Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM OS ELEVADOS E CRESCENTES INDICES DE VIOLENCIA E CRIMINALIDADE NO BRASIL.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM OS ELEVADOS E CRESCENTES INDICES DE VIOLENCIA E CRIMINALIDADE NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 01/02/1996 - Página 1167
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, AUMENTO, VIOLENCIA, CRIME, SEQUESTRO, ASSALTO, HOMICIDIO, BRASIL.
  • CARACTERIZAÇÃO, MOTIVO, AUMENTO, VIOLENCIA, DEFICIENCIA, JUSTIÇA, SISTEMA PENITENCIARIO, SITUAÇÃO, POLICIA CIVIL, POLICIA MILITAR.
  • REGISTRO, COMBATE, CRIME, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • ANALISE, ESTUDO, CONTROLE, CRIME, SOCIEDADE CIVIL.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a preocupação com os elevados e crescentes índices de violência, criminalidade e insegurança continua no topo da agenda das grandes questões que angustiam a consciência nacional.

A escalada dos atentados à vida e à propriedade, endêmica nos grandes centros como o Rio e São Paulo, parece agora estar se alastrando por regiões e cidades antes consideradas modelos de segurança. Na última semana, por exemplo, a opinião pública brasiliense alarmou-se com a surpreendente notícia de assalto à residência do Sr. Ministro da Justiça. As ameaças das quadrilhas de sequestradores, a proliferação do câncer moral e social do tráfico de drogas; os requintes de perversidade que cada vez mais caracterizam os ataques contra mulheres, crianças e idosos de qualquer classe, a qualquer hora do dia e em qualquer bairro - da mais humilde favela à mais afluente das vizinhanças - tudo isso está instilando nos cidadãos, nas autoridades e na mídia a convicção desesperada de que nada pode ser feito para acabar com esse pesadelo.

Contribuem para essa percepção negativa a proverbial lentidão dos trâmites judiciais, o colapso administrativo e humano do sistema penitenciário e a crônica inferioridade das polícias militares e civis (em termos de efetivos, recursos materiais e tecnológicos) frente às hordas de ladrões, traficantes, assassinos e estrupadores, que dispõem de meios aparentemente inesgotáveis e arsenais cuja letal sofisticação faria inveja a qualquer rambo ou robocop.

Minha intenção, Senhoras e Senhores, é compartilhar alguns fatos de uma experiência recente e em pleno curso cujos bons resultados têm atraído a atenção da imprensa e da opinião pública internacionais. Ela deve ser analisada com atenção, a fim de que possamos romper as amarras da resignação, do conformismo e do desânimo. As vitórias contra o crime alcançadas pela cidade de Nova York e pelo seu Departamento Municipal de Polícia em pouco mais de um ano de administração do prefeito Ralph Giuliani, provam que uma comunidade decidida a expulsar a delinquência das ruas e retomá-las para os cidadãos é capaz de inspirar as autoridades policiais com novo ânimo, novas doutrinas e novos métodos de trabalho.

Examinemos, em primeiro lugar, os números desse êxito nova-iorquino no combate ao crime. Durante o primeiro semestre de 1995, o índice de assassinatos registrou uma queda da ordem de 31% em relação ao mesmo período de 94, primeiro ano da administração Giuliani. Os assaltos foram reduzidos em 21,2%; os roubos de carros, em 25,2%. Em comparação com os números relativos a 1993, essas estatísticas se tornam ainda mais dramáticas; redução de homicídios em 37,3%, de roubos em 31,3% e de crimes sérios em geral, com queixas devidamente registradas, em 27,1%.

Como explica o responsável direto por essa transformação, o Comissário-Chefe William Bratton, o declínio na taxa de assassinatos significa que 44 vidas humanas são poupadas todos os dias. No ainda perigoso bairro do Bronx, 1.200 pessoas deixam de ser mortas mensalmente.

Nas galerias do famigerado metrô de Nova York, por onde circulam diariamente cerca de 3,5 millhões de pessoas, a taxa de crimes violentos despencou em 64% e a de assaltos em impressionantes 73%.

No entanto, Sr. Presidente, a despeito de números tão eloquentes, que se traduzem em um ambiente de trabalho, negócios e lazer indiscutivelmente mais seguro para a população de Nova York e para os milhões de turistas americanos e estrangeiros que a visitam, ainda assim, o trabalho da dupla Giuliani-Bratton continua a enfrentar a frieza, o descrédito e mesmo certa irritação por parte do establishment acadêmico, jornalístico e de outros círculos bem-pensantes.

