Discurso no Senado Federal

GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA.
Aparteantes
Artur da Tavola, Humberto Lucena, Josaphat Marinho, José Ignácio Ferreira, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/1996 - Página 3626
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, RISCOS, POLITICA, INTERNACIONALIZAÇÃO, ECONOMIA, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, INTERESSE NACIONAL.
  • COMENTARIO, CONFERENCIA, MICHEL CAMDESSUS, PRESIDENTE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), QUESTIONAMENTO, EFICACIA, SISTEMA, INTERNACIONALIZAÇÃO, ECONOMIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, RUBENS RICUPERO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), DEMONSTRAÇÃO, RISCOS, POLITICA, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REVISÃO, ATUAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, PRIORIDADE, JUSTIÇA, INTEGRAÇÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, quero antes de mais nada agradecer a interpretação que V. Exª, com toda a justiça, deu ao Regimento Interno, pedindo para que sejam coibidos os abusos de uso da palavra em detrimento dos oradores inscritos. Gostaria ainda de agradecer ao meu colega, Senador José Roberto Arruda, que, em um gesto de cortesia, me cedeu o seu horário, para que eu pudesse falar um pouco sobre um assunto que, embora de caráter mais geral, está na Ordem do Dia. Trata-se do problema da globalização e da internacionalização da economia, da queda das barreiras políticas e aduaneiras e, por fim, da transformação dos paradigmas econômicos no mundo todo, uma vez que a mudança dos dois paradigmas, ou seja, do paradigma do chamado socialismo real e o paradigma do capitalismo tal como vinha sendo praticado no mundo nos últimos anos, levou-nos a esse novo modelo de globalização que agora começa a ter examinada não apenas a sua face positiva, que efetivamente possui, mas também os seus riscos e os seus limites.

Até há pouco tempo, podíamos ver a imprensa, os meios de comunicação e as lideranças políticas no mundo todo - e aqui no Brasil não tem sido diferente - fazendo apologia da globalização...

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias. Fazendo soar a campainha.) - A Mesa lembra ao Plenário que há um orador na tribuna.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - ... da queda das barreiras de comércio, do esmaecimento das fronteiras políticas, da diminuição do poder dos Estados em favor de uma maior integração de todos os países do mundo.

Isso até estava sendo visto como uma espécie de panacéia, como algo que fosse remédio para todos os problemas do mundo. E eu sempre questionei o fato de não encontrarmos, como encontrávamos no passado com aqueles que pregavam o socialismo, por exemplo, pessoas apaixonadas por essas idéias, pessoas que viam nisso um propósito generoso, uma proposta para melhorar, para reduzir as desigualdades entre os países, entre as pessoas, para reduzir os problemas de uma sociedade.

Com relação à globalização, não se vê isso. Vê-se a globalização como algo que é pregado, como algo que nasce no seio das empresas, das pessoas que têm ligação com o mercado, dos economistas. Mas não se encontra, por exemplo, dentro das universidades, no mundo acadêmico, na sociedade em geral, alguém que esteja definitivamente convencido de que esta é a fórmula capaz de garantir a redução das desigualdades entre os países, entre as pessoas, a diminuição da pobreza, da miséria, do sofrimento.

E agora surgem pessoas de destaque no mundo todo que estão começando a apontar para os riscos e para os limites dessa política. Por exemplo, há um documento, que considero de grande importância, que foi a conferência realizada pelo Sr. Michel Camdessus, Diretor-Geral do Fundo Monetário Internacional, no colóquio internacional promovido pelo Instituto Jacques Maritain, em Roma, sob o nome "Economia. Para que futuro?". Ele faz justamente algumas perguntas que suscitam dúvidas sobre a eficácia do sistema de globalização da economia.

Neste momento em que a CNBB lança, na Campanha da Fraternidade, o tema "Justiça e Paz se Abraçarão", vemos que essas questões começam a ser discutidas de maneira mais cuidadosa, começam a ser aprofundadas. Mesmo pessoas que vivem no mundo da economia, na defesa da sociedade de mercado, estão preocupadas com esses fatos. O próprio Michel Camdessus, Presidente do Fundo Monetário Internacional, suscita aqui muitas dúvidas em relação à política de globalização.

