Discurso no Senado Federal

REFORMA AGRARIA E A VIOLENCIA NO CAMPO. APLAUSOS AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PELA NOMEAÇÃO DO ENGENHEIRO AGRONOMO FRANCISCO GRAZIANO PARA A PRESIDENCIA DO INCRA, QUE PODE SIGNIFICAR NOVO RUMO A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Bernardo Cabral (PP - Partido Progressista/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REFORMA AGRARIA E A VIOLENCIA NO CAMPO. APLAUSOS AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PELA NOMEAÇÃO DO ENGENHEIRO AGRONOMO FRANCISCO GRAZIANO PARA A PRESIDENCIA DO INCRA, QUE PODE SIGNIFICAR NOVO RUMO A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Jefferson Peres, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/09/1995 - Página 17137
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, CONFLITO, TERRAS, VIOLENCIA, CAMPO, DEFINIÇÃO, NATUREZA SOCIAL, PROBLEMA, ASSUNTOS FUNDIARIOS, RESPONSABILIDADE, GOVERNO, EFICACIA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • CONGRATULAÇÕES, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NOMEAÇÃO, FRANCISCO GRAZIANO, AGRONOMO, PRESIDENCIA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), EMPENHO, BUSCA, SOLUÇÃO, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O SR. BERNARDO CABRAL (PP-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que um dos problemas que aflige a Nação é a reforma agrária. Hoje, ela ultrapassa as fronteiras do nosso País para se tornar um problema que repercute no exterior.

Para se ter idéia do que representa o problema fundiário, basta que se registre alguns dados estatísticos: 379 conflitos de terra e 36 crimes de morte - apenas no ano passado. Nos três anos anteriores, tivemos o elevado número de 1.105 conflitos e 126 mortes, para registrar que o problema dos chamados sem-terra é de suma gravidade há muito tempo.

Movida por essa circunstância, a Comissão de Relações Exteriores, através de uma sugestão do eminente Senador Pedro Simon, acolhida por todos os membros daquela Comissão, delegaram ao Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, a tarefa de convocar as autoridades ligadas ao assunto para realizar uma reunião de caráter sigiloso, até porque não se sabia qual a profundidade da matéria que seria analisada, vez que os jornais vinham noticiando a influência do chamado grupo Sendero Luminoso em alguns integrantes do MST - Movimento dos Sem-Terra.

O que ali ficou devidamente esclarecido e que pode ser revelado, porque a própria imprensa já registrou, é que, no depoimento dos dois generais - um, Chefe do Centro de Inteligência do Exército, órgão subordinado diretamente ao Ministro do Exército, General Cláudio Figueiredo; e outro, General Fernando Cardoso, que será o Chefe da futura Agência Brasileira de Inteligência -, em nenhum instante existe o viés ideológico no Movimento dos Sem-Terra. E mais: a presença do PT, no debate a que acorreram os Senadores Eduardo Suplicy, Marina Silva e Benedita da Silva, foi a comprovação de que o referido partido contribui, no sentido de se encontrar um acordo, junto com a CNBB, para a solução do problema gravíssimo, que é a questão fundiária.

Ali foi dito, em várias e determinadas oportunidades, que não se pode imaginar - e esta é uma expressão minha, Sr. Presidente - o conflito fundiário como um conflito policial, a quem se deve atribuir a competência para resolver o problema à base de tiros, pedras ou coisas semelhantes. O problema fundiário é sobretudo social e, sem dúvida alguma, de responsabilidade do Governo, ao qual todos nós devemos aderir para encontrar caminhos e apontar soluções.

É muito fácil, num problema exclusivo como esse, alguém tirar partido - e, nesse caso, partido no sentido de promoção pessoal - para dizer, de forma desencontrada, que bastaria a presença do Exército Brasileiro, ou da Polícia Federal, em áreas que são estaduais - e, portanto, a autonomia deve ser respeitada -, para promover-se à custa dos desafortunados e dos excluídos.

O que é que está acontecendo, Sr. Presidente? De um lado - e a expressão não é minha, registro dando a autoria a quem pertence para lhe não roubar a idéia, que é da Senador Marina Silva -, estamos frente a uma elite agrária, conservadora e que se contrapõe, criando milícias para resolver; a questão da propriedade sem o enfoque do seu bem-estar social e, de outro, a confusão que uns fazem entre invasão e ocupação.

