Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM AS CONSEQUENCIAS DAS FREQUENTES INVASÕES DE TERRA NO PAIS.

Autor
Bernardo Cabral (PP - Partido Progressista/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM AS CONSEQUENCIAS DAS FREQUENTES INVASÕES DE TERRA NO PAIS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1995 - Página 898
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, NOTICIARIO, IMPRENSA, AMBITO NACIONAL, AMBITO INTERNACIONAL, DIVULGAÇÃO, DECISÃO, LIDER, MOVIMENTAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, AMEAÇA, PRISÃO, ENTRADA, CLANDESTINIDADE, NECESSIDADE, EMPENHO, CONGRESSO NACIONAL, GOVERNO, SOCIEDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA, IMPEDIMENTO, CONFLITO, VIOLENCIA, ILEGALIDADE, MANIFESTAÇÃO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PP-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei muito breve.

Quero voltar a um assunto, ainda que possa parecer inconveniente, repetitivo e impertinente. Corro, aliás, esse risco, mas não me parece que no discurso que ontem proferi de forma modesta, bem o sei, mas que acabou encontrando eco em alguns Senadores.

Refiro-me, Sr. Presidente, ao apelo que ontem fiz no sentido de que o Senado começasse a abordar o problema da reforma agrária.

Ao que parece, está na hora de tirarmos do chamado leito emocional para abordarmos, analisarmos e até julgarmos o assunto pelo lado racional. Eu tinha razão, Sr. Presidente, tanto assim que hoje o ex-Presidente do Senado Federal, Senador Humberto Lucena, ocupou a tribuna, fazendo referências ao meu discurso e, logo a seguir, tecia S. Exª considerações e lembrança às chamadas ligas camponesas, e o que resultou, naquela época de mortandade, de prisões e de atitudes inexplicáveis. A matéria está na ordem do dia; a imprensa nacional e internacional vem registrando o caso com preocupações. Ainda hoje, os principais jornais, trazem o seguinte registro:

      "Desde que os principais líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, ameaçados de prisão, resolveram entrar na clandestinidade..." 

Observe bem V. Exª: "resolveram entrar na clandestinidade". Ora, isso significa que estamos dando um passo num caminho tortuoso do qual ninguém sabe qual será a meta final.

E tanto isso é sério, Sr. Presidente, que o mesmo jornal, caderno 1º, pág. 8, O GLOBO, destaca:

      "No lugar de José Rainha Júnior, principal líder da região do Pontal do Paranapanema, sua mulher, Deolinda Alves de Souza, de 25 anos, lidera o grupo de 800 sem-terra contra a decisão judicial que determinou que saíssem das propriedades."

E logo adiante diz:

      "Outro líder emergente dos sem-terra, Laércio Barbosa, disse que o movimento está preparado para resistir."

Sr. Presidente, isso não pode ser apenas uma simples notícia de jornal; há, sem dúvida nenhuma, uma contestação que ou acabará por desmoralizar o Judiciário, ou criará vítimas inocentes entre os que participam do Movimento dos Sem-Terra.

Eu dizia ontem que não abordaria esse problema pelo viés ideológico. Penso que nenhum dos partidos, com representantes nesta Casa ou mesmo na Câmara dos Deputados, está insuflando qualquer cidadão que participa do movimento. Há uma crise para aqueles que precisam da terra improdutiva. De um lado, nota-se que a busca é para um pedaço, como quem reclama cidadania - e esses estão se armando; do outro lado, dos chamados proprietários, há a luta pelo direito, que já é antigo e que passam as suas milícias particulares para se contraporem.

O Presidente do INCRA declara que "nada é pior para o processo de reforma agrária do que o conflito, a violência e ações contra a lei". Ora, Sr. Presidente, afinal o que está faltando para que esse assunto seja abordado de forma séria, pondo fim ao assédio de um lado, no sentido de cooptar inocentes, e a bravata de outros, ao quererem exterminar aqueles que buscam um pedaço de terra? Afinal, o que está faltando na cabeça de tantos brasileiros que já viram, em passado não muito distante, o que foi a briga entre os que invadiam ou ocupavam e aqueles que se rebelavam contra tal invasão ou ocupação?

Quando ocupei a tribuna, Sr. Presidente, quis demonstrar que essa é uma responsabilidade de todos nós. O Congresso não pode nem desertar nem se omitir, tampouco se acocorar, diante de um problema que daqui a pouco terá uma explosão de tal sorte e de tal monta que poderá resultar numa convulsão social e, no caso, já será muito tarde. Temos que tomar medidas que previnam um acontecimento que, como dizia, sabemos que começou e que jamais terminará.

Fico a imaginar se as minhas palavras possam cair no vazio; mas me dou conta de que quero marcar uma posição. Em determinada quadra da minha vida, depois de ter perdido o meu mandato de Deputado Federal por uma cassação injusta do Ato Institucional nº 05, de ter tido dez anos de direitos políticos suspensos, de ter sido perseguido, eu não devo me calar vendo que o instante é grave, sério e - V. Exª, que foi governador do seu Estado e preside a sessão de hoje sabe disso - é extremamente difícil contornar um acontecimento dessa natureza depois que ele explode.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer, Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Cumprimento V. Exª por trazer esse assunto ao plenário com a visão, com a interpretação que está dando a um problema tão sério, qual seja: a necessidade de se realizar a reforma agrária o quanto antes. E V. Exª o faz com propriedade dizendo que é preciso interpretar a lei compreendendo os anseios daqueles que hoje lutam para poder trabalhar em um pedaço de terra. Não sei se V. Exª leu hoje um depoimento impressionante que consta do Caderno I de O Globo, página 8b, dos sobreviventes de Corumbiara: "Nosso sangue ficou lá". Depoimentos de C., de 8 anos e L., de 11 anos, onde um deles diz:

      "C.- Eu trabalho desde os 6 anos de idade na roça dos outros porque a gente não tem terra. Não ganho nada por isso. Meu pai e minha mãe também trabalham de graça. Em troca a gente tem a casa para morar".

