco Mundial, sobre o desenvolvimento do mundo, relatório que se denomina "Os Trabalhadores num Mundo em Integração", o Presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou em Lima, no Peru, na semana passada, que vai implementar um programa de renda mínima para idosos e deficientes físicos. Enfatizou Sua Excelência que o Brasil já teria um programa de renda mínima. Embora seja um passo na direção correta, que o Governo tarda em regulamentar, essa iniciativa ainda está longe de contemplar a renda mínima como um direito à cidadania para todos os brasileiros, tal como previsto no Projeto de Lei que institui tal programa, já aprovado pelo Senado Federal.

Em verdade, o Presidente da República está regulamentando aquilo que está previsto no art. 203, inciso V, da Constituição:

      "V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

A renda mínima, por enquanto, representará, segundo informou a Secretária de Assistência Social, Lúcia Vânia, do Ministério da Previdência, uma ajuda de um salário mínimo aos idosos de 70 anos ou mais e aos deficientes físicos incapacitados para o trabalho, que pertençam às famílias carentes em que a renda per capita seja inferior a R$25,00 por mês.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho. Fazendo soar a campainha.) - Senador Eduardo Suplicy, peço perdão por interromper V. Exª, mas o faço com a finalidade de prorrogar por mais quinze minutos a Hora do Expediente.

V. Exª continua com a palavra.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Sr. Presidente, é importante ressaltarmos as revelações desse último relatório do Banco Mundial, de 1995.

O Brasil é o único País do mundo, dentre os 71 para os quais há dados disponíveis, em que os 10% de maior renda possuem mais da metade do bolo, possuem 51,3% da renda nacional. E se formos examinar a parcela dos 40% mais pobres, o Brasil é o único País onde a participação no bolo da renda dos 40% de menor renda é de apenas 7%. Portanto, nas duas pontas, o Brasil se apresenta como aquele que está em pior situação. A Nação vive, portanto, a situação nada adequada de ser a campeã mundial da desigualdade. Seria o caso, portanto, de o Governo dedicar maior energia, maior esforço para combater esse quadro.

Em julho último, estive nos Estados Unidos, colhendo informações sobre as diversas formas de complementação de renda lá vigentes. Há, pelo menos, três tipos de programas de complementação de renda, além do seguro-desemprego: a assistência às famílias com filhos dependentes, os cupons de alimentação e o crédito fiscal por remuneração recebida. O primeiro é destinado sobretudo às famílias em que não há mais a figura do pai provedor, correspondendo a uma quantia em dinheiro; o segundo, corresponde a um imposto de renda negativo sob a forma de cupons de alimentação; e o terceiro, instituído desde 1975, tem por objetivo estimular que as pessoas que têm família e que trabalham saiam da dependência dos programas de bem-estar e passem a ter uma renda suficiente que lhes ajude a ultrapassar a linha oficial da pobreza.

Neste ano, 21 milhões de famílias serão beneficiárias do Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, o chamado Earned Income Tax Credit ou EITC. O Governo Bill Clinton vem tomando diversas providências no sentido de evitar desvios, fraudes que têm sido detectadas em relação aos objetivos do programa.

Os republicanos foram muito importantes nas diversas vezes em que o programa foi expandido, pois ele contou com a simpatia do ex-Presidente e ex-Governador da Califórnia, Ronald Reagan, um dos que, em 1986, teve a iniciativa de ampliar o programa, também do Presidente George Bush, em 1990 e a terceira vez que o programa foi extremamente ampliado, dobrado, praticamente, foi por iniciativa do Presidente Bill Clinton, em 1993.

Hoje, se a renda das pessoas que trabalham e têm uma família não atingir 27 mil dólares - no caso de uma família com duas crianças -, essa renda é aumentada em 40%, se a mesma estiver até o limite de US$8,5 mil.

Com base na experiência do EITC, é possível desenvolver um programa alternativo; apresentei, inclusive, para fins de estudos, ao Deputado Germano Rigotto e ao Executivo - uma vez que o Líder do Governo é o Relator do parecer sobre o Programa de Garantia de Renda Mínima - um parecer favorável.

