Discurso no Senado Federal

PAPEL DA SOCIAL-DEMOCRACIA NO CENARIO MUNDIAL.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PAPEL DA SOCIAL-DEMOCRACIA NO CENARIO MUNDIAL.
Aparteantes
Jefferson Peres, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DCN2 de 31/08/1995 - Página 14838
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CONCEPÇÃO, ORADOR, FUNÇÃO, DOUTRINA, NATUREZA POLITICA, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL, SOCIALIZAÇÃO, DEMOCRACIA, PAIS.

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o discurso que acaba de proferir o Senador Antonio Carlos Valadares de certa forma dispensa alguns comentários introdutórios que eu gostaria de fazer.

Embora consciente de que o destino de muitas das palavras que proferimos nesta tribuna seja o de se perderem ao vento, ou na desatenção ou no esquecimento, entendo que temos deveres, obrigações com a sociedade brasileira dos quais não podemos abrir mão.

Preocupa-me, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o fato de que há verdades que estão sendo ditas reiteradamente com a mesma ênfase com que foram ditas outras "verdades" no passado. Já tivemos outros figurantes definindo os caminhos ideais para a economia brasileira.

Uma vez, falando sobre seus colegas, um economista brasileiro disse, com muita perversidade e malícia, que eles estavam se notabilizando pela capacidade de explicar brilhantemente por que as coisas não aconteceram como haviam anunciado.

Acredito que estamos precisando agora de chegar a um acordo intelectual sobre os grandes propósitos do processo de liderança política, do avanço social e econômico de uma sociedade. Afinal de contas, toda complicação em que se converteu o conjunto de atividades econômicas nada mais é do que a forma que assumiram nos tempos de hoje, os esforços das pessoas e da sociedade para atender as necessidades de bens e de serviços de cada um de nós; dando-nos o direito, portanto, de imaginar que, quanto mais perto estivermos de garantir às pessoas um suprimento adequado dos bens e serviços de que necessitam, mais perto estaremos do desempenho ideal para uma economia qualquer.

Isso significa que, na medida em que o processo econômico nos distancia desse objetivo, no mínimo os seus gestores precisam ter a humildade de refletir sobre o que está acontecendo. Sabemos que muitas vezes o que está acontecendo não pode e não deve ser modificado. Sempre existe o risco ou a possibilidade de, tentando melhorar uma situação, alterarmos políticas que estão sendo praticadas; e, ao invés de melhorar, agravamos, complicamos o quadro sobre o qual interferimos.

Mas, de qualquer forma, o mínimo que se espera é que não haja mais donos da verdade.

Tempos estranhos esses que vivemos hoje, Sr. Presidente, Srs. Senadores!

Houve época, como bem o sabe o eminente Senador Lauro Campos, como bem o sabe o eminente Senador Jefferson Péres - ambos Professores de Economia em nosso País -, em que se falar em estagnação econômica, convivendo com inflação, era uma heresia, até que esse panorama esquisito e absurdo começou a acontecer no mundo, dando lugar à criação de uma das palavras mais feias de que tenho notícia no idioma Português, que é "estagflação".

Agora, estamos vendo, aqui e ali, o fenômeno inverso. Falar em desenvolvimento, em aceleração do processo econômico e aumento dos níveis de desemprego é um absurdo tão grande quanto era esperar inflação em um cenário de estagnação econômica.

E o que estamos vendo hoje? Estamos vendo, por exemplo, a economia - que, para nós, pelo menos para muitos de nós é paradigmática - dos Estados Unidos da América em recuperação, em aquecimento, em crescimento, em expansão, saindo alegremente de uma fase de profunda recessão, e as taxas de desemprego aumentando ao mesmo tempo.

