Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AOS 100 ANOS DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AOS 100 ANOS DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/1995 - Página 4748
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CLUBE, FUTEBOL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Deputado Márcio Braga, que aqui representa o Presidente do Flamengo, Sr. Kléber Leite; Srs. membros da Delegação do Clube de Regatas Flamengo, cujos nomes passo a enumerar: professor Joaquim Inácio Cardoso Filho, ilustre especialista em esporte, estudioso da matéria; Dr. Hamilton Pinto das Chagas, Conselheiro do Clube de Regatas do Flamengo e Assessor da Presidência; Dr. Bernardo Monteiro, da direção do Flamengo, representante do segmento jovem que acorre ao comando do Clube e que se dedicam ao esporte. Saúdo, em particular, três atletas que nos honram com a sua presença: Raul Plasman, conhecido campeão do mundo, hoje um especialista na matéria que o consagrou na prática; a grande nadadora, campeã, Patrícia Amorim, que hoje é coordenadora-geral da natação do Flamengo; e representando os novos jogadores do Flamengo, os novos atletas do futebol, o jogador Hugo, que se inicia já tendo realizado partidas significativas.

Por que razão o Senado da República dedica o Grande Expediente de uma de suas sessões a um clube? Será apenas porque este clube é um fenômeno sociológico ou popular, como é o caso do Flamengo, ou será que, por dentro do esporte, latejam verdades profundas, verdades da vida por um lado, verdades políticas por outro lado. Não verdades políticas partidárias, mas políticas em um sentido mais fundo, ou seja, o clube é uma entidade sociológica de aglutinação espontânea de setores da sociedade, unificados por uma idéia comum de realização de uma tarefa social.

O clube é talvez a mais antiga das ONGs existentes, o clube é a própria expressão da sociedade em se organizando, que assim faz a pretexto da realização de esportes em conjunto, mas com uma finalidade mais profunda, a de interferir na sociedade, realizando essa tarefa pára-educacional de aglutinar seres, de formar jovens, de aprimorar caráter, de desenvolver o físico, de desenvolver a mente.

O clube é, portanto, eu diria, uma das mais interessantes dentre as organizações que a sociedade faz espontaneamente.

É interessante por esse objetivo citado, o de juntar pessoas em torno de uma idéia comum, na direção da construção de uma sociedade melhor. Nesse sentido, o clube é uma entidade sociológica, política, de grande significado.

Mas não deveríamos parar nessa análise a verificação do significado de um clube. Há um elemento imponderável, misterioso, que talvez seja o mais "encantatório" dentre todos os que constituem o sentimento de um clube.

Qual a razão profunda pela qual algumas pessoas preferem aquele clube? O que estará no fundo de cada um no momento em que, na infância ou na juventude - em geral é na infância -, se instala a idéia de amor por cores, por uma bandeira, por uma legenda?

Aqui reside um dos grandes mistérios do comportamento humano, comum a todos os povos do mundo. Mistério por que não se pode delimitar as razões profundas pelas quais se estabelece o sentimento de amor por um clube.

Então, já temos aqui uma resposta um pouco mais profunda, que talvez nos explique por que deva o Senado Federal parar o Grande Expediente de uma sessão para homenagear o centenário de um clube. Porque ele é uma organização da sociedade, porque ele tem uma finalidade de aglutinação, de formação, de preparação, de melhora, de democratização da prática esportiva e também porque ele corporifica, na adesão de seus associados ou de seus seguidores, o mistério de uma preferência. E o mistério de uma preferência que invade o terreno da paixão.

Aqui cabe, em relação ao clube que hoje estamos a homenagear, uma observação muito particular. Em um país como o Brasil ele é, entre todos, o clube mais popular; fenômeno nacional, inclusive. Ele não é popular apenas no Rio de Janeiro, é popular em vários Estados. As estatísticas, as pesquisas mostram o quanto o Flamengo é popular. Há um sem-número de clubes no Brasil que hoje leva o nome de Flamengo -já vou achar o dado.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me um aparte, enquanto V. Exª procura os dados?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Agradeço a V. Exª até porque honra o meu discurso.