Mas ainda há outra possibilidade para se evitarem quaisquer problemas com a demonstração de rendimentos: seria a de se prover uma renda básica menor, incondicional, mesmo que fosse pequena para o início - digamos que de R$20,00 por mês -, a cada residente no País com 25 anos de idade ou mais, programa que corresponderia a um total, hoje, de R$16,4 bilhões, pouco mais do que 3% do Produto Interno Bruto.

Foi exatamente um modelo próximo a esse que observei funcionando com forte apoio da população nessa viagem aos Estados Unidos, quando passei uma semana no Alasca. Durante essa semana, questionei moradores sobre o sistema de dividendos distribuídos anualmente de maneira igual a cada pessoa.

Estive visitando o Fundo Permanente do Alasca, onde tanto o diretor-executivo, Byron Mallot, quanto o Governador do Alasca, Tony Knowles, falaram-me do entusiasmo com que administram esse programa em benefício de todos os residentes naquele Estado.

De cada 10 pessoas consultadas, apenas uma ou duas respostas eram de críticas, com opiniões tais como: ""Eu preferiria que os recursos fossem melhor aplicados em escolas ou estradas."

Mas quando perguntava sobre a renda - aquelas eram pessoas que tinham alta renda, superior a US$70 mil por ano -, no caso da maioria das pessoas, sobretudo as de menor renda, o entusiasmo pelo sistema de dividendos distribuídos igualmente era extraordinário.

De janeiro a março deste ano, cada residente naquele Estado preencheu um formulário, assinado por duas testemunhas, indicando que residia no Alasca há pelo menos um ano. Em 11 de outubro próximo, cada uma dessas pessoas receberá um chegue em torno de mil dólares. No ano passado, foi de US$984. É interessante ressaltar que os pais recebem pelas crianças até 18 anos. No Alasca, portanto, as pessoas, efetivamente, podem dizer que participam da riqueza de sua terra. A distribuição de dividendos foi possível a partir de um referendo popular, realizado em 1976, que autorizou a constituição do Fundo Permanente do Alasca, no qual pelo menos 25% (50% a partir de 1980) dos royalties resultantes da exploração do petróleo seriam depositados num Fundo que passaria a ser aplicado em investimentos que produzissem renda em benefício de todos os habitantes.

A administração do Fundo é feita com a maior prudência e transparência; suas reuniões são abertas aos representantes do povo e à população; o Diretor Executivo dispõe de um quadro de apenas 27 pessoas para gerir o Fundo que, em 1980, estava em torno de US$1 bilhão e, na última semana, em US$17 bilhões.

É claro que o Alasca não é o Brasil. Com apenas 600 mil habitantes e uma renda per capita quase nove vezes maior do que a brasileira, possui obviamente condições completamente diversas das nossas. Mas lá está demonstrado o princípio de que é perfeitamente possível fazer com que todas as pessoas usufruam minimamente dos recursos de uma nação.

Para o Brasil, que se tornou o campeão mundial da desigualdade, seria importante a enérgica tomada de decisão para se garantir melhor partilha de nossa riqueza para que possamos chegar ao século XXI como modelo de eqüidade e de justiça.

O Sr. Sebastião Rocha - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, concedo o aparte ao nobre Senador Sebastião Rocha.

O Sr. Sebastião Rocha - Senador Eduardo Suplicy, associo-me às preocupações de V. Exª, pois o que vemos, hoje, no Brasil é exatamente o Governo preocupado exclusivamente com a situação econômica do País sem manifestar qualquer ação que venha atender aos interesses sociais da população. Eu, de certa forma, fico surpreso com a atuação do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que é do PSDB. Fui membro do PSDB durante quase quatro anos e, naquela época, o programa do Partido era muito claro, continha preocupações com o social, com a melhoria das condições de vida do povo brasileiro e dos trabalhadores em geral. Hoje, vemos o Governo preocupado em retirar direitos assegurados na Constituição, direitos dos trabalhadores e dos aposentados. E, agora, através desta Medida Provisória da desindexação, de novo os trabalhadores poderão ser prejudicados na questão salarial. Vejo tudo isso com muita surpresa, porque é uma mudança de rumo tão acentuada na gestão do PSDB que praticamente não dá para acreditar que realmente quem esteja hoje governando o País seja o Presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, um Partido que sempre defendeu uma melhor distribuição de renda no País e um equilíbrio entre o capital e o trabalho. E, hoje, praticamente se detém apenas na análise e na execução de ações que visam a estabilidade da economia. Eu não vejo e perguntaria se V. Exª ou outro Senador neste plenário tem conhecimento de alguma ação social concreta do Governo no sentido de atender quaisquer dos setores da nossa sociedade. Não conheço nenhum programa sólido ainda do Governo Fernando Henrique Cardoso com relação aos problemas sociais que se agravam cada vez mais no nosso País e entre os quais V. Exª destaca com muita precisão a questão da distribuição de renda, a cada dia, mais precária e mais maléfica ao povo brasileiro. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte, Senador Sebastião Rocha. De fato, nós não estamos assistindo, nesses primeiros oito meses do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, alguma ação que, realmente, possa estar transformando em profundidade esse quadro de distribuição de renda tão grave que nos coloca como campeões da desigualdade.