O que será que está acontecendo neste mundo estranho, um mundo que, por um lado, se globaliza - as fronteiras começam a se tornar desenhos pálidos sobre folhas de papel antigo - um mundo que se universaliza e, ao mesmo tempo, que assiste ao renascimento de novas formas de nacionalismo, baseadas não no traçado das fronteiras geográficas e políticas, mas num traçado estranho e surpreendente para um final de século como este, onde existe a divisão das etnias, como se novas formas de racismo florescessem num mundo que se pretende globalizar?

No fundo, estamos num final de século cheio de contradições, de desafios de fenômenos incompreensíveis. Agora, mais do que antes, o chiste do economista, que diz que muitos se dedicam a explicar porque as coisas não aconteceram como eles pensavam, torna-se mais próximo e, agora, mais do que nunca, precisávamos refletir sobre que papel, afinal, estamos a exercer.

Houve um tempo, não muito remoto, em que se alguém falasse sobre um telefone celular, desses que pululam ao nosso lado, tilintam e chamam, às vezes nos momentos mais inoportunos; estaria falando em brinquedos e fantasias de Flash Gordon, de gibi e de guri. E eles estão hoje aqui materializados.

Há hoje um novo tempo - e as coisas estão acontecendo aí fora deste plenário -, em que o simples acesso a um microcomputador sobre a mesa dos Senadores, lhes permite uma comunicação quase instantânea com o mundo; comprar mercadorias, por exemplo, simplesmente acionando meia dúzia de botões.

Acredito que estejamos perto, por exemplo, de assistir àquilo que Nicholas Negroponte anuncia no seu trabalho "A Vida Digital": o computador deixando de ser um trambolho muito grande sobre a mesa ou uma maquininha parecida com um tijolo pesado em nosso bolso para se transformar numa peça com dois décimos de milímetro de espessura, parecido com uma folha de papel, que poderemos dobrar e carregar no bolso.

Essas coisas que estão acontecendo estão mudando a relação do homem com a máquina, a estrutura da sociedade, o discurso dos políticos e o seu compromisso com a realidade.

Não estou me referindo nem ao Brasil. Vimos na história recente do mundo que a eleição de François Mitterrand, que representou a vitória do socialismo na França, poucos anos depois refluia inapelavelmente para uma linha neoliberal mais aberta, do que a dos liberais que ele derrotara.

Felipe González, na Espanha, não está fazendo diferente. Não foi diferente em parte alguma, mesmo agora em países da antiga Cortina de Ferro, onde, como na Hungria, voltaram ao poder forças que haviam sido depostas pelas transformações que derrubaram ali o socialismo. Essas forças assumem o poder procurando representar o renascimento dos propósitos socialistas, e passam a ser muito mais neoliberais do que aqueles a quem acabam de derrotar.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Com muita honra, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª está trazendo ao debate a experiência da França e da Espanha, de dois socialistas históricos como François Mitterrand e Felipe González, que, alçados ao poder, tiveram que praticar reformas que de certa maneira caminharam na direção contrária daquilo que pregaram durante toda sua vida. No caso de François Mitterrand o "castigo" foi maior uma vez que teve que desfazer o que tinha feito. Estatizou, por exemplo, o sistema bancário na França e depois teve que promover a privatização. Essa é uma realidade que se impõe aos governos e aos países, contra a qual se pode fazer pouco, porque é uma espécie de determinante nova para a evolução dos Estados. Mas o importante é que, mesmo assim, mesmo praticando esse tipo de política que, de certa maneira, contradiz a trajetória inicial, se guarde o compromisso social, o de estabelecer políticas públicas que permitam a certas populações marginalizadas se desenvolverem - política na área da educação, da saúde, da habitação, do emprego, do transporte. Aí, sim, há um campo enorme para se praticar a doutrina socialdemocrática. Evidentemente, se o Estado reduz de tamanho, se o Estado deixa de ser o empresário, se o Estado deixa de ser proprietário de empresas e de interferir diretamente na economia, tem um grande papel a cumprir na execução de políticas públicas, principalmente voltadas para o social. Creio que foi dessa forma que o Presidente Fernando Henrique definiu-se como neo-social; criou um ideologismo no sentido de reafirmar naquele momento o seu compromisso de promover o desenvolvimento do Brasil e conseqüentemente de abrir horizontes para que a população, ainda em grande parcela inferiorizada, marginalizada, analfabeta, desempregada, doente, possa enfim encontrar a sua redenção. É neste sentido que trouxe esta pequena colaboração ao discurso de V. Exª: mostrar que, mesmo na aparente contradição que existe no fato de os socialdemocratas promoverem a reforma do Estado, de reduzirem o tamanho do Estado, de privatizarem empresas de propriedades do Estado, podem-se reafirmar os compromissos sociais com os povos dos diferentes países.

