Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DO COMPARECIMENTO DO PRESIDENTE DO BANCO DO BRASIL AO SENADO FEDERAL, PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS SOBRE AS RAZÕES DO DEFICIT DA INSTITUIÇÃO.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • NECESSIDADE DO COMPARECIMENTO DO PRESIDENTE DO BANCO DO BRASIL AO SENADO FEDERAL, PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS SOBRE AS RAZÕES DO DEFICIT DA INSTITUIÇÃO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Francelino Pereira, Geraldo Melo, Jefferson Peres, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 31/07/1996 - Página 13353
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • ANALISE, PREJUIZO, BANCO DO BRASIL, QUESTIONAMENTO, INADIMPLENCIA, INEFICACIA, ADMINISTRAÇÃO, CONSENTIMENTO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CRITICA, GOVERNO, FALTA, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, DIVULGAÇÃO, IMPRENSA.

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não sendo financista, não tendo sido diretor de banco, nem bancário, entendo pouco de transações financeiras. Sou obrigado, entretanto, pelo dever da representação, a considerar as notícias que são publicadas, sobretudo as que não são contestadas e, antes, oficialmente confirmadas.

É o caso do que está ocorrendo com o Banco do Brasil. Desde a semana passada, os jornais noticiam prejuízo do Banco do Brasil. Já há meses, tive oportunidade de tratar do assunto com a devida cautela, mas, diante da informação que então circulou, de prejuízo no exercício financeiro anterior, indagava das razões desta situação: O que estava ocorrendo com o Banco do Brasil? Por que o Banco do Brasil fechava agências? Por que o Banco do Brasil demitia funcionários?

Sugeri até que a Comissão de Fiscalização e Controle convidasse o Presidente do Banco do Brasil à prestação dos esclarecimentos necessários. Afastado que estou da Comissão não sei se tal diligência foi realizada. Como quer que seja, torna-se desnecessária indagação sobre a presença ou não do Presidente do Banco do Brasil ao Senado, em função daquelas interrogações.

Assim ocorre porque agora toda a imprensa noticia a ocorrência de grave déficit do Banco do Brasil no primeiro semestre de 1996, o que é confirmado pelo Presidente do Banco. Ora os jornais aludem a R$7,8 bilhões, ora apontam importância maior. Sejam sete, oito ou nove bilhões, já a essa altura, importante não é indagar se foi o déficit de mais um ou mais dois bilhões, mas voltar-se à pergunta: Por que o Banco do Brasil entra nesse declínio? Por que assim ocorre, ao passo que bancos privados têm anunciado lucros, e grandes lucros?

Nas entrelinhas das notícias, as informações são de que o Banco do Brasil tem sido descapitalizado pela inadimplência de devedores diversos: dívidas da agricultura e outras dívidas que não são regularmente pagas.

Por que não o são? Porque o Banco não executa os devedores?

Deixa-se entrever, até, que essa situação de calamidade se vinha repetindo, desdobrando-se. A meia-voz, ouve-se dizer: "o prejuízo estava escondido debaixo do tapete". Quem o escondeu? Por que o escondeu? Por que a atual administração do Banco, que já se encontra à frente da administração pelo menos há um ano e seis meses, que é o tempo de Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, por que a administração do Banco não denunciou essa situação irregular que encontrou?

O Sr. Bernardo Cabral - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Ouço V. Exª, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Josaphat Marinho, o que é mais grave é que esses créditos de quitação duvidosa somam R$7,2 bilhões e não são apenas do setor rural; são também empréstimos feitos para a indústria e o comércio. Ora, sabemos que o Banco do Brasil não dá lucro desde o segundo semestre de 1994. Àquela altura, e os jornais registraram, havia um déficit de R$85 milhões e agora, no ano passado, o prejuízo foi de R$4,2 bilhões. Até aí, como V. Exª declara, por que não se espelhou a realidade, veja o que diz o Diretor do Banco do Brasil, textualmente: - "Não temos como fazer um lucro de oito bilhões no segundo semestre. O Banco vai dar prejuízo no exercício de 1996". Quando V. Exª, que milita, e com rara proficiência, no fórum, sabe que não havia por que se deixar isso entregue a uma indiferença, para não dizer eqüidistância, do Poder Judiciário. De modo que, com a autoridade que tem V. Exª para abordar esta matéria, quero dizer que tenho a impressão de que o Presidente da República, que foi colega de Senado de V. Exª e meu colega Constituinte, não poderá fazer ouvidos de mercador, dada a relevância da matéria.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª diz muito bem. Não há como fazer ouvidos de mercador diante da gravidade desta situação. Tanto mais grave porque não é apenas o Governo que perde. Há que atentar para a situação dos acionistas particulares do Banco do Brasil. Por que hão de ter prejuízos? Por que hão de manter ações no Banco do Brasil se naturalmente elas decaem, e decaem grandemente no mercado?

