Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA DO INDIO.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • HOMENAGEM AO DIA DO INDIO.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira, Ernandes Amorim, Lúcio Alcântara, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/1996 - Página 6765
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, INDIO, CONTRADIÇÃO, HOMENAGEM, VIGENCIA, DECRETO FEDERAL, PREJUIZO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OMISSÃO, INEFICACIA, POLITICA FUNDIARIA, RELACIONAMENTO, REFORMA AGRARIA, POLITICA INDIGENISTA.
  • CRITICA, DECRETO FEDERAL, POSSIBILIDADE, REVISÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, PROTESTO, PAIS ESTRANGEIRO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), NECESSIDADE, GOVERNO, PREVENÇÃO, CONFLITO, TERRAS.
  • ELOGIO, POLITICA INDIGENISTA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), POSSIBILIDADE, CONCILIAÇÃO, PROTEÇÃO, INDIO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, as comemorações da Semana do Índio deste ano ocorreram sob circunstâncias muito especiais para os povos indígenas brasileiros, com a vigência do Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Circunstâncias desfavoráveis, eu diria, que ocorrem ironicamente - vejam V. Exªs. - no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que é sociólogo.

Aliás, um dos aspectos mais desastrados de sua Administração está - como eu disse antes - na displicência e na incompetência com que tem tratado a questão fundiária. A sociedade brasileira já está cansada de testemunhar a violência no campo, como as freqüentes chacinas contra os trabalhadores rurais, tal como a ocorrida no sul do Pará na semana que passou. Uma tragédia classificada como "o mais violento conflito fundiário dos últimos 20 anos", incluídos aí, portanto, os duros tempos da ditadura militar.

É nesse contexto, Srªs. e Srs. Senadores, que o Governo arma mais uma bomba-relógio, que irá agravar os conflitos agrários: o Decreto nº 1.775 introduz duas graves alterações nas regras para demarcações de terras indígenas. Pela primeira delas abre-se espaço para que "Estados e Municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados" possam contestar os limites da área a ser demarcada.

A segunda alteração - de extrema gravidade, segundo nossa avaliação - abre a possibilidade de terras indígenas, que já tiveram a sua demarcação homologada por decreto presidencial, mas que ainda não cumpriram a formalidade burocrática, que dispõem de registro no Serviço de Patrimônio da União ou em cartório de imóveis serem questionadas e submetidas ao princípio do contraditório. Nada menos que 344 áreas identificadas, demarcadas e até homologadas, entre as 554 áreas indígenas conhecidas no Brasil, estão agora sujeitas à revisão.

Ora, Sr. Presidente, é muito estranho o Governo Federal criar precedentes dessa natureza, quando não mostra empenho em resolver os problemas dos principais componentes dos conflitos agrários, que são os latifúndios e os garimpos. É triste ver um Governo forte no Congresso e fraco na implementação de soluções para os problemas sociais do País. Um Governo movido a tragédias, que só acorda diante da morte de trabalhadores, como aconteceu agora, com o massacre de Eldorado dos Carajás, que parece fez o Governo acordar e prometer tomar medidas de impacto e de eficácia na área da reforma agrária.

Isso porque, até bem pouco tempo atrás, o Governo estava preocupado com o debate a respeito da reeleição. Falou-se tanto em reformas, mas o Governo, em nenhum momento, se concentrou, se debruçou sobre uma das reformas mais importantes para o País - a reforma agrária.

Quanto à questão indígena, o Estado que represento neste Senado da República, o Amapá, tem uma grande contribuição a dar ao País. O Poder Público caracterizou-se por estabelecer uma relação de respeito com os povos indígenas, sendo o único Estado da Federação com todas as suas reservas devidamente demarcadas, sem que isso cause qualquer prejuízo ao seu desenvolvimento. Entendemos que o Amapá pode ser tomado como um exemplo a ser seguido pelo Poder Público quanto ao tratamento a ser dado aos índios do nosso País. No Amapá, vários convênios e acordos foram assinados entre o Governo e a Associação dos Povos Indígenas: escolas, merenda escolar, postos de saúde, embarcações, geradores e vários outros benefícios são levados aos índios através de convênios, em que o Poder Executivo repassa o dinheiro aos índios para a compra desses equipamentos e ferramentas necessárias ao seu trabalho.

