Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O EPISODIO DO MASSACRE DOS SEM-TERRA NO PARA. A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REFLEXÕES SOBRE O EPISODIO DO MASSACRE DOS SEM-TERRA NO PARA. A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Elcio Alvares, José Eduardo Dutra, Lúdio Coelho, Pedro Simon, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/1996 - Página 8762
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • POSIÇÃO, ORADOR, PROPRIETARIO, TERRAS, DEFESA, REFORMA AGRARIA, RESPEITO, LEGALIDADE, MODERNIZAÇÃO, SISTEMA FUNDIARIO.
  • COMENTARIO, DISPONIBILIDADE, TERRAS, VENDA, BRASIL, POSSIBILIDADE, AQUISIÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), MENOR PREÇO, PROGRAMA, REFORMA AGRARIA.
  • NECESSIDADE, DEFINIÇÃO, PROGRAMA, APOIO, BENEFICIARIO, REFORMA AGRARIA, EXTENSÃO, POLITICA AGRICOLA, RESPONSABILIDADE, CONGRESSISTA, INTERESSE, SEM-TERRA, PEQUENO PRODUTOR RURAL.

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há alguns dias o nosso País foi sacudido pelas emoções provocadas pelo sofrimento vivido por todos os cidadãos brasileiros diante dos tristes episódios ocorridos no Pará, que trouxeram de volta, ao centro das preocupações nacionais, um antigo debate em torno da aspiração nacional de reforma agrária.

Essa questão, após aqueles dolorosos momentos - como era natural -, foi discutida, por algum tempo, à base da pura emoção, que, embora expresse sentimentos humanos muito nobres, muitas vezes nos afasta da pura racionalidade, que deve presidir decisões importantes, como aquelas que dizem respeito a um assunto como este.

Foi preciso deixar que passassem alguns dias, para que eu me aventurasse a subir a esta tribuna e a trazer a questão ao debate, na esperança de poder incorporar a toda essa construção emocional, política, literária, sincera ou falsa ou demagógica, que de mistura se realizou, algumas reflexões que espero que tenham utilidade.

Primeiro, acho que os críticos da reforma agrária precisavam - muitos deles - desenvolver uma atitude respeitosa em relação àqueles que lutam por essa proposta.

Participo da tese de que há muitos que utilizam a questão da reforma agrária apenas como elemento de inspiração e como combustível para uma pura luta demagógica.

Mas também conheço aqueles que sinceramente estão envolvidos na questão, não animados por preocupações de natureza ideológica, por nenhum sentimento de hostilidade interna, por nenhum ódio a nenhuma categoria ou grupo de cidadãos em particular, mas pela simples convicção de que assim como foi, é e continua sendo necessário modernizar desde os instrumentos jurídicos da nossa sociedade até muitas das organizações e das instituições que, no plano da atividade econômica, da atividade social, do setor público e do setor privado, fazem o Brasil de hoje e farão o Brasil de amanhã, também será necessário modernizar a estrutura de propriedade no Brasil, que incorpora anacronismos que já não podem conviver com a realidade que está sendo criada.

Esse é, sem dúvida, o elemento básico de convicção de todos quantos defendem uma proposta de reforma agrária sincera para o País; de todos quantos pensam que é preciso atualizar a legislação, a concepção, a arquitetura do sistema fundiário brasileiro.

Por isso, é preciso moderação quando se generaliza a censura que se faz em relação a muitos dos que lutam pela reforma agrária.

Penso - não por conhecimentos especiais, não por nenhum preparo intelectual especial, mas pelo simples fato de que sou, ao mesmo tempo, um defensor de um programa de reforma agrária para o País e um proprietário de terras que pode ser considerado grande proprietário para os padrões brasileiros - que posso dar uma contribuição insuspeita, não perpassada por nenhum tipo de compromisso, na medida em que, se avaliados os interesses pessoais, eu deveria me posicionar contra um programa de reforma agrária e, se avaliada a trajetória que percorri na vida pública, ela é o testemunho de que essa não tem sido a minha posição.

Mas a minha posição é delimitada por alguns marcos. O primeiro é o de que o desejo de mudar a estrutura agrária, ou qualquer outra, por cima da lei, não é o nosso caminho; não pode ser o caminho de ninguém que tenha assento a este plenário; não pode ser o de ninguém que tenha, antes de ganhar o direito de sentar-se em uma dessas cadeiras, jurado defender a Constituição e as leis do País. Porque esse juramento, ao qual se associa a nossa honra, impede-nos de defender, de propor, de postular que qualquer tipo de luta dentro da sociedade brasileira se faça ao arrepio da lei, principalmente aqui, que somos homens e mulheres autorizados pela sociedade a mudar a lei, se estivermos convencidos de que ela não convém ao País. A primeira limitação é esta.

A segunda é um toque de racionalidade. Ouço dizer que a luta se faz, que se derrama sangue, que isso e aquilo, porque o programa de reforma agrária enfrenta dificuldades, obstáculos, resistências, ódios de empresários, de proprietários rurais, que, pela descrição que se faz, formariam uma coleção de monstros armados, esperando pelos trabalhadores sem-terra para dizimá-los. Essa caricatura nada mais é do que uma falsificação.