O Sr. Ney Suassuna - É muito fácil paraibano ser do Flamengo. E o engraçado é que só vim me conscientizar disso bem mais tarde, porque, nesse fenômeno sociológico, desde criança, já me manifestava Flamengo e nem sabia porque, talvez pelo charme do Clube. Depois, conferimos que a bandeira da Paraíba tem as mesmas cores do Flamengo e tem escrito Nego que, quando drapeja não se lê bem e muita gente chega lá e pergunta - inclusive o pessoal do Sul -: por que a bandeira do Flamengo no Palácio do Governo? A verdade é que as cores e até o que lá está escrito fazem com que nós, cada vez mais, sejamos Flamengo, sofrendo e nos alegrando com as vitórias e derrotas do Clube.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, nobre Senador. Realmente, a bandeira da Paraíba tem as cores do Flamengo. Hoje em dia, 66 clubes brasileiros - alguns amadores -, em 20 Estados, levam o nome Flamengo. E o Estado que tem mais clubes com o nome Flamengo é o Estado de Minas Gerais, com 18 clubes, seguido pela Bahia, com 10 clubes. A grande maioria é de natureza amadorística, mas mostra a importância, a força e o significado desta flama.

Flama - estará, aí, um dos segredos do mistério da paixão rubro-negra. Os flamengos eram os holandeses, chamados flamengos porque os seus cabelos eram da cor da chama, os cabelos vermelhos dos holandeses eram flamas. Os que tinham a flama, a cor do fogo no cabelo, chamavam-se flamengos.

Como foi naquela praia do Rio de Janeiro que os holandeses tentaram invadir o Rio de Janeiro e não conseguiram, ali ficou conhecido como a Praia do Flamengo. E da Praia do Flamengo, onde os primitivos fundadores do Clube iniciaram a regata, exatamente há 100 anos, nasce, então, a idéia de dar esse nome que, a despeito da sua origem específica, tem na sua etimologia algo profundo a ver com a idéia da flama. Não há clube mais inflamado, do ponto de vista da torcida, do apoio, do que o Flamengo. Pode ser uma explicação. Mas se estamos também a buscar a razão profunda pela qual se estabelecem identificações de natureza até misteriosa entre o torcedor ou a população e clubes, podemos encontrar no Flamengo uma identificação - esta sim - bastante séria, a meu juízo, do ponto de vista sociológico e do ponto de vista político.

O Flamengo é a representação mais profunda e verdadeira do sonho do povo brasileiro. O Flamengo é a representação, sob a forma simbólica de um clube, de um impulso de natureza afirmativa, que é o velho sonho do povo brasileiro, particularmente dos setores excluídos da sociedade brasileira, exatamente os que lhe constituem a base de apoio e lhe trazem a alegria da festa dominical, e lhe trazem o apoio da torcida sem-par, talvez dentre todas as torcidas brasileiras - não ouso afirmar; suponho - a que jamais pára de torcer. E não pode haver espetáculo mais emocionante do que ver exatamente na adversidade, quando as demais torcidas calam, deprimidas, a torcida do Flamengo manter a força, a flama, manter a vontade, expressão genuína e verdadeira do esforço dos setores oprimidos da vida brasileira pela vida, pela sobrevivência, pela afirmação. Portanto, o Flamengo, que curiosamente não teve as origens populares, por exemplo, do Vasco da Gama - não teve, lá, na sua fundação -, representa essa vontade do povo brasileiro de se afirmar, de superar as suas limitações ancestrais, as limitações de classe, as limitações decorrentes de preconceitos contra a pobreza e contra a cor.

Será, então, aí a presença da cor negra ao lado da cor rubra, as duas cores mais intensas do arco-íris, mais completas, mais integrais? Pode ser. Na simbologia da relação humana com a cor, pode ser ela a explicação dessa paixão formidável pelas cores desse Clube.

