Discurso no Senado Federal

OBSERVAÇÕES FEITAS POR S.EXA. AO MINISTRO DA JUSTIÇA, SR. NELSON JOBIM, POR OCASIÃO DE SEU DEPOIMENTO A COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS SOBRE O PROJETO SIVAM.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • OBSERVAÇÕES FEITAS POR S.EXA. AO MINISTRO DA JUSTIÇA, SR. NELSON JOBIM, POR OCASIÃO DE SEU DEPOIMENTO A COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS SOBRE O PROJETO SIVAM.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/1995 - Página 598
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, DEPOIMENTO, NELSON JOBIM, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, SENADO, RELAÇÃO, PROJETO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), ESCLARECIMENTOS, ALTERAÇÃO, DECRETO FEDERAL, GARANTIA, PRINCIPIO DO CONTRADITORIO, PROCEDIMENTO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, DIREITOS, POPULAÇÃO, LOCAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tal como o Senador Josaphat Marinho e o Senador Bernardo Cabral, também recebi convite do Reitor da Universidade do Amazonas, à qual pertenço como integrante do seu Corpo Docente, para uma reunião com essa mesma finalidade.

Deixo de abordar o assunto porque espero, no meu retorno, fazer um relato a esta Casa da situação em que vou encontrar a Universidade do meu Estado.

Pedi a palavra para um breve registro, Sr. Presidente, a respeito do depoimento prestado, na Comissão de Assuntos Econômicos, nesta semana, pelo Ministro da Justiça, Nelson Jobim, em torno do SIVAM, como instrumento de apoio para demarcação das terras indígenas,

O Ministro da Justiça tratou de um tema da maior importância, principalmente para a minha região, na qual se localizam cerca de 200 mil indígenas.

A Constituição Federal, em boa hora, estabeleceu normas referentes à demarcação de áreas indígenas e ao seu aproveitamento econômico, se e quando as comunidades indígenas aquiescerem, com a anuência do Congresso Nacional. Creio que a Constituição foi extremamente sábia ao estabelecer essas normas, mas, infelizmente, como todos sabemos, a demarcação dessas áreas se faz com uma lentidão que ocasiona sérios problemas, tanto para os índios como em seu relacionamento com as comunidades não-indígenas.

O Ministro Nelson Jobim revelou à Comissão que a demarcação das reservas indígenas se faz com base em um decreto federal que regulamenta essa matéria. Trata-se de um decreto, no entanto, extremamente autoritário, porque - pasme, Senador Bernardo Cabral, V. Exª que é da área do Direito e da minha Região - não reconhece o contraditório. A FUNAI adota todos os procedimentos para demarcar uma área e, no final, o Governo federal a desapropria e as partes interessadas não têm, durante o processo, direito de se defenderem, de contraditarem. É feito manu militari. Os interessados que se sentirem prejudicados que depois recorram à Justiça, se quiserem.

O Ministro anunciou a edição de um decreto retificando essa anomalia jurídica. Eu, então, aproveitei para dizer-lhe que, como qualquer pessoa de bom senso, sou inteiramente partidário de uma aceleração do processo de demarcação das áreas indígenas, absolutamente indispensáveis para a preservação dessas comunidades. Disse a S. Exª, no entanto, que o Governo Federal tivesse extrema cautela na demarcação de certas áreas, como, por exemplo, na do Alto Solimões, que o Senador Bernardo Cabral tão bem conhece nas peregrinações que nós por ali fizemos recentemente em desobriga eleitoral. Trata-se de uma área extensa, habitada por cerca de cem mil pessoas - parte das quais pertencem à etnia ticuna -, espalhadas numa área muito extensa, mas entremeada com os caboclos da região. Ou seja, não há áreas de adensamento ticuna. Apesar de serem índios aculturados, eles são índios. Entendo - e não poderia ser de outra maneira - que, embora aculturados, eles não perdem a condição de índios, porque têm suas crenças, tradições e dialeto. Mas será impossível, Senador Bernardo Cabral, fazer uma reserva extensa, única, contígua, porque atingirá fundamentalmente direitos de milhares de caboclos que ali vivem há pelo menos cem anos, há três gerações, desde o ciclo da borracha.

Não estou falando, Sr. Presidente, de garimpeiros ou de madeireiros nômades, que invadem as áreas, devastam o ambiente e vão embora; não estou falando sequer de fazendeiros que, tendo ou não títulos, estão ali há cinco ou dez anos. Não se trata disso. São caboclos, descendentes de nordestinos, mesclados com índios, mas não índios, que ali estão como posseiros, Senador, há gerações. Eles vivem, tal como os índios, da caça, da pesca e do extrativismo florestal, e, evidentemente, não poderão ser removidos daquela área sob pena de se cometer, em nome da justiça aos índios, uma extraordinária, uma intolerável injustiça para com humildes habitantes da minha região.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Jefferson Péres, o art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias impunha:

      "Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição."

