Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A GREVE GERAL DEFLAGRADA HOJE, NO PAIS.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A GREVE GERAL DEFLAGRADA HOJE, NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1996 - Página 10607
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, NATUREZA POLITICA, GREVE, TRABALHADOR, AMBITO NACIONAL, REFERENCIA, POLITICA SOCIAL, REFORMA AGRARIA.
  • ANALISE, PROGRAMA DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, OBJETIVO, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA SOCIAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, CENTRAL SINDICAL, OPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o País hoje está sob uma greve - podemos chamá-la uma grave, ou podemos chamá-la um agravo, talvez, meia greve, talvez um terço de greve.

Pela manhã, ouvindo uma emissora de rádio, que está a cobrir o referido evento, os repórteres tiveram a curiosa e instigante idéia de perguntar aos participantes o seguinte: "Por que esta greve?" Não sabiam dizer.

Foi organizada, no País, uma greve sem objeto. Essa greve sem objeto não tem clareza no seu propósito, o que fere o bê-a-bá das organizações da greve.

O País vive a plenitude democrática, e a plenitude democrática permite, inclusive, erros dessa ordem.

Qual é a idéia profunda que deveria estar a nortear o movimento sindical? A busca de pontos comuns capazes de aglutinar a força de trabalho do País na direção de suas reivindicações. Esta é, aliás, uma velha e importante tática que os partidos socialistas sempre utilizaram no mundo: unificar pela reivindicação salarial. A reivindicação salarial, sendo comum a todos, unifica a classe, e a classe, então, parte dessa unificação para um grau de consciência política maior, de conseqüência política e de participação.

Assim foi, classicamente, na história do socialismo e assim certos movimentos conseguiram cristalizar-se e evoluir a luta sindical, transformando-a numa ação eficaz, além de ganhar quadros que, ao longo dos anos, se formaram nessa luta.

A atual greve é de natureza diferente. Ela não pretende unificar pela reivindicação salarial. A reivindicação salarial está incluída no processo, é um dos itens, mas é uma greve de natureza política que pretende juntar a massa trabalhadora através de matérias de natureza conceitual: a questão social, a questão da terra, a questão agrária, enfim, uma porção de vírgulas a separar as indicações desta greve. É evidente que uma greve sem objeto não poderá ter êxito. Em primeiro lugar, porque ela apenas mobiliza os setores já mobilizados, e os setores já mobilizados serão obrigados, como estão a fazer, a utilizar táticas tradicionais de constrangimento: o piquete, até a eventual violência em alguns segmentos mais radicais. Mas se pensarmos na importância da unificação do movimento trabalhista no Brasil, vamos verificar que este movimento da CUT está exatamente a provocar o efeito oposto. Por quê? Porque não ganha nem a massa trabalhadora, e não ganha a massa trabalhadora por falta de uma postura clara e unificada de greve; é uma greve pela greve; é uma greve porque é sexta-feira, é uma greve à brasileira. É uma greve que teve, nos seus conclamas, até o fato aparentemente cômodo de dizer: "Fique em casa, aproveite o dia, vá ao cinema, veja televisão". Isso apareceu em alguns conclamas.

É claro que, de outro lado, nos setores mais radicais, há, inclusive, incitações a agressões violentas, incitação que está, em São Paulo, sendo apurada pela polícia. Foi presa uma pessoa distribuindo esse tipo de panfleto que manda atirar, que deve obedecer a setores radicais, os quais não são propriamente majoritários, mas que estão ajudando a criar esse caldo de confusão que a eles interessa, mas que não interessa à liderança do movimento sindical, não interessa aos setores mais conseqüentes da esquerda brasileira, mas que a eles satisfaz. Ao mesmo tempo, a dimensão dada a todos esses fatos no espaço da comunicação, dimensão que tem que ser dada, porque esses fatos realmente são notícias, cria no País um antagonismo perigoso, um rearmamento de lado a lado, como vivemos no pré-64. A diferença é que hoje essa luta no mundo já está superada; hoje a modernidade impõe novos comportamentos; hoje há uma nova esquerda no Brasil, capaz de compreender que é dentro da sociedade de mercado, sem, no entanto, dar-lhe primazia na condução do processo e tendo o Estado como mediador, mas que é dentro da sociedade de mercado, com o avanço da economia e com o avanço da sociedade dentro do Estado, que se vai efetivamente valorizar as idéias características de um pensamento progressista.

