Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O DESEMPENHO DA ECONOMIA BRASILEIRA NO SEGUNDO ANO DE EXISTENCIA DO PLANO REAL. APELO AO GOVERNO PARA QUE PROPORCIONE CONDIÇÕES DE IGUALDADE A INDUSTRIA NACIONAL FRENTE A COMPETIÇÃO ESTRANGEIRA.

Autor
Fernando Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Fernando Luiz Gonçalves Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE O DESEMPENHO DA ECONOMIA BRASILEIRA NO SEGUNDO ANO DE EXISTENCIA DO PLANO REAL. APELO AO GOVERNO PARA QUE PROPORCIONE CONDIÇÕES DE IGUALDADE A INDUSTRIA NACIONAL FRENTE A COMPETIÇÃO ESTRANGEIRA.
Aparteantes
Josaphat Marinho, José Alves, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/1996 - Página 11886
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • EFICACIA, ESTABILIDADE, PLANO, REAL, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA ADMINISTRATIVA, AJUSTE, POLITICA PREVIDENCIARIA.
  • NECESSIDADE, RACIONALIZAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, SUPRESSÃO, IMPOSTOS, OBJETIVO, MELHORIA, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, INDUSTRIA NACIONAL, MERCADO INTERNACIONAL, AUMENTO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO NACIONAL.
  • IMPORTANCIA, AJUSTE, JORNADA DE TRABALHO, SALARIO, CONFLITO COLETIVO DE TRABALHO, APLICAÇÃO, SOLUÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. FERNANDO BEZERRA (PMDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o segundo aniversário do Plano Real, completado na semana passada, oferece-nos a oportunidade de uma reflexão sobre o recente desempenho da economia brasileira. E, mais que isso, estimula-nos a uma observação ponderada sobre a conduta das lideranças políticas do País para a consolidação desse processo, que, segundo as pesquisas de opinião, tem hoje a aprovação de mais de 70% da população.

É inegável que, decorridos 24 meses do Plano, as taxas de inflação não apenas se mantêm em níveis baixos para os padrões a que o País havia se habituado, como apontam para uma redução, ainda maior, a médio prazo. A inflação deste ano para o consumidor dificilmente ultrapassará a 15%. E será uma inflação predominantemente de preços públicos, já que diversos reajustes de tarifas públicas foram e ainda serão concedidos até o final do ano.

Algumas determinantes de curto prazo - como o grau de indexação da economia e o desequilíbrio de preços relativos - apresentam, igualmente, uma evolução favorável.

Documento elaborado pela Confederação Nacional da Indústria - entidade que tenho a honra de presidir - e que foi divulgado no último fim de semana, mostra que a flexibilização da política cambial e a esperada, embora lenta, convergência dos preços dos bens não comercializáveis ajudaram a reduzir o anunciado choque dos preços relativos.

A defasagem cambial, por sua vez, segundo a análise da CNI, é compatível com a política gradual de desvalorização e não afeta a trajetória da inflação. Ainda assim, ela exige maior empenho na melhoria da competitividade brasileira, através da redução do custo Brasil e a adoção de uma política efetiva de apoio às exportações.

Quanto a indexação, a própria expectativa de inflação em queda tem reforçado um movimento contrário. Está em curso um processo gradual de desindexação da economia, em flagrante contraste com a situação que vivíamos há bem pouco tempo. A única nota dissonante nesse campo tem sido dada pelo próprio setor público, que tanto no nível federal quanto estadual e municipal insiste em adotar práticas do passado, utilizando a indexação pela inflação passada como principal critério para reajuste de seus preços.

Apesar de uns poucos detalhes que merecem reparos, portanto, os resultados são indiscutivelmente positivos. Mas é verdade, também, que eles não foram obtidos sem custos. O ajuste no setor produtivo anulou parte significativa do crescimento proporcionado, especialmente pelos ganhos salariais, com a queda da inflação. O estudo da CNI mostra que a produção do setor industrial se retraiu em quase 7%, enquanto o emprego industrial diminuiu em 6%, como contrapartida da reversão dos resultados negativos na balança comercial.