E L. diz:

      L. - Eu trabalho plantando mandioca. Ganho R$4,00 por dia".

      O GLOBO - Como foi a invasão da Fazenda Santa Elina, onde vocês moravam?

      L. - Os policiais chegaram às 4 horas da madrugada, jogando bombas de gás e atirando. Para nos salvar, banhamos um pano com vinagre e ficamos cheirando. Uma bomba estourou perto de mim e eu rolei, desmaiado, até cair dentro do córrego. Gastaram cinco litros de vinagre para me salvar. Aí os policiais invadiram o acampamento e deitaram os homens num canto e as mulheres e crianças noutro. Eles escolheram dez mulheres, montaram e bateram nelas, tiraram a roupa delas...

      O GLOBO - Fizeram sexo com elas?

      L. - Fizeram. Eles levavam elas para um canto e batiam nos homens. Os policiais pegaram mais as mulheres grávidas e as mocinhas. Minha irmã se salvou porque ficou deitada, escondida debaixo de um pano.

      O GLOBO - Você viu alguém ser assassinado?

      L. - Eu vi eles dando um tiro na nuca de um amigo meu, o Odilon. Depois eles mandaram ele ir para o meio do povo. Quando ele tentou se levantar, deram uma paulada no meio da cabeça dele.

      C. - Eu vi a Vanessa (de 6 anos) sendo morta. Eles deram um tiro nas costas dela que vazou pela barriga. Meu pai ajudou a carregar ela quando a gente estava fugindo. Ela disse "ai, mãe" e morreu.

      O GLOBO - Vocês identificaram alguns policiais?

No final, as últimas duas perguntas:

      O GLOBO - Vocês aceitam qualquer terra que o Governo oferecer?

      L. - Não. Só aceitamos agora ir para a Fazenda Santa Elina porque nosso sangue foi derramado lá. Nós lutamos lá, derramamos o nosso sangue e queremos voltar para a fazenda.

Aqui está a expressão do descumprimento da lei por parte de quem tem o poder na mão, o poder de polícia, o poder de assegurar o direito de propriedade, visto como uma forma que contraria sentimentos de justiça. É preciso que todos os lados tenham uma melhor compreensão dos fatos. V. Exª salienta bem: não há, aqui, partido que esteja querendo insuflar a violência; mas há partidos que querem o cumprimento do desejo de justiça em nossa terra.

O SR. BERNARDO CABRAL - Esse é o meu desejo, Senador Eduardo Suplicy. Já guardei a citação que faria, exatamente do mesmo teor da que V. Exª acaba de ler, porque isso me inquietou muito. Devo ressaltar que tenho dois netos quase da mesma idade dessas crianças. E o que me passou na mente após a leitura dessa publicação foi o trauma que essas crianças carregarão para o resto da vida. A expressão que fica sem vida numa linha impressa ganha corpo quando se lembra que o sangue ficou lá.

Quando falo, Sr. Presidente e Srs. Senadores, que o assunto é grave - e em meu socorro vêm as palavras do Senador Eduardo Suplicy - temos aqui a idéia de que ambos estamos tentando contribuir, colaborar, participar de um problema que diz respeito a todos. É que, em nome de se cumprir a lei, ela acaba sendo descumprida. Com a intenção de se manter parte de uma propriedade, que é algo terreno, tira-se uma vida, que é algo que jamais se poderá repor. Eu me inquieto, Senador Eduardo Suplicy, na medida em que vejo que algumas pessoas querem se omitir; quando não se omitem, querem tirar vantagem pelo lado explosivo que a matéria contém. Quem tem um pouco de bom-senso identifica que essa é uma situação, uma circunstância terrível, porque não se sabe de que forma poderemos contribuir senão com isso que estamos fazendo: com a idéia de que queremos compartilhar com a responsabilidade de todos.

V. Exª já deu os primeiros passos numa audiência que manteve com o presidente do seu partido e o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Outros precisam ser dados. E o mais importante de todos é que esse não é um caso de polícia. Sr. Presidente, reforma agrária, conflito fundiário é problema social, que diz respeito a todos nós, à comunidade, sobretudo aos cidadãos. É lamentável - e quero pôr uma tinta bem forte no que estou dizendo - é deveras lamentável que nós não possamos, até por que não se faz mágica com um assunto como esse, trazer para um debate nacional que comece no Norte do País, onde a invasão, o conflito fundiário é bem diverso daquele que se instala em São Paulo. É pena - repito - que não se possa trazer todos a uma espécie de assembléia, em que fossem discutidos os interesses de ambos os lados. Depois, o Executivo, imparcial, faria justiça.

Sr. Presidente, ao final, quando o meu tempo já se esgota, quero dizer que, em outra oportunidade, voltarei ao assunto.

No próximo final de semana, estarei no meu Estado. Vou ouvir as lideranças - Igreja, proprietários, posseiros - para que tragam, pelo menos naquilo que me diz respeito, uma espécie de adminículo a um problema que considero muito grave.

Este era o registro que gostaria de fazer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1995 - Página 898