Discurso no Senado Federal

AVALIAÇÃO DO PLANO REAL APOS DEZOITO MESES DE SUA IMPLANTAÇÃO. CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLITICA CAMBIAL E A RELEVANCIA DA QUESTÃO FISCAL.

Autor
Fernando Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Fernando Luiz Gonçalves Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • AVALIAÇÃO DO PLANO REAL APOS DEZOITO MESES DE SUA IMPLANTAÇÃO. CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLITICA CAMBIAL E A RELEVANCIA DA QUESTÃO FISCAL.
Aparteantes
Geraldo Melo, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 12/01/1996 - Página 147
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ECONOMIA, BRASIL, PLANO, REAL, AUMENTO, DESEMPREGO, ATIVIDADE INDUSTRIAL.
  • NECESSIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, REDUÇÃO, CUSTO, PORTO, GARANTIA, INFRAESTRUTURA, PRIVATIZAÇÃO, OBJETIVO, CRESCIMENTO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA.
  • CRITICA, POLITICA FISCAL, GOVERNO FEDERAL, PLANO, REAL, AUMENTO, JUROS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AJUSTAMENTO, POLITICA FISCAL, GARANTIA, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, CRIAÇÃO, EMPREGO, REVISÃO, BENEFICIO, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS.
  • IMPORTANCIA, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA ADMINISTRATIVA, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. FERNANDO BEZERRA (PMDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Plano Real acaba de completar dezoito meses desde a sua implantação. Graças a ele, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso pôde comemorar, em 1995, não apenas o êxito do combate à inflação, seu principal objetivo, mas, principalmente, a superação de alguns importantes desafios ao processo de estabilização.

Se os bons resultados do Plano com relação à inflação mereceram a admiração e o apoio do País - principalmente depois dos sucessivos fracassos que o Brasil amargou nos seus esforços de estabilização desde a década passada -, todavia, é preciso lembrar que o processo não se deu sem custos para o setor produtivo, cujo reflexo mais perverso foi a drástica redução do nível de emprego.

Acredito, portanto, que, no momento em que se começa a discutir a agenda da política econômica para 1996, esta Casa tem o dever de fazer uma profunda reflexão sobre os rumos que a economia brasileira deverá tomar a partir de agora. E, através do alerta de seus membros e do seu concurso efetivo, contribuir para a continuação do processo de estabilização, mas com desenvolvimento econômico e com a garantia de que a solução dos enormes problemas sociais do País não estará sendo, uma vez mais, postergada.

O ano de 1995, de acordo com os dados da Confederação Nacional da Indústria, entidade que tenho a honra de presidir, foi marcado por uma grande oscilação no nível da atividade econômica. Iniciado sob um forte ritmo de expansão, o ano se encerrou com a economia operando em níveis inferiores aos observados no final de 1994. As empresas enfrentaram enormes dificuldades, em função do desequilíbrio provocado pela combinação de juros elevados com câmbio defasado, e se viram demasiadamente expostas à competição internacional.

Esse quadro introduz o primeiro grande desafio para a economia brasileira em 1996: a busca da competitividade. Uma combinação perversa de tarifas, câmbio e custos adicionais à produção, o chamado custo-Brasil, tem anulado a capacidade de resposta dos setores produtivos nacionais frente às dificuldades de uma economia mais aberta e competitiva. Caso o Governo pretenda manter a atual política cambial, deve, ao mesmo tempo, buscar alternativas para melhorar a competitividade externa e a rentabilidade dos produtores de bens comercializáveis. E, nesse sentido, é fundamental a eliminação do custo-Brasil, que engloba desde a realização da reforma tributária até a redução dos custos portuários, a garantia de infra-estrutura e a firme continuidade do programa de privatização, entre outras medidas.

A redução dos custos financeiros é outra providência necessária. Taxas de juros elevadas como as que vêm praticadas asfixiam o setor produtivo, desestimulando os investimentos, além de aumentar a dívida pública e comprometer o superávit fiscal requerido no futuro.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. FERNANDO BEZERRA - Tem V. Exª o aparte, nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Fernando Bezerra, o que V. Exª está dizendo é muito correto. Dou como exemplo o Rio Grande do Sul, que tinha uma dívida mobiliária de 3,100 bilhões; pagou 380 milhões durante o primeiro semestre do ano de 1995 e, no final do ano, devia 4 bilhões e pouco, sem ter emitido sequer uma nova letra. Isso mostra o quanto essa taxa de juros perniciosa tem influenciado não só a dívida pública, mas também arrasado com o setor produtivo. Parabéns a V. Exª.

