Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, SOBRE FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS POR EMPRESAS COLETIVAS.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • COMENTARIOS A REPORTAGEM PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, SOBRE FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS POR EMPRESAS COLETIVAS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Eduardo Suplicy, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1995 - Página 879
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, DADOS, DESPESA, FORMA, EMPREITEIRO, BANCOS, EMPRESA PRIVADA, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falo para um cenário de velório. É até bom que isso aconteça, porque, dessa forma, podemos mostrar que nossos costumes não mudaram muito. Instituiu-se neste País a figura do "feriadão". É o segundo neste semestre. O primeiro, com meu protesto, aconteceu em setembro; o segundo, agora; virão mais dois pela frente. O Senado Federal tem matérias importantes, importantíssimas, para votar, e estamos aqui, em plena quarta-feira, com uma dúzia de Senadores.

Mas não é exatamente sobre isso que vou falar, Sr. Presidente. Subi a esta tribuna para registrar matéria publicada pela Folha de S. Paulo, de domingo passado, a respeito do financiamento de campanhas eleitorais. A reportagem fala o que todos sabem, ou suspeitam, mas o faz baseada em números fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Trata-se de dados dos gastos de campanha de 13 Estados da Federação, remetidos oficialmente ao Tribunal Superior Eleitoral. Catorze Estados ficaram de fora, inclusive e infelizmente, o meu, o Estado do Amazonas. Segundos esses dados, foram gastos - oficialmente, repito - R$91,4 milhões. Declarados.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, segundo o jornal Folha da S. Paulo, um tesoureiro de campanha, que não quis se identificar, declarou ao jornal que esse valor tem que ser multiplicado por três. Temos, portanto, gasto nas últimas eleições R$91 milhões, expressos em bônus eleitorais, de acordo com a lei, e mais provavelmente US$180 milhões - os 180 milhões foram pagos em dólares pelo caixa 2 das empresas.

Esse é o retrato de uma democracia que deixa muito a desejar, porque demonstra claramente que, neste País, muitos mandatos, talvez a maioria, são espúrios, conquistados com o poder econômico, ao arrepio da lei e da ética e, o que é pior, em muitos casos confessadamente, em troca de favores.

Falo muito à vontade, Sr. Presidente, e creio que o Senador Bernardo Cabral também - certamente muitos outros neste Senado. Mas me refiro apenas ao Senador Bernardo Cabral, porque é do meu Estado e fez uma campanha para o Senado modesta - e a minha, eu diria, paupérrima, Senador. Enfrentamos adversários muito bem amparados financeiramente. Entretando, como prova de que o poder econômico nem sempre é fator decisivo, aqui estamos nós neste plenário, Senador.

Todavia, o financiamento em si não é o mais importante. Já é lamentável que muitos conquistem mandatos à custa de muito dinheiro; o pior - eu dizia e repito - é o que se faz em troca disso, Senador Bernardo Cabral, confessadamente.

O jornal revela nomes que omitirei em respeito às ausências. Mas é de estarrecer que um Deputado que garantiu dotações orçamentárias para a construção de determinada rodovia, ligada a uma empresa que financiou sua campanha oficialmente, declare à Folha de S. Paulo que recebeu a doação com carinho, que não tem nada do que se arrepender e que não fez nada de errado.

