Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO PROF. JOSE GOMES DA SILVA, RESSALTANDO SUA LUTA EM PROL DA REFORMA AGRARIA E SUA PARTICIPAÇÃO NA ELABORAÇÃO DO ESTATUTO DA TERRA. PRISÃO DESCABIDA DE LIDERES DO MOVIMENTO SEM-TERRA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO PROF. JOSE GOMES DA SILVA, RESSALTANDO SUA LUTA EM PROL DA REFORMA AGRARIA E SUA PARTICIPAÇÃO NA ELABORAÇÃO DO ESTATUTO DA TERRA. PRISÃO DESCABIDA DE LIDERES DO MOVIMENTO SEM-TERRA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/1996 - Página 1976
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOSE GOMES DA SILVA, PROFESSOR, AGRONOMO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • PROTESTO, PRISÃO, LIDER, SEM-TERRA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Nabor Júnior, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de prestar uma homenagem ao Professor José Gomes da Silva, engenheiro agrônomo e fazendeiro, que, infelizmente, faleceu hoje, aos 71 anos, no final da manhã, na estrada de Campinas para Valinhos. Engenheiro agrônomo e fazendeiro, José Gomes da Silva sempre esteve ligado, direta ou indiretamente, ao debate e à luta pela reforma agrária no Brasil. Ele participou da equipe que reformulou o plano de revisão agrária do Estado de São Paulo, de 1959 a 1963, trazendo sua colaboração ao Governo Carvalho Pinto.

Colaborou ainda com o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco na elaboração do Estatuto da Terra, sendo considerado o grande responsável por aquele estatuto, de importância histórica para o Brasil e para a questão da reforma agrária.

No Governo Franco Montoro, de 1982 a 1985, como Secretário da Agricultura de São Paulo, José Gomes da Silva implantou o Instituto de Assuntos Fundiários. Ele também dirigiu o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, o IBRA. Fundou a Associação Brasileira de Reforma Agrária e foi presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA.

Homenageamos José Gomes da Silva por suas idéias e luta, pois sempre esteve interessado nos homens e nas mulheres que trabalham no campo: constituiu-se fazendeiro exemplar, e sua fazenda em Pirassununga foi considerada fazenda-modelo, chegando a ganhar prêmios de produtividade.

Em seu mais recente e último artigo, publicado na Revista Adusp de janeiro de 1996, José Gomes da Silva mostra que houve pelo menos seis momentos históricos em que o Brasil perdeu a oportunidade de criar uma base democrática de apropriação da terra. Neste artigo ele demostra que o Governo Fernando Henrique Cardoso conseguiria assentar 200 mil famílias com R$1,980 bilhão, uma importância bem menor do que o rombo do Banco Econômico e que equivale à metade da contribuição federal para salvar o Banco Nacional.

Diz o lúcido artigo de José Gomes da Silva:

      "Em primeiro lugar é preciso indagar se o Brasil precisa ainda, no limiar do novo século, realizar uma mudança na sua estrutura de posse e uso da terra, quando se sabe que os países desenvolvidos já realizaram essas reformas há longa data e a própria FAO - organismo que cuida da matéria a nível mundial - reconhece que tem havido nas últimas décadas um arrefecimento dos movimentos nessa área.

      Explicando, cabe esclarecer que as ações de Reforma Agrária (a lei brasileira, o Estatuto da Terra, nas suas disposições ainda em vigor, escreve a expressão com iniciais maiúsculas) desenvolvidas no passado, naqueles países, por diferentes maneiras e em diferentes etapas de sua história, constituem o maior argumento para que o Brasil também implante esse processo, embora tardiamente. Mesmo porque ainda subsistem entre nós as razões que levaram os Estados Unidos, o Japão, a Itália, a Coréia do Sul e outros países a realizar suas reformas agrárias, bem-sucedidas, e que tiveram nessas mudanças um dos pilares para a decolagem do desenvolvimento em suas dimensões econômica, social e política.

      Histórico

      Houve pelo menos seis importantes momentos históricos em que o Brasil perdeu a oportunidade de criar uma base democrática de apropriação dos seus imensos recursos em terras agrícolas. Como se sabe, a partir desse fator de produção físico, equanimemente distribuído, as nações modernas construíram o edifício democrático sobre o qual passou a existir a cidadania. Inclusive de seus camponeses.

      O primeiro desses momentos aconteceu no início do povoamento, quando o rei de Portugal, ao invés de abrir o imenso território descoberto, pertencente à Coroa, para todos os seus súditos, resolveu aplicar aqui, com as Capitanias Hereditárias, um sistema de ocupação existente no minúsculo Arquipélago de Açores. Essas imensas áreas, depois divididas em sesmarias, deram origem ao latifúndio legalmente rotulado de "propriedade improdutiva".

