Discurso durante a 29ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ALERTA PARA O SUCATEAMENTO E DESTRUIÇÃO DA AMAZONIA.

Autor
Bernardo Cabral (S/PARTIDO - Sem Partido/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ALERTA PARA O SUCATEAMENTO E DESTRUIÇÃO DA AMAZONIA.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira, Jefferson Peres, Josaphat Marinho, Lauro Campos, Pedro Simon, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/1996 - Página 1918
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, PARTE, OPINIÃO PUBLICA, MEMBROS, GOVERNO FEDERAL, FALTA, INTERESSE, SITUAÇÃO, EXPLORAÇÃO, ATIVIDADE PREDATORIA, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, PATRIMONIO, REGIÃO AMAZONICA, RELAÇÃO, INTERESSE ECONOMICO, AMBITO INTERNACIONAL, MOTIVO, FALTA, ATUAÇÃO, AUTORIDADE PUBLICA, BRASIL.
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, SUBSISTENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, REGIÃO AMAZONICA, AUMENTO, REGISTRO, TERRAS.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, RISCOS, PERDA, BRASIL, DOMINIO, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. BERNARDO CABRAL ( -AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, setores importantes da opinião pública e segmentos qualificados e privilegiados da Administração Federal sempre encararam com desprezo, arrogância e criminosa insensibilidade as inúmeras denúncias já formuladas contra a destruição da Amazônia. Para esses juízes de fancaria, aqueles que alardeiam os crimes praticados contra o Amazonas são os xenófobos empedernidos, mendigos revoltados com a pobreza em que vivem, oportunistas de plantão e profetas do apocalipse. Raros são os formadores de opinião pública, poucos são os administradores do País que têm encarado com seriedade as queixas que brotam dos igarapés mais recônditos do meu Estado contra esse processo de sucateamento de uma das mais ricas e produtivas regiões deste planeta. Na maioria dos casos, nossos reclamos são recebidos e analisados com olímpica indiferença ou indisfarçável antipatia, como se estivéssemos vendendo o nosso País e não lutando pela manutenção de suas fronteiras.

Não me incomodo de carregar sobre os ombros o peso desses adjetivos pejorativos. Prefiro ficar em paz com minha consciência de amazonense e de brasileiro contra todos os dispêndios a me curvar a ensandecida predação do meu Estado.

Digo isso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, porque não me envergonho de ser coerente e honesto comigo mesmo em dizer alto e bom som, sob o risco de ser considerado fantasioso, visionário e oportunista, que o Amazonas está outra vez à mercê de interesses internacionais escusos e com sua sobrevivência como parte inalienável do território brasileiro gravemente ameaçado.

Deixemos de lado os sofismas, abandonemos as conjecturas e argumentos facciosos e encaremos os fatos como eles são: reais e, como conseqüência natural da realidade, extremamente dolorosos.

Lamentavelmente, o amazonense está perdendo o direito de continuar a ser amazonense, de permanecer a ser brasileiro, de ser dono da sua própria casa, da água que bebe, do ar que respira, do alimento que extrai de suas matas e de seus rios. O amazonense está sendo humilhado pelos interesses internacionais e traído pelos trânsfugas encastelados em cargos importantes da administração pública e paulatinamente vai se tornando estrangeiro em sua própria terra.

Desenvolve-se hoje no Amazonas, sob os olhares complacentes e, por que não dizer acumpliciados, de algumas de nossas autoridades, uma invasão organizada de suas terras. O éden que Deus nos concedeu e pelo qual temos zelado por inúmeras gerações está sendo sub-repticiamente pilhado por estranhos, não com intuito de mantê-lo, mas sim para dilapidá-lo.

Alemães, suíços, japoneses, coreanos, americanos, transitam livremente pelos rios amazonenses, demarcando terras em nome de empresas multinacionais. Com a empáfia de conquistadores, invadem atracadouros particulares para desembarque de seus trabalhadores, que adentram pela mata, abrindo imensas picadas, destruindo o meio ambiente. Arrogantes, não agradecem com um simples bom-dia o favor prestado pelos moradores da região. São os novos donos, os poderosos e fazedores de um mundo novo, desconhecendo regras, impondo deveres, sem o reconhecimento dos direitos que há séculos prevalecem na região.