O Embaixador Rubens Ricupero, que foi Ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco, um dos apologistas da política de internacionalização das economias, está escrevendo artigos na Folha de S. Paulo, justamente questionando alguns efeitos nocivos, alguns efeitos anti-sociais da política de globalização.

O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, tanto no discurso que fez por ocasião da viagem à Índia como recentemente no México, apontou perigos, limites, riscos dessa política neoliberal que vem sendo conduzida em todo o mundo como se fosse a única possibilidade que temos para resolver, encaminhar os problemas da sociedade.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador, quero aplaudir a orientação do seu discurso e salientar que sociólogos e cientistas políticos estão desenvolvendo estudos exatamente no sentido de que é preciso pôr barreiras a essa chamada política de globalização da economia. Temos, aliás, de iniciativa do Governo da República, um claro exemplo de que não é possível aceitá-la sem termos adequados. Quando nós aqui examinamos - e voltaremos a examinar conclusivamente - o Projeto do Sistema de Proteção à Amazônia, estamos proclamando e reconhecendo que a política de globalização não pode superpor-se à política de resguardo de interesses maiores de cada país.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª tem razão. O próprio Michel Camdessus, na conferência que pronunciou, em Roma, no Instituto Jacques Maritain, usou a expressão: "Think globaly and act localy", pense global e atue localmente. Quer dizer, a idéia de que os Estados nacionais vão perdendo força, como se eles não tivessem mais a mesma significação do passado, em favor - aí, sim, seria o fim da História - de uma aldeia global não encontra amparo na prática, no que estamos vendo.

Quero chamar a atenção aqui para o fato de que não são humanistas, não são sociólogos, não são apenas homens ligados à área social que estão questionando isso. Camdessus, que é Presidente do Fundo Monetário Internacional, uma instituição vinculada à área econômica, à área financeira, está revelando sensibilidade para esses problemas. Este fim de século pode ser o início de uma esperança nova para a Humanidade, mas está sendo muito mais a era do medo, da ansiedade, da angústia, da instabilidade, da insegurança, da incerteza, do desemprego. Quer dizer, a política de globalização tem oportunidade e tem riscos. Se não formos capazes de separar essas coisas e distinguirmos bem onde está o interesse da sociedade brasileira, onde está o interesse do País, iremos incorrer em graves equívocos que irão nos custar muito caro.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite uma nova intervenção?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Exato o que V. Exª sustenta. A política de globalização tem que ser entendida sob condições, porque o que o mundo está nos revelando é que os Estados economicamente poderosos dela se servem para suprimir a liberdade de decisão dos Estados ainda em desenvolvimento.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª mais uma vez, com um aparte, toca no ponto essencial da questão. Precisamos conciliar competição com cooperação. Infelizmente, os dados demonstram que, apesar de os investimentos privados nos países em desenvolvimento terem aumentado nos últimos anos para uma média de cerca de US$105 bilhões/ano, os chamados investimentos ou ajudas sociais dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento estão parados num patamar de aproximadamente a metade daquilo que a ONU preconiza, que é 0.7% do Produto Bruto desses países. Há, portanto, claramente, uma descontinuidade, uma desaceleração dos programas de ajuda social por parte dos países ricos aos países em desenvolvimento.

A Srª Marina Silva - V. Exª me concede um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Nobre Senador Lúcio Alcântara, quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento que faz, abordando tema tão importante. Estava observando a luta de V. Exª para conseguir se fazer ouvir pelo Plenário, uma vez que trata de assunto tão relevante. No entanto, ao notar o barulho neste recinto, fiquei pensando que vale mais a presença atenciosa de poucos do que a presença barulhenta e desatenciosa de muitos. V. Exª é um médico competente, atento aos problemas sociais deste País e, com certeza, deve estar pensando que há interesse deste Plenário. Por várias vezes tenho ficado aqui para ouvir os meus colegas Senadores, porque penso ser importante que expressem suas mensagens, que levantem seus temas. Todavia, fico entristecida ao observar que, muitas vezes, o debate nesta Casa só tem audiência para assuntos que não são edificantes. V. Exª faz um discurso interessado nos problemas do Brasil e, inclusive, faz referência a esse fantástico documento da CNBB. Com certeza, perdem aqueles que preferem as conversas paralelas.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senadora Marina Silva, V. Exª foi muito generosa comigo nas suas considerações. O Plenário devia atentar para a reprimenda educada de V. Exª, mas o que está ocorrendo é o primado do econômico sobre o social. Tudo isso é a CPI, o Banco Nacional. É todo esse alarido em relação a essa questão que está empolgando essas conversas. Enquanto isso, vamos discutindo este tema, que é de grande significação.