O SR. GERALDO MELO - Agradeço a V. Exª pelo aparte, que enriqueceu em muito o que eu modestamente estava pretendendo dizer nesta tribuna.

Na verdade, não me sinto preparado para oferecer caminhos; apenas as inquietações do meu espírito obrigam-me, em face das minhas responsabilidades de Senador do Brasil, a vir a esta Casa transmiti-las e a esperar que a sabedoria e a prudência dos meus pares nos ajudem, aos poucos, a encontrar caminhos.

A esta Casa cheguei como socialdemocrata. Não fui eleito como neoliberal. Foi como socialdemocrata que me sentei numa dessas cadeiras azuis e é como socialdemocrata que eu gostaria de continuar sentado aqui.

A grande questão é: em que consiste, dentro dessa nova realidade do mundo, o papel, a verdadeira proposta do socialdemocrata que não deseja olhar para o mundo flutuando no espaço, mas com os pés no chão, e que reconhece essas realidades que ninguém conseguiu evitar no mundo e sabe que não seremos nós que iremos fazê-lo aqui. Em que consiste, então, a nossa proposta?

O Sr. Jefferson Péres - Permite V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Com prazer Senador.

O Sr. Jefferson Péres - Ilustre Senador Geraldo Melo, meu correligionário, V. Exª aborda o assunto com a competência habitual.

O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, Senador.

O Sr. Jefferson Péres - Realmente, nós que nos julgamos, e somos, socialdemocratas, vemo-nos sob o fogo da incompreensão em relação ao Governo Fernando Henrique Cardoso. Não sei exatamente o que é ser neoliberal, mas sei o que é ser socialdemocrata. Socialdemocracia - não sei o que pensa V. Exª -, na minha concepção, é a firme opção pela economia de mercado. Quanto a isso, não há dúvida; economia de mercado, sim. Mas é, como disse o companheiro Lúcio Alcântara, o compromisso inarredável com o papel do Estado não apenas como regulador da economia, mas também com o social. Creio que o serviço universal e gratuito de saúde, o serviço universal de educação, o serviço universal de previdência social pública são setores que devem ser assistidos pelo governo socialdemocrata. Não se está tendo compreensão no atual Governo, ilustre Senador Geraldo Melo, de que, para que se executem políticas sociais, há a necessidade de recuperar a capacidade operacional do Estado. E isso passa necessariamente por uma política de estabilidade de preços, condição necessária, embora não suficiente, para execução da política social. Senador Geraldo Melo, sem entrar na disputa entre heterodoxos e ortodoxos na economia, é certo que não existe cura indolor da inflação. Ninguém aponta, em país nenhum do mundo, cura indolor da inflação; ela tem um custo. A cura da inflação é uma purgação, porque gera distorções na economia e inclusive pode levar a uma pequena recessão, desde que não seja evidentemente prolongada e insuportável. Política de estabilização é uma sintonia fina; é o pé no freio e no acelerador; é não apenas ciência econômica, mas também arte. Isso é o que a equipe econômica tem de demonstrar, o que é muito difícil. Evidentemente, quem é atingido não gosta, grita; é natural. Pensar que o Governo pode abandonar a política de estabilidade para lançar-se em política social é suicídio, é ilusão, é realmente não ter os pés no chão.