      Mais tarde, na abolição, a libertação dos escravos não foi acompanhada da oferta de uma oportunidade de terem também a terra própria, como queriam alguns abolicionistas. Esse equívoco obrigou os negros libertos a buscar sua terra própria, por seus próprios meios - tal como fazem hoje os sem-terra. Com suas ocupações criaram os quilombos que celebrizaram Zumbi e sua luta heróica. Registre-se de passagem que um estudo recente mostrou, somente no Maranhão e no Pará, estados onde a pesquisa foi concluída, a existência de 1 milhão de hectares de "terra de preto", como essas áreas são popularmente conhecidas.

      Já neste século, a Coluna Prestes e a Revolução de 30 perderam a grande oportunidade de levantar também as massas componesas e buscar, derrubando a República Velha, um lugar no novo Brasil que pretendiam inaugurar.

      Por fim, na história mais recente, outros episódios retornaram à questão, como as Reformas de Base de João Goulart (1962/1964), o Estatuto da Terra (de novembro de 1964) e o Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA (1985).

      Todos sabemos em que deram as reformas de Jango, das quais a Reforma Agrária é unanimemente reconhecida, junto com a quebra da hierarquia militar, como as duas principais causas da sua queda e da instauração do longo período da ditadura militar.

      O Estatuto da Terra e a Emenda Constitucional nº 10, ambos de novembro de 1964, abriram o caminho para o desencadeamento de uma Reforma Agrária de verdade, permitindo, pela primeira vez, o pagamento das desapropriações em títulos da dívida pública e editando uma lei específica sobre a matéria. Posteriormente, Costa e Silva, com o Decreto-Lei nº 554, de 25 de abril de 1969, operacionalizou aqueles dois diplomas, estabelecendo o rito sumário (que hoje Fernando Henrique tenta restabelecer) para agilizar o processo e evitar a retomada da terra desapropriada pelos latifundiários.

      Infelizmente, a tentativa militar caiu também no vazio, seja pela pressão do conservadorismo (que impingiu o Imposto Territorial Rural em lugar das desapropriações), seja porque Castello Branco, que havia anunciado ter tomado uma "decisão política" em favor da Reforma Agrária (tal como FHC, hoje), acabou sendo atropelado pelos "duros" de Costa e Silva e não pôde (ou àquela altura já não queria) dedicar à Reforma Agrária o acompanhamento necessário à real implementação de qualquer decisão política.

      Por derradeiro, em 1985, José Sarney, dizendo honrar compromissos públicos de Tancredo Neves com a Reforma Agrária, cria o Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário (MIRAD), entregando sua direção a Nélson Ribeiro, homem sereno e confiável, indicado pela Igreja Católica, à época seriamente engajada nos movimentos sociais pela Reforma Agrária.

      Foi então elaborado um ambicioso Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que pretendia assentar 1,4 milhão de famílias em quatro anos.

      Essa meta e a firmeza que a então direção do INCRA mostrava em pretender executá-la apavoraram os donos-de-terra, que se organizaram em torno da extinta União Democrática Ruralista (UDR), fizeram leilões de gado para arrecadar fundos, armaram-se e partiram para o confronto. Sarney, é claro, recuou e passou a buscar um pretexto para a capitulação, conforme descrito no livro "Caindo por Terra", de minha autoria. O episódio de Londrina, que se constitui numa grotesca falta de entendimento processual, suficiente para fazer o frágil Executivo recuar, colocar-se na defensiva e entregar a reforma à sanha da UDR, veio a calhar e bastou para arquivar a Reforma Agrária e o PNRA com as desculpas de praxe.

      Posteriormente, na Constituinte de 1988, a Reforma Agrária sofre novo revés com a retirada do latifúndio do texto constitucional, a criação da falácia da "propriedade produtiva" e o retorno da obrigatoriedade do prévio pagamento das indenizações por interesse social para fins de Reforma Agrária, exigência que bloqueava o processo (tal como hoje acontece) e que havia sido retirada pela Constituição de 1967. No livro "Buraco Negro - A Reforma Agrária na Constituinte" são narrados os lances dramáticos desses outros episódios relativos à questão agrária na atual Constituição brasileira.

      Com isso chegamos a este ano da graça de 1995, com FHC e suas propostas a serem discutidas mais adiante."

Observem os senhores a lucidez e o conhecimento de José Gomes da Silva.

Prossigo com suas palavras:

      "O que é reforma agrária?