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª tem o aparte, nobre Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Josaphat Marinho, V. Exª tem toda razão. Quando o executivo do Banco Barings, em Cingapura, deu um prejuízo de US$1 bilhão ao banco, ele abalou o sistema financeiro inglês naquele país. E era um banco particular. O Banco do Brasil foi um Banco modelar, com um corpo funcional de primeira água, constituído mediante concurso público. Pelo que se noticia, ele vem acumulando, vem disfarçando, maquiando prejuízo, na forma de créditos de difícil liquidação; portanto, vem apresentando, até 1993 ou 1994, lucros fictícios, e agora, em nome da transparência, modifica os métodos contábeis e apresenta um prejuízo brutal, nos últimos 12 meses, de mais de R$9 bilhões. Como V. Exª disse, por que isso não foi anunciado antes, tão logo os atuais gestores tomaram conhecimento da situação? Por que isso não foi exposto à Nação em toda a sua crueza, nobre Senador Josaphat Marinho? É neste momento que lamento muito, nobre Senador Josaphat Marinho - não sei se é a opinião de V. Exª -, não vivermos num regime parlamentarista, no qual uma situação dessa, escandalosa, leva até à queda de um Governo.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª pondera, e pondera bem, sobre o escândalo dessa situação. A imprensa publica - o nobre Senador Bernardo Cabral há pouco lembrou - que, desde o semestre de 1994, o Banco do Brasil não lucra.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Pois não.

O Sr. Geraldo Melo - Sem querer perturbar a linha de exposição de V. Exª nem entrar na questão concreta do...

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª não perturba, esclarece.

O Sr. Geraldo Melo - Muito obrigado, nobre Senador. Eu apenas diria, como um adendo ao comentário do Senador Jefferson Péres, que, independentemente de vivermos em regime parlamentarista ou não, talvez seja o momento de cogitarmos de ampliar os mecanismos de que já dispõe o Senado, hoje encarregado, constitucionalmente, de aprovar a designação de algumas autoridades. Estranhamente, o Senado, que tem o poder de apear do poder o Presidente da República, não pode retirar a confiança ou a aprovação que deu a autoridades de hierarquia menor. Acredito que, talvez, seja o momento de discutirmos se a responsabilidade do Senado não deveria ser ampliada para incluir todas as autoridades da área financeira do Poder Executivo, e para dar ao Senado a possibilidade de comunicar ao Presidente da República que está retirando a aprovação que deu à designação de "a" ou de "b". Talvez seja o momento de se pensar a respeito disso, já que não temos o parlamentarismo a que se referiu o Senador Jefferson Péres.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - O aparte de V. Exª merece toda a consideração de minha parte, e a ele voltarei dentro em pouco, dentro da conclusão natural a que se deve chegar.

Mas eu dizia: alega-se que desde 1994 o Banco não lucrava. Não havia contestação. Ainda ontem, o jornalista Luís Nassif fazia esta observação, em sua coluna:

      Nos últimos anos, através da manipulação de balanços, o BB empurrou situação catastrófica de inadimplência, despreocupação com custos e com a rentabilidade.

E adiante diz:

      Quando um empréstimo não é pago após determinado prazo, deve ser lançado como prejuízo. Além de processo infindável de rolagem de dívidas que não seriam recebidas, o BB lançava apenas 20% dos créditos em atraso com mais de 60 dias. O restante era lançado nos 180 dias restantes, de acordo com práticas do Banco Central.

A imprensa noticia que, para confessar o seu déficit, o Banco do Brasil usou de desdobramento de valores, autorizado pelo Banco Central.

A opinião pública e os Parlamentares ficam sem ter certeza das coisas que ocorrem no Banco do Brasil.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Josaphat Marinho, permite-me um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Pois não.