É importante notar que o ajuste atingiu de forma diferenciada os diversos segmentos industriais. Alguns setores foram beneficiados pelo crescimento da massa salarial e pelo retorno do crédito ao consumidor. Outros, entretanto, estão fortemente ameaçados pela combinação de abertura comercial, câmbio valorizado e juros ainda elevados, principalmente na ponta do tomador de recursos.

Srs. Senadores, o quadro que acabo de descrever nos remete à questão do que pode - e deve - ser feito para a consolidação definitiva do Plano de Estabilização, de modo a permitir a retomada do crescimento sustentado e a geração de renda e emprego, para atender a mais de um milhão de trabalhadores que entram a cada ano no mercado de trabalho.

As questões cruciais vinculam-se aos chamados fundamentos fiscais e aos incentivos para a competitividade do setor produtivo brasileiro. E foram poucos os avanços obtidos nessas áreas no segundo ano de existência do Plano, que nesse ponto, infelizmente, andou para trás. A forte deterioração do quadro fiscal, ocorrida em 1995, torna a busca do equilíbrio nas contas públicas, mais do que nunca, um imperativo para a condução da política econômica.

É forçoso reconhecer que as alterações necessárias para a consolidação do Plano Real dependem, essencialmente, da aprovação das reformas constitucionais mais profundas, como a tributária, a administrativa e a da previdência.

Um exemplo ilustra a importância fundamental das reformas administrativa e previdenciária: considerando apenas o Governo Federal, os gastos com pessoal e com aposentadorias aumentaram de 7% do PIB em 1988, para mais de 11% em 1995. E a tendência é que esses itens continuem a crescer. A redução do déficit público este ano, por sua vez, para cerca de 3% do PIB, está longe de ser suficiente. E não existem garantias de que será possível viabilizar nova redução, muito menos em bases permanentes.

Tudo isso não deixa dúvidas quanto ao significado das reformas para a manutenção da estabilidade do Plano Real e, por extensão, para o progresso do País, com reflexos no próprio cotidiano das pessoas.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. FERNANDO BEZERRA - Pois não, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Estou ouvindo com atenção. Creio que V. Exª convirá em que também é necessário que, aprovadas as reformas, como várias já o foram, a legislação complementar seja apresentada com rapidez. Note V. Exª que sobre algumas das primeiras reformas, as emendas foram promulgadas em agosto do ano passado e algumas propostas de leis complementares demoraram quase um ano. Fica difícil entender-se como argúi o Governo que as reformas são urgentes e não o sejam as leis complementares.

O SR. FERNANDO BEZERRA - Muito obrigado, nobre Senador. Eu quero concordar com V. Exª no que diz respeito ao atraso do Executivo no encaminhamento das regulamentações. Entretanto, refiro-me fundamentalmente à reforma administrativa e à previdenciária, que deverão contribuir de forma decisiva para o equilíbrio das contas públicas, e à reforma tributária, que é fundamental para que a indústria brasileira possa competir no mercado internacional nesta economia globalizada, desonerando sobretudo as exportações.

O Sr. Josaphat Marinho - Em boa parte concordo com V. Exª, mas permita-me lembrar - não é objetar - que a reforma tributária não teve ainda o encaminhamento devido no Parlamento porque o próprio Governo não encontrou unidade entre os seus próprios órgãos e no campo da Federação para o encaminhamento da matéria.

O SR. FERNANDO BEZERRA - Novamente concordo com V. Exª, porque sei tratar-se de matéria de extrema complexidade; entretanto, a matéria já há algum tempo tramita na Câmara dos Deputados. Tomei conhecimento de que o Relator Mussa Demes havia apresentado o seu relatório. Portanto, espero que a matéria venha à discussão, com a maior brevidade, no Senado, por sua importância para o setor produtivo brasileiro.

Tenho pleno convencimento de que sem as reformas estruturais será muito mais difícil, senão impossível, que o Plano Real obtenha os resultados desejados. E, no que depender de mim, pretendo reafirmar desta tribuna, e em todas as oportunidades que me forem oferecidas, que o Plano Real corre risco caso elas não sejam implementadas.