Reis da selva, protegidos pela burocracia estatal, estabelecem com seus próprios mandamentos, proíbem a pesca e a caça em uma região onde a alimentação é uma dádiva da natureza. Embasados no poder do dinheiro, nas malditas divisas que nos empobrecem ao invés de nos enriquecer, esses invasores estão no início de um processo de genocídio da região amazônica. Não sou fantasioso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou sendo apenas realista.

O Sr. Josaphat Marinho - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - Só para acentuar, imagine V. Exª o que irá acontecer, daqui por diante, depois da liberação da navegação de cabotagem.

O SR. BERNARDO CABRAL - Sem dúvida nenhuma, e vou chegar lá.

As populações mais humildes do interior do Amazonas, onde é mais presente a ação predadora, não estão podendo mais comer daquilo que Deus lhes deu.

O que mais me revolta, no entanto, não é a facilidade que o País vem concedendo a esses espoliadores de nossas riquezas naturais, a esses sanguessugas da grandeza amazônica. O que me deixa atônito é a dificuldade que o Governo interpõe ao nativo da Amazônia para se manter em seu meio ambiente. Aos estrangeiros, tudo é permitido, desde a tramitação meteórica na concessão de títulos de propriedade, até o transporte rápido de seus equipamentos e insumos. Ao caboclo amazonense, ao pequeno sitiante, avolumam-se as restrições e as dificuldades.

Para ornamentar meu raciocínio, apresentaria como exemplo típico dessa autofagia o caso de um humilde e ao mesmo tempo habitante dos grotões amazônicos. Refiro-me ao drama que vem sendo vivido pelo meu coestaduano e amigo dileto, José Hélio Leite Barbosa, dono de um pequeno sítio na Boca do Caribé, Rio Uatumã, Município de Itapiranga. Há 15 anos, Hélio tira de sua pequena propriedade, com sacrifícios inauditos, o alimento para si e sua família. Não vou entrar em detalhes sobre o que esse corajoso amazonense teve que lutar para domar a terra. Há 15 anos, ele tem convivido com as intempéries, com a malária, com as doenças tropicais, com o mau humor dos rios, com os mosquitos e toda espécie de desconforto. Direi apenas que ele lutou o bom combate e venceu a dura competição. Contra a terra, mas não contra a burocracia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por incrível que pareça, até hoje, passados quinze anos, o sítio de José Hélio, míseros 150 hectares tomados pelo suor e pelo trabalho estafante à selva indignada, ainda não foram demarcados pelo órgão competente. Ou seja, o valente amazonense tem sua terra, mas ao mesmo tempo não a tem.

O Sr. Jefferson Peres - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço o aparte do eminente Senador Jefferson Peres.

O Sr. Jefferson Peres - Talvez eu não tenha entendido -estou me antecipando, pois V. Exª ainda não concluiu nem o seu pronunciamento, nem a carta -, mas me permita perguntar qual é a ameaça que paira sobre esses caboclos, especificamente sobre esse nosso conterrâneo. Ameaça externa de que tipo? Se é do Ibama, que não deixa pescar, não deixa caçar? Se são empresas estrangeiras, quais? E o que isso tem a ver com navegação de cabotagem? Isso parece um samba de crioulo doido! Porque navegação de cabotagem não tem nada disso, não ameaça em absolutamente nada o caboclo. Então, vou esperar que V. Exª conclua para poder me pronunciar.

O SR. BERNARDO CABRAL - Quanto à parte da cabotagem, o eminente Senador Josaphat Marinho, com a inteligência e a lucidez que tem, que é paralela com a de V. Exª, haverá de dar a resposta.

Quanto à dificuldade, é que esses próprios caboclos não conseguem registrar sua terra, medi-la, demarcá-la, porque o órgão competente não permite. No entanto, para os grandes grupos que para lá vão, em segundos, minutos, horas, estão prontos para isso.

Ou seja, um homem que, durante quinze anos, amanha a sua terra com dificuldade, com imensa e gritante dificuldade, tenta, junto ao órgão competente, e não lhe dão. Enquanto isso, esses grupos internacionais estão invadindo a área, inclusive a dele, sem pedir licença.

