Discurso no Senado Federal

CONCLUSÃO DA COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A EXAMINAR AS EMENDAS CONSTITUCIONAIS DA FLEXIBILIZAÇÃO DOS MONOPOLIOS. REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • CONCLUSÃO DA COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A EXAMINAR AS EMENDAS CONSTITUCIONAIS DA FLEXIBILIZAÇÃO DOS MONOPOLIOS. REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Lauro Campos, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/1996 - Página 10890
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, ORADOR, PRESIDENTE, COMISSÃO ESPECIAL, APROVAÇÃO, RELATORIO, EXAME, FLEXIBILIDADE, MONOPOLIO ESTATAL, PETROLEO, TELECOMUNICAÇÃO, NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM, DISTRIBUIÇÃO, GAS, IMPORTANCIA, SUBSIDIOS, APRECIAÇÃO, MATERIA, REFORMA CONSTITUCIONAL.
  • ANALISE, REFORMULAÇÃO, ESTADO, DIREÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, APREENSÃO, EFEITO, PROCESSO, REDUÇÃO, FUNÇÃO FISCALIZADORA, FALTA, RESPONSABILIDADE, ESTADOS, MUNICIPIOS, ESPECIFICAÇÃO, MORTE, MUNICIPIO, CARUARU (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), UNIDADE DE SAUDE, GERIATRIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • NECESSIDADE, CRIAÇÃO, ORGÃOS, FISCALIZAÇÃO, OBJETIVO, EFICIENCIA, SERVIÇO, RESPONSABILIDADE, ESTADOS, MUNICIPIOS, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, COMUNIDADE, DECISÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente comunico ao Plenário que a Comissão Especial constituída para examinar as Propostas de Emendas Constitucionais que tratam da flexibilização do monopólio do petróleo, das telecomunicações, da cabotagem e da distribuição do gás canalizado concluiu hoje os seus trabalhos, dentro do prazo que lhe foi dado pela Mesa Diretora, de acordo com decisão do Plenário. O Senador Bernardo Cabral apresentou o seu parecer, que, uma vez aprovado, deverá ser oficialmente encaminhado ao Plenário para exame e deliberação. S. Exª o Relator da Comissão fez um trabalho rápido e eficiente: reuniu todos os depoimentos que tivemos oportunidade de ouvir tanto de autoridades do Governo, quanto de líderes sindicais, pessoas interessadas e estudiosas dessas matérias.

Quando propus a instituição dessa Comissão, tive como propósito fazer com que o Senado se antecipasse na discussão dessas matérias. Todos aqui recordam que, quando iniciamos os trabalhos desta Legislatura, havia um inconformismo generalizado com o que se poderia chamar de papel subalterno ou secundário do Senado, que apenas homologava as emendas já aprovadas pela Câmara e sempre sob a pressão do tempo e do fato de que nada podia ser modificado. Dessa forma, as propostas poderiam ser imediatamente incorporadas à Constituição.

Por isso, na hora de regular essas matérias por lei ordinária ou complementar, conforme o caso, considerei ser importante que o Senado estudasse previamente o assunto, discutindo-o amplamente não só no âmbito da Comissão, mas do Plenário. Assim, estaríamos oferecendo uma lei, a melhor possível, para atender ao interesse nacional.

De maneira geral, há temas altamente polêmicos, como o do petróleo e o das telecomunicações. O Senador Bernardo Cabral fez sugestões que foram acatadas pela Comissão; fez ainda amplo levantamento dos diferentes posicionamentos em relação a esses assuntos. Como já vamos deliberar, ao que parece, em convocação extraordinária, sobre as telecomunicações, é importante - e a Presidência da Comissão já solicitou à Secretaria que o fizesse - que todos os Senadores conhecessem o texto preparado pelo Senador Bernardo Cabral e assim pudessem bem se orientar em relação ao tema que deverá ser, como disse anteriormente, objeto da nossa deliberação brevemente.

