Discurso no Senado Federal

RAZÕES PARA A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI DISPONDO SOBRE A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • RAZÕES PARA A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI DISPONDO SOBRE A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO.
Aparteantes
Esperidião Amin, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/1996 - Página 2382
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DEFESA, OPÇÃO, ABORTO, MULHER, MOTIVO, ESTATISTICA, MORTE, INTERRUPÇÃO, GRAVIDEZ.
  • ANALISE, NECESSIDADE, PLANEJAMENTO FAMILIAR, CONTROLE DA NATALIDADE, ESTERILIZAÇÃO, DEFESA, OPÇÃO, ABORTO, RESPEITO, MORAL, CRISTÃO.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do Orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o desencontro e a desinformação têm estado presentes nos debates dos mais variados temas. Os dados da Previdência não batem, não são confiáveis; uma instituição como o Banco Central também está sendo questionada. Acreditamos que nossas instituições estão passando por um momento de reavaliação. É preciso aproveitar esse momomento e usar todos os mecanismos disponíveis, como as leis e todas as ações que se fizerem necessárias, para tornar transparentes nossas instituições.

Estive lendo em um jornal que estamos nos encaminhando para votar matérias às escuras. Os dados sobre o Banco Central, sobre os bancos, sobre o poder de fiscalização, não são confiáveis. Trata-se de um assunto delicado, Sr. Presidente.

Venho à tribuna, Sr. Presidente, hoje, para fazer um apelo ao Senhor Presidente da República, um apelo ao Sr. Ministro da Educação, um apelo ao Sr. Ministro da Saúde em nome de algumas mulheres, para não dizer, milhares delas. Trata-se de um tema importantíssimo, com o qual sempre me deparei, nas lutas e caminhadas políticas.

Sr. Presidente, há muita hipocrisia em nossa sociedade. As instituições, de modo geral, não têm atentado para um problema que mata mais do que a AIDS, um problema com o qual nos defrontamos no dia-a-dia, a quarta maior causa de mortalidade da mulher, um assunto importante, mas que a sociedade sempre joga para baixo do tapete.

Enquanto Deputado, já debati essa situação. A Senadora Marina Silva, que hoje me fita de sua cadeira, com certeza absoluta, deve ser um muro de lamentações.

A mulher tem que ter o direito garantido à interrupção da gravidez, ou seja, melhor dizendo, para ficar mais popular, ao aborto. Que palavra dura, que palavra difícil! Quantas delas morrem, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores? Milhares. Por isso, apresentarei, nesta Casa, um projeto de lei sugerindo a garantia do direito à interrupção da gravidez, com apoio do Estado.

O Senador Esperidião Amin falou por meio de gestos, em homenagem ao seu Líder Paulo Maluf, seu colega em São Paulo, que teve uma bela iniciativa. Congratulo-me com eles.

Sr. Presidente, as mulheres têm sofrido terrivelmente, principalmente aquelas despossuídas não só dos bens materiais, mas de condições de educação. Elas vão ao extremo, tomam todos os tipos de medicamento, até mesmo solicitam ao companheiro que lhes dêem um pisão na boca do estômago. É duro fugir de uma realidade. É duro deixar de dar esse direito a essas mulheres, que se submetem a vexames, ficam escondidas, usam métodos cruéis... Elas vão ao extremo porque estão decididas.

Sr. Presidente, por milhares dessas mulheres, que morrem de um mal que mata mais do que AIDS, é que estou aqui. A interrupção da gravidez é uma questão que tem de ser encarada por este País.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª me permite um aparte?