Em outras palavras, o amazonense que lá está ao longo da sua vida não consegue ter a sua terra registrada de forma organizada, e os que a têm não conseguem pagar o imposto, mercê dessa terrível burocracia para com os nossos coestaduanos, e facilidade para os que vêm de fora.

Assim, o ponto nevrálgico deste meu pronunciamento é mostrar que, ao longo do tempo, machucado pelas intempéries, desfraldando a sua bandeira ao sabor de todas as dificuldades, o amazonense continua sendo teimoso em ocupar a sua terra quando não lhe dão facilidades.

Se o eminente Senador Josaphat Marinho quiser dizer a V. Exª, nobre Senador Jefferson Peres, já que V. Exª foi o Relator da Comissão da Cabotagem, concedo a S. Exª esta oportunidade, para em seguida voltar à matéria.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador, eu não cometerei a indelicadeza de interromper o discurso de V. Exª para travar o debate com outro Colega! Dei um aparte. As conseqüências da livre cabotagem no País e, particularmente, na Região Amazônica vão se definir no tempo próprio. A experiência vai mostrar quanto é perigoso abrir ao estrangeiro a livre penetração pelo interior de nosso País, inclusive através de suas águas. Isso está à vista de qualquer pessoa.

O Sr. Jefferson Peres - No século passado...

O SR. BERNARDO CABRAL - Só um minuto, eminente Senador.

Quero apenas dizer ao eminente Senador Josaphat Marinho que, cada vez que posso fazer um pronunciamento desta tribuna e duas figuras como as de V. Exªs dão as suas achegas, só o enriquecem.

Concedo o aparte ao eminente Senador Jefferson Peres.

O Sr. Jefferson Peres - Antes de propriamente me reportar ao pronunciamento de V. Exª, Senador Bernardo Cabral, gostaria de dizer que, no século passado, Tavares Bastos defendia ardorosamente a abertura dos portos do rio Amazonas à navegação internacional, que eram inteiramente fechados. Na linguagem da época - não me recordo qual - Tavares Bastos foi considerado entreguista. A abertura da Amazônia à navegação internacional seria uma catástrofe, porque ela seria ocupada. Hoje o mais belo monumento da capital do Amazonas está lá na Praça de São Sebastião - V. Exª sabe que Tavares Bastos para nós é um herói. O futuro mostrou que ele tinha razão. Mas, nobre Senador Bernardo Cabral, o problema que V. Exª aborda é muito importante. O nosso caboclo, na verdade, é um grande sofredor, porque sofre a ação dos grandes grupos - estrangeiros ou brasileiros, não importa. Por um lado, vê-se espoliado na sua terra, no seu patrimônio; em vastas áreas, está sendo ameaçado agora por uma demarcação, ao meu ver, exagerada em algumas reservas indígenas, como é o caso dos Ticunas, no Alto Solimões. Lá caboclos que estão na terceira ou quarta geração estão ameaçados de expulsão, para que a terra seja integrada a elites com as quais eles convivem há muito tempo, pacificamente, por erro de demarcação. Veja V. Exª que tudo se resume numa coisa: é a falência do Estado brasileiro. É a falta de autoridade, é a falta de meios efetivos para que se exerça a fiscalização, o que deixa o homem da região realmente inerme diante de todas essas ameaças. Meus parabéns pelo pronunciamento de V. Exª, que é um brado de alerta em defesa do nosso sofrido homem do interior.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Veja, Senador Jefferson Peres - antes de conceder o aparte, o que farei imediatamente, ao eminente Senador Lauro Campos e ao eminente Senador Epitacio Cafeteira -, como é que se pode explicar que um nativo, conterrâneo nosso, seja ridicularizado dessa maneira? De que maneira? Ora, enquanto os grupos internacionais, que invadem a Amazônia - e aqui é preciso distinguir daquele que vem colaborar e contribuir com a Amazônia; quando digo grupos internacionais, refiro-me àqueles que invadem, em tempo recorde, as nossas terras e com muito mais rapidez conseguem os títulos de propriedade. Ora, como é que se pode justificar essa injustiça social? Como é que podemos silenciar - e quando digo nós não só os amazonenses, os brasileiros que aqui nos encontramos - diante de tantas agressões ao nosso costume, ao nosso território e à nossa honra, não só de amazonense mas de brasileiro? Essa é a pergunta que faço e, ao fazê-la, concedo o aparte ao eminente Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Eminente Senador Bernardo Cabral, sinto dar fazer um aparte a V. Exª, porque, ao fazê-lo, estou interrompendo essa peça tão bem montada, tão bem trabalhada, que é o discurso de V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - V. Exª interrompe mas enriquece; portanto, fico muito feliz em poder ouvi-lo.

