Discurso no Senado Federal

SOLIDARIZANDO-SE COM OS SEGUIDORES DA RELIGIÃO BAHAI, PERSEGUIDOS PELO GOVERNO ISLAMICO DO IRÃ.

Autor
José Ignácio Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: José Ignácio Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • SOLIDARIZANDO-SE COM OS SEGUIDORES DA RELIGIÃO BAHAI, PERSEGUIDOS PELO GOVERNO ISLAMICO DO IRÃ.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/1996 - Página 5518
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • PROTESTO, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, LIBERDADE DE CRENÇA, PERSEGUIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRÃ.
  • SOLIDARIEDADE, COMUNIDADE, SEITA RELIGIOSA.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando tudo indica que caminhamos para um futuro áureo, para um novo mundo, amante da paz, pautado pela cooperação, pela competição, e quando encontramos tantos sinais promissores de que as guerras e conflitos entre povos e nações parecem ser uma página virada da História, nos surpreendemos com mais uma nova escalada de violação dos direitos humanos fundamentais. É do Irã que vem a intolerância. O mesmo Irã que foi berço há cerca de um século e meio, da Mensagem da Unidade do Gênero Humano, trazida por Bahá'u'lláh (1817-1892), o Fundador da Religião Bahá'í.

Ironia do destino, naquele país, outrora cioso de sua extensa contribuição ao patrimônio cultural da humanidade, os milhares de seguidores da Fé Bahá'í encontram-se perseguidos duramente, em uma realidade que em muitos aspectos nos recorda o silencioso, porém eficaz e de terrível memória, holocausto dos judeus na Alemanha do III Reich Nazista.

O quadro torna-se sombrio e mais destacado quando observamos o cenário de transformações radicais por que passa a geopolítica mundial. Somos a geração que se interliga, ávida por conhecimentos nas infovias da Internet, a geração que testemunha o doloroso restabelecimento da paz entre Israel e OLP, sepultando conflitos de cinco décadas, a geração que colocou, por assim dizer, uma pá de cal no insidioso sistema de segregação racial na África do Sul, o famigerado apartheid. É esta mesma geração que vê, com corações e mentes esperançosos, o estabelecimento de um novo paradigma para o comportamento humano: a compreensão de que somos, povos e nações, partes integrantes de uma única família, a que chamamos de Humanidade.

Assim como inúmeras entidades governamentais e não-governamentais e milhares de pessoas de boa vontade, solidarizo-me com a Comunidade Bahá'í que se encontra estabelecida no Brasil desde 1921 e tem sido acolhida com o carinho que bem caracteriza a natureza do povo brasileiro. Hoje, cerca de 45.000 brasileiros professam esta Fé e se unem a outros 6 milhões de crentes em todo o mundo, provindos de todas as classes sociais, raças, crenças e passados religiosos, para repudiar estes bárbaros atos de violação aos direitos humanos, contra seus irmãos de Fé no Irã.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nossos pensamentos cruzam as fronteiras da mente, aterrissando no Irã, no início deste mês de fevereiro. A cidade é Yazd, onde um Tribunal Revolucionário Islâmico emitiu a sentença de morte para o Sr. DHABIHÚ'LLAH MAHRAMÍ, acusado de apostasia. Há sete anos este bahá'í vem sendo perseguido e aprisionado por motivo de sua crença religiosa. Seus colegas de trabalho, para tentar aliviar a sua perseguição, publicaram, sem sua autorização, uma foto sua e uma declaração num jornal local, atestando que ele negara a sua Fé e era um muçulmano. No entanto, ele nunca renegou sua Fé e as autoridades islâmicas, através do Departamento de Informações de Yazd (antigo Departamento de Segurança), quando souberam do seu retorno à Fé Bahá'í, prenderam-no, em 6 de setembro de 1995, declarando que, por ele ter se religado à Fé Bahá'í, cometeu apostasia e portanto é condenado à morte. A sentença foi baseada em diversas citações e artigos de livros islâmicos da jurisprudência do Aiatolá Khomeini. Esta mesma corte já havia colocado o Sr. Mahrami em grande pressão para abraçar o Islã e assim salvar sua vida, porém o Sr. Mahramí sempre se recusou a fazê-lo.

