Discurso no Senado Federal

RELATORIO DE SUA VIAGEM, NA QUALIDADE DE OBSERVADOR, AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS E MUNICIPAIS RUSSAS.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • RELATORIO DE SUA VIAGEM, NA QUALIDADE DE OBSERVADOR, AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS E MUNICIPAIS RUSSAS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Eduardo Suplicy, Jefferson Peres, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/1996 - Página 11068
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • RELATORIO, VIAGEM, ORADOR, REPRESENTAÇÃO, SENADO, ELEIÇÕES, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA.
  • AVALIAÇÃO, ORADOR, SITUAÇÃO POLITICA, PROCESSO ELEITORAL, PROPAGANDA ELEITORAL, ELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELEIÇÃO MUNICIPAL, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na verdade, pretendia falar mais cedo hoje. Mas falo agora, após ter tido o enorme prazer e a incontida satisfação de ouvir as belíssimas intervenções do nosso Presidente Lauro Campos e do Senador Eduardo Suplicy.

Minha intenção é a de prestar contas sobre uma viagem que fiz, como observador do Senado da República às eleições presidenciais e municipais russas.

Quero introduzir este meu breve relatório, estabelecendo a moldura dentro da qual essas eleições ocorreram.

A União Soviética se desagregou como vítima de dois fatores principais: o primeiro, a corrida tecnológica, a dedicação quase absoluta a um modelo industrial militar que, sem sombra de dúvida, conseguiu surpreender o mundo, colocando o Sputnik em órbita antes que o Ocidente o fizesse. Produziu aviões a jato de qualidade excepcional, viabilizou uma indústria de construção de navios que fazia inveja a qualquer país.

Mas a União Soviética se desagrega, e, para surpresa de todos os analistas políticos, não se desagrega diante do ímpeto do imperialismo norte-americano, mas, sim, diante da sua incapacidade de produzir bens de consumo: sapatos, roupas, habitação, eletrodomésticos, rádios, televisores, aquilo que viabiliza a comunicação interna e que melhora o padrão de vida de uma população. Mais do que isso, o Partido Revolucionário se embute na máquina do Estado, transforma-se em corporação e sobrepõe-se à sociedade. Desaparece o princípio do mérito; todos os ganhos trabalhistas são horizontais; o esforço pessoal não é reconhecido; e, ao invés do impacto do imperialismo americano, é o povo decepcionado que derruba o regime nas ruas.

Desaparece a União Soviética e resta a Rússia. O processo de desagregação do Leste Europeu se dá pelas mãos de Gorbachev, e alguns fatos interessantes devem ser analisados nesse processo.

O primeiro deles foi uma inoportuna e desastrada experiência de limitação do consumo de bebida alcoólica. O russo, embora bem alimentado, tem uma vida média de 58 anos, em função do consumo excessivo de álcool. Gorbachev resolveu estabelecer uma lei seca, restringindo o consumo, e conseguiu um resultado semelhante ao da Lei Seca dos Estados Unidos.

Grupos se organizaram para estabelecer o mercado paralelo da vodca. Esses grupos se organizaram como a máfia norte-americana. Dois procedimentos equivalentes - um, no Ocidente; outro, na Rússia - resultaram na mesma forma de organização criminosa. O governo russo volta atrás com a política de contenção ao consumo de álcool, mas as máfias continuam organizadas. No processo de abertura, as máfias se organizam paralelamente ao Estado. Um pequeno comerciante paga um imposto ao seu município, paga um imposto ao Estado, mas paga também o racket, a proteção, o seguro de funcionamento às máfias organizadas.

Ainda no período de Mikhail Gorbachev, a Rússia privatiza grande parte da sua economia sem uma significativa participação do capital estrangeiro. As figuras mais corruptas do regime comunista, que negociavam com as grandes empresas que tratavam do comércio internacional, interiorizam os seus capitais e transformam-se nos atuais capitalistas da Rússia.

O governo de Boris Yeltsin é um governo sustentado pelos novos russos, pelos novos capitalistas, que são exatamente as figuras corruptas do regime anterior, e pela máfia, que procede como procedia a máfia americana dos anos 50.

Nesse quadro, participei, como observador, das novas eleições. Resultados surpreendentes.