O Sr. Lauro Campos - Muito obrigado. O discurso de V. Exª tem dois aspectos muito importantes. A maneira suave, tranqüila e amadurecida pela qual V. Exª o expõe, em contraste com o conteúdo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso chamaria de radical. Quando Sua Excelência se denominou radical, em seu livro Modelo Político Brasileiro, citou Marx, dizendo que radical é aquele que vai até a raiz, pois na raiz se encontra o homem. Senador, V. Exª é radical em seu pronunciamento, porque está indo às raízes do homem amazonense e procurando diagnosticar e apontar esse sofrimento, essa exploração, essa situação em que se encontra o amazônida. Gostaria de lembrar-lhe que antes de 1865, quando nos Estados Unidos se cogitou de exportar os escravos negros recém-libertados para o Amazonas,...

O SR. BERNARDO CABRAL - Há inclusive uma obra nesse sentido do escritor James Brown.

O Sr. Lauro Campos - Antes mesmo disso, chegou a Belém do Pará um navio ameaçador partindo daquele país, um país que, naqueles velhos tempos de Hamilton, de Jay, de Jefferson, contava com 13 Estados federados e agora tem mais de 50 estrelas na bandeira. Quem não temer esse expansionismo realmente está esquecendo tudo o que a História nos ensinou. Nesse sentido, congratulo-me com V. Exª. Sou mineiro e vi, nos anos 40, uma parte enorme e riquíssima do meu Estado, a Zona da Mata, ser dividida, retalhada em módulos que foram doados pelo governo aos parentes, amigos, vizinhos e iguais. Aquela modulação se repetiu, tempos depois, em outra escala no Paraná, no Amazonas, em Mato Grosso, onde as fazendas da Camacavi, da Volkswagen, as fazendas ganhas pelos banqueiros de São Paulo tornaram escassas, tal como aconteceu em Minas e no Paraná, as imensas terras disponíveis no Brasil. Elas são moduladas de maneira que se tornem escassas, que expulsem os ocupantes, que têm que se tornar trabalhadores braçais e mal remunerados. Existe, realmente, a repetição de um modelo perverso. E nessa apropriação do território nacional, com a expulsão dos posseiros e dos trabalhadores, realmente é preocupante a presença não do estrangeiro, mas do capital estrangeiro. O estrangeiro fica em seu país de origem, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos quando os 32 milhões de estrangeiros foram para esse país. Aqui não! Eles não querem saber de vir para cá: eles mandam para cá o seu capital espoliativo, eles mandam para cá os seus lobbies, eles mandam para cá os seus argumentos capciosos. Então, quero parabenizar V. Exª pelo tema que está sendo desenvolvido com toda proficiência e profundidade que V. Exª sabe desenvolver. Muito obrigado. Desculpe-me o alongamento.

O SR. BERNARDO CABRAL - Quero agradecer a V. Exª, porque é aí que reside a diferença entre o estrangeiro, como pessoa humana, e o capital estrangeiro que não tem pátria. O estrangeiro que finca raízes, que cria família, que trabalha, que está desenvolvendo o solo brasileiro é aquele que ficou, que construiu o nosso patrimônio. Temos portugueses, italianos, judeus, marroquinos, todos que se localizaram naquela área do Amazonas e ali construíram o nosso Estado.