O SR. GILVAM BORGES - Concedo o aparte ao nobre Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Gilvam Borges, eu não poderia, estando no Plenário, com todo respeito que tenho por V. Exª, por suas idéias e, sobretudo, pela coragem com que V. Exª as expõe por nelas acreditar, deixar de me manifestar contra a proposta de V. Exª Penso que o problema é grave. V. Exª está trazendo números irrefutáveis. Há muito aborto clandestino, criminoso, praticado em condições absolutamente anti-higiênicas e que redundam não só no abortamento, na interrupção da gravidez, mas, muitas vezes, em doença grave e até na morte da mãe. Sou contra o aborto porque penso que isso é atentar contra a vida e, conseqüentemente, nós não podemos concordar com isso. O Estado não tem esse direito. A ninguém pode ser dado esse direito, salvo em condições excepcionais de autodefesa, seja em que estágio for. Essa é uma convicção minha, que eu não poderia deixar de manifestar neste momento. E estou de acordo que se faça campanhas. Acabamos de votar aqui um projeto de planejamento familiar, que tem um conteúdo ético muito importante, porque não é um projeto que estimula a esterilização, pelo contrário, inclui a esterilização dentro de um programa de defesa, de proteção à saúde da mulher, em condições excepcionais, que estão lá capituladas nos diferentes artigos do projeto. E é evidente que, se se tem um programa desse tipo, que oferece à mulher condições para que ela se informe, para que tenha acesso aos métodos anticoncepcionais, estaremos combatendo esse problema que V. Exª aponta com inteira justiça. Não podemos fazer de conta que ele não existe, mas seria o caso não de interromper a gravidez, mas sim de favorecer a anticoncepção, ou a contracepção, com a mulher dispondo do seu próprio corpo, não para engravidar e se ver, por razões de ordem econômica, moral ou qualquer que fosse o constrangimento, obrigada a partir para um aborto que, evidentemente, é uma condição com a qual não podemos concordar. Portanto, concluo aqui o meu aparte, porque o Senador Esperidião Amin também deseja intervir no pronunciamento de V. Exª, dizendo que não podemos concordar, por razões de ordem moral, de convencimento pessoal, de ordem ética, que o Estado patrocine o aborto, porque isso é atentar contra a vida.

O SR. GILVAM BORGES - Incorporo o aparte de V. Exª, nobre Senador Lúcio Alcântara, e compreendo perfeitamente as suas convicções e também os seus valores. É claro que nós, como sociedade cristã, não poderíamos deixar de ter uma influência decisiva dos valores cristãos. Baseado nesses próprios valores, tenho batido em uma tecla, a do respeito à mulher.

Srªs e Srs. Senadores, é extremamente delicado ouvir uma mulher dizer: "Ajude-me, infelizmente, engravidei". Não se sabe se a gravidez ocorreu por ignorância, como resultado de um caso amoroso ou de um encontro casual. Ela diz: "Eu não posso. Não tenho como". Por problemas familiares, econômicos ou de relacionamento com o seu parceiro, ela diz: "Vou até as últimas conseqüências".

Os fatos estão aí, os dados estão aí. Respeito muito a posição do nobre Senador Lúcio Alcântara. Sei que se trata de matéria extremamente delicada, mas a sociedade precisa enfrentá-la, precisa discuti-la. Estamos discutindo-a com muita honestidade. Não adianta camuflar, escamotear a verdade. Temos consciência de que devemos investir maciçamente na educação, no planejamento familiar, mas os fatos estão aí: milhares de mulheres estão morrendo. O problema não é a própria interrupção da gravidez, mas, sim, a violência que o próprio Estado e essas instituições impõem à mulher.

A mulher deve ter garantido o direito de optar. Essa opção é muito mais justa do que a própria esterilização definitiva, que cerceia o seu direito e a oportunidade futura de ter filhos a partir do momento em que mude de opinião, que encontre um novo amor, ou tenha desejo de procriar.

O Sr. Esperidião Amin - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GILVAN BORGES - Concedo o aparte ao nobre Senador Esperidião Amin.

O Sr. Esperidião Amin - Gostaria de dizer que vejo com absoluta naturalidade V. Exª abordar esse assunto. Respeito sua opinião. Meu nome foi citado em função de uma manifestação, de um gesto que esbocei quando V. Exª iniciava seu discurso. Faço questão de deixar registrado que, em primeiro lugar, respeitando a opinião de quem pensa como V. Exª, sou contra a descriminalização do aborto, excetuando-se os casos já previstos na legislação brasileira. Sou contra por razões filosóficas e religiosas. Centenas de histórias poderiam ilustrar a razão que V. Exª tem, sem dúvida alguma. Também conheço casos lancinantes, em matéria de dor, que uma situação dessas produz, mas não vejo como a descriminalização do aborto venha a ser um remédio para isso se não esboçamos, como o Senador Lúcio Alcântara bem salientou, mais do que os primeiros vocábulos na tentativa de criar uma política de planejamento familiar no Brasil. V. Exª mencionou o fato de que o Prefeito Paulo Maluf, que é o Presidente de honra do meu Partido, tomou providências que V. Exª diz serem iguais. V. Exª vai me perdoar,...

O SR. GILVAN BORGES - Pior.