Existe uma relação de respeito e de afinidade muito grande entre o Poder Executivo Estadual e os índios que vivem no Amapá. Isso joga por terra, por exemplo, a tese de que os índios e suas reservas são prejudiciais à Nação, ao Governo, ou a qualquer outro segmento da sociedade.

Talvez seja uma dádiva que o Amapá não possua áreas de conflito nesse setor; isso porque as terras ocupadas pelos nossos índios não tenham despertado o interesse de outros segmentos da sociedade. Mas o certo é que, lá, ocorre uma situação que exemplifica muito bem e demonstra claramente que é possível conviver em paz, que é possível fortalecer a civilização indígena, que é possível garantir os direitos à vida, à terra, à alimentação, à habitação dos povos indígenas do nosso País. É tudo uma questão de determinação política e de como enxergar o ser humano no contexto do projeto de desenvolvimento. Se os índios forem considerados como empecilhos ao progresso, é natural que o Governo assuma atitudes como a edição do Decreto nº 1.775; se, ao contrário, os povos indígenas forem encarados como parceiros, como elementos perfeitamente integrados ao meio ambiente e à sociedade, não há necessidade de serem criados conflitos considerados por tantos desnecessários e até irresponsáveis.

O Sr. Ernandes Amorim - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Concedo o aparte ao Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ernandes Amorim - Nobre Senador Sebastião Rocha, ao ouvirmos V. Exª descrever o problema do seu Estado, o Amapá, chamamos atenção para o nosso Estado e para outras regiões do Brasil. O Decreto nº 1.775 é muito contraditório. Mas penso que apareceu em boa hora. Rondônia é um Estado que tem uma população muito maior do que o de V. Exª. Evidentemente, teria que se dar determinadas prioridades ao branco, ao cidadão que, lá, está habitando. Jogos de interesses propiciaram a demarcação de áreas extensas para poucos índios. No meu Município, foi criada uma Reserva Uru-Eu-Wau-Wau, onde há uma área de um 1.865 milhão de hectares para aproximadamente 100 índios que vivem em estado quase civilizado. Alguns deles são levados de outras tribos para essa região. Tivemos,em Rondônia, problema de assentamento de pessoas, como foi o caso de Corumbiara, que até hoje, mesmo tendo ocorrido aquela chacina, o Presidente da República não teve o cuidado de assentar os Sem-terra, de dar-lhes apoio. No entanto, no caso das reservas indígenas, elas existem em vários números e, precisamente, nesta reserva citada há pouco com 1.865 milhão de hectares para aproximadamente 100 índios. Isso não é tratamento que se deva dar a uma minoria. Esses índios, evidentemente, devem ter os seus direitos, o seu espaço, o convívio. Esse apoio que o Estado de V. Exª tem recebido - escola, saúde - destinado aos índios, o Estado de Rondônia não tem recebido. Entretanto, deram grande quantidade de terra a esses índios; o assunto tem que ser revisto, até porque eles não usam esse território e estão impedindo que os brancos trabalhem. Fazendas onde moravam pessoas há mais de 15 anos, com gado, plantio de café, cacau, convivendo em suas fazendas com títulos definitivos, foram tomadas arbitrariamente pelo Presidente da República da época. Essas pessoas abandonaram as terras e, agora, estão perambulando pelas cidades, e o Governo Federal até hoje não tomou providências a respeito. Portanto, parabenizo o Ministro da Justiça por ter criado, junto ao Presidente da República, esse decreto que normatiza essa questão indígena. Ninguém quer tomar o direito ou as terras dos índios, mas não se pode dar milhões de hectares a uma minoria em detrimento de milhares de famílias que se encontram abandonadas, sem ter onde trabalhar. Por esse motivo, cabe a revisão pretendida, que veio em hora oportuna. Oxalá faça um bom trabalho que não prejudique os índios nem a população que quer trabalhar. Obrigado.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Respeitamos a posição do nobre Senador Ernandes Amorim. Porém, chamo a atenção, especialmente nessa questão indígena, com relação ao Decreto nº 1.775. Diante dos problemas de conflitos, de assassinatos de trabalhadores rurais como os de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás, o Presidente Fernando Henrique Cardoso tem vindo a público pedir que a sociedade divida responsabilidades. A responsabilidade não pode ser jogada somente sobre os ombros do Governo, sobre os seus próprios ombros.