Eu me atreveria a dizer, Srs. Senadores, que, se as autoridades encarregadas do programa de reforma agrária se dessem ao trabalho de ler as sessões de oportunidades dos jornais deste País, poderiam comprar, a preço de bolo, muito mais terras do que o programa de reforma agrária poderia usar imediatamente. Se o INCRA disser ao País que paga "x" por hectare de terra, na região tal ou na região qual, e colocar um anúncio nos jornais, ele não terá onde colocar a lista de ofertas que vai receber. A enorme quantidade de terras que poderá adquirir.

Não se trata, portanto, de que exista uma ânsia para preservar um patrimônio rural, que, em muitíssimos casos, talvez na maioria dos casos, é hoje incapaz de sustentar, devida, digna e decentemente, a família dos proprietários rurais.

Suponhamos que não houvesse - era o ponto aonde queria chegar - nenhum tipo de resistência a um programa de reforma agrária no Brasil, que o País inteiro estivesse de acordo, que fôssemos apenas sentar ao redor de uma mesa, os encarregados do programa e os interessados por ele - seguramente, se não estou completamente cego, o programa visaria a quê? Visaria a transformar o trabalhador sem-terra em um pequeno proprietário rural - esse é o propósito básico do programa. É aí que chegamos a um ponto crucial. Se é esse o propósito - e tem que ser -, de duas, uma: ou a autoridade encarregada do programa, na hora em que transformar um trabalhador sem-terra num pequeno proprietário rural, entregará a ele o título de propriedade e o abandonará à própria sorte, ou, então, é preciso antes que se defina um programa para o pequeno proprietário rural brasileiro.

Quantos milhares, milhões, de pequenos proprietários existem no Brasil? Desses que não foram fechar nenhuma estrada, que não foram reivindicar coisa alguma? Aquele que tem a sua glebazinha, de 3, 4, 5, 10 hectares, uma casa humilde, que mal se sustenta sobre a sua armação de taipa, algumas bananeiras no quintal, um garrote, duas novilhas, meia dúzia de pés de mandioca, um porco, uma cabra, e com isso cria a sua família. Esse é alguém que, talvez, se arranjasse um emprego de porteiro na escola do seu município, trocasse a sua pequena propriedade por esse emprego.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Geraldo Melo?

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Geraldo Melo, peço que não se esqueça de que estou aguardando a vez, solicitando permissão ao eminente Senador José Eduardo Dutra, pois precisarei me retirar.

O SR. GERALDO MELO - Após a minha conclusão, ouvirei o nobre Senador Bernardo Cabral e, logo em seguida, o Senador José Eduardo Dutra.

Se tivermos um programa agrícola para oferecer a todos os pequenos proprietários rurais do País, na hora em que fizéssemos a transformação de um determinado trabalhador sem-terra em um pequeno proprietário rural, a ele chegaria esse programa. Entretanto, não seria justo que, enquanto o pequeno proprietário de hoje está sofrendo da maneira que está, o futuro pequeno proprietário, seu colega, receba do governo, da sociedade, um pedaço de terra e, em seguida, a casa que o atual pequeno proprietário não pode fazer, as sementes que o pequeno proprietário de hoje não tem onde conseguir, o trator que não tem como o pequeno proprietário de hoje comprar, a proteção, o apoio, a assistência.

A meu ver, estamos precisando de definir, primeiro, uma política agrícola para o País e tirar o componente ideológico e a demagogia com que se passou a discutir a questão de um programa de reforma agrária, tão importante como é, para o futuro do povo brasileiro.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador Geraldo Melo, V. Exª está a abordar um dos problemas mais difíceis num País como o nosso: reforma agrária. Acho que já tenho idade para poder dizer do meu acompanhamento desse processo, porque concluí o meu curso de Direito em 54, e, como orador da turma, uma das páginas que figurava no meu discurso, em nome dos meus companheiros, era exatamente reforma agrária. Inclusive empreguei este termo: somiticaria do latifúndio. Ora, se examinarmos que a revolução russa de 17 foi toda baseada no problema fundiário, que a derrubada do czar teve como componente forte a estratégia de se poder distribuir terras àqueles que não as tinham, vamos verificar que ao longo de tantos anos, quase uma centena de anos, não foi possível fazer, com toda a força que o Estado soviético tinha, a chamada reforma agrária. Vejo, por isso, a ida de V. Exª à tribuna como uma admirável posição. V. Exª, que é membro, que é integrante de um partido do governo, está a abordar o assunto eqüidistante de qualquer conotação política ou ideológica, com a seriedade que o assunto comporta. Inclusive V. Exª registrou as três limitações que tornam impossível a alguém pensar que se pode chegar a uma reforma agrária ao arrepio da lei, daquela norma legal, da Constituição, que todos nós juramos aqui respeitar. Em segundo lugar, V. Exª coloca um ponto dentre essas três limitações que eu talvez destacasse como o ponto fundamental, que é a racionalidade, para chegar, depois, à chamada política fundiária, a um programa agrícola, a uma política agrícola que não existe. Ora, nesse panorama que V. Exª desenha, é preciso que nos convençamos de uma coisa da qual não se pode fugir: reforma agrária é problema social, não é problema de polícia. Enquanto se discutir - e V. Exª assinalou isso no discurso - a emocionalidade, da qual, de um lado, alguns querem tirar proveito, e de outro, querem ter como justificativa, não vamos fazer reforma agrária, nós vamos dar oportunidade àqueles que pensam que reforma agrária se pode fazer no grito ou cerceando a possibilidade daqueles que querem ter um pouco de terra. Só ousei interromper V. Exª porque eu, já há algum tempo, quando se falava do Movimento dos Sem-Terra - evidentemente sem o brilho de V. Exª, teria que comparar a lamparina com o Sol - registrei aqui a necessidade de termos cuidado com isso. O Pará mostrou-nos a relação de causa e efeito. Quero cumprimentar V. Exª pela forma como vem à tribuna, adotando uma postura sem radicalismo; ao contrário, V. Exª acabou de assinalar que se não estivesse muito mais voltado para os interesses da coletividade do que para os seus próprios, a sua postura seria outra. E peço permissão a V. Exª, Senador Geraldo Melo, para me retirar, porque tenho um compromisso agora com o ilustre Deputado Átila Lins, Presidente da Comissão de Relações Exteriores, e lamentavelmente não terei o prazer de ouvir o final de seu discurso. Não o ouvirei, mas, estou certo, terei o prazer de proceder à sua leitura na próxima segunda-feira.