Quem vota em Yeltsin? Vota em Yeltsin o russo machucado, ferido ainda pelas ações do período stalinista; o filho, o neto e o bisneto do russo agredido e confinado na Sibéria no período stalinista e do russo que morreu nas prisões. O russo que odeia o regime, já por um tradição familiar, vota, não a favor do Yeltsin, vota contra a velha república russa.

Quem vota no Yeltsin? Vota a juventude deslumbrada por uma política de consumo estabelecida num país que não consegue se organizar e reverter uma economia industrial militar para uma economia de produção de bens de consumo. Vota a juventude russa embriagada com o rock`n roll e com as mercadorias produzidas no mundo inteiro, expostas nas prateleiras das novas lojas - nenhuma produzida na Rússia; mercadorias que estão à disposição do povo russo como está à disposição de um telespectador a vida maravilhosa representada pelos artistas de uma novela da televisão global. Votam numa expectativa de consumo da qual, na verdade, não participam e dificilmente participarão, porque a economia está arrebentada e as empresas não pagam salário desde janeiro deste ano.

A Rússia assiste a um modelo capitalista do qual não participa. No entanto, o Partido Comunista reorganiza-se e demonstra a sua força nessa eleição presidencial: um terço dos votos da Rússia são votos de Zyuganov.

Do ponto de vista formal, verifiquei que as eleições procederam com correção. Mesmo o candidato Zyuganov, da oposição, não faz nenhuma queixa significativa e não leva em consideração as pequenas distorções, praticamente inevitáveis num país de 170 milhões de habitantes.

No entanto, o controle da mídia é absoluto. A mídia estatal repete cenas e louva o Presidente Yeltsin, candidato à reeleição, de dez em dez minutos. Nem seria necessário falar do comportamento da televisão privada.

A oposição tem uma ausência de mídia absoluta. Mas, mesmo assim, Zyuganov tem um terço dos votos russos, conseguidos através de um Partido Comunista ainda organizado.

As eleições para a prefeitura de Moscou são ainda mais extraordinárias, porque as eleições de Moscou negaram espaço na mídia, de forma absoluta, aos candidatos de oposição, que, por paradoxal que pareça, se traduziram numa aliança entre Zyuganov e Yeltsin, no apoio ao ex-prefeito Lujkov, candidato à reeleição. Como se deu esse processo? O candidato sem partido - Lujkov sem partido -, mas o candidato a vice-prefeito na chapa de Lujkov é um senhor chamado Chantsev, que até 1994 era membro do Politburo do Partido Comunista e que conta com o apoio de Zyuganov e de Yeltsin. Uma aliança política paradoxal. E como se dá essa aliança? Na certeza de que Lujkov será o primeiro-ministro de Yeltsin, se esse vier a ganhar as eleições presidenciais, ficando então o Partido Comunista com a prefeitura de Moscou. Por quê? Porque Lujkov só pode ser elevado à condição de primeiro-ministro com a aprovação da Duma, e a Duma, conforme o resultado das últimas eleições, tem uma predominância da participação comunista significativa.

Os candidatos de oposição, que eram três, quatro com Lujkov, no processo eleitoral de Moscou, sequer eram conhecidos ou reconhecidos pela população. A possibilidade de aparecimento na rede pública, embora a comissão eleitoral tivesse estabelecido 15 minutos por dia na rede pública, e 15 minutos por dia na rede privada, do dia 1º ao dia 14, inexistiu. Foram 15 minutos na sexta-feira que antecedeu ao processo eleitoral.

Visitei juntas de apuração na companhia da candidata comunista Olga Sergueieva, e, através do intérprete que me forneceu a Embaixada do Brasil, verifiquei que os seus eleitores - porque Olga fez 5% da votação para a prefeitura de Moscou contra 89% de Lujkov - não a reconheciam, no momento em que depositavam seu voto na urna. Ela não teve nenhuma oportunidade de aparição na mídia, não teve nenhuma possibilidade de colocar as suas idéias. Paradoxalmente, Olga, que apoiava o candidato Zyuganov, não contou sequer com uma referência do candidato presidencial comunista ao seu próprio projeto eleitoral.