Geralmente, a ocupação é feita por aqueles sem-terra pobres, miseráveis e desvalidos que precisam de um pedaço de terra para sobreviver; de outro, a invasão tantas vezes é manipulada por interessados em que amanhã a terra seja desapropriada e, valendo-se daquela circunstância social, tirar o proveito de uma terra que, sendo improdutiva, acaba gerando renda para quem não a venderia.

Ora, Sr. Presidente, estamos frente a um problema altamente sério que não pode ser tratado de forma emocional. Está na hora de cada um de nós sentir que a responsabilidade é nossa, é de todos.

Vejo nos jornais de hoje, no noticiário que também ocupou a televisão ontem, que o Presidente da República, em palavras textuais, pregou o desarmamento de espíritos e o fim da radicalização, que, segundo Sua Excelência, prejudica os mais pobres. E aí sugere uma trégua.

Vejo que o Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Raimundo Damasceno de Assis, declara: "É preciso diminuir as tensões no campo. Nenhum problema se resolve na violência e no conflito. Só se faz reforma agrária com diálogo". São palavras de uma autoridade eclesiástica.

O Presidente da República registra que as bravatas servem talvez a uma glória momentânea de um líder, que às vezes não é líder de nada. É líder só no momento em que sai na fotografia, mas depois o problema continua.

Sr. Presidente, essa declaração se coaduna com o que deseja o novo Presidente do INCRA, o engenheiro agrônomo Francisco Graziano. Ou seja, há necessidade - e ele vai propor - de mudanças na Constituição, na lei ordinária sobre reforma agrária, a fim de que "a legislação agrária seja aprimorada para agilizar as desapropriações". Isso é parte do discurso de posse do novo Presidente do INCRA. Colhi essa afirmação com muita alegria porque uma das maiores decepções que tive, ao longo da Constituinte, foi ver aprovado um Texto Constitucional altamente retrógrado e que não fazia, como não fez, justiça àqueles que queriam nova caminhada nesse terreno. Ao contrário, ficou aquém, muito aquém, do Estatuto da Terra, de autoria do General Humberto de Alencar Castello Branco.

Muitas vezes, ouço dizer que não adianta certos líderes intelectuais gritarem e reclamarem, porque se trata de um número insignificante, incapaz de influenciar os sem-terras. Acredito que podem não influenciar, mas são capazes de inspirar atitudes nem sempre dirigidas para aquilo que queremos.

O que é que todos desejamos? Desejamos, Sr. Presidente, trazer o assunto para ser debatido com responsabilidade; desejamos mostrar, como disse ontem Francisco Graziano, que é preciso um contraponto. E lançou o seu lema: dialogar, reformar e assentar. Na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional estávamos todos preocupados, mas não houve nenhum traço, em nenhum instante, nenhuma manifestação que se pudesse gizar uma conotação político-ideológica. O que se quis ali foi demonstrar - participo dessa tese, Sr. Presidente - que o nosso País, estejam certos os eminentes Srs. Senadores, não crescerá sem economia forte, sem distribuição de renda correta, sem diminuição dos problemas sociais, e isso não ocorrerá enquanto não houver reforma agrária e apoio para os que teimam em continuar no campo.

Ora, se a propriedade tem uma função social; se essa função deve ser exercida, é bom lembrar que o nosso País detém 300 milhões de hectares de latifúndios de escassa produtividade, 66 milhões de hectares devolutos e centenas de famílias que buscam trabalho e não dispõem de terra. Como se pode, portanto, imaginar que um político, na acepção correta do termo, possa desviar-se e não se enquadrar em uma caminhada, que é a caminhada de responsabilidade, para todos nós? Seria hoje um terrível dislate imaginar que desfraldar a reforma agrária ao sabor de todas as intempéries, sem estar devidamente com os pés no chão a convocar todos como, segundo a imprensa, está a fazer o Presidente da República, e assim dividir responsabilidade, compartilhar dias melhores para esses que podem servir de massa de manobra, mas que, no fundo, estão querendo um ponto de referência nas suas existências.