Ao fazer essa comunicação, desejo agradecer não só ao Relator, que foi assíduo, diligente, atento ao seu papel, como a todos os Senadores que integraram a Comissão, aos funcionários que participaram ativamente dos nossos trabalhos, aos depoentes, autoridades, líderes sindicais e assim por diante.

O Sr. Romeu Tuma - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Romeu Tuma - Se V. Exª me permitir, eu gostaria de testemunhar o esforço que V. Exª, na Presidência da Comissão, e o Senador Bernardo Cabral, na Relatoria, fizeram para chegar à conclusão por um relatório primoroso do nosso experiente Senador Bernardo Cabral. Compareci, parece-me, a todos os depoimentos. Foram de vital importância; houve contraditórios durante a própria exposição dos convidados, num ambiente sadio e de interesse público. De forma que creio que é importante que os Srs. Senadores tomem conhecimento do relatório. Ele é isento, expressa a definição de cada um dos que ali compareceram, dentro do seu ponto de vista para essas reformas, e vai nos ajudar muito quando apreciarmos a legislação pertinente à estrutura de cada segmento que este Congresso já aprovou nas reformas constitucionais. Muito obrigado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma. V. Exª, que foi um dos membros mais atuantes da Comissão, pode bem depor sobre o desenvolvimento dos nossos trabalhos. Aliás, trata-se de um caso raro no Senado, pois a Comissão concluiu os seus trabalhos sem precisar sequer de uma prorrogação, já que no dia 30 iria expirar o prazo destinado aos trabalhos da Comissão e hoje, dia 27, ela já concluiu o seu trabalho, apreciando e aprovando o relatório do Senador Bernardo Cabral, que, como disse, agora deverá ser examinado pelo Plenário.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral  - Senador Lúcio Alcântara, é muito difícil ouvir V. Exª sem deixar de registrar, até por uma questão de justiça, a sua atuação na Presidência da Comissão, que, de resto, foi de sua autoria. Quero fazê-lo porque as manifestações feitas hoje, naquela Comissão Especial, pelos Senadores José Eduardo Dutra e Romeu Tuma, foram de todas as formas e modos muito gentis e diria até mesmo afetuosas, carinhosas e traduziram o reconhecimento de um trabalho. Esses companheiros, ao liderarem a aprovação do nosso relatório, que outra coisa não visou senão a sistematização do que se ali se ouviu, têm um objetivo principal: o reconhecimento de V. Exª na presidência, sem o que não seria possível a conclusão dos trabalhos, e de uma reunião da qual participou também o nobre Senador José Fogaça. De resto, quanto ao que me toca, quero apenas dividir os louros com V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado. Na verdade, o êxito dos trabalhos da Comissão se deve a todos os seus Membros, a todos os seus integrantes, à qualidade dos depoentes e também ao trabalho dos assessores que conosco colaboraram. V. Exª cumpriu com fidelidade a missão que lhe foi entregue e, sobretudo, observou, rigorosamente, o prazo, fazendo, assim, com que o Senado demonstre, cabalmente, o quanto se envolve naquilo que é da sua competência, que deve realmente ser feito de maneira célere e competentemente, como foi o caso desse relatório.

Aproveito este fato para, no segundo tema do meu pronunciamento, comentar alguma coisa sobre fatos recentes da vida brasileira que tiveram grande repercussão pelas tragédias de que se revestiram, pelo número de mortes, pela estupefação que causaram à sociedade brasileira, vinculando, de certa maneira, à situação do Estado brasileiro.

Ontem tivemos a presença do Ministro Bresser Pereira, que falou sobre a reforma do Estado, com a interpelação de vários Srs. Senadores, demonstrando o interesse que esta matéria tem para nós, porque o Senado, depois da Câmara, irá apreciá-la e se manifestar sobre os pontos que envolve, muitos deles polêmicos, alguns dos quais discordo, mas tenho certeza de que nenhum de nós irá negar o fato de que o Estado brasileiro carece de uma reformulação. Podemos discordar até da intensidade, da qualidade, de aspectos dessa reforma, mas ninguém discorda de sua necessidade.