O Sr. Bernardo Cabral - Veja a vantagem do horário eleitoral gratuito.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - O Senador Bernardo Cabral lembra a importância absoluta da "Voz do Brasil" e do horário eleitoral gratuito para a sustentação do processo democrático de eleições em qualquer país do mundo.

Pedi uma audiência à equipe de coordenação da campanha do candidato comunista Zyuganov. Para minha surpresa, percebi que temos um Partido Comunista extraordinariamente modificado. Viktor Ilitch, Deputado do Partido Comunista há 40 anos, que se apresenta como um peessedebista socialdemocrata do Brasil, assegura-me que a vitória eleitoral este ano não tem nenhuma importância, porque quem ganhar a eleição não ganhará o poder e não governará a Rússia. E que o Partido Comunista, mais do que com as eleições, preocupava-se com uma legislação que garantisse a possibilidade de participação efetiva das minorias de todos os Partidos no Congresso Nacional. Percebo, então, que Guennadi Zyuganov, que participa destas eleições, quase no empate técnico com Yeltsin, está - ele e seu grupo - mais preocupado em ganhar tempo. Eu diria que numa política semelhante à política de Trotski-Brest-Litovsk, quando a Rússia trocou o seu território por tempo para se reorganizar internamente. Os comunistas estão trocando, sem a menor sombra de dúvida, a possibilidade concreta do poder por tempo de reorganização política interna, reformulação ideológica. Pedem tempo para repensar a Rússia e tem, segundo verifiquei nesta entrevista com Viktor Ilitch, a consciência clara de que a velha política está superada, que a nova tem que ser reorganizada e que ninguém governa a Rússia sem uma unidade nacional.

A surpresa no processo eleitoral foram os 14,5% de votos do General Alexander Lebed. O General Lebed faz uma campanha política extremamente nacionalista, falando na reorganização da União Soviética, no restabelecimento de poderes imperiais para o Presidente da República. Um Governo forte, diz ele, e russo é o que afirma na eleição e agride de forma pesada Boris Yeltsin, que é considerado por ele, no processo eleitoral, como chefe de uma quadrilha de bandidos, de comunistas corrompidos do regime anterior e dos mafiosos do novo regime que surgiram com a Lei Seca de Gorbachev. Consegue, com esse discurso, desbancar o ultranacionalista e caricato Girinovski e faz 14,5% dos votos. Mas para surpresa do conjunto dos analistas políticos, imediatamente aderem à candidatura de Yeltsin, na qualidade indefinida de uma espécie de conselheiro militar, conselheiro de segurança, uma posição não muito clara, porque inclusive não existe na configuração constitucional que vive na Rússia de hoje.

Qual pode ser o resultado desse processo eleitoral? Os votos dos eleitores do Lebed podem não migrar para Yeltsin, e poderemos ter uma surpresa de ver Zyuganov Presidente da República no segundo turno, uma difícil surpresa, porque o bloqueio da comunicação é absoluto e os espaços da oposição quase não existem. É preciso que se leve em consideração que a Rússia não é como o Brasil de hoje, totalmente abrangida por um sistema de telecomunicações, e existem regiões e setores, principalmente da indústria naval, no Casaquistão, onde a predominância do Partido Comunista é absoluto e onde Zyuganov conseguiu, em alguns momentos, em algumas cidades, em algumas urnas, 66% dos votos nacionais.

Outro aspecto é que, embora o voto não seja obrigatório, a presença foi significativa, foi maior do que a presença dos eleitores brasileiros, onde o voto é obrigatório; a presença foi de 65% dos eleitores. Existe a possibilidade de, no segundo turno, essa presença não ocorrer com a mesma intensidade; existe a possibilidade de os jovens se desinteressarem pelo processo eleitoral, o que facilitaria um avanço da candidatura de Zyuganov.

Essa pode ser a surpresa do processo, mas saio com a certeza, que é a certeza dos analistas e de todas as pessoas que se debruçaram sobre o processo eleitoral soviético, de que ninguém governa mais a Rússia sem uma unidade nacional. A Rússia, hoje, vive de importações, não produz rigorosamente nada e troca produtos sofisticadíssimos de consumo dos grandes mercados produtores do mundo por gás e por petróleo.