O Sr. Romero Jucá - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Senador Artur da Távola, eu gostaria de me associar às palavras de V. Exª, nesta tarde, de homenagem ao Flamengo. Como Senador de Roraima, quero falar não só em meu nome, mas de todos aqueles que no Estado mais distante da Federação, no Estado mais longíquo deste País, torcem e vivem o Flamengo. Trago, aqui, a homenagem dos roraimenses e, em especial, do torcedor-símbolo do Flamengo em Roraima, que é o Secretário de Finanças da Prefeitura de Boa Vista, o advogado Marivaldo Barçal Freire. O Flamengo, em Roraima, também representa uma força muito grande. Eu diria que o Flamengo é uma religião, como é em todo País. Sem dúvida nenhuma, esta homenagem é justa, e como torcedor do Flamengo desejo me associar a V. Exª para homenagear um time que tantas alegrias dá ao povo brasileiro. Meus parabéns.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Saiba, nobre Senador Romero Jucá, que um, de cada cinco brasileiros, torce pelo Flamengo, segundo pesquisa realizada.

Infelizmente, não é o caso deste orador, que é Fluminense, mas fez questão de pedir essa sessão especial em homenagem ao Flamengo - nascido, aliás, no futebol, das costelas do nosso Fluminense, para vir a ser adiante o seu principal êmulo, seu principal rival, na maravilha do Fla/Flu.

O Flamengo tem tanto essa característica citada que, certa vez, no Rio de Janeiro, um juiz, o Dr. Elieser Rosa - que é torcedor do América, por sinal -, numa carta a um amigo dirigente da Federação Carioca, propôs a seguinte verdade, boutade: um anteprojeto de lei, que deixo aqui à consideração dos Srs. Senadores, com três artigos.

      "Art. 1º. O Flamengo jogará semanalmente em todos os Estados da Federação."

E se estamos na Casa que representa os Estados da Federação, aqui temos, na alegria desse juiz Elieser Rosa, uma colocação interessante, nesse ponto de vista.

      "Art. 2º. ...do qual o representante do Presidente do Flamengo e a delegação não discordará." Porque não há rubro-negro que discorde do art. 2º.

      "Art 2º. O Flamengo vencerá todas as partidas."

      "Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário."

Justificava essa sua alegre disposição da seguinte forma:

      "O Flamengo dá febre, dá meningite, dá cirrose hepática, dá neurose, dá exaltação de vida e de morte, O Flamengo é uma alucinação.

      Quando o Flamengo vence há mais amor nos morros, mais doçura nos lares, mais vibração nas ruas. A vida canta. Os ânimos se roboram. O homem trabalha mais e melhor. Os filhos ganham presentes. Há mais beijos nas praças e nos jardins, porque a alma está em paz, está feliz. O Flamengo não pode perder. O Flamengo não deve perder."

E assim, o Flamengo invade a literatura, sai dos campos de futebol, invade a sociologia, invade a política.

Tivemos, na obra de Nelson Rodrigues, que era irmão de um grande rubro-negro, Mário Filho, autor, aliás, de uma bela história do Flamengo, inúmeras referências ao Flamengo como essa força vesânica da natureza que, como a música de Vila Lobos, a tudo invade com um fragor e com um vigor absolutamente únicos.

O nosso Nelson Rodrigues dizia, com aquela sua voz, o seguinte:

      "O Flamengo tornou-se uma força da natureza." E aqui imito-o um pouco. "O Flamengo venta, chove, troveja, relampeja."

      E essa confissão, que nenhum de nós faz, ele fez: "Cada brasileiro é um pouco rubro-negro. E a alegria rubro-negra não se parece com nenhuma outra, não sei se é mais funda ou mais dilacerada ou mais santa, só sei que é diferente". Nelson Rodrigues.

Edilberto Coutinho, um escritor que tem obras interessantíssimas sobre o Flamengo; Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues. Agora mesmo está sendo editada uma história do centenário do Flamengo, realizada por jornalistas altamente qualificados. Por tudo isso, o Flamengo - sua tradição, seus títulos, suas histórias - dá vontade de não sair desta tribuna.