Outro grave fato é que o Governo Islâmico vem sistematicamente confiscando as propriedades dos bahá'ís de Yazd, para forçá-los a abraçar o Islã através da imposição do flagelo econômico. Há 17 anos, desde a instalação do Governo Islâmico do Irã, contínuas arbitrariedades de prisões e detenções, sérias privações econômicas, sistemática negação de acesso à educação universitária, do direito de deixar o país, a falta de reconhecimento e proteção pela lei, a destruição de seus cemitérios e a proibição de praticar a sua religião, vem sendo praticadas contra os bahá'ís do Irã, numa campanha sistemática que visa estrangular a comunidade bahá'í no Irã mediante pressões sociais e econômicas.

Tamanha e espantosa desconsideração aos direitos humanos é intolerável, principalmente porque os Bahá'ís tem um compromisso ético, de fé, com a não-violência, a lealdade e a obediência ao governo de seu país. Eles buscam somente ter seus direitos, sob a Declaração Universal dos Direitos Humanos, incluindo o direito a vida, o direito à liberdade e segurança pessoais, o direito à educação e ao trabalho, e o direito de professar e praticar a sua religião.

Durante dezessete anos, os bahá'ís na República Islâmica do Irã vêm sendo sistematicamente perseguidos, atormentados e discriminados, por motivo algum que não fosse suas crenças religiosas. Repetidamente, se lhes ofereceram cessação da perseguição se eles estivessem dispostos a renegarem sua Fé.

A situação legal dos bahá'ís não mudou em nada nos últimos meses, permanece a mesma. O documento oficial emitido pelo governo iraniano, delineando uma política articulada para lidar com "a questão bahá'í", ainda está em vigor. O estrangulamento econômico e repressão social da comunidade bahá'í no Irã continuam no mesmo ritmo, e os direitos humanos dessa comunidade amante da paz e respeitadora da lei estão continuamente sendo violados.

Para entender o perigo que paira sobre as vidas de milhares de bahá'ís no Irã, sentimos ser oportuno destacar os desdobramentos que a sistemática violação aos direitos humanos naquele país vem gerando.

EXECUÇÕES, CONDENAÇÕES À MORTE E ASSASSINATOS

Desde 1979, 201 bahá'ís foram mortos e mais 15 desapareceram, estando presumivelmente mortos. Os bahá'ís continuam sendo presos arbitrariamente. Entre janeiro de 1990 e junho de 1993, 43 bahá'ís foram presos e detidos por períodos variados. Parece estar havendo uma nova tendência de prender por um curto período um número crescente de bahá'ís em diferentes áreas do país. Até janeiro de 1996, os cinco bahá'ís relacionados a seguir estavam detidos em prisões por causa das suas crenças religiosas:

Sr. Kayvan Khalajabadi preso em Karaj, dia 29 de abril de 1989

Sr. Bihnam Mithaqi   preso em Karaj, dia 29 de abril de 1989

Sr. Musa Talibi  preso em Isfahan, dia 07 de junho de 1994

Sr. Dhabihu'llah Mahrami preso em Yazd, dia 06 de setembro de 1995

Sr. Husayn Ishraqi  preso pela segunda vez, dia 19 de outubro de 1995

Ainda sobre a prisão dos bahá'ís no Irã, estou ciente do seguinte:

* O Sr. Dhabihu'llah Mahrami foi convocado pelo Departamento de Segurança Iraniano (agora chamado o Departamento de Informação), em Yazd, e inquerido sobre sua afiliação à Fé Bahá'í. Então, ele foi preso por decisão da Promotoria de Yazd e acusado de apostasia religiosa. O Promotor pediu a pena de morte.