Sem esquecer o papel crucial representado pelas reformas, no entanto, acho que as lideranças políticas do Congresso Nacional deveriam, neste momento, dar maior atenção à disposição, já revelada pelo Executivo, de buscar avanços na legislação infraconstitucional, ou na adoção de medidas que dependam apenas de uma decisão de Governo. Em ambos os casos, certamente haverá contribuições importantes e imediatas para a competitividade do setor produtivo brasileiro e para a reativação da economia.

A racionalização do sistema tributário e a desoneração das exportações e investimentos deveriam se constituir em prioridades dessa nova estratégia do Executivo, com reflexos altamente positivos sobre a atividade econômica. Tudo indica que o Governo estaria disposto a agir para desonerar as exportações da cobrança do ICMS e do IPI.

Entretanto, de forma lamentável, o Governo, de forma incoerente com o seu discurso de redução do Custo Brasil, age junto à Câmara dos Deputados no sentido de aprovar a Contribuição Provisório sobre Movimentação Financeira, o que vem causar dificuldades cada vez maiores ao setor produtivo brasileiro, na sua capacidade de competir numa economia globalizada a que fomos jogados de forma precipitada. O ICMS é um imposto que incide em cascata e, no processo produtivo, de várias etapas - como, por exemplo, o da indústria automobilística -, nos coloca definitivamente em condições de não mais podermos competir no mercado internacional.

O empresariado brasileiro tem demonstrado exaustivamente que esse tipo de tributação coloca o Brasil em situação desvantajosa no mercado internacional, reduzindo a competitividade de nossos produtos.

A eliminação do PIS e do Cofins, na sua configuração atual, é outra medida necessária que depende apenas de lei ordinária. Trata-se de impostos em cascata - como a CPMF - que impedem a elevação da capacidade competitiva das empresas, cuja extinção não implicaria qualquer alteração nas grandes linhas da política econômica - relacionadas sobretudo a juros e câmbio - e, ao mesmo tempo, demonstraria concretamente a preocupação do Governo com o crescimento da atividade econômica.

Outra medida importante para aliviar as atuais dificuldades que o setor produtivo tem enfrentado seria a revisão dos prazos de recolhimento dos impostos em geral e a redução do valor das multas previstas por eventuais atrasos.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. FERNANDO BEZERRA - Pois não, nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Quero congratular-me com V. Exª pela coragem e propriedade com que critica em seu discurso a política econômico-financeira do Governo. Essa é a leitura que faço de seu pronunciamento. Na verdade, como Presidente da Confederação Nacional da Indústria, V. Exª deve estar realmente preocupado - como o demonstra - com o que vem acontecendo com o parque industrial nacional, principalmente com as indústrias de base, que tiveram redução de 15% em seu volume de produção. Realmente, o comportamento das indústrias de base constituem um indicador muito importante. Além disso, sabemos que as exportações - como não se pode mexer no câmbio - foram subsidiadas com R$1 bilhão. A agricultura, desmantelada, recebe R$7 bilhões. Os bancos quebrados recebem R$13 bilhões. De modo que assim se deixa o mercado atuar, mas um mercado oxigenado de cá, amparado de lá; no fim, entregues mesmo à sanha do mercado, no meu ponto de vista, se encontram apenas funcionários públicos e trabalhadores. Muito obrigado.

O SR. FERNANDO BEZERRA - Agradeço a intervenção de V. Exª. Quero dizer que salientei pontos positivos do Plano de Estabilização do Governo, tecendo críticas apenas à incapacidade de o Governo, até esse momento, dar condições de igualdade - e somente isso - para que a indústria nacional possa competir na economia globalizada.

Volto ao meu discurso, Sr. Presidente, dizendo que outra medida importante para aliviar as atuais dificuldades que o setor produtivo tem enfrentado seria a revisão dos prazos de recolhimento dos impostos em geral e a redução do valor das multas previstas por eventuais atrasos. Os órgãos arrecadadores continuam raciocinando com base na inflação e não levam em conta que a estabilidade monetária criou novas condições, nas quais não cabem os atuais prazos e tampouco a cobrança dos atuais percentuais de multa.