O SR. GERALDO MELO - Agradeço, demasiadamente comovido, o aparte de V. Exª, com o qual V. Exª modestamente disse que ousou interromper o meu discurso. V. Exª o completa com o brilho, a competência, o nível cultural de sempre, a elegância verbal que caracteriza as suas intervenções. E V. Exª me obriga a dizer que cada uma das suas intervenções desperta em mim um pouco de inveja, porque eu bem que gostaria de poder expressar-me da mesma forma, com a elegância, a competência e as demonstrações de cultura com que V. Exª o faz nesta Casa.

O Sr. Bernardo Cabral - Obrigado a V. Exª.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Geraldo Melo, V. Exª me permite um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Ouço V. Exª, Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Geraldo Melo, eu gostaria também de participar deste debate. Estou acompanhando com atenção o pronunciamento de V. Exª, como sempre muito ponderado, e queria situar alguns pontos, até para que o pronunciamento de V. Exª não deixe impressões que, tenho certeza, não eram intenção de V. Exª. Primeiro, V. Exª inicia o pronunciamento relatando a sua situação pessoal, que, se fosse olhar para os seus interesses pessoais, V. Exª seria talvez até contra a reforma agrária, mas V. Exª prefere olhar os interesses nacionais, do que somos testemunhas. Mas V. Exª deve reconhecer, nobre Senador, que este não é o pensamento da grande maioria da classe dominante brasileira. Ao contrário de outros países, o Brasil, infelizmente, não tem um projeto nacional. E é dentro desse projeto nacional que está inserida a questão da reforma agrária. Quem ideologizou a reforma agrária no Brasil, classificando-a como coisa de erquerda, de comunista, foi a classe dominante. Outros países, a exemplo dos Estados Unidos, Japão, Coréia, que fizeram a reforma agrária, tendo ela contribuído para o desenvolvimento econômico desses países, a reforma agrária foi encarada como um elemento inerente ao capitalismo, como uma reforma, um instrumento para o desenvolvimento dessas nações. Outro ponto que gostaria de precisar é quando V. Exª fala "dentro da lei". Não se trata de defender que se faça alguma coisa fora da lei, mas o pronunciamento de V. Exª poderia dar a impressão de uma certa estanquização da lei, não levando em consideração que a lei evolui, através dos tempos, muitas vezes em função dos movimentos sociais. A escravidão era lei, a falta de limite de jornada de trabalho era lei, o apartheid na África do Sul era lei. Essas leis foram evoluindo em função dos movimentos sociais, em função do avanço da sociedade. V. Exª deve também registrar a dificuldade que se tem no Brasil para a modernização dessas leis, particularmente no que diz respeito à reforma agrária, em função desse reacionarismo e ideologização que a classe dominante brasileira impôs à reforma agrária. Há um exemplo muito concreto e recente: quando aconteceu a tragédia no Pará, o Congresso Nacional reuniu-se, e as suas Lideranças decidiram que iriam dar agilidade às matérias que possibilitassem um avanço da reforma agrária no Brasil. Infelizmente, a coisa ficou simplesmente no calor da tragédia. Nós fizemos uma reunião com todas as Lideranças dos Partidos, nesta Casa, onde se deliberou que se dêsse agilidade aos projetos concernentes à questão da reforma agrária, facilitando o projeto de reforma agrária em tramitação no Senado. No entanto, estamos vendo que tudo está tendendo a ficar como antes. Ontem mesmo, tivemos um exemplo, aqui, neste plenário. O Sr. Senador Roberto Freire fez levantamento desses projetos e apresentou um requerimento para que todos eles viessem a Plenário. Tal requerimento, de autoria do Senador Roberto Freire, foi apresentado, ontem, para que fosse incluído em pauta um projeto de autoria do Sr. Senador Flaviano Melo, e naquele esvaziamento da sessão alguém apresentou um outro requerimento de adiamento da votação do requerimento do Sr. Senador Roberto Freire por um prazo de 30 dias. Eu não me encontrava em plenário, pois havia saído para atender à imprensa sobre o caso Sivam e, infelizmente, quando voltei foi que tomei conhecimento do que ocorrera, caso contrário, eu derrubaria o requerimento na votação, solicitando pedido de quorum, porque estávamos entrando numa manobra protelatória. Para concluir, o único ponto de que discordo - porque, até agora, eu procurei situar - é quando V. Exª fala que, primeiro, deve-se ter uma política agrícola. Eu concordo que é necessário que exista uma política agrícola - o que discordo é sobre o primeiro. Acho que as duas coisas devem ser feitas concomitantemente e é possível fazê-las dessa forma. Agradeço a V. Exª pelo aparte que me concedeu.