Na Convenção do PSDB, ocorrida sábado passado, foi dito que isso precisa mudar porque quem paga lá fora - as satisfações que se tem que dar ao mundo - é o Presidente da República, no caso, o Sr. Fernando Henrique Cardoso.

Dessa maneira, o Decreto-Lei nº 1.775 estimula conflitos em terras indígenas. Não se pode alegar também que a FUNAI, o órgão oficial que trata da questão indígena no País, está deslocada do Ministério ideal, pois está dentro do Ministério da Justiça. O próprio Ministério da Justiça foi quem articulou a edição desse decreto.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, se houver conflitos, se houver morte de índios ou policiais, em função dessas terras, o Presidente virá a público, de novo, pedir para compartilhar responsabilidade?

O Sr. Ernandes Amorim - Permite-me V. Exª mais um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Concedo-lhe o aparte.

O Sr. Ernandes Amorim - A meu ver, o Presidente da República sair pedindo para compartilhar, não é uma maneira correta. Quando o Presidente quer distribuir dinheiro gratuitamente, Sua Excelência não faz qualquer comunicação a esta Casa. O Presidente da República tem nas mãos o Orçamento aprovado que está à mercê da vontade dele para ser homologado e, até agora, sequer deu atenção. O Presidente tem a Constituição que lhe dá os direitos para resolver os problemas fundiários, mas não teve a coragem, a vontade de resolver esses problemas. Nem vai ter. Convidar os Presidentes dos Três Poderes para fazer reunião no sentido de resolver o que ele, Presidente, deveria ter resolvido, não é correto. O Presidente da República tem autoridade para resolver esses problemas quando bem o quiser. Então, não admito que seja necessário se aglomerarem autoridades para se resolver um problema que é de estrita obrigação do Presidente da República. Sua Excelência tem tudo na mão. A culpa maior do que está ocorrendo é a falta de vontade do Governo central de querer administrar a questão fundiária. Resolver a questão indígena, evidentemente, não vai atrapalhar a reforma agrária e não vai atrapalhar o índio. Há coisas mais corretas a fazer, e esta Casa deve acompanhar de perto esse problemas, para que não se repita o que está acontecendo, quando o Presidente tenta transferir a culpa para o povo. Na hora de distribuir o dinheiro do povo, Sua Excelência não consultou esta Casa.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Correto, Senador Amorim.

É inegável que o Presidente, hoje, se preocupe com a repercussão de acontecimentos, fatos ou atos de seu Governo, do ponto de vista internacional.

Particularmente, nessa questão indígena, quando assinou o Decreto nº 1.775, seguramente o Presidente não se preocupou com a repercussão que isso poderia ter para o seu Governo, para a sua administração, haja vista que a mesma contestação, certamente esta de agora, com relação à morte dos trabalhadores sem terra, em Eldorado dos Carajás, é mais veemente; é uma repercussão, uma contestação mais forte. Com relação ao Decreto nº 1.775, a repercussão internacional tem sido, também, a mais negativa possível.