Vivinho, Rubens, Luiz Borracha, Biguá, Zico, a quem esperamos hoje, e infelizmente não pudemos contar com a sua presença; felizmente aí está o Raul, como, no futuro, o nosso Hugo estará sendo o representante desse Flamengo que brilha, que brilhou tanto em tantas oportunidades, com tanta gente, com tantos clubes, com tanta formação. O centenário do Flamengo é, portanto, um fato que tem a ver com algo que desborda os limites da sua própria festa. Ele atinge a sociedade brasileira. E o fato de a Câmara o haver homenageado, e o Senado, hoje, o estar homenageando, significa que a verdade profunda de um clube tem a ver com a verdade profunda de vários segmentos de uma Nação. A do Flamengo, repito, é a verdade dos setores oprimidos, é a verdade dos setores esquecidos; é a luta de afirmação; é a luta contra as barreiras que este País insiste em ter na possibilidade de integrar sua sociedade em algo mais justo, mais profundo.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Romeu Tuma - Desculpe interrompê-lo nessa vibrante explanação.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - V. Exª não interrompe; acrescenta.

O Sr. Romeu Tuma - Com alma corinthiana e vindo de São Paulo, a pujança de seu discurso me faz sentir um corinthiano na tribuna. Quero me associar, e em nome do meu Corínthians, à homenagem àqueles que atravessam fronteiras representando tão bem o Brasil, trazendo a essa sociedade sofrida momentos de alegria, por meio do tremular de suas bandeiras nos estádios deste Brasil afora. O Flamengo é a alma do brasileiro, como o é a alma do corinthiano. Não poderia deixar de, nessa homenagem que V. Exª tão bem propôs, saudar a alma flamenguista e desejar que continue nesse caminho vibrante, trazendo mais vitórias aos seus associados, aos seus torcedores, e enaltecendo o esporte brasileiro. Muito obrigado.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma.

Os fundadores do Flamengo foram 15 rapazes idealistas, boêmios, da classe média carioca, que se reuniam nos bares do bairro do Flamengo, conforme eu disse. À frente do grupo, que àquela altura já havia adquirido dois barcos que tinham nomes interessantíssimos, Pherusa e Scyra, estavam Nestor Barros, Mário Espíndola, José Agostinho Pereira da Cunha, este, sócio-fundador nº 1 e patrono do Clube.

Estamos em 1895 - cem anos atrás: a assembléia geral é convocada para a fundação do Flamengo, realizada no dia 17 de novembro, no casarão da Praia do Flamengo, 22, local de sua primeira sede social. Ficou decidido que a data oficial da fundação seria 15 de novembro, em função do paralelismo com a data da fundação da República e que as cores - e essas foram as cores iniciais do Flamengo - seriam azul celeste e ouro.

Em 1898, porém, depois de muita discussão, como acontece nos clubes - assim como acontece na política -, foi feita uma emenda ao estatuto, e as cores passaram a ser o vermelho e o preto. Isso deveu-se ao seguinte fato: verificava-se que as cores azul celeste e dourado desbotavam demais e o desbotar das cores como que arrefecia aquilo que era o impulso interno que uma camisa representa. Descobriu-se, então, que as cores vermelha e preta seriam mais fixas, mais firmes.

A troca de nome só viria em 1992 para Clube de Regatas do Flamengo, já que o Flamengo, tendo crescido bastante, merecia ser considerado clube.

O advento do futebol, que é o que faz o Flamengo ser famoso, mais do que em outras de suas atividades, ocorreria bem depois, em 1911, em decorrência de uma desavença entre jogadores e comissão técnica do Fluminense, que se havia sagrado campeão naquele ano.

Alberto Borgerth, campeão da equipe do Fluminense, deixou este Clube e foi para o Flamengo acompanhado de mais nove titulares.

Como tricolor, eu gostaria muito de dizer que foi um tricolor que fundou o Flamengo, mas quando Borgerth fundou o futebol no Flamengo ele já era membro do Clube.

Pouco a pouco, cria-se a Liga Metropolitana de Futebol, em 1905, época, porém, em que o futebol não era um esporte popular; o esporte popular era o remo. Era costume dizer que não era o futebol que levava gente para o remo, era o remo que levava adeptos ao futebol.