É verdade que o Presidente da República assumiu o cargo falando do seu compromisso histórico com a justiça, com a melhoria da distribuição de renda. É verdade também que Sua Excelência lançou o Programa Comunidade Solidária, tendo à frente sua esposa, Srª Ruth Cardoso. Todavia, este Programa, por enquanto, consiste em coordenar esforços de programas sociais já existentes, alguns dos quais desativados no início de seu Governo e outros ainda remanescentes.

Mas não há um novo instrumento de política econômica que seja colocado para enfrentar a situação já diagnosticada como sem paralelos em qualquer outro país do mundo.

Gostaria de informar, Senador Sebastião Rocha, que, felizmente, de forma gradativa, começa a aumentar a intensidade dos debates sobre o conceito do direito à renda mínima em todo o Brasil. Nesta quinta-feita, dia 03 de agosto, a Prefeita de Salvador, Lídice da Mata, está sancionando o programa de garantia de renda mínima familiar, a exemplo do que foi adotado no Governo do Distrito Federal, pelo Governador Cristovam Buarque, do Partido dos Trabalhadores, e do Prefeito de Campinas, no caso, do PSDB, José Roberto Magalhães Teixeira.

Na última segunda-feira, houve uma audiência pública nas Câmaras Municipais, primeiro de Pitangueiras, cidade de 140 mil habitantes, localizada a 40 quilômetros de Ribeirão Preto, e à noite na cidade de Ribeirão Preto, com as presenças dos Prefeitos Antonio Palocci e José Roberto Magalhães Teixeira, de Campinas, de seis outros prefeitos e de mais de 15 vereadores das cidades vizinhas.

No próximo dia 12, em Campinas, haverá audiência pública para debater o Programa de Garantia de Renda Mínima familiar, com a presença do Governador Cristovam Buarque, do Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira e da Prefeita Lídice da Mata. Repetir-se-á a audiência pública no dia 26 de julho, na Câmara Municipal de São José dos Campos.

Amanhã estarei presente, convidado que fui pelo Conselho Nacional de Seguridade Social, para apresentar o Programa de Garantia de Renda Mínima.

Avalio que mais e mais este conceito acaba se colocando como algo que não é mais apenas aquilo que foi exposto em 1796 pelo maior ideólogo da Revolução Americana e da Revolução Francesa, Thomas Paine, que no ensaio Justiça Agrária, elaborado para o Diretório Francês, escreveu que toda pessoa deveria ter o direito de participar minimamente do usufruto dos recursos da nação, propondo, então, que todas as pessoas de 50 anos ou mais tivessem o direito a uma pensão e que todos aqueles que completassem 21 anos recebessem 15 libras, como compensação, em parte, pela perda de sua herança natural.

É uma proposição que ganha adeptos, no mais amplo espectro do pensamento filosófico e econômico, entre os cientistas sociais. O próprio Bertrand Russel, em 1918, expôs também que na sociedade que ele visualizava cada pessoa deveria, minimamente, ter direito a receber o suficiente para as suas necessidades, e daí para a frente cada um poderia receber de acordo com o seu talento, a sua energia, a sua dedicação, e assim por diante.

Mais e mais está se consolidando, nas diversas nações do mundo e no Brasil também, a idéia de que faz-se necessário dar o direito a todos de participar, minimamente, do usufruto da riqueza da nação.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/08/1995 - Página 12783