Vários países, vários governos, várias organizações não-governamentais, pelo mundo afora protestaram contra esse Decreto nº 1.775, e o Presidente não está levando isso em consideração. Mas se acontecer um massacre de índios em conflito por terras, aí novamente o Presidente irá preocupar-se com a repercussão lá fora.

Há um dito popular bastante conhecido em todo o Brasil segundo o qual o brasileiro só fecha a porta quando é roubado. É o que atualmente acontece em nosso País. Quanto tempo o próprio Presidente tem dedicado à discussão da reeleição, de reformas econômicas como privatização das estatais, ou flexibilização de monopólios - como se queira chamar -, e quanto tempo está sendo dedicado às questões sociais como a indígena, a agrária, a fundiária?

Se pudéssemos estabelecer uma comparação, verificaríamos que tanto o Governo como o Congresso têm empenhado - acredito - aproximadamente 90% de seu tempo e de seus esforços na discussões das questões econômicas ultimamente, tentando encaminhar um debate prematuro e irresponsável da reeleição para os atuais titulares de cargos executivos.

Agora, depois da morte dos trabalhadores de Corumbiara - e o Presidente pede publicamente que não se explorem cadáveres - dizemos que não é essa a nossa intenção, inclusive pelo grande respeito que temos pelos familiares daqueles que morreram; nossa intenção é mostrar que o Governo sempre age tardiamente. Creio que relativamente à questão indígena poderá ocorrer a mesma coisa, assim também com relação à Serra Pelada, lá no Pará, com a questão dos garimpeiros. Então, é preciso que o Governo aja também preventivamente e não contribua para o acirramento dessas questões. Em nosso entendimento, o Decreto nº 1.775 acirra a questão da discussão das terras indígenas; acirra e pode provocar, assim, novos conflitos e novas tragédias.

Voltando ao tema, gostaria de dizer que as conseqüências desastrosas da medida do Governo já começaram. A Folha de S. Paulo, de 13 de janeiro de 1996, trouxe matéria sobre as primeiras contestações de áreas indígenas. Informava ter a Agropecuária Sattin S.A. apresentado ao Palácio do Planalto, quatro dias após a publicação do Decreto nº 1.775, uma contestação de área indígena.

A revista Veja, desta semana, que traz na capa o doloroso retrato da violência no campo, contém uma reportagem muito oportuna sobre a "Ceciliolândia", uma megapropriedade rural no Pará, de mais de 4 milhões de hectares, adquirida recentemente pelo empresário Cecílio do Rego Almeida. A terra é tão imensa que abriga 28 rios, e um avião bimotor leva cerca de 6 horas de vôo para cruzá-la de um extremo a outro.

Outra curiosidade dessa transação é que um quarto das terras adquiridas pertencem aos índios caiapós. Ora, certamente, essas terras já foram adquiridas em função desse Decreto nº 1.775 para que o grande ou o médio empresário pudesse levantar o contraditório e questionar a legitimidade da propriedade das terras pelos índios.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Cecílio do Rego Almeida não se transformou num dos maiores empresários deste País por falta de inteligência. Esse fato de que um quarto das terras pertenciam aos índios caiapós, certamente, não era desconhecido durante a transação, até pelo fato de o valor da compra ter sido de R$6 milhões, o que resulta na barganha de R$1,5 por hectare.

Índios Caiapós, lideranças indígenas do Brasil, Srªs. e Srs. Senadores, todos nós devemos estar preparados para as conseqüências da política indígena de Fernando Henrique Cardoso; mas somente ao Governo Federal se poderá atribuir qualquer responsabilidade por uma eventual crise, por um eventual conflito, por um eventual massacre, mesmo porque para o índio o que mais importa é a terra, e, hoje, a terra é um dos principais temas em discussão em nosso País e no mundo, haja vista o recente conflito no sul do Pará.