O SR. GERALDO MELO - Agradeço e me sinto muito honrado e, de certa maneira, lisonjeado com o aparte de V. Exª. Apenas quero dizer-lhe que ele me obriga a fazer alguns comentários que não estavam no programa.

Em primeiro lugar, eu discordo da tese de que era preciso já ter trazido ao plenário toda a matéria existente sobre reforma agrária. Isso porque não podemos incorrer, Senador José Eduardo Dutra, permita-me, no erro de dividir a questão da reforma agrária da mesma maneira em que se dividiu a opinião pública em torno do projeto Hélio Bicudo. Os que defendem, sustentam uma determinada bandeira, com a maior seriedade sustentam a bandeira da Reforma Agrária, mas não são donos da verdade. Como defendem que se deve aprovar o projeto "a", "b" ou "c", cria-se uma situação que, na verdade, é de constrangimento para quem deseja discutir com seriedade e com responsabilidade.

Eu, por exemplo, não acho que as propostas que estão aí solucionam o problema. Acho também que, se decidirmos sob a pressão das emoções que decorrem da tragédia do Pará, e jogarmos no Plenário todas essas matérias para que sejam aprovadas no dia seguinte, a minha convicção pessoal é a de que nós não estaremos servindo aos interesses do Brasil.

Agora, eu queria lhe esclarecer que quando eu disse que uma política agrícola deve vir primeiro, talvez tenha sido uma impropriedade. Eu não me estou referindo a uma cronologia nesse processo. Não é necessário que uma coisa só aconteça depois da outra. O que eu quero dizer, é que nós, aqui, que somos homens públicos, nenhum de nós tem o direito de ser indiferente à sorte, aos problemas, às dificuldades de uma estrato importante da população brasileira, como são os trabalhadores rurais sem terra. Eles são a nossa responsabilidade. O nosso dever é encontrar e garantir caminhos para esses trabalhadores, ter a coragem de abri-los.

Mas, da mesma maneira que somos responsáveis e temos obrigações com eles, temos obrigações com todo o restante da população. O que não acho certo é defender-se que para resolver o problema dos sem-terra, devemos destruir os interesses legítimos, ou impedir a legítima colaboração e participação daqueles que, sendo proprietários de terra, também estão dando ao País a sua contribuição, no âmbito das suas possibilidades e com enormes sacrifícios. Não se mata a fome de ninguém com discurso; não se mata a fome de ninguém com passeata na Esplanada dos Ministérios.

Não há possibilidade de botar feijão na mesa se ele não for plantado, tratado, colhido, transportado e levado ao mercado. Por isso, quero insistir que, do mesmo modo que temos obrigações com aquele trabalhador sem-terra que, não sabendo fazer mais nada, precisa do seu pedaço de terra, temos que admitir que há muita gente que não tem terra e nem quer ter. O fato de não ter terra não significa que é um cidadão de segunda classe. É uma generalização irresponsável a que está sendo feita. Não é verdade que todo cidadão brasileiro precisa de ter um pedaço de terra. Isso não é um problema real num país em que -- como disse em certo instante do meu pronunciamento -- se o Presidente do INCRA e o Ministro da Reforma Agrária lerem os anúncios das terras que existem para vender a preço de bolo, mais barato, muitas vezes, do que as avaliações oficiais, não faltará terra para ninguém.

Um país que pode destinar à população Ianomami uma área que é uma vez e meia o território de Portugal, um país com tal abundância de terra que se permite destinar a uma tribo - com licença e o perdão da palavra, porque hoje não se pode mais falar em tribo, sem ser criticado pelo atraso e o anacronismo, temos que falar em nação -, portanto a uma nação de apenas 300 brasileiros -- não são 300 mil -- uma reserva de 1 milhão e 200 mil hectares de terras, em um país que pode fazer isso sem provocar nenhum trauma, em um pais assim, Senhor Presidente, Senhores Senadores, o fator limitante não é a terra.

Qualquer um que tenha um bom projeto para modernizar a estrutura fundiária desse país, um projeto de reforma agrária que exija coragem, altivez, independência, mas que seja concebido para realmente resolver o problema, conta comigo. Mas não conta comigo o uso da falsidade, da hipocrisia, da demagogia, da mentira para impingir à opinião pública uma informação falsa, uma desinformação, como se tem prestado.

O SR. José Eduardo Dutra - Qual a desinformação, Senador? Não estou entendendo.

O SR. GERALDO MELO - Não estou acusando V. Exª de nada. Estou dizendo apenas o que se generaliza. Todos os proprietários de terra, segundo se informa, estão, cada um, com seus jagunços. O proprietário de terra que põe segurança na sua propriedade está recrutando jagunços; o banqueiro que põe segurança na sua agência bancária está recrutando empresas de segurança. A própria diferenciação aí já mostra a conotação facciosa, o preconceito, o estereótipo e é contra isso que todos temos o dever de nos levantar.

O Sr. Pedro Simon - Senador Geraldo Melo, permite-me um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Sinto-me muito honrado com a participação de V. Exª, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Tenho muito carinho, V. Exª sabe, muita admiração por V. Exª.

O SR. GERALDO MELO - Peço desculpas, Senador Pedro Simon, o Senador Lúdio Coelho já havia pedido o aparte antes. Mas o Senador está cedendo a vez a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - É que há uma diferença entre mim e o Senador Lúdio Coelho. S. Exª vai falar como grande proprietário de terras. V. Exª afirmou que é falso dizer que todo mundo tem terra ou que todo mundo quer terra. V. Exª tem razão. Eu não tenho terra e não quero terra, portanto, falo com a tranqüilidade de quem não tem terra e não a quer.