Essa é a Rússia que vi hoje, uma dificílima reversão de um modelo de economia industrial-militar para um modelo de economia de consumo; uma Rússia subordinada que não se entusiasma, de forma alguma, pelos seus candidatos.

Nobre Senador Jefferson Péres, comícios do Yeltsin, não eram comícios, eram simulações para a televisão. O famoso comício de São Petersburgo foi um espetacular show de rock`n roll com mais de 50 mil jovens, onde o Yeltsin sobe no palco, por menos de um minuto, e é absolutamente ignorado pela enorme platéia. Simula um espetáculo de rock, dança desajeitadamente e produz um clipe para a televisão mundial. Um Yeltsin aberto aos novos ritmos, às novas qualidades do mundo globalizado, mas ignorado pelos 50 mil jovens.

A votação de Yeltsin não é a votação do modelo. É a votação anticomunista, é a votação do desejo de consumo, é a votação da frustração de uma população que não conseguiu, dentro do regime em que vivia, melhorar o seu padrão de vida.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Roberto Requião?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Com o máximo prazer concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Roberto Requião, seu discurso o credencia de tal modo, que, espero, em futuro não muito distante, este Senado esteja apreciando a indicação de seu nome para embaixador junto à República Federativa Russa. Como bem explanou V. Exª, o eleitorado russo chegou a uma situação tão difícil, por falta de opções, que Zbigniew Brzezinski, conhecido Deputado analista internacional dos Estados Unidos, ex-assessor de Segurança, teve a seguinte frase jocosa para definir a situação do eleitorado daquele país, antes do pleito: "As eleições russas nos reservam, com certeza, duas notícias: uma boa e outra ruim. A notícia boa: os comunistas serão derrotados. A notícia ruim: Yeltsin será eleito".

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Acho que esse é um raciocínio bem típico do Zbigniew, que já foi Ministro da Defesa dos Estados Unidos. Mas trago outras boas notícias.

Notei, por parte da cúpula dirigente da campanha do Zyuganov, uma vontade muito grande de reformulações do pensamento.

O Sr. Jefferson Péres - São socialdemocratas, hoje?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Se não são socialdemocratas, seriam excepcionais atores diante de um observador internacional. Tive duas horas e meia de conversa privada com Viktor Ilitch. As posturas colocadas são de reflexão e de correção de rumos. Consideram a necessidade absoluta da volta da iniciativa, respeitam o mercado, mas não se submetem, como não devem se submeter, a essa idéia de que a globalização resolve o problema da Rússia, porque não resolve.

O que os grande países do mundo querem da União Soviética, hoje, é o gás, o petróleo e o grande mercado de consumo. Não há, dentro deste quadro de reformulação capitalista, na Rússia, nenhuma possibilidade de geração de emprego e de elevação do nível de vida da população. Existe, sim, a possibilidade já concreta da criação de uma elite que são os ladrões, os novos russos que são os velhos ladrões do regime anterior e das máfias organizadas, que consomem e desfilam com uma impunidade digna dos filmes de Eliot Ness, da década de 50 nos Estados Unidos. Mafiosos andando em Mercedes, acompanhados por outras Mercedes com seguranças armados e de mulheres belíssimas, que entram em restaurantes de hotéis, fazem despesas brutais e controlam como um governo paralelo a economia russa, enquanto que o Yeltsin é uma presença apenas incensada pelo Ocidente - talvez por um erro, assim o considerou o antigo Secretário da Defesa, responsável pela guerra do Vietnã, o famoso civil, um analista político americano mais ligado hoje aos republicanos do que aos democratas, que mostra o erro absoluto do Governo americano em empenhar-se na eleição do Boris Yeltsin. Foi assessor do Kennedy e do Richard Nixon.

O Sr. Eduardo Suplicy - Henry Kissinger.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Henry Kissinger exatamente. O Sr. Henry Kissinger já está tão esquecido e já fez tanta bobagem que a minha memória tem dificuldade em localizá-lo. O Sr. Henry Kissinger faz uma análise muito interessante do equívoco absoluto cometido pelos Estados Unidos ao apoiar o Boris Yeltsin. Enfim, o panorama é este: a possibilidade concreta - não segura, mas concreta - de uma virada no processo eleitoral e de os votos do Lebed, que chamava o Boris Yeltsin de chefe de quadrilha de bandidos, não migrarem para a candidatura do Yeltsin ou de seus eleitores não comparecerem às urnas ou comparecerem votando no Zyuganov. É uma eleição imponderável.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte?