Gostaria de atentar para um pronunciamento que antecedeu ao Fórum Econômico Mundial, realizado recentemente em Davos, na Suíça, sob o título "Sustentar a Globalização". O fundador desse fórum, Klaus Schwab, escreveu um artigo no Herald Tribune, cujo título era "Comecemos a levar a sério a reação contra a globalização".

O ex-Ministro Rubens Ricupero, num dos artigos que escreveu na Folha de S. Paulo, fala nos quatro grandes riscos da globalização, que são: a multiplicação dos custos humanos e sociais, o efeito desestabilizador acarretado pela emergência econômica da Ásia, a "destruição criativa" de empregos sem contrapartida de geração de novos postos de trabalho até agora e a dificuldade de convencer as pessoas de que o sofrimento de hoje será compensado por um radioso amanhã, quando se supõe que, fazendo-se a estabilização econômica, combatendo-se a inflação e procedendo-se à reforma do Estado, surgirá amanhã um dia melhor para todos, inclusive para os mais humildes, os mais pobres.

O próprio Ricupero cita uma frase que achei muito interessante, quando diz que "toda meta infinitamente remota não é meta, é engodo". Quer dizer, toda essa política de globalização, de internacionalização da economia, de modernização do Estado, não acena senão remotamente com a possibilidade de um futuro melhor para milhões de seres em todo o mundo, sobretudo, nos países em desenvolvimento.

Nós todos sabemos que, hoje, a empresa tecnologicamente desenvolvida, moderna, eficiente e competitiva é um deserto de homens, é uma instituição cada vez com menos empregos e, conseqüentemente, com liberação de mão-de-obra e agravamento dos problemas sociais.

O Sr. Artur da Távola - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Com muito prazer, meu colega e Presidente do nosso Partido, Senador Artur da Távola.

