Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DISCURSO DO PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS, BILL CLINTON, QUE SE INTITULA 'O ESTADO DA UNIÃO'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O DISCURSO DO PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS, BILL CLINTON, QUE SE INTITULA 'O ESTADO DA UNIÃO'.
Publicação
Publicação no DSF de 09/02/1996 - Página 1539
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CONTEUDO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEFESA, IMPORTANCIA, UNIÃO, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE, REFORÇO, DEMOCRACIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a democracia americana tem certos formalismos que vão além do cumprimento de um mero ritual e um deles é o discurso anual que o Presidente americano pronuncia perante o Congresso, que se intitula "O estado da União".

O Presidente Clinton cumpriu essa formalidade perante o Congresso americano, dia 23 de janeiro, e fez o seu discurso sobre o estado da União que, como ele diz bem no início do seu pronunciamento, "não é um discurso sobre o estado do Governo, mas sim um discurso sobre o estado da União".

Esse discurso me chamou a atenção pelo seu conteúdo e pela sua forma, inclusive pelo fato de que, logo depois de tê-lo pronunciado perante o Congresso Nacional, o Presidente Clinton teve uma grande ascensão nas pesquisas de opinião pública para a escolha do próximo Presidente da República. Acho interessante comentar alguns tópicos desse discurso, porque é muito ilustrativo, no sentido de demonstrar, de maneira muito clara, a necessidade que temos de fortalecermos certos valores básicos da sociedade.

O Presidente Clinton fala muito mais sobre a sociedade americana do que o governo americano. Ao longo do discurso, o Presidente menciona, freqüentemente, os chamados valores básicos da sociedade americana. Convoca essa sociedade a construir um futuro melhor; fala, várias vezes, sobre a família como unidade social indispensável para a construção de uma sociedade justa e equilibrada, sobre a escola, sobre as Igrejas, sobre as organizações comunitárias. Em mais de um trecho refere-se a participação dos dois partidos políticos representados no Congresso Nacional no sentido de, conjuntamente, com o Legislativo e o Executivo ajudarem a sociedade americana a superarem certas dificuldades que ali existem.

A relação entre o Executivo e o Legislativo é colocada num patamar construtivo, inclusive no chamado episódio que paralisou algumas unidades administrativas do Governo americano, pela falta de aprovação do Orçamento.

O fato de o Presidente da República ser minoritário na Câmara dos Deputados, controlada por um partido que faz oposição ao seu governo, mostra a vitalidade da democracia americana e a força das instituições políticas, que sobrevivem e até se fortalecem, mesmo quando esses confrontos existem e que há sempre uma maneira de solucioná-los democraticamente, tendo em vista o interesse público.

Em um trecho fala sobre a economia americana o qual passo a ler:

      Nossa economia é a mais saudável em 30 anos. Temos o mais baixo índice de desemprego e de inflação em 27 anos.

      Criamos cerca de 8 milhões de empregos, mais de um milhão deles em indústrias básicas como a de construção e a automobilística. Pela primeira vez, desde a década de 70, a América está vendendo mais carros do que o Japão e, em três anos seguidos, temos tido um número recorde de novos empreendimentos.

      Vivemos a era da possibilidade. Há cem anos saímos do campo para a fábrica. Agora, partimos para a era da tecnologia e para a competição global. Essas mudanças abriram enormes oportunidades, mas também trouxeram grandes desafios.

      Precisamos responder a três questões fundamentais: como tornar realidade o sonho americano de oportunidade para todos que lutam por ele? Como preservar nossos velhos e persistentes valores na caminhada para o futuro? E como enfrentarmos esses desafios juntos como América unida?

      Sabemos que uma grande máquina administrativa não tem resposta para tudo. Não há um programa para cada problema. Sabemos que precisamos de uma máquina administrativa cada vez menos burocrática em Washington, que viva por seus próprios meios. Mas, então, qual é a responsabilidade do governo? Pergunta ele. Acredito que o governo pode ajudar e não prejudicar.

Falando sobre o orçamento:

      Nossa responsabilidade aqui começa com o equilíbrio do orçamento, de uma maneira que seja justa para todos os americanos. Há atualmente um amplo acordo bipartidário de que o déficit permanente precisa acabar.

      Cumprimento os Republicanos pela energia e determinação que trouxeram a essa tarefa. E agradeço aos Democratas por aprovarem a maior redução do déficit, quase pela metade, em apenas três anos.

Quer dizer, uma concorrência de esforços para se atingir um mesmo objetivo, ainda que trilhando caminhos diferentes.

No discurso, ele lança sete desafios para o povo americano e para o Congresso Nacional.

      O primeiro deles é cuidar dos nossos filhos e reforçar os laços da família americana.