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Roberto Requião, permita-me apenas pedir ao Presidente Lauro Campos, dada a importância do relato que V. Exª traz, maior tolerância no tempo que lhe é destinado, porque acredito que seja a vontade de todos, inclusive do Presidente, ouvir o testemunho de V. Exª sobre as eleições na Rússia.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Concedo o aparte ao nobre Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Sr. Presidente, vencido o tempo, faço apenas duas observações rápidas. A primeira, para destacar a brilhante explanação que fez o Senador Roberto Requião. Sem dúvida nenhuma, são irretocáveis o posicionamento e as colocações feitas pelo Senador. A segunda é exatamente para registrar o quão bem foi representado o Senado Federal pelo Senador Roberto Requião como observador internacional. Sem dúvida alguma, a presença do Senador Roberto Requião na Rússia enalteceu esta Casa e registrou o alto nível de representação que a política brasileira pode ter no exterior. Parabenizo V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Antes de conceder o aparte ao Senador Eduardo Suplicy, queria destacar também o apoio eficiente e absoluto que recebi da Embaixada do Brasil em Moscou. A Embaixadora Thereza Quintella demonstrou um grande conhecimento das questões russas e foi extraordinariamente eficiente no apoio que deu a este representante do Senado da República.

Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Quero cumprimentar V. Exª pela qualidade extraordinária das observações que fez nessa viagem à Rússia. A definição do destino daquele País pelo povo nessas eleições é de elevada significação para a humanidade. Depois de mais de 70 anos da Revolução de 1917, houve a abertura, a glasnost, resultando na desintegração da União Soviética. Agora, a Rússia, depois desse período, apresenta as suas primeiras eleições. Foi muito importante para nós, para mim sobretudo, saber das circunstâncias que caracterizaram as eleições. Eu não tinha uma noção clara de que os candidatos não estavam tendo oportunidades razoáveis de apresentar as suas proposições em condições de igualdade, ainda que pudesse haver vantagens para quem estivesse no Poder. Então, esse é um dado que qualifica melhor os resultados. Gostaria de saber ainda duas coisas: uma, de natureza política; e outra, de natureza econômica. Primeiro: qual o significado da tão pequena votação para Mikhail Gorbachev? O que ele significou na história? Quais foram seus méritos e quais foram os seus grandes erros, para que acabasse tendo uma votação tão inexpressiva? Teria sido, em parte, em função da pouca cobertura e a conseqüente pouca possibilidade de dizer o que pensa em seu próprio país, onde já foi o primeiro mandatário? Ou teria sido realmente resultado dos erros por ele cometidos? Segundo os russos, foram de tal monta seus erros que ele alcançou a insignificante votação de menos de 1% depois de ter sido Presidente? Segundo, gostaria de saber a sua impressão pessoal sobre o grau de organização da economia. Obviamente, se V. Exª foi a outros lugares além de Moscou, talvez pudesse nos dizer se há diferenças significativas da qualidade da economia da Rússia hoje.

O SR. PRESIDENTE (Lauro Campos) - Nobre Senador Roberto Requião, gostaria de comunicar a V. Exª que, infelizmente, o tempo regimental de V. Exª já se encontra esgotado há quase dez minutos.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Usando da sua generosidade, vou tentar encerrar no espaço de tempo mais breve possível.

Inicialmente, nobre Senador Eduardo Suplicy, não há liberdade de comunicação para os candidatos na Rússia. Os comunistas dificilmente poderiam reclamar disso depois de 67 anos de monopólio absoluto. Agora recebem, sem sombra de dúvida, o troco.

O ex-Presidente Gorbachev está completamente desmoralizado, porque feriu fundo os sentimentos nacionais da Rússia. Arrasou as noções de pátria, de soberania e de nação e submeteu-se a uma abertura sem nenhuma firmeza.

Faço aqui uma observação polêmica. Acho que a história do Brasil reserva para o Presidente Fernando Henrique Cardoso o mesmo prestígio que o ex-Presidente Russo Gorbachev teve nessas eleições.