O SR. GERALDO MELO - V. Exª se transforma num testemunho importante, vivo e autorizado do que acabo de dizer.

O Sr. Pedro Simon - Não tenho um metro de terra e não quero terra. Não tenho vocação para isso. Sou advogado, homem de cidade, portanto, não tenho nenhuma preocupação nesse sentido. Parece que V. Exª também não tem terra ou a tem?

O SR. GERALDO MELO - Tenho, e bastante. Mas isso não é segredo, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Segredo não é, mas também não é de conhecimento público, tanto que eu não sabia, senão não lhe perguntaria. Pensei que V. Exª fosse proprietário de uma empresa e não de terras. Mas tudo bem, V. Exª tem terras.

O SR. GERALDO MELO - Não sou eu, a empresa tem.

O Sr. Pedro Simon - Pois é. Isso não faz diferença

O SR. GERALDO MELO - Claro, isso não faz diferença. Por isso respondi diretamente que tenho terra.

O Sr. Pedro Simon - Todo proprietário de terras inteligente de hoje monta uma empresa. O cidadão que ainda não montou uma empresa e é dono de terra é incompetente. Isso V. Exª não é: V. Exª é muito competente. O normal é ter uma empresa rural e não ser um proprietário de terra. Neste ponto V. Exª está correto. Um proprietário é latifundiário, mas não dá para dizer que uma empresa é latifundiária. Ao citar a Amazônia, V. Exª deveria ter mencionado, por exemplo, que um cidadão do Paraná, aliás uma empresa de um cidadão do Paraná também é proprietária de terras, terras que correspondem a mais de dois Estados do Brasil. V. Exª também poderia ter citado os Ianomamis e tantos outros casos de empresários e empreiteiros que querem construir na Amazônia.

O SR. GERALDO MELO - Eu não tinha conhecimento disso. Agora que tenho, acrescento os Ianomamis ao meu pronunciamento.

O Sr. Pedro Simon - Perdoe-me a sinceridade, mas quero dizer que V. Exª não foi feliz na escolha do momento para o seu pronunciamento - perdoe-me a franqueza. V Exª é Vice-Líder do Governo, um brilhante Vice-Líder do Governo e é um homem sério - e falo isso com toda a sinceridade. O seu pronunciamento é sério e responsável. Digo que V. Exª não foi feliz na escolha do momento, porque de certa forma V. Exª, como Líder do Governo, deveria estar nesta tribuna dizendo que hoje é um dia de festa. Hoje, em todos os jornais, está estampado um acontecimento importante: o Ministro do Exército assinou um termo com o Ministro da Reforma agrária prometendo entregar uma enorme propriedade de terra, que é do País, é do Governo, para fazer a reforma agrária. Foi um gesto espetacular, um gesto bonito das Forças Armadas. São terras que não acabam mais. Posso me alongar um pouquinho?

O SR. PRESIDENTE (Ernandes Amorim) - Senador Geraldo Melo, apesar da importância do seu discurso, V. Exª já ultrapassou em doze minutos o tempo que lhe era destinado. Peço que seja breve. Peço desculpas.

O SR. GERALDO MELO - Acho que o Regimento deveria pedir desculpas.

O Sr. Pedro Simon - A reforma agrária espera mais dez anos, mas o Presidente cumpre o Regimento. É importante, mas o Presidente não está muito preocupado com esse assunto da reforma agrária. Vou só concluir. Hoje foi um dia em o que o Ministro do Exército assinou a entrega de uma área enorme. Não basta entregar uma área enorme. Pois S. Exª teve um gesto ainda mais bonito: entregou os técnicos do Exército, cerca de duzentos, trezentos técnicos do Exército, que vão fazer a marcação das terras. Isso está marcado para acontecer na próxima semana, quando o Presidente voltar de Paris. Aliás, as posições do Governo são tomadas assim: antes da viagem para a China, depois da viagem para a Rússia, antes da viagem para a França. Agora é esse o marco. Tínhamos que votar o Sivam antes de o Presidente da República ir a Paris, pois Sua Excelência não queria sofrer pressão dos franceses para que a empresa francesa fosse escolhida. Agora, Sua Excelência vai e quando voltar de lá terá esse gesto. Se for convidado, quer dizer, se o ato for aberto aos Parlamentares, gostaria de ir ao Palácio. Eu me emocionarei com o ato do Ministro do Exército assinando a entrega das terras para a reforma agrária. Queria apenas salientar que hoje é um dia importante. Talvez a maior vitória do Governo do Presidente Fernando Henrique até agora tenha sido essa. Na verdade, tem razão V. Exª quando diz estão aí só gritando quando há coisas objetivas a se fazerem. Uma delas é essa. É claro que nós sabemos que o Exército precisa de terras para fazer as suas manobras. Há gente que não entende por que o Exército tem tantas. Tem, porque é preciso treinar as tropas, principalmente na Amazônia, que é motivo de cobiça da gente lá de cima. As nossas tropas precisam preparar-se para a eventualidade de acontecer alguma coisa. As tropas não vão treinar em Brasília ou em São Paulo. Precisam fazer isso em terras enormes. Mas o Exército as tinha em excesso. Por isso, por meio de deste aparte que faço a V. Exª, quero felicitar o Presidente Fernando Henrique Cardoso, quero felicitar o Ministro do Exército, que já era Ministro do Exército no Governo Itamar Franco e já defendia essa tese. Talvez estejamos hoje dando o passo mais importante de uma ação séria. O Exército entregou as suas terras disponíveis - aquelas das quais pode dispor - mantendo as reservas que são necessárias e justas, para fazer a reforma agrária. Há uma outra questão similar. Talvez com esta possamos iniciar o debate. O Governo está privatizando, mas não entendo por que não privatiza as milhares de empresas das quais o BNDES e o Banco do Brasil são donos. São empresas recolhidas pelo Governo porque seus proprietários não pagaram suas dívidas. Sabemos que o Banco do Brasil e outras entidades do Governo tomaram vastas extensões de terra, cujos proprietários, por essa ou por aquela razão, por desinteresse em alguns casos, deviam e não pagaram. Há muitos devedores do Banco do Brasil com seus pagamentos atrasados há muito tempos que não vão ter como pagar. O Governo pode pegar essas terras e - este seria o segundo grande gesto - entregá-las para a reforma agrária. Então, com todo carinho ao seu pronunciamento - que eu poderei discutir em outra ocasião - aproveito esta oportunidade para felicitar, na sua pessoa, que é Líder do Governo Fernando Henrique Cardoso, o gesto do Ministro. Hoje os jornais trazem a manchete mais feliz sobre reforma agrária. Penso que esta era a manchete que merecia ser debatida.