      Uma das primeiras reações daqueles que se opõem a mudanças na estrutura agrária brasileira (e a quaisquer outras alterações que afetem os seus privilégios) consiste em mencionar o fracasso dos assentamentos realizados até agora pelo governo.

      Esse filme - já rodado em outras ocasiões, conforme vimos - é exibido de novo com o recrusdescimento do movimento pela Reforma Agrária. As cenas, inclusive, são sempre as mesmas, mostrando as "favelas" rurais, parceiros empobrecidos, crianças na miséria.

      Há uma preliminar decisiva em tudo isso: nunca houve reforma agrária no Brasil, tal como aconteceu em numerosos países do mundo desenvolvido.

      Reforma Agrária, por definição, é um processo amplo (massivo), imediato e drástico, de redistribuição dos direitos de propriedade da terra agrícola. Decuplando o conceito: amplo para guardar relação com a magnitude do problema agrário do país onde é executada; imediato para poder beneficiar a atual geração dos sem-terra, como os acampamentos na beira das estradas; e drástico (no sentido de "diferente", não de "violento") para garantir que a nova relação homem/terra, baseada na propriedade privada de um bem comum, mostre-se bastante diferente do antigo sistema latifundiário, ou seja, a agricultura "reformada" precisa apresentar características estruturais totalmente diferentes do status quo por ela modificado.

      Neste contexto, os atuais assentamentos constituem ilhas isoladas e dispersas no imenso espaço nacional de terras ociosas, cercados de adversários por todos os lados.

      Instalados, no mais das vezes, como providência emergencial, traduzem também a má vontade dos governantes conservadores que têm ocupado o Ministério da Agricultura e a direção do INCRA. A terra nem sempre possui fertilidade que permita uma exploração sustentável e os serviços (crédito, assistência técnica, armazenamento, saúde, educação, etc.) raramente têm vindo a tempo de assegurar o êxito desses empreendimentos. A falta de escala que dê aos assentamentos o caráter de massividade deixa também os assentamentos entregues à sua própria sorte, carecendo de estruturas modernas de transporte, comercialização e processamento.

      A despeito de todas essas dificuldades - naturais ou fabricadas - muitos assentamentos conseguem sobreviver. No Paraná e no Rio Grande do Sul, eles já começam a se organizar em cooperativas de grau superior com agroindústrias incipientes que aumentam o valor agregado dos produtos que geram dentro e fora dos projetos.

      Por outro lado, estudos realizados por entidades independentes, como a FAO e a Universidade de Santa Maria(RS), têm mostrado que a renda média dos assentamento pode alcançar níveis satisfatórios e muito superiores das que possuíam antes de receber terra própria. Não é outro, aliás, o motivo pelo qual diversos prefeitos - reconhecendo os benefícios que os assentamentos estão trazendo para suas comunas, inclusive a arrecadação de impostos - passaram a apoiar esses movimentos.

      E os fracassos, perguntarão os críticos? As vendas de lotes há pouco denunciadas no Pontal de Paranapanema?

      A resposta é simples e válida para qualquer situação em que as exceções não podem ser esgrimidas como médias. De fato, os insucessos dos assentamentos podem representar um êxito retumbante se comparados aos 87.781 imóveis rurais "improdutivos" (ocupando 115.054.000 de hectares!), com áreas acima de 15 módulos fiscais definidos pela legislação agrária em vigor.

      Por último, muito embora as reformas não devam se transformar em artigos de importação, cabe uma referência aos países que já fizeram suas reformas. A da Itália, por diversos motivos, é a que mais se aproxima daquela que deveria ser feita no Brasil. Ali, a redistribuição de terras aconteceu em grandes espaços - administrados pela Ente di riforma -, tal como poderia ser feito aqui nos 350 mil hectares do Pontal, nas usinas decadentes da Zona da Mata de Pernambuco, no semi-árido e nos vales dos rios perenes do Nordeste, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, e massivamente em algumas outras regiões do País.

      Como fazer a Reforma Agrária

      Em todo curso sobre Reforma Agrária, ensinam-se as condições básicas para desencadeá-la: decisão política, legislação adequada, recursos (financeiros, humanos, terra), organismo executor e participação dos beneficiários.

      Decisão política - FHC anunciou em São Paulo, tratando do assunto, que "o que vale é a vontade política do governo". A afirmação foi repetida pelo ex-Presidente do INCRA, Francisco Graziano, porta-voz autorizado de FHC, (aliás, sobrinho de José Gomes da Silva, com quem trabalhou no INCRA), que, em linguagem mais simples, afirma: "a Reforma Agrária é uma prioridade "pra valer"".

