Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AOS 93 ANOS DO EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AOS 93 ANOS DO EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15693
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

A SRª JÚNIA MARISE (PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. José Sarney, Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional; Srª Sarah Kubitschek; Sr. Cristovam Buarque, Governador do Distrito Federal; Sr. Walfrido Mares Guia, Governador em exercício de Minas Gerais; Sr. Paulo Paiva, Ministro do Trabalho; Srs. Senadores; Srs. Embaixadores; Autoridades Eclesiásticas; Srs. Secretários de Estados; Srs. Deputados Federais; minha querida amiga Márcia Kubitschek; caro Sr. Senador Renan Calheiros, Vice-Presidente do Senado Federal:

A menina de Belo Horizonte ainda o vê, em sua memória, como a reunião de todos o sentimentos dos quais se faz a Pátria. Ele era o líder, com sua voz firme, o timbre metalizado dos homens da montanha, o olhar direto, a pele morena da região dos garimpos e as idéias claras, simples, mas brilhantes como as águas quebradas das cachoeiras de Minas. A menina ainda o vê em sua memória e sente por saber que os homens são mortais, quando alguns deles deveriam ter a idade prolongada em séculos, porque, sem eles, as pátrias mínguam, esmorecem, acanham-se, choram e muitas vezes morrem.

Dá-me vontade, senhoras e senhores, de lhe pedir que saia do mistério da morte, que venha a esta tribuna que foi sua, e faça o discurso que dele ainda esperamos, e que com o seu sorriso nos devolva aquela ânimo e a confiança no futuro do Brasil, para um povo que vive e sofre com a violência, o desemprego, a recessão e a miséria.

Na evocação da História, as gerações não esquecem a despedida dos mineiros, quando ele se preparava para deixar a Presidência da República, em histórico comício na Praça da Liberdade:

      "Volte Dr. Juscelino Kubitschek, não nos deixe!

      O Brasil precisa do senhor, de sua alegria e do seu amor ao nosso povo..."

Ele era, conforme disse Paulo Pinheiro Chagas, o contemporâneo do futuro. Tinha, em comum com os arquitetos ousados, aquela capacidade de pensar, de ver, como viu, em Belo Horizonte, onde havia apenas um córrego em meio à densa vegetação dos brejos, o belíssimo conjunto da Pampulha, para trazer ao mundo a arquitetura moderna.

Ele a viu - e a Pampulha se fez, com o concurso de homens como Oscar Niemeyer, Burle Marx e Cândido Portinari.

Foi assim que ele, ao chegar pela primeira vez a estes altos e desertos páramos, primeiro construiu Brasília com seus olhos, elevando-a dos riscos de Lúcio Costa, pressentindo o sorriso de vitória de todos os brasileiros, para depois vê-la erguer-se, o cimento argamassado com o suor dos trabalhadores.

De todos os pontos cardeais para aqui vieram os brasileiros, a seu chamado. Entre tantos e grandes líderes de nosso século, Juscelino foi aquele que não reuniu as massas para a guerra, nem para a violência dos totalitarismos.

Juscelino foi um dos maiores condutores de homens, porque os chamou para construir e não para destruir; chamou-os para a esperança e não para o ódio; convocou-os para a alegria, e não para o lamento. Por isso o seu povo construiu, robusteceu-se na esperança, animou-se na alegria.

Ao construir Brasília, ao abrir as grandes rodovias, ao conter as águas nas grandes represas, o povo brasileiro também se construiu. Levantou-se ao seu lado, e, com os olhos do líder, viu descerrar-se o horizonte do tempo, e viu brotar cidades em meio ao vazio dos confins do centro-oeste, viu os cerrados cobertos de espigas maduras, vagens maduras, de celeiros repletos.

Nunca o povo criou tanto, nas artes plásticas, no cinema, na literatura, na música popular. O tempo de Juscelino é o tempo do Cinema Novo, da Bossa Nova, de Guimarães Rosa, do Teatro Brasileiro de Comédia, do Teatro de Arena em São Paulo, da memorável vitória da Seleção Brasileira de Futebol em 1958, em Estocolmo.