O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. V. Exª emriqueceu muito o meu pronunciamento. Eu apenas queria lhe dizer que sou um simples Vice-Líder do meu Partido. Mas o Líder do Governo está presente e ouviu o aparte de V. Exª e dará a ele naturalmente a repercussão que merece, fazendo chegar ao Presidente da República as solicitações que V. Exª, em boa hora e com grande espírito de justiça, quis consignar aqui.

Eu queria fazer um apelo ao Sr. Presidente, assegurando-lhe que em seguida vou apenas encerrar meu pronunciamento, para que me permita ouvir os apartes dos Senadores Lúdio Coelho e Romero Jucá.

O SR. PRESIDENTE (Ernandes Amorim) - A Mesa concede cinco minutos para que V. Exª conclua seu discurso.

O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Lúdio Coelho - Senador Geraldo Melo, poucas vezes ouvi aqui, no Senado, um pronunciamento tão sensato e tão competente a respeito da reforma agrária.

O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, Senador.

O Sr. Lúdio Coelho - Quero discordar do Senador Pedro Simon. O pronunciamento de V. Exª está acontecendo num momento muito oportuno. A poeira sobre os acontecimentos do Pará já assentou um pouco. Vou falar também, Senador Pedro Simon, como agricultor e fazendeiro, de nascença e de tradição. O desvirtuamento da reforma agrária está vendendo à Nação a imagem de que o proprietário de terra é um criminoso e de que não há dignidade em trabalhar o solo. Tenho insistido que é muito importante à Nação brasileira estar atenta ao problema da reforma agrária. Na minha avaliação e segundo pesquisas realizadas no meu Estado, toda a população brasileira deseja a reforma agrária. Os homens do campo também. O que eles não aceitam e não desejam é a destruição da estrutura agrária brasileira que está sustentando o Plano Real. Foi da agricultura que saíram as divisas para o desenvolvimento da Nação brasileira em todos os tempos. Foi do café, da ipeca, da borracha, da erva-mate, do acúçar e, mais recentemente, da soja, da carne e do frango - que está sustentando o Plano Real - que tiramos recursos para a industrialização brasileira. Portanto, deveríamos fazer a reforma agrária sem destruir o que está funcionando bem. Como V. Exª bem disse, é só olhar os jornais e verificar as ofertas de terra. No meu Estado, Mato Grosso do Sul, há pessoas, inclusive este Senador que vos fala, consultando especialistas em Direito para saber como abdicar do direito de propriedade sobre uma gleba. Estou pensando seriamente em devolver, não sei a quem, propriedades que tenho, por absoluta incapacidade de subsistência. Um dia desses, um companheiro me disse: "Lúdio, o nosso Estado parece uma plantinha nova, viçosa, que está morrendo de sede, que está secando"! Quando almocei com o Presidente da República, juntamente com V. Exª, no começo do nosso mandato, eu disse a Sua Excelência que o problema da agricultura brasileira era mais complicado do que o das reformas da Constituição que Sua Excelência estava propondo à Nação brasileira. Continuamos do mesmo jeito, porque queremos um país democrático e capitalista, em área urbana, e estão propondo um país comunista, em área rural. Estão tentando fazer uma reforma agrária nos moldes da Rússia, que levou aquele país a se transformar no maior importador de grãos do mundo durante mais de meio século. Portanto, o pronunciamento de V. Exª é absolutamente oportuno. Tenho falado mais, que os assentamentos, da maneira como estão sendo feitos, Senador Geraldo Melo, condenarão os filhos das famílias dos assentados a nunca cursarem sequer o Segundo Grau, porque não há nenhuma estrutura de Saúde, de Educação, etc. De maneira que o pronunciamento ponderado de V. Exª será uma contribuição muito importante para a Nação, que deseja paz e trabalho para os setores desprotegidos da sociedade brasileira, pois estes estão pagando muito caro pelas transformações por que o País está passando. Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permita um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Ouço o nobre Senador Romero Jucá antes de encerrar o meu discurso.