Aparentemente espantosa, essa reação pode ser explicada pela duradoura influência da sabedoria convencional que dominou a criminologia americana ao longo das três últimas décadas. Essa sabedoria, logo transformada em artigo de fé orientador da ação de autoridades policiais e judiciárias, baseava-se no dogma de que crime seria produto da privação econômica, da injustiça social e da discriminação racial. Ou seja, a criminalidade não poderia ser combatida com sucesso na ausência de uma transformação radical das condições de vida, trabalho, habitação, etc., das parcelas desprivilegiadas da população. Por isso, os policiais passaram a ser dissuadidos de assumir atitudes e de tomar providências que apenas exacerbariam as tensões sociais e raciais, sem solucionar as causas estruturais da criminalidade. Cessaram as rondas de policiamento ostensivo nas ruas, que, ato contínuo, foram tomadas pelas gangues de ladrões e traficantes. A polícia ficou reduzida a uma postura meramente reativa, mobilizada apenas esporadicamente para responder a aumentos anormais das ondas de crimes. Assim desmotivada, privada de um senso de missão e de uma doutrina pró-ativa, a corporação caiu vítima do imobilismo, quando não da corrupção pura e simples.

Ora, minhas Senhoras e meus Senhores, não é preciso grande esforço intelectual para identificar as inconsistências e fragilidades dessa teoria. Do ponto de vista moral, ela é uma ofensa à esmagadora maioria de pobres honestos, trabalhadores e cumpridores da lei. Do ponto de vista lógico e histórico, a conexão causal prova-se, no mais das vezes, inversa, isto é, a insegurança pública eterniza o subdesenvolvimento econômico e social de muitas áreas urbanas, pois afugenta empresários e desestimula a abertura de novos negócios capazes de gerar empregos, impostos e bem-estar. Este aliás é o cerne do argumento do inglês Thomas Hobbes em Leviatã, obra imortal do pensamento político, escrita no século XVII, bem como da teoria do sociólogo e politólogo alemão Max Weber, que definiu o Estado como a instituição detentora do monopólio legítimo da violência sobre determinado território. (Observo de passagem que é lícito derivar dessa definição weberiana o raciocínio de que as autoridades de qualquer nível que cruzam os braços por se considerar impotentes diante dos avanços da delinquência e da marginalidade, resignando-se com a existência de santuários, baluartes e "zonas liberadas" sob controle do narcotráfico, onde a polícia tem medo de pisar, tais autoridades, de fato, estão cometendo crime de lesa-soberania nacional...).

No inicio da década passada, essa teoria que legitimava a passividade diante do crime recebeu um duro golpe, representado pelos estudos do cientista político James Q. Wilson e do criminologista George Kelling- ambos da prestigiosa Universidade de Harvard. Num hoje memorável artigo de 1982, intitulado "Broken Windows" ("Vidraças quebradas"), a dupla afirmava que a polícia e a sociedade estavam cometendo um grave erro ao desconsiderar e tolerar atentados menores à ordem pública, tais como vidraças estilhaçadas, cenas de embriaguês, muros grafitados e assim por diante. Se esses pequenos delitos passassem a ser sistematicamente punidos, a polícia estaria emitindo uma mensagem clara sobre os tipos de comportamento socialmente toleráveis e reconquistaria a confiança e a estima da comunidade.

Hoje, o professor Kelling é um dos principais assessores do Comissário-Chefe Bratton e de seu adjunto para estratégias de controle da criminalidade, Jack Maple.

Sob Bratton e Maple e com o total apoio de prefeito Giuliani, o Departamento de Polícia de Nova York adotou uma atitude decididamente pró-ativa. Com isso, registraram-se 18% mais prisões nos primeiros seis meses de 1995 que no mesmo período do ano anterior.

Essa estratégia, notável por sua concisão e objetividade, compreende quatro aspectos fundamentais. São eles: informação acurada e oportuna; ação rápida e com alvos claramente definidos; táticas eficazes; e acompanhamento e avaliação incessantes.

O segredo do sucesso está numa combinação de descentralização administrativa com técnicas de gerência por objetivos e resultados. As responsabilidades pela prevenção e repressão de delitos graves, como o narcotráfico, deslocaram-se das delegacias especiais subordinadas a em comando central, para as delegacias distritais, que atuam como unidades completas e com grande autonomia.

