Discurso no Senado Federal

ALERTANDO AS AUTORIDADES SOBRE A SITUAÇÃO DE ABANDONO E DESCASO EM QUE SE ENCONTRA A POPULAÇÃO DE IDOSOS NO PAIS.

Autor
Regina Assumpção (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/MG)
Nome completo: Regina Maria D'Assumpção
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • ALERTANDO AS AUTORIDADES SOBRE A SITUAÇÃO DE ABANDONO E DESCASO EM QUE SE ENCONTRA A POPULAÇÃO DE IDOSOS NO PAIS.
Aparteantes
Benedita da Silva, Bernardo Cabral, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 27/07/1996 - Página 13287
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ATENÇÃO, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, SOCIEDADE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, IDOSO, BRASIL, AUMENTO, PROPORCIONALIDADE, RELAÇÃO, POPULAÇÃO.
  • ESPECIFICAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, UNIDADE DE SAUDE, MUNICIPIO, BETIM (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • NECESSIDADE, POLITICA NACIONAL, DEFESA, IDOSO, GARANTIA, APOSENTADORIA, RENDA MINIMA, INCENTIVO, CONSTRUÇÃO, CENTRO COMUNITARIO, BENEFICIO, CIDADE, VELHICE.

A SRª REGINA ASSUMPÇÃO (PTB-MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o motivo da minha manifestação nesta sessão é alertar, mais uma vez, as autoridades federais, estaduais e municipais para a situação de abandono e descaso em que se encontra a população mais idosa deste País. Esse alerta também se dirige às entidades representativas das categorias de médicos, enfermeiros e assistentes sociais, encarregadas de fiscalizar o exercício profissional daqueles que tratam diretamente com grande parte desse público.

Dirijo também esse alerta à Ordem dos Advogados do Brasil e ao Ministério Público, responsáveis que são pela preservação dos direitos de cidadania destes e dos demais segmentos da população brasileira. Os idosos requerem atenção especial, por se tratar de um segmento que vem crescendo mais em relação às demais faixas etárias.

É também um apelo às universidades, pessoas e instituições que têm compromisso com a comunidade, com todos aqueles que trabalham para o desenvolvimento do ser humano e para a conquista da justiça.

O Brasil, por tantos anos detentor da imagem do país jovem e de jovens, não está preparado para a inversão da pirâmide social pelo envelhecimento de sua população. As estatísticas disponíveis são preocupantes quanto ao crescimento da população idosa no país. Encontrou-se uma denominação mais simpática e menos preconceituosa para ela: terceira idade, mas não foram criadas condições efetivas para a melhoria da qualidade de vida das pessoas dessa faixa etária.

O que podemos constatar é o abandono puro e simples daqueles cidadãos idosos situados nas camadas de menor renda, e igual desprezo, verdadeira segregação, daqueles que dispõem de renda própria ou cujas famílias têm condições de mantê-los. São degredados de luxo em casas de repouso ou em cômodos apartados do resto da família.

Embora preocupação antiga, despertou-me a atenção para o tema uma matéria publicada pelo jornal Estado de Minas na última terça-feira, dia 23, em noticiário dedicado à Semana do Idoso. A matéria informa que fiscais constataram uma série de problemas na Clínica de Repouso Nossa Senhora do Carmo, em Betim. Entre os aspectos mais graves está a promiscuidade entre os internos de diversas patologias ou patologia alguma, daqueles que ali estão apenas por não ter onde ficar e não por estarem doentes.

Segundo a reportagem do Estado de Minas, assinada pela jornalista Sandra Kiefer, estão sob o mesmo teto idosos, doentes mentais e alcoólatras. É óbvio, até mesmo para os leigos, que são situações que não podem ter o mesmo tratamento. O doente mental requer cuidado específico, totalmente diverso do que se aplica aos dependentes do álcool ou outras drogas.