Curioso: o chamado velho e violento esporte bretão, o futebol, que segundo a linguagem da nossa juventude - e ainda presente no campo - é jogo para homem, era considerado, pela sua delicadeza, um jogo pouco viril para os remadores, que consideravam o remo atividade muscular potente, esse sim, um esporte efetivo para homens.

A partir de 1911, o Flamengo passa a ter no Fluminense seu maior rival - o Fluminense, que amealhava títulos gradativamente - e então se desenvolve, a partir dessa fase, uma intensa proliferação de símbolos, de signos que o transformam naquilo que é.

Sr. Presidente, Srs. Membros da Delegação Rubro-negra, Sr. Presidente Márcio Braga, responsável por um dos períodos mais brilhantes da vida do Flamengo, homenagem que tenho que prestar-lhe porque se refere ao período dos tricampeonatos; homenagem também que lhe presto pelo fato de que V. Exª, como Deputado, foi um dos principais defensores da existência de uma legislação desportiva moderna, como a que o Brasil hoje tem. Esse testemunho posso dar, de público, porque durante todos os anos em que convivemos na Câmara Federal, jamais encontrei um ato ou gesto em V. Exª que não fosse na direção de uma visão honrada e moderna do esporte brasileiro, razão pela qual tê-lo aqui hoje é dupla satisfação para este orador: a do respeito que lhe devo e a consideração por ter sido testemunha de como V. Exª superou os limites da visão clubística na sua formação e estendeu a visão generosa do esporte que hoje está corporificada na Lei do Esporte, da qual V. Exª é a verdadeira alma, embora eu tenha sido o Relator.

O Sr. Roberto Freire - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Com muito prazer, Senador.

O Sr. Roberto Freire - Não era sobre isso, mas também para atestar o papel que V. Exª desempenhou como Relator dessa matéria da qual eu também, modestamente, participei como Líder do Governo...

O SR. ARTUR DA TÁVOLA  - É verdade. Ajudou muito.

O Sr. Roberto Freire - ...ajudando para que tivéssemos essa moderna legislação que, talvez, até necessite de maior modernização. Mas quero me solidarizar com o pronunciamento de V. Exª e com o centenário do Clube de Regatas do Flamengo. Gostaria também de dizer que sou duplamente rubro-negro: por ser simpatizante do Flamengo e por ser do Sport Clube de Recife. Gostaria de trazer exatamente essa posição, não em meu nome, mas em nome dos torcedores rubro-negros de Pernambuco ao Clube de Regatas Flamengo.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, nobre Senador Roberto Freire.

Sou um modesto escritor, cronista de pouca repercussão, embora de alguma leitura. Há tempos, dei-me ao exercício interno de escrever sobre clubes de futebol e, independentemente de minha opção pessoal que é o Fluminense, escrevi o que é ser Fluminense, o que é ser Flamengo, o que é ser Botafogo, o que é ser Vasco. Procurei fazer em matéria de crônica algo que já havia visto Lamartine Babo realizar, quando escreveu os hinos dos clubes: capacidade de sair de si mesmo e perceber em profundidade a emoção do outro. Um exercício de empatia que para um escritor me parecia importante.

Tempos depois, indo à sede do Flamengo, tive o orgulho de ver, por acaso, essa crônica em tamanho grande na sala da Presidência. Não sei se ainda está lá, porque salas de presidências de clubes mudam, assim como salas de diretorias de repartições públicas na mudança de cada governo.

Quero concluir meu discurso com a leitura desta modesta crônica, escrita há alguns anos, chamada "Ser Flamengo".

O Sr. Elcio Alvares - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Artur da Távola?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Com muito prazer, meu nobre Líder.