Chamo a atenção, Sr. Presidente, Srs. Senadores, para o fato de que esse movimento passa a ter conotação de cidadania: começam a mostrar que, com o avanço que se tem, inclusive ficando para trás aquelas normas antiquadas, fora de foco do Código Civil, da própria Lei da Desapropriação, os tempos são outros e, como são outros, precisamos tratar desse assunto com a seriedade que eu lhes falava no início.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com prazer, ouço V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Jefferson Péres - Desculpe a interrupção, nobre Senador Bernardo Cabral, porque assim vou privar este Senado do privilégio de ouvi-lo durante alguns minutos.

O SR. BERNARDO CABRAL - Não apoiado.

O Sr. Jefferson Péres - V. Exª tranqüiliza esta Casa ao revelar, em seu depoimento de ontem na reunião secreta da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que os órgãos de informação do Exército deram a conhecer àquela Comissão que realmente não existe infiltração do Sendero Luminoso no movimento. Ao mesmo tempo, V. Exª fala sobre a responsabilidade, a moderação com que se pronunciaram naquela sessão Senadores do principal partido de oposição, o Partido dos Trabalhadores. Realmente V. Exª tem razão: trata-se de um problema agudo, complexo, que não tem fácil solução, até porque envolve recursos financeiros seja nos projetos fundiários, demarcações, indenizações, mesmo com títulos da dívida agrária, seja porque o problema é altamente sensível, na medida em que radicais podem apossar-se desse movimento e desvirtuá-lo inteiramente. Como disse o Presidente Fernando Henrique ontem, na cerimônia de Francisco Graziano, à qual estive presente, a radicalização e o uso de violência em movimentos como esse não beneficiam ninguém, mas acabam prejudicando exatamente os mais sofridos e mais humildes. Movimentos como esse, explorados por um partido político, podem ter resultados trágicos, Senador Bernardo Cabral, como aconteceu no Chile. Naquele país, uma reforma agrária feita de forma um tanto precipitada e mal conduzida pelo então Presidente Salvador Allende estimulou, talvez à revelia de sua vontade, invasões de propriedade em massa, desorganização da produção rural, conflitos de tal magnitude que ajudaram muito o golpe militar e o retrocesso que aquele país experimentou. Não é provável, mas não impossível, que isso ocorra no Brasil, se a situação se repetir em nosso país. Por outro lado, Senador Bernardo Cabral, V. Exª também, com muita propriedade, assinala que a nomeação do Dr. Francisco Graziano é sinal altamente positivo do Governo. Eu, que não faço zumbaias ao Poder Público, que sou muito avaro em elogios aos governos, mesmo aos de meu Partido, cumprimentei o Presidente da República ontem pessoalmente pela nomeação do Dr. Graziano. Por tudo que sei do Dr. Francisco Graziano, da sua seriedade, por se tratar de um estudioso, especialista na matéria, a troca que o Presidente da República fez no INCRA foi realmente necessária, oportuna, salutar. Não tenho a ilusão de pensar que o Dr. Francisco Graziano vai resolver o problema - até porque ninguém tem esse condão de resolver um problema desta complexidade -, mas penso que o Governo sinaliza positivamente para a sociedade e demonstra estar realmente decidido a enfrentar com seriedade este grave problema do nosso País. Muito obrigado, Senador.

O SR. BERNARDO CABRAL - A sua avareza, a sua sovinice, a sua somiticaria, Senador Jefferson Péres, não poderia apagar o senso de justiça que V. Exª tem. Na hora em que se trata de um problema da reforma agrária, quero registrar com justiça que se atribui ao PT - não preciso aqui fazer a defesa do PT, até porque os membros que o compõem no Senado estão acima de qualquer pretensão minha - o fato de que, ontem, a reunião da Comissão de Relações Exteriores só foi sigilosa, confidencial, porque não se sabia a extensão. Se nós soubéssemos que a resposta seria aquela, ela teria sido pública e com muita rentabilidade para quem estivesse, conforme reconheceu o próprio Senador Eduardo Suplicy. Quando trago a notícia de que não havia nenhuma conotação é porque já saiu no jornal, e para situar a linha filosófica do meu discurso, que não contém nenhum outro significado senão o de chamar a atenção, pelo menos para nós que somos da região amazônica e que sofremos com os conflitos mundiais. O Pará dá um exemplo, mais do que qualquer um outro, da violência que ali se implantou.