O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, Senador Jefferson Péres.

Na minha opinião, esta política social, que seria o renascimento do estado do bem-estar, hoje não tem mais vez. Ela pode estar até em nossos sonhos, mas ela não tem vez. Eu não acredito nela, até porque acho que não podemos evitar de fazer o que estamos fazendo, mesmo sabendo que o que estamos fazendo tem como conseqüência a acentuação das desigualdades sociais, a aceleração do processo de concentração de riqueza e a elevação dos níveis de desemprego. Esse é o preço, eu compreendo. Agora, um preço que precisa ser dosado, pois existe sobre nós, acima de nós, o peso de uma vontade, esta sim soberana e incoercível, que é o peso da vontade da sociedade, que tolerará as dores até onde possa suportá-las. Não podemos, por um lado, querer consolar o sofrimento das pessoas apenas dando-lhes a notícia de que temos uma moeda estável, porque o que mata a fome das pessoas é comida na mesa. O que garante o futuro das crianças é o emprego dos pais dessas crianças, o salário deles. Não somos culpados pela situação que está sendo criada; não é culpa do governo que estamos realizando no Brasil que essas coisas aconteçam.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - (Faz soar a campainha, advertindo o orador em relação ao tempo.)

O SR. GERALDO MELO - Sr. Presidente, peço a compreensão de V. Exª para apenas concluir o que desejava dizer.

Não que nenhum governo esteja desencadeando esse processo de contradições, qualquer governo o teria de desencadear. O que precisamos agora é descobrir qual o nosso itinerário, a nossa trajetória dentro da nova realidade que, voluntariamente ou não, estamos criando.

Acredito, para concluir, que houve um tempo antes dos computadores, da mágica de toda a parafernália científica e tecnológica de hoje, que houve um tempo, repito, há 30 ou 40 anos, em que se alguém, residindo na minha cidade de Natal, quisesse resolver um negócio em São Paulo, talvez gastasse três meses: manda carta, espera resposta; recebe a resposta. Talvez gastasse um, dois, três meses. Hoje, vai um fax para lá, vem um fax para cá. A questão é: o que fez a Humanidade do tempo ganho? Não há ninguém que esteja desocupado somente porque aquilo que resolvia antes em três meses pode resolver-se agora em três minutos! E penso que por trás do grande desafio - e essa é a questão que deixo a esta Casa para sua reflexão - de encontrar o verdadeiro itinerário da social-democracia dentro da nova realidade do mundo, está o de encontrarmos formas de permitir que os agentes produtivos produzam, encontrarmos forma de levar produtos e serviços a casa das pessoas onde eles são necessários e, sobretudo, encontrarmos formas de transferir para os indivíduos, não apenas para os trabalhadores, para todos os indivíduos, o benefício do tempo ganho, o benefício do aumento de produtividade; que ele seja incorporado ao bem estar, ao lazer, à vida das pessoas e não apenas ao crescimento das máquinas presumivelmente feitas para servi-las. Creio que este é o desafio do século que vamos iniciar, e creio, Srªs e Srs. Senadores, que, se não queremos legislar neste Congresso brasileiro para o passado, para uma sociedade que está em extinção, mas queremos legislar para o futuro que nasce e começa a ser construído no mundo inteiro, não podemos ignorar sua nova configuração, o novo perfil que assume a sociedade nos dias que correm.

Muito obrigado Sr. Presidente.

O Sr. Pedro Simon - Permite V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Se a Mesa me permitir, com muita honra. Penso que a Casa nada perderia se nós o ouvíssemos.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - A Presidência concorda que a Casa nada perderia; ao contrário, sempre ficaria muito honrada. Mas V. Exª já ultrapassou em oito minutos o seu tempo e temos ainda vários oradores inscritos.

O SR. GERALDO MELO - Agradeço a paciência e a generosidade de V. Exª. Quero apenas retificar, para efeito de registro, que foram cinco minutos.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 31/08/1995 - Página 14838