O SR. FERNANDO BEZERRA - Agradeço a V. Exª pelo aparte. Essas preocupações são externadas por mim, ao longo do discurso. O grande desafio que a economia brasileira terá no próximo ano, em decorrência dessas taxas de juros, é exatamente o ajuste das contas públicas.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Fernando Bezerra, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. FERNANDO BEZERRA - Tem V. Exª o aparte, Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Fernando Bezerra, além de registrar a importância do pronunciamento de V. Exª, queria me associar à intervenção do Senador Ney Suassuna no que se relaciona com os efeitos devastadores dessa taxa de juros. Ainda há pouco falava aqui, justificando seu requerimento de informações, o Senador Eduardo Suplicy, referindo-se à debilidade financeira de algumas instituições bancárias, o que forçou, virtualmente, o Governo a instituir um programa de proteção ao sistema financeiro e de socorro ao sistema bancário em dificuldade. O ponto que eu desejava colocar é o seguinte: existem instituições que há um ano e meio eram consideradas grandes instituições bancárias e que agora se teme que sejam instituições com ativo líquido negativo, isto é, com passivo a descoberto. Por quê? Porque o valor, a liquidez dos seus ativos, isto é, dos recursos que elas emprestaram a seus clientes, em grande parte, está comprometido. Há clientes que há um ano e meio ou dois anos eram bons clientes, podiam pagar seus débitos aos bancos, mas que hoje entraram na lista dos devedores duvidosos. Na realidade, poder-se-ia até dizer que, em muitos casos, não foi a instituição bancária que se deteriorou, mas foram os clientes dos bancos que entraram em dificuldade. E esse é o maior testemunho de que as preocupações de V. Exª são as mesmas minhas e as de tantas outras vozes neste País; elas se localizam na constatação de que o que está vulnerável é o setor produtivo. Os bancos quebram porque os seus clientes estão quebrados; se estes não estivessem sendo submetidos a pagamento de taxas de juros escorchantes, provavelmente, poderiam restituir o dinheiro que receberam emprestado. Daí, ser oportuno que uma voz com a autoridade que tem V. Exª se manifeste sobre este assunto, para que possamos, afinal, no limiar de um novo ano, iniciar uma reflexão diferente com respeito ao mesmo. Muito obrigado, Senador.

O SR. FERNANDO BEZERRA - Agradeço o seu aparte e congratulo-me com o raciocínio sempre brilhante de V. Exª, concordando, inclusive, que, com o agravamento da inadimplência do setor privado, sem dúvida nenhuma, teremos também o agravamento do setor financeiro.

Continuando, Sr. Presidente:

Adicionalmente, é preciso agilizar a implementação dos incentivos às exportações e garantir que a revisão de alíquotas que se faz necessária, ocorra ao longo do ano e leve em conta a realidade da política cambial.

Na visão da CNI, a maior falha na condução do Plano Real em 1995, contudo, foi o desempenho da política fiscal do Governo, muito menos rigorosa do que se esperava, e que registrou aumentos de gastos em todos os níveis. Os aumentos foram de tal sorte que as contas consolidadas do setor público passaram de um superávit de 2% do PIB em 1994, para um déficit da ordem de 4% já neste ano. E isso apesar de ter havido um substancial aumento da receita global, elevando a carga tributária a um nível recorde.

A questão fiscal, portanto, deverá ser o segundo grande desafio que a economia brasileira terá que enfrentar em 1996, e que exige a nossa preocupação e o nosso rigoroso acompanhamento. O ajuste das contas públicas é absolutamente imprescindível. E deverá se processar através de três frentes: pela redução dos gastos da União, por uma maior austeridade da parte dos Estados e Municípios e pelo aumento dos recursos obtidos com a privatização.