O que nós condenamos é o capital selvagem, como bem diz V. Exª.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, nobre Senador Epitacio Cafeteira.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador Bernardo Cabral, ao contrário do nosso colega de Brasília, Senador Lauro Campos, não estou aqui para me congratular com V. Exª. Congratulo-me com o povo do Amazonas, que tem um representante como V. Exª, que defende o cidadão da sua terra, o brasileiro que está lá na Amazônia, dando-nos conhecimento do sofrimento desses homens, dessas mulheres que, com as suas presenças, estão representando bandeiras fincadas e dizendo: aqui é Brasil. Na realidade, a nossa região é muito sofrida, não apenas na Amazônia, não apenas na pré-Amazônia, não apenas na região das caatingas ou na região do cerrado. Embora o Brasil seja um país de dimensões continentais, só se entra por São Paulo. Quem sai, por exemplo, de Miami para Roraima, em vez de viajar X quilômetros, viaja 3X, porque de Miami a São Paulo é duas vezes o percurso para Roraima, e mais uma vez para ir de São Paulo a Roraima. Então, se faz o percurso duas vezes. Então, ninguém vai ao Nordeste, ninguém vai ao Norte, ninguém vem nem mesmo a Brasília. É como se tivessem feito um muro de Berlim separando o Norte, o Nordeste e até mesmo o Centro-Oeste dos outros países do hemisfério norte. Só entra no Brasil quem passar por São Paulo ou pelo Rio de Janeiro. O que importa é que nós, aqui, no Senado - cada Estado tem três representantes -, nos unamos. Aproveito para fazer uma convocação: que, no início da próxima Legislatura, nos organizemos e olhemos a prioridade de uma região abandonada e que, em virtude do Mercosul, ficou sem condições de vender os seus produtos para o sul do País, já que os produtos da Argentina são muito mais baratos, muito mais fáceis de chegar ao consumidor do que os nossos. Então, nobre Senador Bernardo Cabral, parabenizo o povo do Amazonas pelo representante que nos mandou, porque S. Exª está cumprindo o seu dever com seu povo.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Obrigado, Senador Epitacio Cafeteira. É evidente que as palavras de V. Exª me emocionam. Quando não fossem suficientes para o limite da emoção, elas se ampliam por ver que vou ter a honra de ser aparteado pelo Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Não há dúvida alguma de que V. Exª sempre que ocupa a tribuna reúne o silêncio e o respeito por parte de todos nós. V. Exª é um homem do Amazonas, mas também é um homem do Brasil. V. Exª se impõe ao respeito do Amazonas, mas, há muito tempo, se impôs ao respeito da Nação inteira. V. Exª faz muito bem em tratar do seu Estado, da sua região. Na Legislatura passada, chegou-se a organizar o Congresso Amazônico, reunindo parlamentares, inclusive de vários países, tendo V. Exª colaborado nesse sentido. O seu livro, publicado ao final do ano passado, sobre os rios da Amazônia é fantástico! Fantástico no sentido de entendermos por que não aproveitamos. Fantástico no sentido de ver o que a natureza nos deu e não tomamos conhecimento. Foi-se fazer a Transamazônica e tudo mais e, no entanto, a realidade está ali e não se tomou conhecimento dela. Claro que o Sivam é importante. V. Exª, eu e o querido Senador Jefferson Peres votamos contra - não contra o Projeto Sivam, mas contra aquela falta de licitação, até porque o que fizemos ontem, e aquilo que o relator afirmou com muita tranqüilidade, pode acabar aparecendo no tribunal, que pode suspender por tempo indeterminado, enquanto que, se fizéssemos a coisa aberta, limpa, tranqüila, poderia continuar por muito tempo. Mas, se o Projeto Sivam é importante, existem muitas outras coisas da mesma importância. O Projeto Sivam é necessário por causa da cobiça internacional. E digo agora a V. Exª, com toda sinceridade, do fundo do meu coração, uma coisa que não disse ontem: se eu fosse juiz para julgar o processo em igualdade de condições - até que não precisaria ser bem em igualdade de condições -, eu preferiria os franceses aos americanos na coordenação do Projeto, porque não vejo perigo nos franceses, não vejo concorrência, não vejo como os franceses vão querer se meter na vida da nossa Amazônia. Agora os americanos - foi o que disse o ilustre Senador de Brasília - começaram com 13 colônias e vejam como conquistaram o México. O próprio Presidente José Sarney, quando Presidente da República, lançou o Calha Norte, época em que começou o debate sobre o Sivam, porque os americanos colocaram um projeto na nossa fronteira com a Venezuela, Colômbia e Guiana. Então, eles, que têm o Projeto Sivam do lado de lá, vão ter também do lado de cá. Por isso que eu preferiria, com toda sinceridade, que os americanos estivessem do lado de lá e os franceses estivessem do lado de cá. Mas V. Exª tem muita razão: mais importante do que o Sivam, é um projeto de integração do Norte. Tenho o maior respeito, modéstia à parte, por ter participado, como Ministro da Agricultura, da obra extraordinária do Governo José Sarney, do seu chefe da Casa Militar, o General Bayma Denys, que fez e organizou o Projeto Calha Norte, um dos melhores projetos que conheço e que considero excepcional. Aquilo era positivo. Estive lá em três dessas implantações e senti a emoção. Vi o hospital sendo construído pelo Exército com a participação da sociedade. Vi o quartel e lembrei-me do meu Estado. Lá na fronteira do Rio Grande do Sul, por outras razões, por razões de segurança, por medo da Argentina, existem lugares como Alegrete em que há quatro quartéis, e Santiago do Livramento que tem cinco quartéis. Tenho dito que alguns desses quartéis poderiam ser transferidos para a Amazônia e fazer-se um projeto como o sugerido pela Primeira-Dama, a exemplo do Projeto Rondon. Por que não fazer um grande Projeto Rondon para a Amazônia? O que V. Exª diz é muito sério. Quando andei pela Amazônia, numa comissão levada pelo Exército, fiquei impressionado. O que vi de cientista americano foi uma coisa impressionante. Vi cientistas em seminários preocupados em estudar a Amazônia, sendo que a maioria desses cientistas, diga-se de passagem, eram religiosos. Nobre Senador, creio que V. Exª tem toda razão: devemos olhar para aquela gente, para os que estão integrados a essa região; isso é uma forma importantíssima de olharmos para o nosso País. São 5 milhões de quilômetros quadrados. Na verdade, somos proprietários daquela terra, mas não temos a posse. Temos o título, mas não temos a posse. E, se não temos a posse, nessa cobiça internacional do mundo inteiro, ficaremos sempre na interrogação. E a posse não é dada pelo Sivam: a posse é dada pelas criaturas que moram e vivem ali nessa região. Esses são os que nos dão a posse. Praticamente, não existe projeto nesse sentido. E volto a dizer, V. Exª tem razão. V. Exª é Senador pelo Amazonas, eu sou pelo Rio Grande do Sul, mas tão ou mais importante do que olhar para o Rio Grande do Sul - e digo isso porque penso no meu País - é olhar também para o Amazonas. Porque olhar para o Amazonas é olhar para o meu Brasil. No meu Rio Grande não há problema, ninguém vai interferir, ninguém no mundo sabe que existe Rio Grande do Sul, mas todos sabem que existe a Amazônia, e muita gente está de olho arregalado pela Amazônia. E não vejo outra maneira de assumirmos a nossa Amazônia, se não darmos, primeiramente, força a quem lá está vivendo permanentemente. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado, Senador Pedro Simon.