O Sr. Artur da Távola - Senador Lúcio Alcântara, o risco dos bons discursos é o que V. Exª está a passar: o de provocar muitos apartes, interrompendo o fluxo da brilhante oração. Peço desculpas a V. Exª por interrompê-lo. Todavia, V. Exª está a abordar um assunto que deveria ser o tema central das discussões, não só do dia de hoje, mas das discussões em geral, porque é de natureza estratégica: os rumos do desenvolvimento. Infelizmente, vivemos momentos em que apenas os aspectos passionais da atividade política passam a ter importância, e todo o esforço de compreensão, todo o esforço racional de entendimento fica adiado, minimizado e parece não existir nesta Casa, quando ele é, talvez, a sua principal virtude e a sua principal qualidade. Então, não o saúdo apenas como Presidente do Partido, mas, exatamente por ser Presidente do PSDB, preciso dar este aparte para dizer o quanto este tema está no cerne dos debates da socialdemocracia e da contemporaneidade. A grande dificuldade, ilustre Senador, ao nos defrontarmos com o problema da globalização, como V. Exª vem desenvolvendo muito bem, é o raciocínio à inversa. Com a globalização da economia, tem-se todas as vantagens e todos os riscos, já aludidos por V. Exª. Em política, porém, há que sempre trabalhar com alternativas. O processo de globalização não decorre propriamente de uma vontade; é um processo que decorre de uma forma de desenvolvimento da contemporaneidade posterior à Guerra Fria, em fase de macrocomunicações, de macroempresas e de processos de produção alterados. O processo de globalização é, portanto, um dado da realidade, ele não depende propriamente da nossa vontade. Então, em se tratando de um processo que ocorre na humanidade, independente da sua vontade, como em decorrência da existência de um campo de paz maior, apenas embaraçado por pequenas guerras locais, quando esse processo se coloca na sociedade, precisa não apenas ser criticado nas suas falhas, que, evidentemente, virão, porque os macroprocessos são tão perversos quanto quaisquer outros processos de dominação. A globalização precisa de lucidez exatamente para que a sua evolução seja iluminada por critérios e conteúdos de natureza social, solidária e humanista, para que, dentro desse processo, se possa fazer uma reação saudável. Poder-se-ia questionar como seria se não houvesse a globalização. Um país que hoje não aceite entrar no rol das nações que se interdependem está fadado ao fracasso, é excluído. Nesse sentido, a lucidez se estabelece para mostrar que, se com a globalização há um sem-número de problemas a enfrentar, que V. Exª levanta muito bem, sem a inserção dos países nessa faixa de globalização de sua economia, o resultado é o confinamento, o atraso, a impossibilidade de exportação, a não-participação em um processo que, afinal de contas, comanda a economia em todo o mundo. O resultado é a estagnação, o atraso, particularmente para países como o nosso. Daí a dificuldade enorme que tem o homem de pensamento ao analisar essas matérias, porque a alternativa à globalização é o fadário do fracasso, e a entrada ingênua na globalização é o risco de ser engolfado por um processo que passará por cima das soberanias. Um dos brilhantes momentos desta Casa, independente da posição de qualquer um, foi o da votação da Lei de Patentes, quando discutimos essa questão em profundidade. A Lei de Patentes era um dos exemplos claros do que V. Exª está a aludir com grande brilho. Por tudo isso, pedindo escusas por interrompê-lo, mas provocado pela sua lucidez, que, aliás, provém do seu nome Lúcio - é a mesma origem etimológica -, congratulo-me com V. Exª por seu pronunciamento. Muito obrigado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Artur da Távola, V. Exª não tem por que pedir desculpas. Primeiro, é sempre um prazer ouvi-lo; segundo, o aparte de V. Exª foi absolutamente judicioso. O importante é estarmos atentos para essa dualidade: de oportunidade e de risco, e também para o sentido estratégico que a Nação deve ter.

Outro assunto que V. Exª enfocou muito bem é que esses fatos estão se dando a nossa revelia. Há como que um movimento próprio, autônomo, que está determinando esses acontecimentos. Por isso, fiz questão de declarar a necessidade de colocarmos um pouco de humanismo nisso, e que não seja apenas uma lógica financeira, do interesse das grandes empresas multinacionais do mercado.

O próprio Michel Camdessus tem uma expressão muito interessante, nesse pronunciamento a que me referi, de que é preciso que a "mão da Justiça" ajude a "mão invisível" do mercado, quer dizer, no sentido de que essas políticas chamadas compensatórias, ou as que visem a elevar o padrão de vida dessas populações - não como algo remoto, distante, inalcançável, prometido para não se sabe quando - realmente possam ser atingidas através de uma conciliação possível entre essa lógica econômica e a preocupação social que não pode deixar de estar presente, sobretudo em países em desenvolvimento.

O Sr. Humberto Lucena - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Humberto Lucena - Senador Lúcio Alcântara, subscrevo as palavras de V. Exª e apresento minhas felicitações. Digo que tenho procurado, diante das críticas que venho lendo e ouvindo a respeito da globalização, rever minha posição a respeito dessa matéria. Na verdade, superdimensionaram a globalização. É importante salientar que não podemos negar - e V. Exª deixa bem claro no seu discurso - que há um processo de internacionalização da economia, portanto, os países não podem mais se "autarcizar", se isolar, como acontecia com o Brasil antes das reformas constitucionais empreendidas, sobretudo no que tange à necessidade de maiores investimentos de capital estrangeiro de risco no País. É claro, porém, que todo esse processo de internacionalização tem que levar em conta as peculiaridades da economia de cada país. Isso é indispensável. Temos que conciliar uma questão com a outra. Digo a V. Exª que estou de pleno acordo com suas considerações iniciais e, da mesma maneira, tenho certeza de que acolherei as suas conclusões, que passam também, ao que sei, pelos comentários à nota divulgada pela CNBB.0

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Humberto Lucena. V. Exª alcançou bem as razões de nossas preocupações, que, de resto, são do Plenário, manifestadas aqui em diversos apartes.