O Sr. Elcio Alvares - A tarde de hoje está sendo acrescentada, evidentemente, pelo discurso de V. Exª. Dizia, há pouco, ao Senador Valmir Campelo que tenho pelo Senador Artur da Távola uma admiração que veio dos tempos da sua crônica permanente no jornal O Globo, quando a título de comentar televisão, o eminente Senador produzia, na verdade, crônicas belíssimas que demonstravam sensibilidade de vida, um notável conhecimento da alma humana e realmente se constituíam, na última página do jornal O Globo, em ponto de referência e leitura. V. Exª sabe colocar o encanto necessário em uma oração como essa. Para falar do Flamengo, ninguém melhor do que o Senador Artur da Távola, carioca, e, acima de tudo, com a sensibilidade do tricolor - que também sou, e confesso neste instante -, daquele que tem isenção para falar de um clube que é paixão. O Flamengo é paixão, o Flamengo representa este Brasil imenso. É comovente quando o Flamengo se desloca para outras capitais: a sua torcida é muitas vezes superior à torcida do clube local, o que demonstra que o Flamengo é realmente uma paixão nacional. V. Exª situa muito bem a história do Flamengo e o que ele representa para todos os brasileiros. E é interessante que nós, torcedores dos outros clubes, quando o Flamengo está em disputa internacional, todos vestimos também a sua camisa. O Flamengo recebe uma grande homenagem hoje, com a oração que V. Exª está produzindo, e temos uma alegria imensa por participar disso, porque o Flamengo é um estado de espírito nacional, é um toque que caracteriza o brasileiro. Visitantes que vêm de outros países querem conhecer o Maracanã e o Flamengo, que é uma referência permanente por seu largo prestígio. Portanto, Senador Artur da Távola, junto-me a V. Exª, na condição até de Líder do Governo, porque V. Exª externa um sentimento que está ligado a todos os que amamos este País, e quero proclamar que o melhor presente que o Flamengo poderia ter recebido do Senado é a oração que V. Exª está fazendo a propósito dos 100 anos de vida rubro-negra.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, Senador Elcio Alvares. A generosidade de V. Exª, como sempre, capitaneia o seu discurso.

Para concluir, repito que nada é mais desagradável do que um autor que chama as pessoas para lerem o que acabou de escrever. Cansa, e as pessoas acabam com um leve sorriso de condescendência. E o autor, emocionado, nem sempre colhe os louros do que fez.

Como escrevi este texto há muito tempo - nunca poderia imaginar que, um dia, estaria no Senado e aconteceria o Centenário do Flamengo -, peço-lhes a tolerância - ele é curto - de escutá-lo.

      "Ser Flamengo

      Ser Flamengo é ser humano e ser inteiro e forte na capacidade de querer. É ter certezas, vontade, garra e disposição. É paixão com alegria, alma com fome de gol e vontade com definição.

      É ser forte como o que é rubro e negro como o que é total. Forte e total, crescer em luta, peleja, ânimo, e decisão.

      Ser Flamengo é deixar a tristeza para depois da batalha e nela entrar por inteiro, alma de herói, cabeça de gênio militar e coração incendiado de guerreiro. É pronunciar como emoção as palavras flama, gana, garra, sou mais eu, ardor, vou, vida, sangue, seiva, agora, encarar, no peito, fé, vontade. Insolação.

      Ser Flamengo é morder com vigor o pão da melhor paixão; é respirar fundo e não temer; é ter coração em compasso de multidão.

      Ser Flamengo é ousar, é contrariar norma, é enfrentar todas as formas de poder com arte, criatividade e malemolência. É saber o momento da contramão, de pular o muro, de driblar o otário e de ser forte por ficar do lado do mais fraco. É poder tanto quanto querer. É querer tanto como saber; é enfrentar trovões ou hinos de amor com o olhar firme da convicção.

      Ser Flamengo é enganar o guarda, é roubar o beijo. É bailar sempre para distrair o poder e dobrar a injustiça. É ir em frente onde os outros param, é derrubar barreiras onde os prudentes medram, é jamais se arrepender, exceto do que não faz. É comungar a humildade com o rei interno de cada um.

      É crer, é ser, é vibrar. É vencer. É correr para; jamais correr de. É seiva, é salva; é vastidão. É frente, é franco, é forte, é furacão. É flor que quebra o muro, mão que faz o trabalho, povo que faz país."

Parabéns ao Flamengo no seu Centenário. (Muito bem! Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/1995 - Página 4748