O Plano Real vem-se apoiando na âncora cambial e nos juros elevados, mecanismos cuja validade é transitória e que não poderão ser usados indefinidamente. É preciso que, em 1996, se reduza de forma expressiva o déficit operacional e se criem condições de equilíbrio mais permanente entre as despesas e as receitas do setor público. É através do ajuste fiscal que garantiremos uma redução permanente da taxa de juros.

Srªs e Srs. Senadores, aqui cabe um alerta que se destina especialmente a esta Casa, e ao Congresso Nacional como um todo, e que precisa ser compreendido pelo Governo e por toda a sociedade brasileira.

É importante que qualquer aumento mais expressivo na receita tributária seja firmemente rejeitado, uma vez que o nível de arrecadação já se encontra em um patamar muito alto para suportar a elevação necessária ao ajuste. Ao mesmo tempo, se o setor público continuar procedendo à repressão de caixa para reduzir o desequilíbrio, certamente estará minando as possibilidades efetivas de estabilização da economia até agora perseguidas. É preciso ter em mente que dificilmente poderemos conviver por muito tempo com essa situação.

O desafio do emprego é o terceiro obstáculo que precisará ser superado pela política econômica em 1996, cujas conseqüências para a sociedade são as mais preocupantes e exigem toda nossa atenção e todo nosso cuidado. É preciso encontrar alternativas para a geração de empregos no País, através da combinação de ações de natureza macro e microeconômicas. E, entre as medidas recomendadas, a redução do custo da mão-de-obra aparece como uma das mais importantes.

A flexibilização dos benefícios e direitos trabalhistas em geral, incluindo as indenizações rescisórias e a jornada de trabalho, representaria um incentivo importante à geração de novos empregos, muito embora essas medidas levem tempo para surtir efeito. A alternativa de curto prazo seria o Governo estimular a geração de empregos através do incentivo a setores intensivos em mão-de-obra, como o da construção civil e o das pequenas e microempresas, o que poderia ser obtido através de maior oferta de crédito e condições de acesso a financiamentos. Nesse sentido, a ampliação dos investimentos em infra-estrutura, como estradas, eletrificação, irrigação e saneamento básico, entre outros, têm o condão de aumentar, não apenas o número de empregos, mas também a própria produtividade global da economia e, conseqüentemente, a sua competitividade.

Finalmente, é preciso não esquecer o papel decisivo desempenhado pelo crescimento econômico na geração de empregos, para o qual é indispensável a consolidação da estabilização, através do avanço das reformas estruturais. E, nesse ponto, chegamos ao núcleo central da questão, para o qual a atuação do Congresso Nacional será basilar.

A aceleração das reformas - notadamente as reformas administrativa, tributária e da Previdência - irá possibilitar tanto a mudança no regime fiscal quanto o aumento da competitividade da economia, através da redução do custo Brasil, todos fatores básicos à estabilidade. Sua postergação, ao contrário, só agravará as dificuldades, adiando a obtenção do equilíbrio fiscal, desestimulando a entrada de investimentos produtivos externos, pressionando o financiamento do déficit em conta corrente e minando as bases da estabilidade a longo prazo.

É preciso que o Congresso Nacional, que nunca deixou de ouvir os legítimos anseios do nosso povo, atenda à vontade que tem sido manifestada através das pesquisas de opinião e vote antes das eleições municipais deste ano - portanto, ainda neste primeiro semestre - as reformas requeridas para a consolidação do Plano Real. Será essa a base para que possamos trilhar o caminho do desenvolvimento econômico, sem inflação, permitindo que o País resgate, finalmente, sua imensa dívida social.

Srªs e Srs. Senadores, essas as reflexões que venho convidá-los a fazer, quando todas as atenções se voltam para as perspectivas que se oferecem à economia brasileira no ano que se inicia.

Os resultados positivos alcançados até agora não podem nos fazer esquecer os desafios que teremos pela frente. E tampouco o papel que espera de nós a sociedade brasileira, sobre cujos ombros, certamente, recairão o êxito ou o malogro das medidas de política econômica que serão adotadas ao longo de 1996. Um papel que, tenho certeza, saberemos cumprir de modo sereno, firme e decidido, com o melhor da nossa capacidade, do nosso empenho e da nossa responsabilidade.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/01/1996 - Página 147