Mas o absolutamente inaceitável é a convivência desse tipo de doentes com idosos saudáveis. A simples presença dos idosos nessa clínica ou casa de repouso já indica o grau de preconceito que se tem contra a terceira idade. É preciso ficar bem claro que idade não é doença. Aqueles que já não são jovens nem por isso devem ser encarados como doentes, imprestáveis ou dependentes. Ainda que eventualmente mais fragilizados pelo passar dos anos, muitas dessas pessoas têm mais disposição para o trabalho, mais capacidade de aprender e mais vontade de servir que muitos jovens.

Minha preocupação em buscar soluções para a melhoria da qualidade de vida da terceira idade assume agora caráter de emergência pela obrigação de alertar para que não se repitam novos casos como o da Clínica Santa Genoveva, do Rio de Janeiro, onde o número de vítimas do descaso e da cobiça, segundo a imprensa, já chega a 200.

Não sou a primeira, e certamente não serei a última, a abordar esse tema nesta Casa. Outros já o fizeram, até com mais brilho. O caso lamentável e dramático registrado no Rio de Janeiro certamente não é único: outras casas de horrores, sem dúvida, estão em pleno funcionamento em outros pontos do País.

Entendo que soluções simples, de baixo custo, podem ser adotadas para que tais fatos não se repitam. Mas o importante agora é que o Brasil passe a ter efetivamente políticas públicas voltadas para a terceira idade, para que essa possa ser, em breve, chamada até de melhor idade, aquela em que o cidadão, já tendo prestado sua contribuição para a sociedade, criado filhos e netos, passe a ser encarado na plenitude de sua cidadania.

Para isso, em primeiro lugar, é necessário assegurar aos idosos aposentadorias dignas. Para aqueles já desprivilegiados por toda uma vida e que chegam à velhice sem qualquer renda, que lhes seja assegurado o direito constitucional à pensão mensal.

Não podemos, no entanto, restringir nossa atenção ao aspecto econômico, por mais fundamental que seja. É preciso que encontremos mecanismos e instrumentos para que as prefeituras, bairros, associações e organizações não-governamentais sintam-se estimulados a construir centros de convivência para idosos.

Não é necessário sofisticação para esses centros, senão conforto, e que eles, localizados estrategicamente, possam oferecer oportunidade de encontro entre os mais idosos e que desenvolvam projetos que os levem a reconquistar a própria cidadania; centros que os estimulem a participar ativamente da vida política de suas comunidades e do País.

Da mesma forma como essa impessoal figura, o chamado "mercado", já descobriu a capacidade de consumo dos mais velhos e trabalha ativamente para lhes oferecer opções de compra e lazer, é importante que a classe política veja na geração da terceira idade um contingente crescente de votos.

Talvez essa realidade venha a despertar a única coisa que realmente fará com que se promovam as profundas mudanças necessárias: vontade política de mudar. É indispensável, pensando num futuro bastante próximo, que sejam oferecidas aos mais idosos, aos que estão saindo do mercado formal de trabalho, oportunidades efetivas de acesso a cursos reabilitadores e conscientizadores.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª REGINA ASSUMPÇÃO - Tem V. Exª o aparte, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senadora Regina Assumpção, primeiro, quero louvá-la pela oportunidade do seu primeiro pronunciamento na Casa. Quero até assinalar, com franqueza, o seu bom senso. Aqui chegando, não se precipitou em falar; buscou, primeiro, conhecer as práticas da Casa para falar com a naturalidade com que o faz neste instante. Por outro lado, permita que destaque a importância do pronunciamento. V. Exª trata do problema fundamental do País ou de qualquer país: o ser humano, e o ser humano na idade em que precisa de ajuda e de auxílio. Vale dizer que, no seu pronunciamento, há uma observação valiosa: não basta crescimento econômico, porque só há desenvolvimento real quando a política se faz na direção de proteger a pessoa humana. Essa é a grande essência do desenvolvimento sociopolítico no nosso tempo. É o que o seu discurso salienta, pelo que a cumprimento.

A SRª REGINA ASSUMPÇÃO - Muito obrigada, Senador Josaphat Marinho.