Ao concluir, quero mostrar o que pensa a opinião pública segundo pesquisa feita em Belém do Pará, publicada no jornal O Liberal, de 21 de abril, domingo passado, sobre a responsabilidade pelo massacre.

A enquête perguntou sobre o principal responsável pelo massacre, e 29% dos belenenses culparam o Governo Estadual do Dr. Almir Gabriel, ex-Senador da República, homem que sempre mereceu o respeito de todos nós e de todos aqueles que defendem os direitos humanos. Infelizmente, seu Governo, sua administração está sendo marcada por esse fato que vitimou 19 dos sem-terra. E 28% dos entrevistados disseram que a culpa cabe ao Governo Federal.

Vejam V. Exªs. como o povo está consciente sobre quem é o responsável por fazer reforma agrária neste País e como está ciente da omissão do Governo Federal com relação à reforma agrária.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Em instantes, Senador Lúcio Alcântara. 

É claro que todas essas medidas anunciadas pelo Governo, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, e que foram discutidas com as Lideranças do Congresso Nacional, com o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal estão no caminho certo; claro que compete ao Senado e à Câmara acelerarem a votação dos projetos que estão em tramitação nas duas Casas. Mas a responsabilidade até este momento pela falta de uma política agrária, séria e eficaz neste País, continua sendo, em grande parte, do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Ouço o Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Sebastião Rocha, estou ouvindo atentamente o pronunciamento de V. Exª que condena essa carnificina - vamos dizer assim - que ocorreu no Pará e que deve ser objeto de meditação nossa na busca de soluções para essa questão. O problema da reforma agrária é antigo, passional, ideológico e, no meu modo de ver, não tem solução no atual esquema administrativo. Penso que só com o envolvimento dos Estados e dos Municípios se poderá realmente caminhar para uma reforma agrária justa e que contemple as necessidades de um grande número de brasileiros que precisam da terra para trabalhar e sustentar a si e sua família. Então, não adianta dizermos que o Governo Federal é culpado, porque há toda uma conjuntura político-institucional que permite que esse tipo de coisa ainda possa ocorrer. Tivemos tristes exemplos como o caso de Caruaru, onde várias pessoas faleceram vítimas de hemodiálise; o caso de Marabá e, bem recente, Salvador, onde tivemos uma tragédia que foi a repetição do que aconteceu no Rio de Janeiro há pouco tempo. Isso me faz refletir sobre a ausência do Estado brasileiro, que não está falido apenas do ponto de vista financeiro; o Estado brasileiro está falido no cumprimento de suas responsabilidades. Sobretudo agora, quando se fala em diminuir o tamanho do Estado, em reduzir a sua presença, em privatizar, em globalização, em competição e livre concorrência, o Estado brasileiro deveria se preparar para exercer o seu papel fiscalizador, o seu papel de supervisor dos serviços, para coibir excessos da iniciativa privada e defender o consumidor, e para exercer as suas funções clássicas de promotor da justiça e da segurança, e nas áreas da saúde e da educação. O pronunciamento de V. Exª a propósito do Dia do Índio nos leva a meditar sobre a natureza do Estado brasileiro e o seu futuro. No caso específico da reforma agrária, a que V. Exª estava se referindo, há necessidade de alterarmos esse arcabouço institucional para envolvermos Estados e Municípios. Daqui de Brasília, do INCRA, por mais competente que seja esse órgão, por mais preparados que sejam os seus dirigentes, eles nunca vão saber a realidade do preço da terra, do conflito, quem é sem-terra, quem está se aproveitando do movimento, quem realmente tem vocação para trabalhar a terra, e não vão ter agilidade para evitar os conflitos. Trago esta contribuição ao pronunciamento de V. Exª, para que procuremos soluções para evitar que ocorram situações como essas, que são terríveis, e com as quais não podemos de maneira nenhuma concordar. Temos que agir, e rápido, para evitar a sua repetição.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lúcio Alcântara. Quero lembrar, para fazer justiça, que o próprio Governador Almir Gabriel, oficialmente, nega que tenha mandado desobstruir a estrada a qualquer custo. S. Exª informou à comissão oficial do Senado, que foi ouvi-lo em Belém, que a sua determinação foi no sentido de que a Polícia se fizesse acompanhar de representante do Ministério Público, de um juiz de direito local e da imprensa, e que o Coronel Pantoja é que teria descumprido essa determinação. Para fazer justiça falo isto, porque esta é a versão oficial do Governador e tem de ser levada em consideração.