Tivemos, recentemente, três tragédias no Brasil, que nos fizeram refletir bastante. Uma, foi a questão da Clínica de Hemodiálise de Caruaru, que nos encheu de indignação, de revolta, pelo número de mortos, pelas pessoas que em busca de recuperar a sua saúde se depararam com a morte, por força de insuficiências tecnológicas, por falta de fiscalização, por falta de eficiência no funcionamento de equipamento e de materiais e devido ao próprio desempenho profissional.

Tivemos o caso de Osasco: um shopping center desaba - construído há pouco tempo - no momento em que está cheio de pessoas, principalmente jovens, com muitas mortes, causando muita dor, muita tristeza a muitos lares brasileiros.

Tivemos a questão da Clínica Santa Genoveva, destinada a idosos, no Rio de Janeiro, onde as pessoas morriam como moscas, fruto da má qualidade do atendimento que ali era prestado, que também nos causa muita indignação.

O que há de comum entre todos esses episódios? Qual o elo que poderia ligar esses três acontecimentos, aparentemente tão diferentes, tão díspares? O que tem a queda do shopping center, por exemplo, a ver com a tragédia da clínica de idosos no Rio de Janeiro, ou da Clínica de Hemodiálise de Caruaru?

Quando se fala em reforma do Estado brasileiro, quando se fala em privatização, em redução do tamanho do Estado, em supressão da natureza empreendedora do Estado brasileiro, fala-se logo que precisamos de um Estado ágil, de um Estado eficiente na regulamentação e na fiscalização. É exatamente o que estamos vendo que está faltando nisso aí. A partir da Constituição de 1988 ganhou velocidade no Brasil a descentralização administrativa: o que pode ser feito pelo Município não é feito pelo Estado e o que é feito pelo Estado não é feito pela União.

Em um país com as dimensões e as características do Brasil, ninguém, em sã consciência, pode ser contra a descentralização. Aí está o caminho pelo qual a administração pública fica mais próxima dos cidadãos, torna-se mais fácil a fiscalização e, portanto, a participação das pessoas na administração pública. O que ocorre é que esse processo, se não é feito convenientemente, corretamente, leva a um relaxamento na presença do Estado, principalmente na sua atividade fiscalizadora. Quem é o responsável? A Secretaria de Saúde de Caruaru talvez diga que é a Secretaria de Saúde do Estado que, por sua vez, diz que é o Ministério da Saúde. Município, Estado e União não querem assumir e não assumem uma responsabilidade definitiva sobre essas coisas. O mesmo poderia se dizer para a clínica de idosos do Rio de Janeiro; responsabilidades divididas entre Município, Estado e União podem levar à falta de responsabilidade ou à irresponsabilidade.

É preciso que atentemos que o processo de descentralização exige também que cada nível de governo assuma, definitivamente, o que é da sua competência, da sua responsabilidade.

Descentralizar não significa simplesmente eximir-se de responsabilidade, transferindo para outros níveis de Governo, que não o assumem. Esse é um ponto importante, da mesma maneira que um Estado pequeno ou um Estado ágil, como se diz querer para o Brasil, precisa ter uma grande força reguladora e fiscalizadora, definindo normas, impondo responsabilidades.

Por exemplo, o shopping center de Osasco não teve fiscalização, seja na execução do projeto, seja no funcionamento das instalações. À medida em que o Brasil consegue instalar seus equipamentos públicos, construir seus hospitais, suas escolas, suas universidades, suas avenidas, seus viadutos, as cidades precisam assumir cada vez mais a idéia de que o que é importante a nível local é o funcionamento dos serviços. Não basta apenas investir para construir, é preciso colocar os serviços em funcionamento.

Estamos às vésperas de uma eleição Municipal. Oxalá os candidatos a Prefeito se conscientizem desta verdade: é preciso fazer com que os serviços da cidade funcionem. Se vamos ter um Estado menor, um Estado pequeno e um Estado ausente, inclusive nessa parte da eficiência dos serviços e da fiscalização, vamos estar no caminho do caos.