      Qualquer especialista que acompanhe a questão, desde a época das reformas de base, em 1963, pode dizer com ceticismo que já ouviu as mesmas frases de Jango, Castello, Sarney e subordinados respectivos.

      Desconfianças à parte, acreditamos - uma vez mais - que se deva dar um crédito ao atual governo."

É interessante a observação de José Gomes da Silva.

      "Em primeiro lugar, como dizia o próprio Lula, "Fernando Henrique não é Collor". Digo por quê":

Aqui está um testemunho importante de José Gomes da Silva a respeito do Presidente Fernando Henrique Cardoso, como vou relatar:

      "Um dos momentos decisivos do debate da questão agrária nos anos recentes aconteceu durante a histórica sessão da Constituinte de 1988, quando apareceu o único "buraco negro" (impasse não regimental) nos diversos meses que a nova Carta consumiu. Tratava-se de decidir sobre a crucial questão da "propriedade produtiva", a curiosa figura que os conservadores propunham para substituir o latifúndio tipificado pelo Estatuto da Terra. Para encaminhar a votação decisiva, o líder Mário Covas designou o então Senador Fernando Henrique Cardoso para encaminhar a votação da proposta que derrubava aquele obstáculo legal para a concretização da reforma. E, do lado oposto, defendendo a posição do chamado Centrão, atuava o também Senador Jarbas Passarinho.

      A luta de gigantes que se travou na oratória e no manejo legislativo foi um dos momentos marcantes da última Constituinte e selou um compromisso do Senador paulista Fernando Henrique Cardoso com a Reforma Agrária, que certamente seria resgatado em qualquer oportunidade que viesse a se apresentar. Que melhor ocasião senão em que o professor progressista, o Senador da reforma e o tomador da decisão estão juntos na mesma pessoa do Presidente da República?

      Alguém já disse que um político realmente estadista, depois de chegar à Presidência, começa a se preocupar com a imagem que passará à história. Essa a explicação que ouvi a respeito do fato de a decisão de Castello Branco, no bojo de um governo conservador, haver mudado a Constituição em nove artigos, para permitir o pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, editar o Estatuto da Terra e abrir caminho para a Reforma Agrária. Isso tudo contrariando amigos, correligionários e até participantes ativos do movimento militar que o levou ao poder e que teve na Reforma Agrária, como se sabe, uma das principais motivações.

      Acontece que a decisão política não significa apenas fazer declarações públicas e anunciar planos e metas. Decisão política, em nível presidencial, significa acompanhamento constante, cobrança de providências, vigilância sobre subordinados menos convictos, liberação de recursos, empenho pessoal. Se Kennedy tivesse simplesmente anunciado o Projeto Apolo, sem acionar constantemente o pessoal do Cabo Canaveral, o homem jamais teria chegado à Lua, Neil Armstrong não teria, em julho de 1969, pisado na Lua. Da mesma forma, se Gorbatchev não tivesse ido às fábricas, nunca teria implementado a Perestróika, e o muro ainda estaria por lá.

      No nosso caso, os dias conturbados que se seguiram à promulgação do Estatuto da Terra (30 de novembro de 1964) não permitiram a Castello passar à história como o General da reforma, assim como seus colegas Douglas McArthur, no Japão, Nasser, no Egito, e Chen Cheng, na Coréia.

      Contudo, Fernando Henrique Cardoso não tem duros no seu encalço. Parece contar, no caso da Reforma Agrária, com apoio popular e militar, inclusive do PT, e está abraçado a um problema cuja solução não pode mais ser adiada.

      Legislação adequada - A Constituição de 1988 foi madrasta para os sem-terra, como já vimos. As três leis que regulamentaram os contraditórios artigos 185 e 186 (a chamada Lei Agrária, a Lei do Rito Sumário e a Lei do Imposto Territorial Rural) só fizeram aumentar o aranzel processo que entorpece o processo.

      Felizmente, o novo governo já se deu conta dessas dificuldades - mesmo se apenas para cumprir a modesta meta de 280 mil assentamentos de famílias durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso - e já encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei que permitirá agilizar os processos de desapropriação e as emissões de posse respectivas.

      Além do projeto de lei destinado a agilizar o rito sumário (se fosse sumário precisaria ser agilizado?), o Executivo promete enviar também ao Congresso Nacional uma outra modificação igualmente importante: a criação da figura jurídica do "conflito coletivo", destinada especificamente a orientar os Juízes de Direito no tratamento dos conflitos envolvendo um grande número de pessoas.

      Como se sabe, essa atual limitação do velho Código de Processo Civil tem acobertado o latifundiário e levado inocentes para a cadeia, alguns ilegalmente algemados, como aconteceu há pouco no civilizado Estado de São Paulo com Diolinda Alves de Souza, esposa do líder sem-terra José Rainha Júnior."