Para unificar perspectivas e assegurar uma firme coesão de propósitos, a estratégia Bratton-Maple é incansavelmente martelada numa rigorosa programação de reuniões entre a cúpula do departamento e o pessoal das delegacias em intervalos frequentes e regulares. Esses encontros servem para discutir investigações em curso, operações especiais, surtos anormais e localizados de atividades criminosas, bem como para uma análise crítica de táticas e uma implacável cobrança de resultados, à base de prazos e metas tangíveis porém ambiciosos, o que é bom para manter o moral da equipe elevado.

A reprogramação dos turnos de trabalho permitiu uma cobertura total 24 horas por dia (antes, as patrulhas funcionavam dentro dos horários limitados e conhecidos como qualquer repartição pública, para alegria dos malfeitores, que sabiam as melhores horas do dia para atacar sem ser pertubados).

As capacidades organizacionais de coleta, processamento e análise das estatísticas dos diversos crimes por região da cidade foram modernizadas, e hoje os policiais nova-iorquinos formulam seus planos de ação baseados em informações atualizadas, em tempo real.

Os efeitos psicológicos do policiamento ostensivo são explorados ao máximo. Cabinas instaladas em trailers foram espalhadas por todas as vizinhanças, dando apoio a investigadores que, vestidos com coletes à prova de balas, abordam qualquer pessoa em atitude suspeita ou em algum comportamento anti-social: vadios, mendigos agressivos, pedestres ou motoristas com aparelhagens de som em alto volume, bebedores de cerveja postados nas esquinas. Os infratores são advertidos e, caso não apresentem documentos em ordem, são encaminhados à delegacia mais próxima para identificação e autuação.

Para este ano de 1996, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a meta do Departamento de Polícia de Nova York, é baixar os índices gerais de criminalidade, em mais 9% ou 10%. Com isso, atingir-se-ia o número mágico de 50% de declínio em relação a 1990. Uma cifra que nem mesmo os críticos mais renitentes poderiam dar-se ao luxo de ignorar.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como afirmei no início deste pronunciamento, a experiência nova-iorquina é rica em lições para nós no Brasil. A primeira e maior de todas elas talvez seja a de que as sociedades têm as taxas de delinquência que estão dispostas a tolerar - nem mais, nem menos.

Aqui também estamos necessitados de uma perestroika intelectual em respaldo a uma nova abordagem para a prevenção e a supressão do crime. Chega de álibis sociológicos e de pseudojustificativas. A causa do crime é o criminoso!

Quando nos imbuímos desse óbvio ululante, percebemos o perigoso ridículo inerente às atitudes e declarações de certos líderes de opinião, dirigentes de ONGs, militantes dos direitos humanos (dos criminosos, e não das vítimas, bem entendido!...) e outros expoentes do esquerdismo bem-pensante e - o que é mais grave - autoridades governamentais constitucionalmente incumbidas de zelar pela segurança pública. Um exemplo flagrante e recentíssimo dessa cegueira foi a passeata do movimento "Reage Rio", realizada na capital carioca. Como não escapou sequer aos mais desatentos, nenhum cartaz, nenhuma faixa carregada pelos manifestantes fez a mais leve menção ao narcotráfico, que, como até os paralelepípedos da calçada sabem, é o fulcro da orgia de violência que desfigurou a Cidade Maravilhosa. Por que essa gritante omissão, esse estranho "esquecimento"?

Ora, Sr. Presidente, é um segredo de polichinelo que alguns dos mais eminentes animadores daquela manifestação são notórios usuários de drogas. Que autoridade moral têm essas pessoas para exigir o fim da violência no Rio ou em qualquer cidade do país? Não podem oferecer qualquer solução eficaz e digna de crédito simplesmente porque são parte do problema!

É por isso que, passado o efeito catártico desses grandiosos psicodramas coletivos, movimentos do gênero acabam invariavelmente resvalando rumo ao esquecimento e à mais melancólica inconsequência.

Bem sei, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que para dissolver velhos estereótipos e fazer com que a sociedade brasileira e suas elites formadoras de opinião assumam uma atitude racional, correta, livre de preconceitos e sobretudo produtiva, frente à greve questão da violência criminal, teremos de demolir a maldita herança ideológica do regime militar autoritário que até hoje induz à confusão entre autoritarismo e autoridade legítima em especial no seio das gerações mais jovens.

Pretendi com esta intervenção tão-somente dar uma modesta contribuição neste sentido. Como reza o velho provérbio chinês, uma jornada de mil léguas começa sempre com o primeiro passo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/02/1996 - Página 1167