Portanto, estamos diante deste quadro: uma esquerda antiga, infiltrada por uma esquerda radical, minoritária, sem dúvida, a provocar a direita conservadora e a espicaçar os propósitos, que também não são democráticos, da outra direita, que passa, a partir desses eventos todos, principalmente os que estão se dando pelos setores radicais do Movimento dos Sem-Terra, a ter razões, a armar-se, a buscar tudo aquilo que sempre buscou: o fim do regime democrático, a volta do regime de privilégios, o aumento do grau de concentração de renda, que é o que interessa aos setores reacionários do País. Isso não está sendo considerado pelas lideranças sindicais mais conseqüentes. Essa greve é o exemplo dessa pouca meditação.

No mesmo dia, o Presidente da República está hoje a assinar um projeto no qual R$250 milhões estão sendo dirigidos ao ensino básico do País, para atingir 170 mil escolas, que já estão a receber diretamente os recursos, sem aquela clássica passagem pelo Estado e pelo Município, clássica passagem essa que fazia os recursos chegarem minimizados à escola.

Os recursos estão, neste instante, sendo repassados diretamente à escola. A quem? À direção da escola, aos professores, aos pais e aos alunos; portanto, a comunidade escolar brasileira hoje, sexta-feira, 21 de junho, está recebendo R$250 milhões para o atendimento a 170 mil escolas no País, atendimento esse direto, com recursos diretamente na mão da administração escolar, recursos que vão, conforme o número de alunos da escola, de R$600,00 a R$14.000,00, se não me engano.

Isso mostra o quanto são paradoxais esses processos. Possivelmente, esse avanço na área da educação básica, que é onde está o fundamento da ação social, do equilíbrio social etc, tenha um pequeno destaque na imprensa, quem sabe uma referência a um discurso de um Senador, num momento perdido de uma sexta-feira, no plenário do Senado Federal. Talvez uma notinha no jornal.

Quanto a essa greve, alguns vão dizer que foi uma vitória, outros vão dizer que foi um fracasso. Parece-me que, a esta altura, 12h14min, ela está semifracassada. Mas ela terá uma importância muito grande.

É interessante esse vezo da política. Todos os governos, inevitavelmente, têm contra si ou sobre si o peso do acúmulo de uma situação deplorável no campo social que se produz no País há séculos, podemos dizer. É um país de extrema injustiça social, um país de elites insensíveis, um país reacionário do ponto de vista do seu comportamento geral em relação às questões raciais, em relação às questões de classe, em relação à concentração de rendas etc. Ele acumulou, ao longo desse processo, graves deficiências na área social.

Essas deficiências caem sobre os governos. Conforme a sua organização, a sua tecedura interna, a sua doutrina, os governos buscam enfrentar essas deficiências e, evidentemente, não têm condições de fazê-lo globalmente, mas as vão enfrentando passo a passo.

Desta vez, estamos com um Governo que, para enfrentar as deficiências, de antemão, disse de maneira muito clara à Nação: vamos fazer os sacrifícios necessários para a estabilização econômica. Sem estabilização econômica não há possibilidade de qualquer avanço na área social, e isso está sendo realizado.

Este Governo está a dizer ao país que esse sacrifício impõe outros, como, por exemplo, o de uma certa contenção da economia para que o processo inflacionário não retorne, sempre deixando claro que o processo inflacionário é o pior imposto que se cobra contra os pobres. Ainda assim, é um Governo que tem, por causa do acúmulo de erros, como os demais enfrentaram também, o Poder Público praticamente falido, sem condições de investimento, dos 40 e tantos bilhões de reais do Orçamento, o que se pode usar para investimento não chega a R$5 bilhões, tudo está comprometido com a máquina. É um Governo que vem empreendendo uma luta sofrida por uma reforma do Estado, interferida por todas as formas de intriga, por todas as formas caluniosas e difamatórias até, exatamente por essas forças que agora estão aí a clamar pela greve. Porque essas forças, como pertencem a um pensamento de esquerda antiquado, supõem que é através do Estado exclusivamente que se vai repartir a justiça e que o Estado onipotente poderá resolver problemas que já de há muito não têm condições de serem resolvidos no Brasil, porque o Estado brasileiro está falido há pelo menos 10 anos; ele vem acumulando essa falência, que nasceu na excessiva concentração, dentro do Estado, de atividades de empresas e de poder nos tempos da ditadura militar. Esses processos são contínuos no tempo, eles se interpenetram, não nascem gratuitamente.