De modo que o Sr. Francisco Graziano, que é um engenheiro agrônomo, que é um especialista da matéria, que tem parentes no PT, talvez possa, por essa caminhada, fazer com que todos nos unamos em torno de um problema que não é desta ou daquela autoridade mas do País inteiro.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Bernardo Cabral, congratulo-me com V. Exª não apenas pela felicidade da escolha deste momentoso tema, mas, principalmente, pela forma magistral e tranqüila com que V. Exª o abordou, sem naturalmente aquele calor de que V. Exª era portador no tempo da cassação do seu mandato e já com a tranqüilidade que lhe deu a experiência, o conhecimento e o saber. Lembro apenas a V. Exª que os problemas não resolvidos, os problemas mal resolvidos, continuam presentes e se manifestam como uma espécie de câncer, sob outras formas, em outros locais. A expulsão, a violência por parte dos proprietários de terra, que no Brasil sempre usaram jagunços, capangas - nos Estados Unidos, os rangers; no Japão, os samurais - para proteger a propriedade desmesurada da terra, fez com que a reforma agrária não pudesse ser implantada no Brasil, e as populações afluíram para as grandes cidades; lá, foram expulsas para as favelas, para os morros. Essa população, completamente desarticulada, marginalizada, lançada a uma vida e a uma atividade subterrâneas, manifesta-se por meio da agressividade urbana, da violência urbana que temos hoje. Os que hoje, sem casa e sem teto, sem emprego e sem condições de vida, manifestam da única forma que possuem, sem ideologia, desorganizadamente, a sua rebelião são aqueles talvez herdeiros de Canudos, que sofreram uma violência mais clara e mais específica. Tiveram que mudar e hoje manifestam dessa forma a sua violência. Para terminar, gostaria de dizer que, do meu ponto de vista, eu que pertenço a uma família dos maiores proprietários de terras em Minas Gerais, digo tranqüilamente que o que se verificou no Brasil foi algo que felizmente aconteceu de uma maneira contrária no Japão. No Japão, cinco daimios, cinco senhores feudais, se reuniram para fazer a reforma agrária, para transformar o Japão num país capitalista, diante da ameaça do Comodoro Perry, em 1864, que com a sua frota, cometeu uma violência contra a população japonesa que estava, num dia santificado, realizando as suas cerimônias. Então, percebendo que alguma coisa poderia acontecer no Japão, como o que havia acontecido na China, com as duas Guerras do Ópio, e a destruição de diversos países do Oriente pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, reuniram-se para edificar um capitalismo reativo, porque sabiam que aquela situação feudal em que se encontravam não lhes daria capacidade de reagir diante da agressividade do capitalismo dominante. Penso que ficamos inermes, ficamos desarmados. O Japão, não. E é por isso que aceitamos aqui estas leis de patentes, aceitamos, até hoje, sem termos um espírito crítico, essa contínua invasão externa de que somos vítimas. Muito agradecido.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Lauro Campos, quero agradecer a V. Exª o aparte. V. Exª que é, além de Professor catedrático, um dos mais destacados Líderes do PT, pela forma como registra o meu pronunciamento.

Ao concluir, Sr. Presidente, penso que cabe uma palavra, eu não diria de elogios mas de registro sincero, de aplauso, por ter o Presidente Fernando Henrique Cardoso chamado a si a responsabilidade dessa questão tão séria que é a reforma agrária. Corre um grande risco. Sem dúvida nenhuma, Sua Excelência está a apostar na solução que lhes podem dar todos aqueles que se reunirão em torno de um problema desta natureza, e um risco tanto maior, porque a solução que se exige é de imediato, é uma solução não só de assentamento às famílias, mas de apoio para que elas sobrevivam. Até porque - vale lembrar - a Revolução Russa de 17 se fez toda ela em termos de terra, de reforma agrária, e os anos transcorreram sem que fosse resolvido.

Por isso, Sr. Presidente, agradecendo a V. Exª e aos eminentes Senadores, registro os meus aplausos ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, por ter tido a coragem de chamar a si o encaminhamento deste problema e de entregá-lo ao engenheiro agrônomo Francisco Graziano, que conheço bem de perto e sei da sua capacidade em contornar e buscar soluções.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/09/1995 - Página 17137