      A família é a base da vida americana. Se tivermos famílias mais fortes, mais fortes seremos como nação.

É um apelo permanente ao fortalecimento da família, desses laços que realmente ajudam à coesão da sociedade.

Ao falar especificamente sobre o fumo:

      Digo àqueles que produzem e comercializam cigarros: cada ano, um milhão de crianças começam a fumar; em conseqüência, 300 mil delas terão sua expectativa de vida reduzida. Minha administração tomou medidas para deter a maciça campanha que faz apelo a nossas crianças. Estamos dizendo: comercializem seus produtos para adultos, se assim quiserem, mas se distanciem das crianças.

Há uma outra preocupação, que é o problema do fumo e das drogas.

      Peço aos homens e às mulheres dos Estados Unidos que respeitem uns aos outros. Devemos acabar com essa praga que é a violência doméstica. Eu desafio as famílias americanas a ficarem juntas.

Volto a repetir: há um apelo permanente à valorização da família.

      Em particular, eu desafio os pais a amarem e cuidarem de suas crianças. Se sua família está separada, vocês devem pagar o sustento de seus filhos. Mais do que nunca estamos fazendo tudo para que vocês realmente paguem por isso, e ainda faremos muito mais nesse sentido. Nosso segundo desafio é dar aos americanos as oportunidades educacionais que necessitamos para o novo século.

Isso é bem oportuno, no momento em que estamos votando uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

      Eu desafio todas as escolas a ensinarem a educação do caráter: bons valores e boa cidadania.

      Eu desafio os pais a serem os primeiros professores dos seus filhos. Desliguem a televisão, façam com que as tarefas sejam cumpridas. Visitem as salas de aula de suas crianças.

O que me impressionou nesse discurso, que é aparentemente um discurso impróprio ao Presidente de um País como os Estados Unidos, fazendo um pronunciamento inaugural da sessão legislativa perante o Congresso Nacional, foi o seu constante, o seu reiterado, o seu permanente apelo à participação da sociedade, a partir da família, na construção de uma ordem econômica e social mais justa.

O terceiro desafio é ajudar cada americano a atingir a segurança econômica. E aqui há um parágrafo importante:

      Cada vez mais americanos estão trabalhando duro sem perceberem aumento. O congresso define o salário mínimo. Daqui a um ano, nos Estados Unidos, o salário mínimo irá atingir o índice mais baixo em 40 anos em termos de poder de compra: US$ 4,25 por hora. Não é um salário com o qual se possa viver, mas milhões de americanos e seus filhos estão tentando viver com essa quantia. Desafio o Congresso a aumentar essa renda mínima.

No discurso dele, há permanentemente o emprego da palavra desafio, ora desafiando a sociedade, ora desafiando o Congresso a participarem das soluções dos problemas.

      Devemos preservar as proteções básicas que programas como o Medicare e o Medicaid (programas de assistência médica para idosos e para pobres) fornecem não apenas para os pobres mas também para as pessoas de famílias trabalhadoras, inclusive crianças, pessoas com problemas físicos, pessoas com AIDS e cidadãos idosos.

Prestem atenção a esta afirmação, porque ela tem muito a ver com a situação do Brasil, no momento, em relação à saúde:

      Nos últimos três anos, conseguimos economizar US$15 bilhões apenas lutando contra fraudes e abusos na área da saúde.

Quinze bilhões de dólares é o valor que o Brasil gastou no ano passado com o SUS. Nos Estados Unidos, esse valor representou somente fraudes e desvios.

Os abusos, fraudes e desvios na área da saúde é um problema grave e comum na maior parte dos países do mundo.

O quarto desafio é tirar das ruas o crime, as gangues e as drogas. Há menções muito importantes sobre o problema das drogas e da violência nos Estados Unidos.

Diz ele:

      Policiais e punições são importantes, mas não bastam. Teremos que manter o maior número possível de jovens afastados dos problemas a partir de estratégias de prevenção, não ditadas por Washington mas desenvolvidas nas comunidades.

Espírito comunitário é continuadamente evocado no sentido de, a partir daí, resolverem esses grandes problemas.

      Finalmente, para reduzir o crime e a violência, devemos reduzir também o problema das drogas. O trabalho começa em casa, com os pais conversando com os filhos abertamente e com firmeza.

Valoriza novamente a família e o lar.

O quinto desafio é no sentido de deixar nosso meio ambiente a salvo e limpo para a próxima geração. Novo desafio para o Congresso:

      Desafio o Congresso a reverter essas prioridades. Os poluidores devem pagar por isso. Podemos expandir a economia sem danificar o meio ambiente. Na verdade, podemos criar mais empregos, a longo prazo, limpando o ambiente.