Vou concluir, Sr. Presidente, não tenha dúvida de que não romperei a barreira do tempo.

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - A barreira já está rompida há mais de 10 minutos.

O SR. BERNARDO CABRAL - Então solicito a V. Exª que me conceda mais um pouco de tempo. É que alguns apartes enriqueceram o meu pronunciamento. Agora mesmo acabamos de ouvir o Senador Pedro Simon, que não traz apenas a experiência de Ministro, mas a de Governador de seu Estado, mostrando que as fronteiras de seu Estado não impedem que ele chegue às fronteiras do meu para também se perfilhar nesta defesa.

E S. Exª diz bem, Sr. Presidente, quando afirma que temos a propriedade, mas não temos a posse. Quero dizer a V. Exª que estamos perdendo a Amazônia brasileira por incompetência nossa, pela incapacidade que sempre temos demonstrado em preservar as nossas fronteiras e, o que é mais grave, dominados pelo equívoco de que a presença eterna, benéfica e salutar do desenvolvimento nacional está nos dando prestígio.

Peço apenas, antes de encerrar, já que Roraima foi citada, que me conceda o prazer de ouvir um colega do seu Partido, o eminente Senador Romero Jucá.

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - Como o próximo orador inscrito é o Senador Pedro Simon e S. Exª deu um longo aparte, vamos pedir permissão...