Este Governo tem empreendido um esforço formidável no sentido de reorganizar o Estado através da criação de uma Previdência conseqüente e não falida, num país que hoje tem 13 milhões, mas que terá 21 milhões de idosos acima de 65 anos na primeira década do próximo século, ou seja, daqui a dez anos. É o esforço de criar, junto à máquina administrativa do Estado, a possibilidade de eliminar os focos de impasse da mesma máquina, para que o próprio funcionário venha a ter carreira, venha a ter boas condições de desenvolvimento dentro da atividade pública.

É um Governo que, em um ano e meio, já assentou mais camponeses do que todos os governos anteriores. O número de assentamentos agrícolas feitos no primeiro ano do Governo Fernando Henrique correspondeu ao número de assentamentos que haviam sido feitos no País até então; e as previsões apontam para um aumento desses assentamentos ao final do governo, chegando a números efetivamente formidáveis.

E é nesse Governo, por seu instinto democrático, que se dão as principais crises no campo, alimentadas por esses setores radicais que estão a criar as pré-condições para algum movimento muito grave dentro do País. São esses mesmos setores que estão permanentemente a pregar, no plano urbano, um corporativismo extremo dentro do funcionalismo público. Atualmente, há invasão de prédios públicos, como aconteceu há poucas semanas no Ministério da Fazenda, ou seja, quem semeia ventos colhe tempestades.

Nós, que viemos de 1964 e que enfrentamos o exílio, vimos uma geração inteira ficar alijada da vida pública brasileira pelo simples crime de sonhar um país mais justo. Tivessem sido feitas essas reformas naquele tempo, e não estaríamos com esse grau de injustiça social. Nós, como o orador que lhes fala, ficamos 18 anos proscritos da vida brasileira, na melhor fase de nossas vidas, na plenitude de nossa juventude e saúde. Os atingidos pelo Ato Institucional nº 1 ficamos 18 anos fora da vida brasileira, alijados, sem poder participar politicamente.

A violência jurídica não deixa sangue, mas é uma das piores que existem. Os atingidos pelo Ato Institucional nº 1 ficaram dez anos com seus direitos políticos cassados. Ao final desses dez anos, a ditadura criou a perversa lei das inelegibilidades. Por essa lei, os atingidos por ato institucional não podiam ter vida partidária nem se candidatar.

Essa lei perdeu sua vigência no ano de 1978, com o começo da abertura, porém, ainda de um modo perverso: efetivamente ela só deixou de vigorar a partir de janeiro de 1979, embora tenha sido feita em 1978. Por quê? Porque em novembro de 1978 havia eleições. Então aquelas pessoas que ficaram impedidas por 14 anos, de 1964 a 1978, ainda tiveram que viver mais quatro anos impossibilitadas de qualquer ato da vida política por causa da lei das inelegibilidades, muito pouco lembrada, muito pouco citada, mas parte dessa terrível violência jurídica.

Faço parte, portanto, de uma geração que foi retirada da vida brasileira por 18 anos. Se pensarmos em termos jurídicos, nem o nazismo teve penas tão grandes, e penas tão grandes para quem não tinha culpa de nada a não ser por haver lutado com o melhor de si pelas suas idéias.

Será esse o País que, por ignorância, por falta de vivência, por radicalismo, por atraso mental, esses setores radicais desejam? Aprendemos que, diante dessas ações, a direita sempre sai vencedora. Iludem-se esses quadros recém-chegados à vida política e que passam por um processo de massificação pela esquerda, que é processo tão cruel quanto o processo de massificação consumista imposto à própria sociedade brasileira pelos procedimentos de natureza econômica, pelas técnicas de comunicação contemporânea.