O sexto desafio é manter a liderança da América na luta pela liberdade e a paz. Diz ele a essa altura do discurso:

      Os seis desafios que examinei até o momento referem-se a todos os americanos. Mas o nosso sétimo desafio é o desafio para os Estados Unidos aqui esta noite.

      Se nós em Washington pretendemos cumprir nossas responsabilidades ajudando os americanos a enfrentar esses desafios, será necessário um novo tipo de governo. Ele terá de ser menor e menos burocrático; terá de concentrar-se mais em resultados do que em regulamentos; terá de cooperar mais com as autoridades estaduais e municipais, com grupos comunitários e com o setor privado; e terá de conquistar o respeito e a confiança do povo americano.

      No ano passado - atenção para este tópico -, o Congresso aplicou a si mesmo as leis que se aplicam a todo mundo: proibiu presentes e refeições oferecidas pelos lobistas e forçou os lobistas a revelarem quem os financia e quais as leis que eles querem aprovadas ou rejeitadas. Aplaudo esta iniciativa.

Até hoje, o Congresso Nacional do Brasil não teve a coragem de regulamentar o exercício do lobby aqui dentro, tanto no Senado quanto na Câmara. Há projetos nessa linha tramitando nas duas Casas.

      Agora, desafio o Congresso a ir além - diz o Presidente Clinton -, reduzindo a influência dos grupos de interesses especiais na política por meio de um projeto de lei de reforma do financiamento de campanha eleitoral, o primeiro do gênero a ser inteiramente bipartidário - elaborado pelo Partido Democrata e pelo Partido Republicano. Com isso, o Congresso demonstrará ao povo americano que somos capazes de limitar os gastos e dar acesso aos meios de comunicação a todos os candidatos.

É outra questão com a qual nós nos debatemos há anos. Tivemos alguns avanços na medida em que, hoje, o financiamento de campanhas passou a ser de conhecimento público. Sabe-se quem ajudou a campanha desse ou daquele parlamentar, desse ou daquele candidato ao Governo do Estado ou à Presidência da República, mas há muito a ser feito ainda nessa direção.

Continua o Presidente Clinton:

      Apelo ao Congresso para que me proporcione o que me foi prometido, isto é, a possibilidade de vetar um projeto de lei linha por linha, e não necessariamente na totalidade.

O mecanismo do veto nos Estados Unidos é tal que o Presidente, quando veta, veta o projeto na sua totalidade e não partes, artigos, parágrafos ou trechos do projeto.

      Volto a dizer: a era do Governo hipertrofiado já acabou. Mas não podemos retornar à era de cada um por si. Precisamos progredir para a era da cooperação, como uma comunidade, uma equipe, um país, a fim de solucionarmos nossos problemas.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no desejo de trazer uma contribuição para o debate em relação ao funcionamento das nossas instituições políticas, do próprio Congresso Nacional, das grandes diretrizes da política econômica do Brasil de hoje e do futuro, eu trouxe ao conhecimento da Casa o texto do discurso do Presidente Bill Clinton pronunciado no dia 23 de janeiro de 1996 perante o Congresso Nacional americano, cumprindo dispositivo legal que manda que o Presidente da República, a cada ano, pronuncie um discurso perante o Congresso sob o título "O estado da União".

Há aqui muito o que se meditar. As realidades dos Estados Unidos e do Brasil são diferentes, as perspectivas também, as possibilidades de crescimento e de desenvolvimento são muito diversas, mas sem nenhum dúvida há muitas lições a extraírem-se desse pronunciamento, sobretudo no momento em que estamos numa situação de perplexidade, quando vemos o esfacelamento da família, quando vemos muitos dos nossos valores tradicionais desaparecerem da nossa sociedade, colocando em risco o seu equilíbrio, a sua harmonia e, conseqüentemente, a própria possibilidade de um desenvolvimento que venha ao encontro dos desejos e das necessidades de todos.

Este enfoque no Presidente Clinton não é apenas dos americanos, dos Estados Unidos. O Primeiro-Ministro inglês, John Major, do Partido Conservador, chegou a propor, como lema do seu partido, back to basics, ou seja, de volta aos valores básicos, aos valores tradicionais.

Muitas vezes temos uma certa tendência a olhar para isso de maneira depreciativa, a olhar para a família, para a comunidade, para a escola, para os movimentos sociais organizados com certo ar de desdém, como se isso fosse uma atitude conservadora, no sentido negativo da palavra, que imobilizasse a sociedade, que impedisse que ela se desenvolvesse ou que avançasse. Mas nenhuma sociedade justa pode ser construída, se não levar em conta, nos seus alicerces, esses valores básicos a que me referi ao longo deste pronunciamento.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/02/1996 - Página 1539