Finalmente, Sr. Senadores, acho importante uma referência à questão da flexibilização das relações de trabalho. O assunto foi, inclusive, objeto de propostas do Ministro da Indústria, Comércio e Turismo, Francisco Dornelles, que merecem toda atenção por parte do Governo e das lideranças políticas do País. Embora a maioria das medidas nesse campo exija reformas constitucionais, ainda há um razoável espaço para alterações positivas no campo da própria CLT.

Um dos itens que merece nossa atenção é o da jornada de trabalho. Mundialmente, a tendência é de se estabelecer jornada anual. Isso permite ajustes compensatórios nos ciclos econômicos. Quando as vendas são altas, as empresas precisam usar mão-de-obra de forma mais intensa; quando as vendas são baixas, elas podem conceder mais horas de folga. Ou seja, o conceito de "banco de horas" seria de grande utilidade para fazer esse ajuste e merece uma explicitação na legislação infraconstitucional.

O Sr. José Alves - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. FERNANDO BEZERRA - Pois não, nobre Senador José Alves.

O Sr. José Alves - Senador Fernando Bezerra, V. Exª faz uma análise clara e concisa do que seja esse momento econômico que o País atravessa. V. Exª o faz - tenho certeza - com o conhecimento, a autoridade e a responsabilidade de quem dirige a Confederação Nacional da Indústria e ocupa, para honra do Rio Grande do Norte, uma cadeira nesta Casa, o que o torna ainda mais responsável. Venho hipotecar minha irrestrita solidariedade a V. Exª, repito, pela análise clara e concisa que faz. Se falamos o quanto é fundamental a reforma tributária - a Nação também acha que ela é importante -, como podemos criar um novo imposto? São fatos com esse que entram em contradição. Quero me somar a V. Exª e, ao mesmo tempo, lembrar que o campo, que sofre bastante com o Plano Real, também se encontra em situação muito delicada, porque o Governo não oferece subsídios ao homem do campo e não lhe dá condições de competir internacionalmente. Eram essas as minhas pequenas observações. Agradeço a V. Exª o aparte.

O SR. FERNANDO BEZERRA - Agradeço a V. Exª o aparte e a generosidade dos elogios que faz. Quero dizer também que concordo absolutamente com V. Exª, porque não compreendo - e me traz certa decepção, certa tristeza - que o Governo que faz o discurso da redução do custo Brasil seja o mesmo Governo que estimula o seu crescimento ao propor ao Congresso a aprovação de um novo imposto que vai, cada vez mais, dificultar a competição da indústria brasileira no mercado internacional.

Prosseguindo, Sr. Presidente, no que diz respeito ao salário, a tendência mundial é pela remuneração mista, que combina uma parte fixa e outra variável. Nesse campo, existe uma medida provisória que instituiu a participação nos lucros ou resultados, cujas regras precisam ser urgentemente definidas com clareza, pois têm dado margem a incertezas e interpretações judiciais que modificam o espírito da medida.

No que se refere à resolução dos conflitos, também há enorme espaço infraconstitucional para se modernizarem os procedimentos utilizados pela Justiça do Trabalho, com vistas a tornar as relações trabalhistas mais dependentes de negociação do que de legislação. Essa é a trajetória a ser seguida em uma economia que se pretende moderna, na qual a legislação trabalhista deve apenas garantir as regras do jogo e não fixar os resultados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muito pode ser feito no sentido da adoção de medidas que, sem serem incompatíveis com as reformas constitucionais, permitam a eliminação de alguns focos de fragilidade para a consolidação do Plano Real e a retomada do desenvolvimento sustentado. Tudo indica que há, neste momento, espaço para isso.

Caso o Executivo confirme sua intenção de concentrar esforços nessas providências, mesmo sem recuar um milímetro da posição em defesa das reformas constitucionais, imprescindíveis para a concretização da estabilidade em longo prazo, acredito que é papel das lideranças políticas deste País buscar os meios de viabilizá-las, em benefício da Nação.

Essa é a proposta que julgo oportuno fazer desta tribuna, em momento que reputo crucial para a consolidação de um Plano de Estabilização que pretende transformar a realidade econômica de uma sociedade marcada por desequilíbrios regionais e dramáticos indicadores sociais. Espero que ela encontre acolhimento e empenho na sua viabilização por parte dos Srs. Senadores.

Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/1996 - Página 11886