Nesse sentido, quero alertar para todas essas mudanças de natureza administrativa, do caráter do Estado brasileiro, para que não sejamos surpreendidos, cada vez mais, por fatos como esses que ocorreram há pouco tempo no Brasil e que acabei de mencionar.

Ao mesmo tempo em que, se realmente esse processo de privatização, de globalização da economia, de redução do tamanho do Estado é um processo irreversível e inevitável, como alguns crêem, é preciso que invistamos seriamente na constituição de órgãos fiscalizadores e reguladores.

O trabalho dessa Comissão mostrou que, independentemente do juízo de valor sobre o processo de privatização, se não criarmos estruturas estáveis, bem equipadas do ponto-de-vista material e de recursos humanos, e com grande força coercitiva inclusive, poderemos estar trabalhando no sentido de uma grande anarquia na execução desse serviço, que vai beneficiar apenas alguns poucos, aqueles que o executarão, olhando muito mais para si, para os interesses de suas empresas, do que para o interesse da sociedade.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Eminente Senador Lúcio Alcântara, sou um atento ouvinte de V. Exª sempre que ocupa a tribuna e em muitos pontos poderia assinar embaixo de suas palavras. Gostaria apenas de salientar uma diferença que me parece essencial nesse processo de desconcentração do Estado. Há tendências que se confundem, mas que têm um caráter nitidamente diferente do meu ponto-de-vista. O Estado em crise algumas vezes quer se livrar de seus problemas e transferi-los aos Estados e os Estados aos Municípios. Dá-se, então, uma desconcentração de problemas, vamos dizer assim, e nem sempre a receita acompanha os gastos correspondentes a essa descentralização. Por outro lado, existe uma tendência, que é a de democratização do poder, um tipo de desconcentração em que o meu Partido e eu próprio estamos engajados. Por exemplo, quando o nosso Partido prega a presença dos conselhos populares, a presença do orçamento participativo, queremos engajar a sociedade, a coletividade no processo de tomada de decisões e do poder. Democratizar o poder e não se livrar das crises atuais. São dois movimentos que algumas vezes se confundem, mas que, do meu ponto de vista, têm diferenças essenciais.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª tem toda a razão e concordo com o teor do seu aparte. Por quê? Transferir atribuições ou responsabilidades para Estados e Municípios não pode ser apenas uma forma perversa de livrar-se dos problemas, de levar os problemas para mais distante de si. Essa seria uma atitude reprovável, uma maneira absolutamente inaceitável de aproximar a administração, de aproximar o poder público da população.

Nesse aspecto estou inteiramente de acordo com V. Exª e penso que os Estados e Municípios, inclusive, precisam reagir e resistir a essa atitude aonde possa vir a ocorrer, porque não se consulta o interesse público, mas é apenas uma forma de se dizer que não se quer esses problemas e passá-los aos Estados e Municípios para que resolvam.

E mais, essa descentralização, a meu juízo como no de V. Exª, envolve um outro aspecto que é o da democratização e da participação popular. Quem é parte do problema deve ser parte da solução. É muito difícil imaginarmos que um administrador público seja indiferente às necessidades da população por uma questão de deformação de caráter ou de personalidade. O administrador pode ser até incompetente e alguns, mais do que incompetentes, podem ser desonestos, mas, de uma maneira geral e até por uma questão pessoal, todos querem se sair bem na sua administração, querem realizar e empreender.

Mas, na medida em que se traz a população para participar da solução, ela começa a ter noção de algo que é inevitável, que é exatamente a limitação de recursos. Os recursos são finitos e os problemas são gigantescos, principalmente num País em crescimento como é o Brasil, com tão grandes distorções sociais, demográficas, populacionais, regionais e assim por diante.

A minha intervenção, hoje, no plenário do Senado, tem o objetivo de nos alertar para esse processo de renovação, de mudança, de transformação do Estado brasileiro, que não pode, a título de praticar a descentralização, ser apenas um fator de agravamento da sua deterioração e da sua degradação, que, sem dúvida, agrava de maneira muito significativa os problemas do povo brasileiro, que já são muito grandes.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/1996 - Página 10890