O Sr. Esperidião Amin - ... não é igual. V. Exª tem todo o direito de achar que é pior, mas não pode dizer que é igual. Vasectomia e laqueadura não eliminam a vida, mas o aborto elimina uma vida já existente. V. Exª tem todo o direito, repito, de achar pior, mas não pode dizer que é igual. Igual não é. Longe de mim querer convencê-lo, mas para que isso fique claro é que faço questão de interferir, respeitosamente, no seu pronunciamento. O tema é palpitante. O Brasil perdeu muito tempo em matéria de planejamento familiar. Temos assistido, ao longo desse processo de urbanização acelerado do nosso País, de 1940 para cá, a um grande equívoco e, acima de tudo, a uma fortíssima omissão do poder público e das religiões a respeito dessa questão do planejamento familiar. Por isso, penso que é válido o debate. Certamente ele não se esgotará hoje, e tanto V. Exª quanto eu, quando desejarmos, defenderemos as nossas posições.

O SR. GILVAN BORGES - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Esperidião Amin. Realmente esse é um tema extremamente delicado, mas o enfrentamos. Como V. Exª tem o direito de ter seu posicionamento, e nós o respeitamos, tenho convicções, tenho os dados, tenho a vivência dos contatos e de muitos apelos. As estatísticas estão aí para provar que essa é uma situação que a Nação precisa urgentemente discutir.

Se não se investe no planejamento familiar, se não se investe na franquia, na abertura, para que as mulheres tenham garantia de optar... Como V. Exª disse, nobre Senador, a laqueadura não interrompe a vida; muito pelo contrário, ela castra, estanca definitivamente o processo de fertilização. No caso de interrupção da gravidez, após um mês ou dois meses, a mulher terá outras oportunidades de engravidar, se assim o desejar e achar conveniente.

É doloroso, eu sei, ir de encontro aos valores e muitas vezes não perder a oportunidade de marcar ponto em nossas posições para que a sociedade, por meio das suas instituições, saiba o que pensamos.

A Igreja tem ainda uma influência muito grande em nossa sociedade. Certa vez, li matéria que saiu na revista Veja na qual uma freira abordava essa questão. Era um artigo interessante. Baseado nesse artigo escrevi outro e publiquei-o em jornais do meu estado afirmando: A Freira tem Razão. Eu não poderia deixar de me manifestar. Eu não poderia omitir-me diante do que a sociedade sempre impõe. Até há uns dez ou quinze anos, o político não podia ir contra algumas regras básicas, não podia brigar com o juiz, não podia brigar com a Igreja, e assim por diante. Existem algumas coisas que são fundamentais. Com algumas, nós concordamos.

Não queremos realmente uma briga, mas queremos o direito de defender idéias e ser francos a respeito de nossa posição. Hoje os membros das várias igrejas têm opiniões diversas. Alguns segmentos avançados da Igreja têm manifestado seu posicionamento.

Sr. Presidente, venho esta tarde à tribuna justamente para manifestar minha posição em defesa das mulheres no que tange a esse tema. Esse é um problema que está aí, que existe. Não é filosófico, não é religioso, mas, sim, sociológico. Esse problema é sociológico e em relação a ele nós nos omitimos, em decorrência dos valores e do posicionamento da sociedade, através da superestrutura das suas cabeças. Se a Igreja é contra, o Estado passa a ser contra.

É esse o apelo que quero fazer ao Senhor Presidente da República, à Primeira Dama, Dª Ruth, que tem tido algumas posições avançadas, envolvida que está em ajudar seu esposo na administração da Nação. É esse o apelo que fazemos ao Ministro da Educação e ao Ministro da Saúde. Desta tribuna, já me congratulei com o Ministro Paulo Renato. Quando achamos justa alguma medida, nós nos manifestamos.

Quero deixar registrado, Sr. Presidente, nosso posicionamento. Brevemente, após essas reformas da Constituição, estaremos trabalhando nos projetos nos quais acreditamos. Espero ter a oportunidade de debater com os nobres Pares, de aprofundar a discussão sobre tema tão importante. Pela dignidade da mulher, para que ela tenha a opção do planejamento familiar, da laqueadura, mas também na interrupção da gravidez! Que saia a Igreja, que saia o Estado e que deixem as pessoas optarem. Que se franquie, que se abra o caminho, para que, a partir daí, a consciência flua. Somente assim, através do exercício, é que se encontra o caminho. E este caminho só pode ser encontrado por quem vive o problema, a mulher. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/1996 - Página 2382