* Dia 31 de agosto de 1992, dois presos bahá'ís, Srs. Bihnam Mithaqi e Kayvan Khalaabadi, foram arbitrariamente condenados à morte por um Tribunal Revolucionário Islâmico, depois de estarem aprisionados sem acusação formal ou julgamento desde abril de 1989. Eles apelaram contra suas sentenças, e as autoridades iranianas declararam que "sua condenação à morte foi rejeitada pelo Tribunal Supremo". Entretanto, dia 08 de dezembro chegou a notícia perturbadora que os dois bahá'ís foram novamente condenados à morte pelo Tribunal Revolucionário Islâmico de Teerã. Eles apelaram ao Tribunal Supremo contra suas sentenças de morte e sua situação está muito precária. Todas as acusações contra eles se derivam somente do fato de eles serem membros da Fé Bahá'í.

* Dia 08 de dezembro de 1993, chegou a notícia alarmante que o Sr. Ramidan'ali Dhulfaqari, que fora condenado em Rafsanjan, foi condenado à morte por apostasia. Dia 6 de janeiro de 1994, recebeu-se a notícia que ele havia sido solto. Entretanto, a acusação de apostasia não foi retirada; portanto, ele poderá ser preso novamente.

CONFISCAÇÃO DE PROPRIEDADES COMUNITÁRIAS

Os cemitérios, lugares sagrados, locais históricos, centros administrativos e outros bens, seqüestrados principalmente em 1979, permanecem confiscados ou foram destruídos.

Dia 30 de junho de 1993, a Comunidade Internacional Bahá'í foi informada que uma seção do Cemitério Bahá'í de Teerã estava sendo escavada por tratores-lagartas para que fosse construído um centro cultural. As autoridades iranianas responderam aos protestos com declarações e explicações contraditórias. Tanto negaram quanto confirmaram a destruição do cemitério. Tais respostas conflitantes não conseguiram encobrir um ato petulante de discriminação contra a comunidade bahá'í no Irã.

Relatórios atualizados indicam que aproximadamente 15.000 sepulcros já foram desecrados, apenas como resultado deste projeto municipal de escavação.

Os bahá'ís no Irã inteiro encontram dificuldades para enterrar seus mortos e identificar as sepulturas. Eles têm acesso somente a matos designados pelo governo para uso deles, e não é permitido aos bahá'ís marcarem os sepulcros dos seus entes queridos.

CONFISCAÇÃO DE PROPRIEDADES DOS BAHÁ'ÍS

Os direitos dos bahá'ís à propriedade são geralmente desconsiderados. Ao longo dos anos, grandes quantidades de propriedades particulares e comerciais pertencentes aos bahá'ís, inclusive casas e fazendas, foram arbitrariamente confiscados. Esta confiscação de bens é apenas uma das maneiras pelas quais o governo está sistematicamente minando a base econômica da comunidade bahá'í.

A SITUAÇÃO ECONÔMICA

Muitos bahá'ís no Irã continuam privados de meios para ganhar a vida. Mais de 10.000 bahá'ís foram despedidos de postos no governo e no ensino no início dos anos oitenta, por motivo das suas crenças religiosas. Muitos ainda estão desempregados e não recebem o salário desemprego. As pensões dos bahá'ís demitidos por motivos religiosos foram suspensas. Alguns dos bahá'ís demitidos de postos no governo até tiveram que devolver os salários ou pensões que haviam recebido. Os agricultores bahá'ís não podem se associar às cooperativas, que muitas vezes são a única fonte de crédito, sementes, pesticidas e adubo.

A Comunidade Internacional Bahá'í foi informada que um bahá'í que foi demitido após 10 anos de serviço, por ele ser membro da Fé Bahá'í. Sua demissão estava de acordo com uma circular do Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais, que afirma que: "A pena por afiliação em tais seitas mal orientadas que são reconhecidas por todos os muçulmanos como heréticos ao Islã, ou em organizações cuja doutrina e constituição se fundamentam na rejeição das religiões divinas, é a demissão permanente do funcionário, bem como, as organizações semelhantes aos escritórios governamentais ou as associações dos mesmos....".