Gostaria de relacionar, também deste pronunciamento do Sr. Michel Camdessus, alguns itens de questionamento desse processo de mundialização. Volto a dizer que estou citando o Presidente do Fundo Monetário Internacional que diz o seguinte:

      O questionamento da mundialização perdura plenamente. Observemos os fatos.

      O processo começou faz algum tempo, mas o que caracteriza este fim de século é, justamente, a aceleração deste processo. Vários fenômenos concorrem para tal:

      - o fim do controle do câmbio, as inovações financeiras e o progresso registrado na transmissão das informações levaram ao surgimento de um mercado financeiro mundial, que funciona em tempo real;

      - a organização das grandes empresas em estruturas de redes mundiais que, cada vez mais, ignoram as fronteiras nacionais;

      - no setor da informação, a transmissão universal e instantânea das informações;

      - na esfera política, o fim do "grande cisma" e o triunfo - ao menos, parcialmente - da aliança entre democracia e mercado;

      - finalmente, a conscientização, pela opinião pública mundial, do caráter essencialmente transnacional de certos problemas fundamentais de hoje. O exemplo mais evidente é a proteção ambiental mas, quer se trate de drogas, da AIDS, do dinheiro sujo, descobrimos problemas que, em sua essência, são de alcance internacional e só muito parcialmente poderiam ser resolvidos por cada Estado-Nação.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Senador Lúcio Alcântara, gostaria que o plenário estivesse repleto de Senadores para assistir este pronunciamento de V. Exª que, sem dúvida alguma, é um dos melhores que ouvi nestes últimos meses, inclusive pela sua oportunidade. Começo pelo fim da manifestação do eminente Senador Artur da Távola, meu Presidente do PSDB, quando S. Exª diz ser esse um fenômeno incontrolável, que não podemos domar. Seu começo teve causas muito conhecidas, dentre elas, o fim da Guerra Fria e a grande explosão da ciência e tecnologia, com um crescimento muito acelerado que produziu toda essa realidade: a microeletrônica, a fibra ótica, as transmissões aperfeiçoadíssimas, que tornam instantânea a comunicação. Em 1991, todos nós em casa, deitados, assistimos ao início da guerra do Oriente Médio, aquelas bombas caindo sobre Bagdá. Havia, inclusive, bombas inteligentes, que alcançavam o poço do elevador de determinados edifícios. Assistimos ao momento exato em que elas caíam; aquelas luzes que passavam chegavam às nossas casas. Cumpre analisar a instantaneidade com que a comunicação se faz e todo esse quadro que produziu o dinheiro eletrônico e uma série de outras conseqüências. V. Exª falou no fim do controle do câmbio e também nas comunicações. Todo esse quadro permite que um jovem, ao ler um jornal numa manhã de domingo, tenha mais informações do que um homem do século XVI - o Século do Renascimento - teve em toda a sua vida. Essa fibra ótica, esse fio de cabelo remete bilhões de bytes, informações traduzidas na linguagem binária, por segundo. Há mais microssegundos em um segundo do que minutos em um século. Mas veja V. Exª: toda essa realidade, como disse o nosso querido Presidente Artur da Távola, precisa de lucidez para ser enfrentada. Lembrou bem a questão da Lei de Patentes, que bem traduziu isto: a formação de um esquema inevitável. Mas trata-se de um esquema de dominação, em que estamos na ponta do dominado; como nunca houve na história do Planeta, isso não é mais pelas armas, não é mais pelo dinheiro, agora é um tempo em que a economia se globaliza, e o conhecimento se monopoliza. Neste tempo, é preciso fazer a leitura disso tudo. É preciso que estadistas, que estejam conduzindo povos, tenham capacidade de passar por essa barreira, essa metralha de informações das mais variadas da sociedade do conhecimento, da sociedade pós-industrial, pós-capitalista. O estadista precisa fazer a leitura no meio desse bombardeio de informações de toda natureza. Precisa ler com perfeição, ler exatamente o que ocorre, separar o que é resíduo e seguir em frente, compreendendo a realidade contra a qual, necessariamente, não se pode lutar no Governo. Mas como vamos enfrentar isso? Com uma dose de humanismo, porque a sociedade está emergindo forte nesse quadro, tornando-se cada vez mais importante do que os governos. Elas são tão importantes que se tornam implanejáveis. É impossível controlarmos a multidão de poderes novos que vão emergindo a cada dia, a cada hora: a fábrica, o hospital, a escola. Em cada pontinho há um poder forte que está emergindo. A sociedade vai tornando-se mais poderosa do que o governo. Temos que nos preparar para o futuro. O tempo é de desmassificação de tudo. Desmassifica-se o consumo e, conseqüentemente, a produção, a mídia, porque rapidamente surgem mais e mais emissoras que podemos captar. Chegará o tempo em que poderemos captar mil emissoras de televisão num só aparelho. Essa realidade vai produzindo uma sociedade multifacetada, um verdadeiro mosaico. Nobre Senador, creio que haveremos de preparar uma legislação eleitoral que vise mais a qualidade que a quantidade. Vamos pensar mais na procura da minoria do que na maioria, pois são as minorias, formadoras desse grande mosaico, que emergirão fortes. Quero dizer a V. Exª que a grande saída para isso é apostarmos na emergência da sociedade, apostarmos na construção da sociedade adulta, apostarmos na organização dessa sociedade, dentro de cada alvéolo da sociedade organizada, da emergência do cidadão, porque o indivíduo se torna cidadão na medida em que a sociedade se organiza. O humanismo, afinal, de que precisamos para lutar contra o que parece inelutável, haverá de surgir a partir da aposta que façamos na emergência do social.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador José Ignácio. Eu gostaria de aproveitar o pronunciamento de V. Exª para me referir a um traço marcante dessa chamada sociedade pós-moderna ou pós-industrial a que V. Exª aludiu, que é justamente a segmentação. Quer dizer, há uma espécie de atomização da sociedade, de interesses, de organização em grupos, de instituições. Essa é, sem dúvida, uma das principais características dessa sociedade pós-moderna, mas, no regime de internalização, de globalização, de quebra de fronteiras entre os Estados, é preciso que pensemos também na reformulação das chamadas instituições internacionais.