A Srª Benedita da Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª REGINA ASSUMPÇÃO - Com prazer, ouço V. Exª.

A Srª Benedita da Silva - Senadora Regina Assumpção, estava aguardando o final do seu discurso para solicitar-lhe o aparte. No entanto, o Senador Josaphat Marinho, com brilhantismo, antecipou-se. Não o fiz antes porque sei que V. Exª ocupa, pela primeira vez, a tribuna para fazer o seu discurso. Isso me fez lembrar o dia em que cheguei à Câmara dos Deputados e, como V. Exª, aguardei um tempo propício para me pronunciar. Pensei que, pela minha prática cotidiana de falar para multidões - todo protestante vive esta experiência de falar em praça pública ou nos púlpitos das igrejas em que se encontra, para 500 a 1.000 pessoas no mínimo -, seria fácil ocupar a tribuna. Contudo, no dia do meu primeiro discurso, tive uma forte tremedeira, mas me mantive firme, porque os meus Pares estavam lá me ouvindo, todos de pé. Eu estava nervosa, mas não queria deixar transparecer o meu nervosismo. Pedi a Deus que não permitisse que ninguém solicitasse um aparte antes que eu chegasse ao final do meu discurso; a partir dali, poderiam dizer o que bem quisessem. Hoje, lembrando-me desse dia - espero que não esteja acontecendo o mesmo com V. Exª -, preferi aguardar o final de seu discurso para aparteá-la. No entanto, já que o Senador Josaphat Marinho, repito, com brilhantismo, aparteou-a, tomei a coragem de também fazê-lo. Estou acompanhando o pronunciamento de V. Exª, que, como já disse o Senador Josaphat Marinho, é equilibrado, com o conteúdo perfeito para o momento, porque V. Exª aborda a questão social no País. A terceira idade não está colocada como prioridade, pois não existe vontade política para isso. Temos uma Constituição - mais uma vez, cito o Senador Bernardo Cabral, que sabe disso perfeitamente - que dá a cada um de nós, do Executivo ao Legislativo, e aos familiares, a responsabilidade do cuidado com a terceira idade. Não podemos ter assistência social apenas na base do clientelismo ou do fisiologismo, mas, sobretudo, como um direito do cidadão. A criança e o idoso no Brasil praticamente não têm cidadania; situam-se nas extremidades, e é preciso que haja vontade política para fazer cumprir as garantias colocadas na Constituição. Essa não é apenas uma preocupação diferenciada, Senadora Regina Assumpção, mas, sobretudo, a garantia da continuidade da espécie humana, não a vendo somente como um instrumento de prestação de serviço; por isso, a necessidade dessa preservação e, no campo social, a assistência diferenciada que garanta essa continuidade; daí, a prioridade para as crianças; devemos dar ao idoso, depois dele ter sido o grande instrumento de produção, o direito de continuidade, produtiva, sim, mas que também esteja socialmente integrado. Pois é um erro, um equívoco, pensar que a terceira idade signifique inutilidade, que não produza mais. Talvez não possa produzir - estou falando da relação de trabalho -, dependendo da profissão que exercia anteriormente, mas há toda uma necessidade, dentro do campo social, do aproveitamento da reserva de conhecimento intelectual da terceira idade, no sentido de que o idoso possa se adequar a uma nova condição, relativamente a sua profissão. Essa é uma das principais questões que deveríamos abordar com relação ao direito à cidadania. Por outro lado, Senadora Regina Assumpção, costumamos excluir a terceira idade da convivência, que é necessária, a qual se caracteriza por uma família integrada; tiramos do idoso essa participação, que é secular. Outra questão fundamental refere-se ao calor humano. Ao idoso nega-se até a prática amorosa, porque há o terrível equívoco de que ele já não pode ter atividade sexual. No entanto, há necessidade de que também se dê a ele esse espaço, que é garantido pela natureza, e que nós, tecnicamente, tiramos dele. São questões que precisam estar no consciente de quem verdadeiramente faz e aplica a lei, pois é sobretudo uma questão humana. Não é uma questão de direitos humanos, mas uma questão humana, das nossas relações de pessoa para pessoa. Portanto, V. Exª, com muita propriedade, enfoca esse assunto, sobre o qual muito bem outros já se pronunciaram, talvez não com tanto brilhantismo quanto V. Exª. Espero que no Senado Federal V. Exª e tantos outros possam dar continuidade à discussão de tema de tão grande importância. Espero também que possamos traduzir esse nosso discurso numa prática concreta da sociedade brasileira. Está de parabéns V. Exª por seu pronunciamento.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte? Dessa maneira, V. Exª responderá aos três aparteantes de uma só vez.