O SR. BERNARDO CABRAL - Descontar...

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - O Regimento não permite, mas vamos conceder três minutos de exceção.

O Sr. Romero Jucá - Caro Senador Bernardo Cabral, ao tratar de um tema com tanta profundidade e tanta importância para a nossa região e ao ouvir os apartes, instei-me a também dar um aparte, até porque aqui foram trazidos temas que dizem respeito, inclusive, à minha vida política e profissional. O Senador Pedro Simon falou sobre o Projeto Rondon, de que eu tive a honra de ser Presidente. A questão indígena perpassa a questão amazônica. Também tive a condição de ser Presidente da Funai e ser Governador do Estado, que é o Estado mais ao norte deste País, o mais distante, o mais pobre e o que passa por mais dificuldades. Gostaria só de arrematar e apoiar todos os apartes e todas as colocações feitas aqui, dizendo que, ao congraçar tudo isso, o que devemos cobrar efetivamente não é a proibição de pesquisa por estrangeiros na Amazônia, porque isso seria impossível, mas temos que demarcar as áreas indígenas com responsabilidade. Temos que conhecer a questão do meio ambiente, das riquezas minerais, que é outro desafio grandioso, pois o País não tem nem noção da riqueza mineral que existe hoje na Amazônia e engatinha na direção de uma solução para essa questão. É a questão da proteção dos mananciais, da proteção das fronteiras. Mas tudo isso tem que vir no bojo de um projeto de desenvolvimento regional que, infelizmente, o Brasil hoje ainda não tem. Gostaria, em rápidas palavras, até para não tomar o tempo do Senador Pedro Simon, porque estamos aqui também para ouvi-lo, de reforçar o apelo ao Governo Federal para que efetivamente surja na discussão da Suframa, da Sudam, do BNDES um programa como era o Programa de Ação Integrada da Amazônia - PAI, que tinha R$1 bilhão para o desenvolvimento da Amazônia e que faliu, porque não estava sintonizado com as aspirações e a burocracia pertinente na região. Nós estivemos com o Presidente do BNDES inclusive - V. Exª, o Senador Jefferson Peres e eu - e todos nós pugnamos por uma reunião no dia 8 de março, no Estado do Amazonas, em Manaus exatamente, para discutir a questão do investimento e do desenvolvimento regional motivado pelo BNDES. Quero concluir dizendo que todas essas questões são setoriais e formam um grande conjunto que é a ausência de uma política efetiva de desenvolvimento regional que vai ocupar, que vai respeitar, que vai auto-sustentar, mas que vai também dar condições ao amazônida, ao homem que mora na região amazônica de ter efetivamente uma condição de vida diferente da que tem hoje. Ele não está lá porque é herói ou porque quer segurar as nossas fronteiras. Ele está lá porque não tem alternativa. Os que tiveram alternativas foram engrossar a periferia de Manaus, e V. Exª sabe disso. Portanto, temos que ter o respeito devido e a consciência de que, efetivamente, é preciso um projeto que alcance os rincões mais distantes deste País. Daí por que fiz o aparte ao seu pronunciamento, visando apoiar as ponderações de V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado, nobre Senador.

Concluo, Sr. Presidente, lembrando que, ao início da minha despretensiosa manifestação, eu lembrava a carta do Zé Caboclo perdido no interior do Amazonas.

Ainda há tempo para salvarmos a Amazônia, ainda há tempo para mantermos o nosso patrimônio, ainda há tempo para estendermos as nossas mãos a José Hélio e a todos os amazonenses que, como ele, deram o seu sangue e os melhores anos de suas vidas para que a Amazônia continuasse nossa.

É com esse brado, é com essa idéia, é com esse desdobramento, incorporando todos os apartes que vieram enriquecer o meu discurso, que saio da tribuna, consciente de que valeu a pena abordar esse assunto, sobretudo porque, em sendo V. Exª do Centro-Oeste, também dará, Sr. Presidente Júlio Campos, à nossa Amazônia todo o apoio necessário.

Quero, finalmente, antes de encerrar, agradecer ao eminente Senador Jonas Pinheiro, que comigo permutou o seu tempo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/1996 - Página 1918