Mas, em seu legado, estava também o propósito de justiça. Em nenhum outro tempo brasileiro o trabalho foi tão respeitado como em seus cinco anos de Governo. O salário mínimo teve aumento real e não apenas o reajuste no dia 1º de maio.

A assistência à saúde, com o Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência, custeado pela Previdência Social, garantia ao trabalhador urbano e a sua família uma assistência de primeira qualidade. Ainda recentemente vimos pela televisão o funcionamento de serviço similar na França como sendo fantástica conquista social do Primeiro Mundo, quando SAMDU era uma realidade brasileira há mais de 35 anos.

Infelizmente ele não pôde completar a construção do país que tinha erguido na ilimitada paisagem da sua própria alma.

Há alguns dias conversava com um pioneiro de Brasília que aqui chegou antes dos vinte anos para trabalhar como operário. Não enriqueceu, mas pôde reunir um modesto patrimônio que garante a sua velhice e pôde, mais do que isso, formar sua família, educar seus filhos, vê-los freqüentar a universidade que, com suas mãos, ajudou a construir. Disse-me ele com simplicidade que veio porque viu em uma das revistas ilustradas da época o Presidente no meio do cerrado e sentiu que, vindo para Brasília, podia ajudá-lo a construir a nova capital. Contou-me que apertou a mão do Presidente no dia em que ele visitou a obra em que trabalhava e que, quinze anos mais tarde, foi um dos muitos brasilienses que levaram o corpo de Juscelino para o seu túmulo. "Naquele dia..." - foi o que disse esse homem modesto, cuja mãos vitoriosas ainda guardam a memória dos calos dos anos difíceis - "...se houvesse violência contra o povo, não sei o que haveria. Todos nós estávamos dispostos a acompanhar o Dr. Juscelino, mesmo na morte".

Senhoras e Senhores, na homenagem ao grande Líder brasileiro, sou obrigado a falar nas inquietações do presente. Estou certa de que ele, se pudesse ouvir-nos, gostaria de saber como está sendo o Brasil de hoje.

O que podemos dizer ao criador da CEMIG e ao consolidador da PETROBRÁS e da ELETROBRÁS? O que lhe dizer da Indústria Química de Base, da Companhia Nacional de Álcalis, do grande complexo siderúrgico nacional?

O que lhe podemos dizer, quando um dos maiores orgulhos dos homens de Minas, a Companhia Vale do Rio Doce, está sob ameaça de ser vendida? O que lhe podemos dizer quando, neste mesmo setembro em que lembramos o seu nascimento, trabalhadores sem terra esperam a chegada de forças policiais para desalojá-los de latifúndios improdutivos, movidos pela miséria?

O que lhe podemos dizer quando a poderosa indústria de São Paulo joga na rua cinqüenta mil trabalhadores, apenas nos 30 dias do último agosto?

O que podemos dizer ao homem que teve a coragem de romper com o Fundo Monetário Internacional, quando as autoridades econômicas de hoje não se pejam de seguir o catecismo do consenso de Washington?

O que podemos dizer ao homem que foi solidário com Vargas, quando se diz que a era de Vargas está encerrada? Quando uma era se encerra é porque outra lhe toma o lugar. A era de Vargas, continuada no tempo de Juscelino, foi a era da busca da justiça social, da industrialização do País, da ocupação do território, da política externa independente.

Peço aos familiares e amigos do grande brasileiro que compreendam essas minhas observações. O grande mineiro é um homem da História, e é preciso vê-lo em sua importância histórica. Só podemos ver realmente o que ele fez para o Brasil, quando comparamos a sua ação com a de seus sucessores na chefia do Estado e do Governo.

Ele sabia, desde o primeiro momento, quando vestiu a farda de oficial-médico da Polícia Militar de Minas Gerais, que deixava de pertencer-se para servir ao povo. E que tudo o que fizesse, até o dia de sua morte, estaria registrado na memória da Pátria.

Durante 44 anos, de 1932 a 1976, Juscelino nada fez que não se relacionasse com o destino de nosso povo, da nossa Pátria.