O próprio Governador Almir Gabriel tem dito que não basta a criação de um Ministério da Reforma Agrária, por exemplo, para se resolver o problema da terra. Ressuscitar o Ministério da Reforma Agrária ou mudar o próprio arcabouço do INCRA não basta. São importantes e imprescindíveis a estadualização e a municipalização das medidas que possam interferir no processo da reforma agrária.

O próprio Governador, portanto, que viveu essa situação de perto, e que está, certamente, como todos nós, consternado, faz essa proposta, que é defendida também por nós. É importante que o Governo Federal divida as responsabilidades com os Estados e com os Municípios na questão da reforma agrária.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Ouço, com prazer, o Senador Epitacio Cafeteira.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador Sebastião Rocha, entendo que, até de uma maneira simplista, se possa imaginar que os Estados e os Municípios possam trabalhar pela reforma agrária. Primeiro, porque precisamos entender que essa legislação, que é exclusivamente federal, é um direito somente do Governo Federal, ainda é pouco. Existe pouca autoridade no Governo Federal. Fala-se em reforma, mas como se falar em reforma sem mudar a estrutura agrária? Para reformar seria necessário mudar a estrutura, a partir da própria Constituição, dando à terra, realmente, a condição que ela deve ter, que é a sua função social de insumo da produção, que não só produz para quem está produzindo como para aqueles que vão consumir. A terra que não é usada dentro desse princípio básico não tem condição de ter a sua desapropriação discutida. Ela teria que ser devolvida ao Estado, que, aí, faria o assentamento. Agora, o que existe, hoje, e é sério neste País, são dois problemas que estão se somando e dificultando qualquer solução: o primeiro deles é o desemprego urbano, que está fazendo com que os desempregados caminhem para o campo, para se juntarem aos sem-terra. Se V. Exª verificar, dentre aqueles que morreram no Pará, quem eram eles, os trabalhadores urbanos estavam em maior número do que os trabalhadores rurais. Do Maranhão, havia um pedreiro, havia um trabalhador de oficina, que consertava pneu, ou seja, o desemprego está levando o desempregado para o campo, e ele está se somando àqueles que, no campo, estão atrás de terra. O segundo é que o Governo não fez aquilo que preconizei aqui, ou seja, um levantamento, um cadastramento para saber quantas famílias precisam realmente de terra - e essa gente se espraiou. Ao invés de o Governo ter escolhido a terra para, a partir daí, fazer o assentamento, deixou que esse povo se espraiasse, escolhendo as fazendas que queria invadir. Esse problema é incontornável. Ou o Governo assume a frente desse trabalho e consegue, primeiro, a terra, depois de ter feito o cadastramento, assentando essas famílias, ou então vamos ter problemas em todo o País, em todos os Estados, incontroláveis, trazendo luto para a família brasileira e levando para fora uma péssima imagem do Brasil. Tudo o que o Brasil conseguiu com a estabilidade da moeda, está desaparecendo diante desse quadro. Sim, porque as mortes das pessoas, nas condições em que ocorreram, dão a idéia da truculência, da força matando o miserável, o faminto, aquele que não tem coisa alguma para comer. E vamos ter as organizações não-governamentais do mundo inteiro se ocupando dessa situação. Não tenho dúvida de que quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso for a Paris, vai encontrá-las lá, fazendo passeatas, protestando. Tudo isso é um desserviço ao País. Ou o Governo assume a direção de uma reforma agrária séria, ou vamos ter, com o desemprego, que todos os dias cresce, aumentada a população que caminha pelo Brasil e que é um problema social e, com toda certeza, pelo susto dado nos produtores, será o elemento determinante de uma menor safra - pelo receio da convulsão que está hoje a tomar conta do campo brasileiro, menor será a terra trabalhada. Agradeço a V. Exª o aparte e o parabenizo por ter tratado de assunto tão crucial no momento, objeto de todas as conversas neste País.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Obrigado pela contribuição, Senador Epitacio Cafeteira.