No ano passado, comemorou-se o cinqüentenário de criação da Organização das Nações Unidas e muito tempo decorre da fundação daquelas instituições de Breton Woods que estabeleceram o sistema financeiro mundial e assim por diante.

Nessa nova sociedade, nesse novo cenário que estamos vivendo, é preciso também que se reveja o papel dessas instituições internacionais. O que é que está reservado a elas nessa nova era que estamos vivendo? O que podemos esperar delas? Que não sejam apenas instituições a serviço dos grandes países, dos países ricos, poderosos que exercem o seu direito de veto ou que exercem o seu poder pelo grande percentual que detêm da economia mundial e que, de certa maneira, esmagam os pequenos países ou os países em desenvolvimento.

Essas instituições também têm que se revestir de um maior conteúdo de justiça, de integração. Se falamos tanto em uma sociedade que deve integrar-se em nível internacional, como deixar de integrar essas populações, principalmente as que estão à margem de tudo, desempregadas, analfabetas, doentes, sem habitação? Nenhuma integração será possível, no sentido exato da palavra, se essas massas não forem assimiladas para o mercado, para o consumo e assim sucessivamente.

Quero concluir fazendo uma citação do grande pensador católico que foi Jacques Maritain em uma de suas citações que entendo ser importante e sobre a qual podemos refletir. Ele diz:

      "Eu disse que a democracia não pode dispensar um elemento profético e que o povo precisa de profetas. A função profética deveria ser integrada à vida normal e regular do corpo político e emanar do próprio povo como uma inspiração espontânea que se difundiria no corpo político a partir da atividade espontânea das pessoas em suas comunidades locais mais elementares e mais humildes".

Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/1996 - Página 3626