A EDUCAÇÃO

A uma geração inteira de bahá'ís foi negado o acesso ao ensino superior. Há mais de quinze anos, a juventude bahá'í é sistematicamente barrada das instituições do ensino superior - tais como faculdades e universidades. O prejuízo para o nível de instrução de uma comunidade inteira é muito grave. Outrossim, é extremamente desgastante para os jovens saberem que por mais que se esforcem, não serão admitidos à universidade.

As moças bahá'ís têm enfrentado as mais variadas formas de discriminação nas Escolas. Os Diretores de suas Escolas as pressionam de forma tenaz e sistemática. No ano passado, 1995, não obstante todos os esforços dos pais dessas moças bahá'ís e também da reação da opinião pública internacional para diminuir tais pressões, ainda assim, os Diretores dessas Escolas conseguiram seu intento, qual seja, casar estas moças com muçulmanos por eles mesmos escolhidos.

Os bahá'ís até têm dificuldades em circular a literatura bahá'í entre si.

OS DIREITOS E LIBERDADES CIVIS

Desde que a Fé Bahá'í não é reconhecida na Constituição, os bahá'ís pertencem à categoria dos "infiéis não protegidos", cujos direitos podem ser desconsiderados com impunidade.

Dois iranianos que mataram um bahá'í, o Sr. Ruhu'llah Ghedami, em junho de 1992, foram soltos da prisão em março de 1993. Documentos oficiais iranianos confirmam que eles foram liberados porque a pessoa que mataram era bahá'í.

Nem os casamentos e nem os divórcios bahá'ís são legalmente reconhecidos no Irã, e o direito dos bahá'ís de herdarem é desconsiderado.

Os bahá'ís não são livres para viajar para fora do Irã. Com poucas exceções, é quase impossível para eles obterem passaportes e vistos de saída.

Há dezessete anos é negado à comunidade bahá'í o direito de ter sua ordem administrativa estabelecida e o direito de eleger e manter suas instituições. Tais instituições constituem o núcleo ao redor do qual gira a vida comunitária bahá'í. Já que a Fé Bahá'í não tem clero; ser privada das suas instituições ameaça a própria existência da Religião Bahá'í como comunidade religiosa viável.

A perseguição aos bahá'ís é a política do governo. Um documento oficial descoberto em 1993, emitido pelo Supremo Conselho Cultural Revolucionário do Irã em 25 de fevereiro de 1991, estabelece orientações para lidar com a "questão bahá'í". Afirma que "o tratamento deles pelo governo será tal que seu progresso e desenvolvimento sejam bloqueados".

O Presidente do Comitê de Direitos Humanos do Parlamento Islâmico do Irã, em carta de 13 de fevereiro de 1995, referiu-se à Fé Bahá'í como uma "seita mal orientada", afirmando que "O bahá'ísmo não passa de um clube político aberrante" e que "o reconhecimento oficial de um grupo pelas Nações Unidas não significa de maneira alguma que o grupo seja considerado legítimo sob o direito islâmico".

A MINORIA RELIGIOSA BAHÁ'Í NO IRÃ

A comunidade bahá'í no Irã não constitui nenhuma ameaça às autoridades. Com efeito, os princípios da Fé Bahá'í requerem que os bahá'ís sejam obedientes ao seu governo e evitem o envolvimento político partidário, atividades subversivas e todas as formas de violência. A comunidade bahá'í no Irã não se alinha com qualquer governo, ideologia ou movimento de oposição.

Os bahá'ís no Irã não buscam privilégios especiais. Eles desejam apenas seus direitos sob a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, inclusive os direitos à vida, à liberdade e segurança pessoais, à educação e ao trabalho, e o direito de professar e praticar sua religião.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não seriam estes os anseios legítimos de qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo? É em momentos como estes que podemos exercitar esse sentimento que nos diz que somos membros de uma mesma família, a solidariedade. Não somos solidários apenas porque é ético. Não, apenas por essa motivação. Somos solidários porque uma parte de nós mesmos está sendo atingida. E se hoje são os bahá'ís, amanhã poderão ser outros grupamentos nacionais, étnicos, raciais, religiosos que terão sua dignidade ultrajada, suas vidas ceifadas.

É o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/1996 - Página 5518