Esses cinco anos decorreram, isso não foi feito, e, quando começa a ser levado a cabo, esbarra em situações como essa que V. Exª muito corretamente traz ao conhecimento desta Casa, que é a situação de condições especiais pelo Brasil afora. V. Exª abordou aquilo que conhecemos - porque também somos caboclos do Amazonas, ainda que não do interland -, as especificações que existem, por exemplo, na região dos Ticunas. Quero associar-me às palavras de V. Exª, porque o caboclo, aquele que convive com o índio, sequer perde as suas características fisionômicas, resultantes da convivência dos índios com os caboclos, dos caboclos com os índios. Mas aquela região é uma espécie de partilha entre ambos. Há, entre o índio e o caboclo, a necessidade de compartilhar. E aí se chega ao que V. Exª registrou com arguta observação, ou seja, a circunstância do posseiro caboclo. Ainda bem que V. Exª ocupa a tribuna para registrar a sua inquietação com a forma pela qual essa demarcação pode ser levada a efeito, porque, ao se fazer justiça, por um lado, pode-se estar cometendo uma injustiça contra outros, por outro lado.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral. Seu valioso aparte vai ficar fazendo parte integrante do meu discurso.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Senador Jefferson Péres, V. Exª trata de uma questão apaixonante, polêmica e que, em especial, diz respeito à nossa região, com mais propriedade, que é a questão indígena. Eu tive oportunidade de ser Presidente da FUNAI por três anos. Passei por três Ministros, durante o Governo Sarney, na Presidência da FUNAI. A prática, a experiência que trago da Presidência da FUNAI é que, infelizmente, essa questão, por ser tratada com paixão, leva para um lado que, efetivamente, não é a idéia de quem legislou, de quem pugna na sociedade pela questão indígena. A demarcação de terras indígenas deve ser feita para garantir a sobrevivência dos índios num determinado espaço. Nunca para gerar conflitos que levem até à violência contra os próprios índios. O que temos visto é que, na prática, por encaminhamentos errados, por questões levantadas de forma inadequada, a demarcação de terras indígenas tem servido, muitas vezes, para expor as próprias comunidades indígenas a um processo de desagregação. Como V. Exª bem disse, não é possível separar a relação do índio com o caboclo, com o meio índio. Enfim, todos são brasileiros, todos ocupam a Amazônia, todos contribuem de uma forma ou de outra. O que tem que haver é a demarcação efetiva para se respeitarem os aspectos culturais e antropológicos das comunidades. Isso, sem querer se colocar as comunidades indígenas em redomas de vidro, que, na verdade, nada constroem no avanço das civilizações indígenas. Quero reforçar aqui as palavras de V. Exª e dizer que, efetivamente, esse processo de demarcação de terras indígenas atual não dava direito a se questionar a questão do contraditório, como o Ministro Nelson Jobim tem levantado. Nos três anos em que fui Presidente da FUNAI, existia um grupo de trabalho, chamado Grupão, que definia as demarcações de terras indígenas com a participação de diversos segmentos da sociedade. Inclusive, sempre que estudávamos a demarcação de terras indígenas em determinado Estado, era convidado um representante do Governo Estadual e de segmentos daquele Estado para, efetivamente, se ter a participação de todos na demarcação das áreas indígenas. A preservação das comunidades indígenas deve ser uma decisão e uma ação de toda a sociedade brasileira, e não um ato específico do Governo Federal ou de determinada ONG. Pelo contrário, isso seria apenas uma ação para constar em processo burocrático, porque, na verdade, não haveria o respeito e a inter-relação da sociedade branca com a sociedade índia. O que nós queremos é a participação de todos e a demarcação das terras indígenas com responsabilidade. Desejo defender a urgente demarcação das terras indígenas. Agora, isso precisa ser feito com responsabilidade, com seriedade, para não expor os próprios índios a conflitos, pois a história mostra que em conflitos entre uma sociedade tecnologicamente mais avançada, como a sociedade branca, e uma sociedade menos avançada tecnologicamente, como a índia, os índios sempre perderam. Foi assim no México, nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e será assim no Brasil, se for encaminhada essa questão pela ótica errada. Quero parabenizar V. Exª e dizer que é da maior importância que o Governo brasileiro defina um modelo sério de demarcação, que seja colocado em prática rapidamente, até porque o prazo estabelecido na Constituição de 1988 para que as demarcações ocorressem já findou, sem que elas se concretizassem, o que significa um prejuízo para toda a sociedade brasileira.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Romero Jucá. V. Exª fala de cátedra, com a autoridade de ex-Governador de um Estado que vive esse problema e de ex-Presidente da FUNAI, portanto, com perfeito conhecimento da questão.

Sr. Presidente, o Ministro da Justiça, na ocasião, interpelado por mim e pelo Senador Romero Jucá, de certa forma nos tranqüilizou ao comunicar que o decreto seria alterado, assegurando-se o contraditório, e que casos como o da região do Alto Solimões, que não é, de forma alguma, o único, seriam encarados e tratados pelas autoridades federais com toda a cautela, de forma a resguardar os direitos das populações não-índias ali residentes.

Espero que isso seja feito, porque, se assim não acontecer, seguramente uma área tranqüila, na qual há um século, índios e não-índios, índios e caboclos convivem pacificamente, se transformará, talvez, numa área de explosão social conflituosa, com as piores conseqüências para as comunidades ali residentes.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/1995 - Página 598