Se há uma massificação, de um lado, levando as pessoas a consumirem sem saber, a transformarem os valores de sua vida nos valores da sociedade de consumo, há, por outro lado, uma massificação de esquerda, que, em vez de ensinar a pensar, ensina palavras de ordem de aparente logicidade e que tocam fundo na chaga e na dor social. Em nome delas, aprisionam o pensamento de pessoas que recém-chegam à vida política e são lançadas no radicalismo, radicalismo esse que pode, muitas vezes, levar o País a impasses contra os quais tanto lutamos, a impasses que já levaram, em outras oportunidades, este País a crises políticas inimagináveis.

Não nos esqueçamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que, de 1923 até hoje, apenas dois presidentes civis chegaram ao final do seu governo. Não nos esqueçamos de que, de 1923 até hoje, apenas dois presidentes civis eleitos chegaram ao final do governo.

É claro que temos hoje uma diferença - e nisto vai uma esperança: o atual Governo sabe que tem que fazer a aliança necessária para o avanço. Em que pese montar a sua estratégia política e social com idéias de vanguardas, busca essa aliança para fazer o avanço pelo centro. É pelo centro que se avança, ainda que com idéias de esquerda, de esquerda moderna. A esquerda antiga, tradicional, ao invés de compreender a dificuldade desse processo, não sabe da oportunidade de uma aliança com os setores liberais, para propiciar o aprofundamento da estrutura democrática e a possibilidade do avanço social. Ela prefere as velhas palavras de ordem. Ela prefere a massificação com slogans. Ela prefere ficar contra as propostas de reforma da sociedade. Ela prefere se iludir com semigreves como essa, sem objeto, sem razão de ser. Ela prefere viver do narcisismo de alguns líderes sindicais que se supõem acima dos poderes constituídos, com a atitude arrogante de se considerarem melhores que os demais: eles são os puros, eles são os autênticos, eles são os honestos. Têm a idéia de que a democracia representativa não tem sentido e buscam uma democracia direta - que não sabem muito bem o que é - e de uma democracia direta que acabará fazendo com que, não eles, mas a mídia ocupe o espaço político, ocupe o espaço público, muito melhor do que eles.

Esses líderes não sabem o quanto custou tudo isso de dor, de luta, de morte, de tortura, de avanço; quantos ficaram no caminho. Não sabem! E aí estão a gerar novas figuras que nada fazem além de repetir slogans por eles inventados, em vez de buscar trabalhar uma reflexão mais funda com o próprio movimento sindical, porque ali está a base verdadeira do desenvolvimento de um povo.

O SR. PRESIDENTE (José Fogaça) - Cumpro o dever regimental de comunicar a V. Exª que o seu tempo está esgotado.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Pois não, vou concluir.

Ali está quem carrega nas costas o processo, ali está o verdadeiro dignatário do processo, porque um país não cresce se não cresce igualmente o seu trabalhador, se não crescem as condições de vida e de equilíbrio social.

Deixo, portanto, essa reflexão com o Senado, a reflexão de que estamos diante de um impasse interessante da modernização. De um lado, há uma proposta de avanço social pelo desenvolvimento econômico, pela evolução dos setores empresariais, pela expansão da sociedade de mercado e pela criação de um Estado organizado: não mais falido, porém eficaz, eficaz e forte; forte porque democrático, forte porque democrático. Essa é a proposta progressista posta à Nação pelos setores que compõem a aliança deste Governo. Essa é uma proposta que aí está para a Nação.

De outro lado, há a proposta antiquada de uma esquerda que não soube se reciclar; que está sem proposta para o País; que não dá solução nem a seus problemas internos; que não consegue nem dentro dos setores sindicais onde atua ter a maioria dos mesmos a apoiá-la. Essa esquerda está a fazer greves como essa, sem qualquer fundamento, que nada mais são do que a tentativa de capturar para um movimento político a insatisfação, a dor, o cansaço de todas as pessoas que neste País têm sofrido, têm vivido com salários baixos, têm agüentado sobre si os preços da inflação, da incúria política, do desgoverno.

Estamos diante, portanto, deste impasse: o impasse entre os que pretendem um país renovado, com sólidas bases democráticas, e os que pretendem a velha ordem maniqueísta do bem contra o mal, da direita contra a esquerda. E nessa ordem, pelo menos segundo a experiência deste orador, a velha direita sempre levou a melhor, para a nossa infelicidade.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela concessão do tempo. Obrigado aos Srs. Senadores pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1996 - Página 10607