A SRª REGINA ASSUMPÇÃO - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Senadora Regina Assumpção, hoje estou com muita sorte. Ouvi não o discurso inaugural da Senadora Benedita da Silva numa câmara legislativa - pois é egressa da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro -, mas ouvi o seu discurso de estréia na Câmara, e hoje ouço o de V. Exª. Claro que V. Exª traz uma carga de responsabilidade que ela não trazia, qual seja a de substituir um colega seu, Senador, que hoje é Ministro da Agricultura, o nosso companheiro, o Ministro Arlindo Porto. V. Exª, portanto, como bem acentuou o Senador Josaphat Marinho, não teve pressa em fazê-lo. O aparte não tem como abordar a linha filosófica do seu discurso, porque a Senadora Benedita da Silva o fez com muita propriedade. Enfatizo a lembrança da convivência com a terceira idade, em que foi ressaltado que se trata de uma questão de pessoa humana para pessoa humana. O idoso, a terceira idade do nosso País, hoje já nem serve para vigia. Antigamente, dizia-se, quando a pessoa ultrapassava os cinqüenta anos, que podia ser convocada para vigia. Esquecem-se, por exemplo, de que na China, quando alguém quer aconselhar uma outra pessoa, pergunta se tem um velho, um idoso em casa; se não tem, a recomendação é para que trate de conseguir um. É que a maturidade dá não só o sentido humano da compreensão, da tolerância, mas também de uma convivência mais amena, de saber perdoar, de distinguir o essencial do acessório. O discurso de V. Exª é denso. Não é um discurso apenas de quem quer estrear numa tribuna para dar um recado, mas de fixar uma posição. Nesse sentido, quero cumprimentá-la.

A SRª REGINA ASSUMPÇÃO - Muito obrigada.

Precisamos fazer com que todos os departamentos e decanatos de extensão das universidades e faculdades brasileiras passem a desenvolver projetos específicos para a terceira idade. Não só para que os idosos possam eventualmente voltar ao mercado de trabalho, à vida produtiva e ao convívio social, mas para que tenham o instrumental adequado para o exercício do voto.

Se não cuidarmos dos mais idosos, com que promessas de futuro vamos acenar aos mais jovens? Como motivar a nova geração, a geração que será o amanhã, se não assegurarmos dignidade aos que já percorreram a maior parte do caminho?

Essa é, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, uma das minhas grandes dúvidas. Espero contar com a criatividade e competência dos meus pares para encontrar uma resposta, uma solução que possibilite o reencontro da cidadania àqueles que tantos serviços já prestaram e que possamos usufruir da grande experiência que acumularam.

E essa solução, tenho certeza, deve começar pelo atendimento ao idoso não mais como um apêndice do Ministério da Saúde, que não se limite a internar pessoas idosas como se doente fossem. A questão do idoso deve ser enfocada de forma multidisciplinar, congregando esforços de diversas áreas, como o Ministério do Trabalho, Ministério da Educação e Cultura, Ministério do Esporte e, principalmente, o Ministério da Previdência Social e sua Secretaria de Assistência Social. E, ao Congresso Nacional, cabe criar as condições para que esta Nação assuma a questão e que se forme a indispensável vontade política para sua solução.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/07/1996 - Página 13287