Infelizmente, posteriormente a José Gomes da Silva ter escrito este artigo, encontra-se novamente lá no Pontal do Paranapanema, lá na cidade de Álvares Machado, na penitenciária feminina, enquanto que três outros líderes do Movimento dos Sem-terra também se encontram, no mesmo processo, no mesmo inquérito, presos, sem ter, no meu entender, qualquer culpa, porque essas pessoas - segundo o juiz, segundo o promotor público, segundo o delegado - teriam formado uma quadrilha, uma quadrilha para quê? Para que se realize a reforma agrária no Brasil. Sr. Presidente, quadrilha desse tipo também sou membro. Eu deveria estar preso como muitos aqui que defendem a reforma agrária. Não há ilegalidade, ainda mais diante daquilo que foi constatado.

Infelizmente o Delegado Marco Antônio Fulgulin perguntou à Diolinda Alves de Souza se não acharia melhor ir para casa e cuidar de seu filho. Procurou trocar a prisão de quatro líderes do Movimento Sem-Terra para que José Rainha se entregasse.

Sr. Presidente, um verdadeiro absurdo. Não consigo entender como a Justiça não procede de pronto a libertação dos quatro líderes e a revogação da prisão dos seis líderes do Movimento Sem-terra. Ainda hoje, o advogado Luís Eduardo Greenhalg está entrando com agravo de regimento, um novo recurso para tentar a libertação dos líderes do Movimento Sem-Terra.

Prossigo na leitura das palavras de José Gomes da Silva:

      "De qualquer forma, a nossa opinião é a de que, no atual regime presidencialista, o Poder Executivo, mesmo com as atuais limitações na legislação, é capaz, senão de implantar uma reforma agrária de verdade, pelo menos de desencadear o processo, tornar irreversível e abrir o caminho para a ampliação da redistribuição de terras em um próximo mandato."

Ele mostra, Sr. Presidente, que há dinheiro suficiente; faz uma estimativa dos recursos necessários para assentar um número de famílias compatível com a dimensão da questão agrária brasileira. Faz o exercício baseado nas premissas seguintes:

      "A Reforma Agrária deve ser um processo de decisão política geral, isto é, todos querem (Presidente, Partidos Coligados) inclusive os sem-terra. E os partidos de oposição também querem. Aqui, a colaboração que destes se espera, além da renúncia ao paternalismo que tem imperado em alguns projetos tradicionais, consiste no aporte de mão-de-obra, deslocamento para os projetos (que eles já fazem por sua conta, nas operações de ocupação), participação na organização dos beneficiários (experiência que eles têm em alta dose, numa rica história de lutas) etc;

      b) os custos a cargo do Organismo Executor da Reforma Agrária referem-se apenas aos investimentos intrinsecamente ligados ao assentamento;

      c) Obras de infra-estrutura, como estradas vicinais, eletricidade, armazéns, escolas, centro de saúde, pequenas agroindústrias, etc. serão custeadas pelos órgãos governamentais próprios (Ministério dos Transportes, Ministério da Educação; Saúde, Banco do Brasil, etc.).

      "No PNRA os custos dos Serviços de Apoio não serão inerentes ao processo de Reforma Agrária e representam a aplicação dos instrumentos de ação institucional nas áreas prioritárias, normalmente proporcionados pelo Poder Público";

      d) O Crédito Agrícola será fornecido pelo Banco do Brasil e BNSES. Não são imputados nem juros nem o principal desses financiamentos. Os juros a taxas privilegiadas serão cobertos pelos saldos obtidos pelos dois bancos com operações a taxas de mercado e o principal sempre devolvido pelos beneficiários, não é considerado como custo;

      e) Para permitir alguma participação local e levar em consideração as implicações regionais, os Serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural serão fornecidos, mediante convênio, pelos Estados, Municípios e ONGs que assumirem os projetos;.

      f) Os indicadores adotados foram os do PNRA (outubro de l985), atualizados, informações de campo, do MST, experiência pessoal........", e assim por diante.

Sr. Presidente, solicito que o restante do pronunciamento seja transcrito na íntegra, já que se constitui uma homenagem a esse extraordinário brasileiro, exemplo como cristão, como pessoa empenhada em que neste País, haja, sim, produção, haja produtividade, haja, sobretudo, justiça para todos os que trabalham no campo, que haja forma de todos os brasileiros poderem usufruir minimamente dos recursos desta Nação.

A nossa homenagem a este extraordinário José Gomes da Silva.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/1996 - Página 1976