Outro Deputado colocou emenda no Orçamento beneficiando uma obra construída por uma empresa da qual é sócio. E usou, em outro jornal, a seguinte expressão - não sei se por ingenuidade ou se por cinismo: "Mas que País é este, meu Deus, em que não posso colocar no Orçamento uma emenda que beneficia minha própria empreiteira?!" Não sei onde está a Câmara de Deputados que não inicia um processo de cassação de mandato por falta de decoro parlamentar! Isso é uma confissão pública de algo extremamente antiético; e nada acontece a esse Parlamentar.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço o aparte do nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Prezado Senador Jefferson Péres, primeiro, gostaria de cumprimentá-lo por trazer esse assunto à tribuna do Senado. Era também minha intenção hoje registrar, como um documento extremamente importante, esse caderno "Eleição S/A", publicado pela Folha de S. Paulo de domingo, 8 de outubro, onde se releva como empreiteiras, bancos, empresas privadas financiam as campanhas eleitorais. V. Exª, com razão, aponta procedimentos éticos de companheiros nossos, no Congresso Nacional, que merecem maior reflexão. Considero importante que todos nós, os oitenta e um Senadores e os quinhentos e treze Deputados, venhamos a refletir melhor sobre o que aqui está. Em primeiro lugar, há que se cumprimentar a Folha de S. Paulo pelo trabalho realizado. Tenho defendido que a revelação dos contribuintes das diversas campanhas eleitorais deve acontecer ao longo da própria campanha. Isto que aqui está revelado com maior detalhe um ano depois das eleições teria sido muito mais adequado se tivesse sido revelado nos meses de agosto, setembro e antes de 3 de outubro de 1994, para que os eleitores pudessem saber a natureza das campanhas eleitorais. Em segundo lugar, há que se ter critérios mais adequados para limitar o quanto uma empresa com extraordinário poder econômico pode contribuir para campanhas de determinados candidatos ou partidos políticos, para que não se concentre a pressão econômica da forma como hoje ocorre. Em terceiro lugar, V. Exª aponta, com razão, que ferem o decoro parlamentar aqueles que aceitam contribuições tão significativas de empresas privadas que têm por objetivo a acumulação de capital, a realização de lucro, que fornecem recursos para campanhas de determinados candidatos para depois solicitar que tais candidatos, uma vez eleitos deputados federais ou senadores, venham a agir em função dos interesses dessas empresas privadas. Acho que aqui há um conflito sobre a natureza da função pública, da função do parlamentar, e isso merece ser discutido. Sobre este assunto, em especial, acredito que o Deputado Roberto Magalhães, que foi o Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, traz uma sugestão muito importante e relevante, publicada ontem na Folha de S. Paulo e hoje objeto de editorial do jornal, qual seja, a de estabelecer em lei que o parlamentar que tiver sido ajudado financeiramente por determinada empresa fique impedido de incluir no Orçamento emendas que beneficiem diretamente essa empresa ou grupo econômico. Parece-me extremamente saudável a proposição do Deputado Roberto Magalhães. E, finalmente, Senador Jefferson Péres, V. Exª deu parecer favorável à proposta que encaminhei neste Senado Federal no sentido de os suplentes de Senadores serem também eleitos diretamente. V. Exª inclusive aperfeiçoou o projeto ao propor que cada candidato ao Senado tenha, no máximo, quatro suplentes, devendo os eleitores escolher, dentre os quatro suplentes, até o número de quatro, qual deva ser o primeiro e o segundo suplente respectivamente. Dessa forma, o eleitor estará escolhendo conscientemente o suplente. Porque, nessa reportagem, também encontramos um outro aspecto que merece a nossa reflexão: candidatos a suplente não participam propriamente, diretamente da campanha eleitoral, porque não são votados, mas se tornam grandes financiadores das campanhas dos titulares ou de seus partidos. Ora, houve época em nosso País e em outros países em que somente aqueles que eram donos de propriedades tinham o direito de ser eleitos e de ser eleitores. O progresso da democracia, a consciência democrática dos povos fez com que todas as pessoas pudessem exercer o direito, primeiro, de serem eleitas e, segundo, de participarem de eleições. A democracia, como o governo do povo, pelo povo e para o povo, só faz sentido na medida em que cada cidadão de nosso País possa estar em igualdade de condições, influenciando a escolha e as decisões de nossos governantes. Para que se consiga atingir tal objetivo, é necessário que não haja abuso do poder econômico. Sobre isso, a eleição direta dos suplentes de Senadores constitui um passo para aperfeiçoar essa sistemática. V. Exª, Senador Jefferson Péres, emitiu parecer favorável a este Projeto, e foi proposto que a Comissão que estuda a reforma partidária tivesse o prazo de 30 dias para exame desse assunto. Como até agora não foi ainda emitido o parecer, avalio que seja o caso de hoje alertarmos a referida Comissão para o fato de o prazo estar se esgotando. Se o parecer não for enviado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania até a próxima terça-feira, seria o caso de solicitarmos a deliberação sobre esta matéria o quanto antes. Cumprimento V. Exª, sugerindo, Senador Jefferson Péres, que requeira a inscrição, nos Anais do Senado, do caderno que V. Exª comenta.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy, pelo seu aparte. V. Exª pode fazê-lo com toda a tranqüilidade, porque tem uma trajetória política que honra a vida pública do seu Estado e do País.

Quanto à sua sugestão, está aceita. Emiti parecer favorável ao seu Projeto, o qual extingue a indústria do suplente neste País, que faz com que suplentes que não receberam um voto e, literalmente, compraram a suplência tenham assento na mais alta Casa do Parlamento desta Nação.