Mas se nele sempre esteve presente a coragem moral, a virilidade cívica, nunca o ódio e o ressentimento encontraram abrigo em seu coração. Cassados os seus direitos políticos, Juscelino se manteve sereno. Perseguido, não se deixou abater.

Instado pelos seus amigos, entre eles Tancredo Neves, para que partisse para o exílio, ele o fez com a consciência de que, assim agindo, contribuía para que se arrefecesse a repressão interna. Ao retornar ao País entendeu que a sua presença já era uma bandeira de esperança.

Não era preciso que conspirasse. Ao vê-lo nos lugares públicos, sempre discreto, o povo via a sua esperança.

No dia 25 de agosto de 1976, encontrava termo uma vida, mas vinha à luz um símbolo.

Juscelino transformou-se num símbolo e nos valores nos quais o povo e a Pátria acreditam. Convoca a unir forças e vontades, e chama para lembranças que se constituem alicerces para projetar o futuro.

Em abril de 1960, o mesmo Juscelino traduzia seus sentimentos em memorável fala:

      "Somos um povo que se levanta e já não quer a mediocridade: um povo que decretou guerra de morte ao subdesenvolvimento e se decidiu a tirar milhões de brasileiros das condições de atraso que atentam contra a dignidade. Declaramos guerra aberta à estagnação, lançando-nos à conquista do nosso patrimônio territorial, até agora quase todo inaproveitado. O que parecia faltar-nos era a crença em nós mesmos; o que nos faltava realmente era a convicção de não sermos menos hábeis, nem menos enérgicos do que outros povos; o que não nos socorria era o sentimento afirmativo de podermos agir no plano da grandeza."

Se há um sentimento que se destaca, na rica e poderosa personalidade de Juscelino Kubitschek de Oliveira, esse sentimento é o da alegria. Juscelino amou seu povo, seu País, como amou seu berço - Minas Gerais - e, ao amá-los, amou a vida.

E foi junto ao povo que Juscelino comemorou seu último aniversário, neste mesmo dia 12 de setembro, como Presidente do Brasil.

De volta a Brasília, após percorrer vários Estados, os candangos se reuniram para prestar homenagem ao homem que os comandara durante três anos e meio.

De pé, no palanque, o Presidente evocou, emocionado, diante do entardecer da cidade que construiu, a esperança do futuro:

      - "Tudo se transforma em alvorada nesta cidade que se abre para o amanhã. O último setembro que compartilho convosco como Presidente da República me inspira, ao invés da melancolia do adeus, o júbilo contagiante da metrópole, sua confiança no porvir..."

Como era um homem desprovido de ódio e ressentimento, pôde o grande Presidente anistiar, por duas vezes, os que quiseram derrubá-lo pela força. Tanto em um episódio, como no outro, tanto em Jacareacanga, como em Aragarças, o Presidente não titubeou em empregar os recursos bélicos necessários para conter as rebeliões iniciais. Não podia contemporizar com a insurreição, porque seria desmoralizar o poder democrático e civil em nome do qual governava.

Mas, não hesitou tampouco em determinar a anistia, em devolver para a carreira militar os chefes das rebeliões. Os que se haviam exilado retornaram logo ao País.

Só os homens realmente poderosos podem ter essa generosidade.

Juscelino era nacionalista, mas não foi xenófobo. Descendente, pelo lado materno, de imigrantes tchecos, que chegaram ao Brasil em meados do Século XIX, mas com o sangue dos mineiros mais antigos, pelo lado do pai, João César de Oliveira, dele herdou o amor à terra, o encantamento diante das montanhas e dos rios.

Menino pobre de Diamantina, filho de modesta professora, e muito cedo órfão de pai, foi para Belo Horizonte ainda adolescente, para ali encontrar, no trabalho e nos estudos, o caminho da realização. Desde cedo, é o testemunho de seus amigos e contemporâneos, nele se encontrava o líder.

Na vida modesta de menino, no centro geográfico de Minas, Juscelino aprendeu a amar o Brasil em sua humanidade singela, nos tropeiros que chegavam ao velho mercado, nos garimpeiros que enfrentavam o frio enevoado das serras, nelas abrindo grupiaras, sujigando riachos, lavando as areias e cascalhos.