O Sr. Ramez Tebet - V. Exª me permite um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Sebastião Rocha, esse é o assunto do momento. Falar de reforma agrária, como V. Exª está fazendo, é um dever de todos nós. V. Exª abre oportunidade para que nos manifestemos, e é impossível falarmos sobre esse assunto sem antes lamentar e deplorar profundamente a tragédia ocorrida no Estado do Pará, uma tragédia que cobre de luto a Nação brasileira e veste de crepe a imagem do Brasil no exterior. É um assunto realmente apaixonante. Concordo com algumas observações que ouvi aqui hoje. Não está na hora de vendermos ilusões. Não está correto. É preciso realmente fazermos a reforma agrária neste País, e, para fazê-la, primeiro é preciso divulgar. O Governo precisa ter - e é urgente que tenha o cadastramento a que se referiu o Senador Epitacio Cafeteira. Esse cadastramento há que ser o humano e o material. Cadastramento humano significa saber quem é sem-terra, quem precisa de terra; e cadastramento material é saber o que temos e o que podemos ter para fazer os assentamentos de verdade, não os assentamentos de ilusão. Fazer assentamento de verdade é ter terra apropriada, é ter recursos para incentivar a produção. Não basta largar o contingente humano em alguns hectares ou alguns metros de chão. Portanto, também sou a favor dos cadastramentos humano e material. O Brasil hoje está aumentando, a cada hora e a cada momento; nesse processo de globalização, está aumentando a sua dívida interna, sem falar na externa, assustadoramente. Resta, portanto, saber, nessa hora de gravidade, quais são os recursos de que dispomos e como devemos fazer isso. E fazer de forma clara, a fim de que, a cada assentamento, meu caro Senador que honra esta Tribuna neste momento, Sebastião Rocha, não ocorram outros levantes que o País não tenha condições de sustentar. É preciso, pois, que haja uma política explícita para que o assunto seja diminuído, e não agravado. Temos que salvaguardar as safras, o sistema produtivo deste País. Todos sabemos da crise por que passam os homens que trabalham no campo hoje. É inegável que os problemas sociais do País estão inter-relacionados. É claro que a falta de habitação nas cidades também está contribuindo para jogar o homem no campo. Senador, meus cumprimentos a V. Exª e votos de que a política que o País venha a adotar obedeça a esses critérios que V. Exª está levantando nesta tribuna. Muito obrigado.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA  - Agradeço o aparte de V. Exª.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que espero ter alcançado os objetivos desse meu modesto discurso, quando apresentei o exemplo do Estado do Amapá e procurei demonstrar que é possível uma convivência pacífica e harmoniosa entre o Poder Público e os nossos índios.

Em segundo lugar, tentei clamar para o Presidente da República no sentido de que se procure prevenir futuros conflitos em áreas indígenas, que podem ter o mesmo desfecho que teve o conflito dos sem-terra com os policiais, no sul do Pará. Certamente esse decreto acirra os ânimos entre índios e terceiros interessados nas terras indígenas.

O que quis, portanto, foi chamar a atenção desta Nação e sobretudo do Presidente da República, do Governo, no sentido de que procurem evitar esse tipo de conflito, evitar esse tipo de evento e também garantir o direito dos índios à terra e à vida.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/1996 - Página 6765