O Sr. Romero Jucá - Sr. Presidente, minha intervenção será bastante rápida. Com todo o respeito que merece o Senador Pedro Simon, quero também discordar do ilustre Senador, quando menciona a propriedade de terra, referida no discurso do Senador Geraldo Melo. Entendo que a questão da reforma agrária - e vou falar sobre essa questão daqui a pouco, o que para mim é uma feliz coincidência e mostra uma identidade maior com o Senador Geraldo Melo - precisa de uma definição política, filosófica e sistêmica. Por mais esforço que se faça, por mais meritória e feliz que seja a decisão do Exército em doar terras à reforma agrária, esse é um esforço que considero isolado e pontual no sentido de se sistematizar uma ação mais forte. Participo da alegria do Senador Pedro Simon, também estou muito feliz com a doação das áreas do Exército. Porém, essa doação não resolverá os problemas da reforma agrária do País, porque há toda uma problemática aqui mencionada pelo Senador Geraldo Melo. Portanto, gostaria de parabenizar S. Exª e dizer que, daqui a pouco, tratarei também dessa questão, inclusive sob um aspecto bastante importante, que não é de decisão política ou jurídica, mas da operacionalização e das ações empreendidas pelo INCRA, com recurso público, porque, se a decisão política ou jurídica for tomada, ainda resta a necessidade de uma operacionalização decente, responsável e correta da aplicação dos recursos públicos para que, efetivamente, tenhamos uma reforma agrária vitoriosa. Parabenizo o Senador Geraldo Melo.

O Sr. Elcio Alvares - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Elcio Alvares - Senador Geraldo Melo, em primeiro lugar, quero lamentar ter chegado atrasado e não ter tido a oportunidade de ouvir o discurso de V. Exª.

Conforme disse muito bem o Senador Pedro Simon, toda vez que V. Exª ocupa a tribuna, temos sempre a oportunidade de ouvir um discurso baseado em temas da mais alta importância e sempre ditos com toda a sobriedade e com toda a inteligência da qual V. Exª é portador.

O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, nobre Senador Elcio Alvares.

O Sr. Elcio Alvares - V. Exª representa - quero fazer um adendo à sua breve fala - muito bem o pensamento do Governo. Hoje, eu o considero um dos Senadores mais importantes dentro da mecânica de raciocínio do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, extrapola mesmo, como tem-me dito o seu Líder, Sérgio Machado. A atuação de V. Exª é abrangente não só dentro do campo partidário, mas dentro do campo dos interesses maiores do Governo Fernando Henrique Cardoso. Como Líder de Governo, se pudesse, eu teria encampado, conhecendo a tradição da sua maneira ponderada, judiciosa de falar, todas as palavras em relação à reforma agrária. Mas quero falar também na condição de Senador de um Estado que tem na agricultura um dos seus suportes. Todos nós estamos imbuídos nos melhores propósitos de fazer uma reforma agrária justa, humana, de cunho eminentemente social. Mas, às vezes, assalta-nos também a preocupação daqueles que inadvertidamente, usando um tema tão importante como a reforma agrária, dão vazão às suas vocações ideológicas até certo ponto de próprio interesse político, fazendo desse tema, no momento, no meu modo de sentir, um dos mais importantes sob o aspecto social do País. Quero trazer a V. Exª e perante todos os Senadores um depoimento que não deixa de ser também uma advertência. Recentemente, estive no meu Estado. Hoje, a TV local, a TVE, está ligada intimamente ao PT, que é o partido que domina o Governo do Espírito Santo - já que o Governador Vitor Buaiz* pertence à legenda partidária. Assisti, Senador Geraldo Melo e eminentes colegas, a um documentário que me assustou. Em casa, acompanhava os programas naturais da TV Cultura, quando surgiu um depoimento sobre os sem-terra do Espírito Santo. Logicamente, que, como Senador, envolvido com os problemas do Governo e sendo a questão agrária uma das constantes preocupações do Presidente Fernando Henrique Cardoso, assisti ao programa e ouvi o depoimento de vários elementos envolvidos com a questão agrícola do Espírito Santo, principalmente nas chamadas áreas de vazão - meu Estado também tem esse problema, se bem que, no momento, em menor intensidade. Ouvi um depoimento, Sr. Presidente, colhido por homem do Governo Vitor Buaiz, que me levou a algumas indagações. Entrevistaram-se cerca de 06 ou 07 pessoas que estavam dentro do núcleo da invasão. Das 6 pessoas que falaram, Senador Geraldo Melo e eminentes Colegas, 4 pregaram a luta armada da maneira mais aberta e mais franca. É nesse ponto que quero embasar o meu aparte. Sou inteiramente favorável à reforma agrária. Entendo que um País de dimensões continentais como o Brasil, desde que a terra não seja produtiva, desde que tenha todas as características viáveis para esse fim - inclusive de uma lei da qual fui Relator nesta Casa, propondo a desapropriação de terras improdutivas - deve fazer a reforma. As pessoas que fazem parte desse contexto têm de compreender que, acima de tudo, temos uma ordem jurídico-constitucional constituída e não podemos permitir, de maneira alguma, sob a bandeira de qualquer impulso, que haja qualquer incitamento à quebra da ordem e, por que não dizer, Senador Geraldo Melo, às normas mais comuns a respeito do estado de direito. O Senador Lúdio Coelho representa evidentemente aqueles que fazem da agricultura um instrumento de avanço e de desenvolvimento do País. Senti, no seu aparte, a voz de todos aqueles que, de uma maneira ou de outra - sem querer entrar no mérito da questão social, que, às vezes, é sobrelevada, dependendo do aspecto que se coloca o elemento que discute a reforma agrária - defendem o direito à propriedade produtiva. No meu Estado, temos também centenas de pessoas que fazem do uso da terra o instrumento produtivo de desenvolvimento. E é em nome disso que é preciso que haja o equilíbrio. Não podemos, de maneira alguma, dentro da balança imensa do equilíbrio social, colocar peso maior em um determinado lado, esquecendo os relevantes serviços prestados por todos aqueles que, a exemplo do Senador Lúdio Coelho, cultivam a terra, visando ao bem-estar social e o desenvolvimento do País. Portanto, tenho certeza de que o seu pronunciamento, como sempre, foi judicioso, calcar no bom-senso. Vamos estimar, com todo empenho, que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso nos dê a solução justa, humana e social para esse problema que está diante de nossos olhos, não podendo ser obscurecido. No entanto, quero que compreendam aqueles que querem fazer da reforma agrária um instrumento político, um instrumento que não respeita a ordem do direito constituído que não é esse o momento. O Brasil tem compromisso com o futuro, o Brasil tem compromisso com a sociedade. E estão aí envolvidos aqueles que querem usar a terra para produzir. Não podemos perder, de maneira nenhuma, Senador Geraldo Melo, aquilo que é o objetivo maior: um país com ordem constituída, um país que visa ao respeito precípuo das leis e, acima de tudo, um país que premia os que trabalham a terra por dedicação. De forma que, desde já, lamentando não ter ouvido o seu pronunciamento, subscrevo inteiramente o posicionamento de V. Exª - faço-o como Líder de Governo -, porque sei que V. Exª tem sido nesta Casa, independentemente da sua condição de Líder partidário, um porta-voz permanente do que representa os anseios sociais do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, Senador Elcio Alvares. Não posso deixar de fazer referência à generosidade de V. Exª. Talvez pela amizade, pelo companheirismo que nos une, V. Exª vê com os olhos de quem envolve a todos os seus amigos com um manto de carinho. Como V. Exa. faz com todos eles.