As características são as mesmas: falta de firmeza num projeto, falta de um projeto nacional, falta de projeto agrícola, falta de projeto industrial e um alinhamento absoluto a um projeto de globalização que só interessa às grandes potências.

O ex-Presidente Gorbachev é desprezado por isso. Foi um Presidente fraco, titubeante e que viabilizou a abertura submetendo-se aos interesses internacionais. Nunca pensou num projeto nacional russo de revisão do comunismo, mas submeteu-se e submeteu a Rússia a uma modificação que poderia ser feita à moda do velho guerreiro Ramos, com a criação de uma estrutura paralela que seria progressivamente ampliada à medida que a estrutura antiga iria sendo substituída.

O Gorbachev desorganizou a Rússia do ponto de vista político, nacional e industrial. A economia russa está completamente desmontada. Os estaleiros estão parados. Era uma economia industrial-militar que não encontrava mais espaço no mundo de hoje. A dificuldade de reconversão de uma economia industrial-militar para uma economia de bens de consumo e de grande absorção de mão-de-obra é absoluta.

Mais do que uma economia industrial-militar, era uma economia industrial-militar de tecnologia de ponta, o que significa automação e baixo emprego de mão-de-obra, ressalvada a construção naval. A Rússia hoje não produz nada. Senador Eduardo Suplicy, V. Exª não encontra um produto russo numa loja russa.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Ouço V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Nobre Senador Roberto Requião, hoje V. Exª está tendo oportunidade de contar, em nosso plenário, com admiradores seus. Na tribuna de honra, encontram-se o Deputado Almino Affonso e o Dr. Hélio Silveira, que acompanham detidamente o problema da União Soviética. Recordo-me de um livro do Deputado Almino Affonso onde S. Exª, quando retornando do exílio, lembra que nem o regime socialista nem o capitalista tinham sabido ser autênticos. V. Exª agora demonstra que vale a pena corrigir o que se diz de viagens de parlamentares. A análise que faz V. Exª, Senador Roberto Requião, demonstra que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional estava certíssima quando, por unanimidade, escolheu V. Exª para acompanhar o problema eleitoral na Rússia.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - A minha sugestão, inclusive, ao Presidente do Senado, Senador José Sarney, foi de que enviasse um outro Senador para acompanhar o segundo turno das eleições.

O Sr. Bernardo Cabral - Veja, Senador Roberto Requião, que além do privilégio da presença desses dois, V. Exª tem, na tribuna de honra, dois ex-Presidentes da Ordem dos Advogados do Distrito Federal, os advogados Amaury Serralvo e Lacerda Neto. As manhãs das sextas-feiras, tanto na Câmara quanto no Senado, formam uma espécie de velório. Hoje, não. Com o início do discurso do eminente Senador Lauro Campos e, agora, com o de V. Exª, se dá a idéia de que os Parlamentares não são aquilo que lá fora se propala, se comenta; são Parlamentares sérios. Quero cumprimentá-lo pela análise que V. Exª trouxe.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Obrigado, Senador Bernardo Cabral.

Concluindo, Sr. Presidente, tenho um vaticínio, tenho uma conclusão com referência a essa viagem de observação. O Partido Comunista volta ao Poder na Rússia, porque a expectativa é de que, mesmo ganhando a eleição, Yeltsin, neste momento, não terá nenhuma condição de governo e a única força organizada, no caos que se estabeleceu no território da República Russa, é o Partido Comunista.

Espero que, se voltar ao Poder, volte conforme as diretrizes de inteligente reciclagem que, em entrevista rápida, me expôs o coordenador da campanha do candidato comunista Guennadi Zyuganov, Viktor Ilitch: volte com uma visão nova, construtiva, acreditando no pluripartidarismo e no processo democrático.

Mas não tenho a menor dúvida de que, se os comunistas perdem a eleição neste momento, estão perdendo como aparentemente perderam em Brest-Litovsk. Naquela ocasião, a Rússia cedeu espaço para ganhar tempo. Agora, o Partido Comunista cede o Poder para ganhar tempo de reflexão e reorganização.

Não vejo nenhuma outra força política, na anarquia em que se transformou o território russo, com possibilidades de vir, em prazo curto, a assumir o Poder na Rússia.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/1996 - Página 11068