Foi assim que ele começou a amar o Brasil, que quis conhecer inteiro, com os olhos enamorados de adolescente.

Uma vez, em plena selva, quando Bernardo Sayão abria o caminho central norte-sul, a Rodovia Belém-Brasília, diante da verde imensidão, e sob um céu muito azul, ele não se conteve e gritou alto, como se bradasse o lema de nova independência:

"Êta Brasilzão! Viva o Brasil!"

Marcado pela rica experiência histórica de Minas, que acolheu, no Século XVIII, homens e mulheres de todos os quatro cantos do mundo.

Foram judeus e indianos, franceses e alemães, italianos e espanhóis, perseguidos pela intolerância religiosa e atraídos pelo ouro, os que fecundaram, no terreno metálico da Capitania, a civilização mediterrânea e nuclear do Brasil.

O que marcou essa humanidade, dando a gente de tão diversa e rica procedência uma humanidade própria, foi o amor à liberdade. O amor à liberdade que as reuniu em meio às montanhas e florestas, a centenas de quilômetros do mar, e que determinou a conspiração de l789.

Os mineiros, como a vida de Juscelino mostrou, acolhem todos com amor, desde que assumam com a Pátria, como disse Guimarães Rosa, o pacto de fidelidade.

Juscelino aceitou aqui o capital e a tecnologia vindos do estrangeiro. Capital e tecnologia que ajudaram no cumprimento das metas anunciadas.

Mas, no momento em que os interesses estrangeiros pretenderam ferir a nossa soberania, ele não relutou em agir com firmeza. Mostrou um Brasil independente, uma Pátria soberana.

Esta é a marca que distingue os verdadeiros homens de Estado. Os homens de Estado exercem um sacerdócio muito mais rigoroso do que aquele dos servidores das confissões religiosas.

Como dizia o Cardeal Richelieu, os homens podem confiar na salvação eterna, mas o Estado é uma instituição temporal, que não vai com os homens para o céu.

A sua salvação ou sua perdição dependem de decisões que devem ser tomadas, quando as circunstâncias assim o exigem. Deus pode perdoar os que pecam, mas a História não perdoa os que fazem perder as nações.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs Senadores, Srs. Governadores, Srª Sarah Kubitschek, senhoras e senhores, a obra que representou o canto do cisne de sua visão de estadista tornou-se o símbolo que desencadeou o processo de incorporação definitiva de vastas regiões marginais do País ao desenvolvimento nacional.

Na expressão de Aldous Huxley, Brasília é "uma jornada do ontem para o amanhã, de conquistas antigas às novas promessas".

Juscelino tornou-se um símbolo de um povo determinado a crescer:

      "O que Juscelino mais conseguiu, e daí seu triunfo,..." - afirmou o ex-Senador Teotônio Vilela - "...foi canalizar, comandar, com amor e alegria, argúcia e pertinácia, parcelas vivas dos anseios nacionais."

Seus contemporâneos, mineiros e brasileiros, em todos esses anos de reminiscências e saudades, lembram de Juscelino como um grande estadista.

Foi assim que Adolfo Bloch descreveu o homem com quem conviveu, durante os últimos 14 anos de vida de Juscelino:

      "Meu Presidente está no Campo da Esperança. Para os brasileiros ele continua vivo."

Senhoras e senhores, a menina de Belo Horizonte, que o voto dos mineiros trouxe ao Senado da República, sente-se privilegiada de ter vivido, em seus primeiros anos, o tempo de Juscelino Kubitschek na Presidência da República.

Ele nos ensinou que o amor ao Brasil é o amor a todos os seus filhos e que a Nação não se faz sem o suor dos candangos, sem o sacrifício dos soldados que guardam as fronteiras, sem a contribuição dos intelectuais.

Homens como ele nos dizem que vale a pena a luta, que vale a pena a esperança, que vale a pena o amor.

Esses sentimentos estarão conosco enquanto ouvirmos ecoar, na memória da Pátria, por estas montanhas e vales intemporais, por este imenso planalto, a sua voz poderosa de líder.

Muito obrigada. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15693