Sr. Presidente, agradeço a paciência de V. Exª. Mas acredito que V. Exª concorda em que, depois das intervenções dos Senadores Bernardo Cabral, José Eduardo Dutra e outros, pude ter a participação da autoridade do Senador Pedro Simon.

O SR. PRESIDENTE (Ernandes Amorim) - Senador Geraldo Melo, parabenizo V. Exª pelo seu discurso. Como fazendeiro, como Parlamentar, V. Exª está no caminho correto, razão pela qual me congratulo com V. Exª.

O SR. GERALDO MELO - As palavras do Senador Lúdio Coelho, que trouxeram aquilo que o poeta chamava de "o saber de experiência feito"; a experiência do Senador Romero Jucá, um amazônida, nordestino, carioca, brasiliense, um brasileiro, na verdade, um ex-Governador, um Senador, um administrador público de Funai; e finalmente a autoridade do nosso Líder Elcio Alvares, tudo isso transformou o pronunciamento modesto e despretensioso que pretendia fazer em um momento que ganhou importância.

Encerrando, digo que, como homens públicos, não podemos ser indiferentes à responsabilidade que temos em relação a todos os estratos da sociedade brasileira. Portanto, os que não têm terra e precisam dela são de nossa responsabilidade; os que têm terra e estão querendo produzir, contribuir para o País, também o são. Não podemos, portanto, para resolver o problema de um, gerar problema para outro; não podemos, em nome de organizar um segmento da sociedade, desorganizar os demais.

Finalmente, um comentário, uma palavra sobre o que nos disse o nosso Líder, Sr. Senador Elcio Alvares: para mim não cabe a proposta de luta armada em um País como Brasil, que emergiu pacificamente, pela força e pela vontade de seu povo, na direção da democracia, que emergiu do autoritarismo para construir uma democracia de baixo para cima, com a população nas ruas, mas em paz, que respondeu a todos os sofrimentos e violências, a todas as masmorras, a todos os derramamentos de sangue, a todos os traumas da decisão arbitrária nas mãos de a ou b com uma luta que foi um exemplo para a humanidade nesta quadra do Século que corre. Essa sociedade construiu uma democracia que tem custado tanto a todos nós, a todos os brasileiros em comum. Nós, os verdadeiros democratas, primeiro, estamos cansados de ver que uma minoria se atribui o direito de anunciar o que é que o povo brasileiro quer. Mas, se vamos às ruas e perguntamos ao povo o que é que ele quer, o povo não confirma o que esses vozeiros, donos, proprietários da vontade popular dizem em seu nome. Se perguntarmos, veremos que não é isso que o povo vai dizer. Segundo, o verdadeiro democrata, aquele que tem consciência do quanto está custando ao povo brasileiro construir a nova estrutura de liberdade, de modernidade, de perspectiva de futuro e de eficiência neste País, tem o dever de olhar para todos os que propuserem luta armada no Brasil como quadrilheiros que precisam ser enquadrados na lei. É a nossa complacência em relação aos desafios às instituições, em relação ao desrespeito e ao insulto às instituições, que permite que impunemente se desafie a democracia, patrimônio do povo brasileiro, para atender aos interesses e ao atrevimento daqueles que não querem democracia no Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente. Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/1996 - Página 8762