Vou requerer que o Projeto volte à Comissão, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Tem V. Exª o aparte, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Jefferson Péres, em primeiro lugar, quero ressaltar que a abordagem de V. Exª sobre a matéria publicada pela Folha de S. Paulo traz ao debate um dos assuntos mais perniciosos da política brasileira. Não acredito, Senador Jefferson Péres, em caridades que se vendem ou em bondades que se compram. Por isso mesmo, quando V. Exª registrou a nossa campanha pobre - a de V. Exª talvez ainda mais do que a minha -, um ponto ficou em comum: o poder econômico que se abateu sobre as nossas campanhas, a de V. Exª e a minha - que agora vemos retratado nessa reportagem -, dá bem a idéia de quanto a ética e a moral são desrespeitadas nas campanhas políticas. Veja V. Exª o problema do suplente. Tenho a honra de ter como primeiro suplente um colega meu de turma na Faculdade de Direito, que exerceu três mandatos de Deputado Federal com muita dignidade, foi Senador Constituinte, é filho de um Desembargador e um cidadão de poucos recursos financeiros. Digo que tenho honra de tê-lo como suplente, porque esse cidadão se chama Leopoldo Péres e é seu irmão de sangue. Portanto, V. Exª sabe muito bem da valia que representa isso para mim. E o segundo suplente é um Juiz aposentado, que não dispõe absolutamente de nenhum recurso. E ficávamos, Leopoldo Péres e eu, a andar pelos bairros em carros emprestados, porque não tínhamos sequer como distribuir santinhos. A matéria que V. Exª traz é tão equilibrada com a minha que o suplente de V. Exª era o seu primeiro suplente na Câmara de Vereadores - como médico, também sem recursos. Vale a pena poder dispor desse cabedal de moral e dignidade para ocupar a tribuna, como V. Exª faz. Quero, mais uma vez, reiterar os meus parabéns a V. Exª.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado, Senador Bernardo Cabral. O que V. Exª acaba de dizer é a mais pura expressão da verdade: seus dois suplentes são mais pobres ou tão pobres quanto V. Exª; e os meus ainda mais do que eu, um médico e um advogado realmente sem recursos.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Jefferson Péres, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Lúcio Alcântara) - Senador Jefferson Péres, a Presidência lamenta advertir V. Exª e dizer que tem um minuto para concluir o seu pronunciamento.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Como o plenário está vazio, gostaria de merecer um aparte do Senador José Eduardo Dutra, se V. Exª for condescendente.

O SR. PRESIDENTE (Lúcio Alcântara) - V. Exª pode conceder o aparte. Em seguida, convido o Senador José Eduardo Dutra para assumir a Presidência, porque estou inscrito como orador para suceder o Senador Jefferson Péres.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Jefferson Péres, queria apenas parabenizar V. Exª por esse pronunciamento, que traz à discussão um assunto que deveria merecer uma atenção mais aprofundada desta Casa: até que ponto o poder econômico vem trazendo e poderá trazer ainda mais distorções profundas em nossa democracia? Durante esse período de menos de um ano de convivência, tive oportunidade de constatar e registrar a profunda admiração que tenho por V. Exª, que, sendo um Parlamentar da base governista, nunca tem deixado de registrar e de se manifestar com relação ao que temos chamado de ética na política. V. Exª se manifestou particularmente com respeito a algumas emendas à lei eleitoral, inclusive semelhantes a emendas que apresentei, no sentido de se evitar essa promiscuidade, um maior peso do poder econômico em nossa democracia. Infelizmente, algumas dessas emendas que foram acatadas pelo Relator e aprovadas por este Plenário acabaram sendo derrubadas na Câmara dos Deputados. Quero registrar, particularmente, aquela emenda que diz respeito à contribuição de empresas que prestavam serviços ao Poder Público, que seriam impedidas de contribuir para candidatos. Também quero lamentar em relação a algumas emendas que apresentamos, no sentido de se restringir a influência do poder econômico. Particularmente com relação ao teto da contribuição, deve-se registrar que a lei que aprovamos aqui mantém os mesmos tetos de contribuição de pessoa física e a metade do teto de contribuição de pessoa jurídica daquele teto que havia sido aprovado nas eleições gerais do ano passado e que, praticamente, mantivemos em eleições municipais. O pronunciamento de V. Exª vem contribuir sobremaneira para aprofundarmos esse debate, no sentido de se evitarem realidades como essa que foi mostrada de maneira tão nua e crua pela reportagem da Folha de S. Paulo. Portanto, parabenizo V. Exª.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, nobre Senador José Eduardo Dutra. A derrubada das nossas emendas na Câmara mostra que parece que não há realmente vontade política para moralizar as eleições neste País. O que não é de admirar.

No próprio Senado, a CPI das Empreiteiras, proposta pelo Senador Pedro Simon e assinada por mim, está até hoje sem ser instalada. O prazo vai-se exaurir em 15 de dezembro, e, infelizmente, dois Partidos, inclusive o meu, até agora não designaram representantes.

Sr. Presidente, sei que pronunciamentos como este ferem interesses, melindram pessoas, são antipáticos, mas não vou deixar de fazê-los. Quando fui Vereador em Manaus, disse e prometi que na defesa do interesse público iria até o fim, ainda que saísse incompatibilizado com todos os outros 20 vereadores. A minha disposição é a mesma, não arredarei um pé, neste Senado, nesta minha firme determinação de defender a ética na política.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1995 - Página 879