O Sr. Lauro Campos - Parece-me que as coisas não podem acontecer por mera coincidência. O Senado quis cumprir as suas prerrogativas e levar a sério o seu trabalho. Para isso, tentou-se aqui constituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar esses fatos, que a cada dia demonstram ser mais graves, no Sistema Financeiro Nacional. No entanto, não pudemos fazê-lo, não pudemos criar essa CPI, fomos impedidos de fazer isso. É certo que um grande número de Parlamentares, que um grande número de Senadores subscreveu esse pedido, mas forças externas, provindas não sabemos de onde, impediram que isso se concretizasse. É também interessante - porque não pode ser mera coincidência - que o Banco Central, em vez de fiscalizar, deixou sem diretor a sua Carteira de Fiscalização, como se não quisesse responsabilizar diretamente alguém, por exemplo, o Diretor Mauch, que, depois, ex post, assumiu a direção da Carteira de Fiscalização. Depois que a porta foi arrombada, ficamos nessa situação. Neste semestre, muitos dos bancos privados apresentam 60% de lucro, o mais elevado do mundo, enquanto outros recorrem ao Proer. Dizem que o Nacional pegou dinheiro do Proer para fazer negociata com os títulos da dívida agrária, tendo uma rentabilidade fantástica com o dinheiro emprestado do Proer a preços subsidiados. Como sempre, V. Exª traz a este Senado problemas de alta relevância e os trata com grande maestria. Muito obrigado.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª, nobre Senador, traz argumentos próprios da sua competência no assunto.

Mas observava: a opinião pública e os Parlamentares ficam sem ter certeza do que realmente se verifica no Banco do Brasil...

O Sr. Francelino Pereira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Francelino Pereira - Senador Josaphat Marinho, não será preciso dizer que a Nação e todos nós temos um respeito pela postura, pela palavra e pela honorabilidade de sua vida pública. Quando V. Exª vem à tribuna, por menor que seja o número de Senadores nesta Casa, há uma preocupação com o que V. Exª fala e, conseqüentemente, uma repercussão muito forte. Se V. Exª não imagina, todos nós temos a certeza de que o que V. Exª diz é sempre considerado como uma definição, como a procura de um destino, como uma denúncia ou um aplauso - um e outro merecendo aplausos de todos nós. Ora, é preciso que se examine, a contento, a situação do Banco do Brasil. Não posso compreender - e confesso a minha falta -, que se atinja uma instituição que faz parte da história desta Nação - e, quando se escrever uma história completa da vida brasileira, algumas páginas serão dedicadas ao Banco do Brasil. Ora, o Banco do Brasil passou por uma transformação muito forte. Basta dizer a V. Exª que todo o prestígio, toda a dimensão da instituição resultou não apenas da identificação de suas administrações com a destinação nacional como também pelo fato de que toda chamada conta movimento, ou seja, todos os recursos do Tesouro passavam liminarmente pelos cofres do Banco do Brasil, reservando este para si um pequeno percentual, que, em verdade, contribuiu, ao longo da história, para a projeção e a respeitabilidade desta Casa bancária do Brasil. Por isso mesmo é que o Banco do Brasil não pode ser confundido com uma Casa meramente contábil ou mercantil, pois sempre foi visto como uma instituição bancária, mas também como uma instituição social e política, no mais alto sentido britânico da instituição. Ora, de um momento para o outro, durante a administração Funaro, retiraram do Banco a chamada conta movimento e nenhum centavo mais percorreu os caixas do Banco do Brasil. Nós, brasileiros, conduzimo-nos ao então Presidente da República, José Sarney, no sentido de que se voltasse para o desempenho do Banco, para a situação do País e que se procurasse um sucedâneo para a chamada conta movimento. Felizmente, o Presidente José Sarney, através de permanentes contatos de seus dirigentes, terminou por concordar e tomou a decisão histórica, transformando um Banco de atividade puramente mercantil numa instituição de certa forma, privada. Por quê? Porque o Banco do Brasil, a partir de determinado momento, no Governo Sarney, deixou de estar voltado para as suas atividades tradicionais e se transformou num banco múltiplo, passando a exercer todas e quaisquer atividades inerentes ao sistema bancário brasileiro. Foi, então, que ele encontrou as suas dificuldades, e aí vem a crise do Brasil, a transição que estamos vivendo, e o Banco está passando realmente por um momento difícil, mas conduzido por um cidadão e por uma equipe que merecem estima e respeito da sociedade brasileira, porque literalmente honestos e corretos. Esse é o testemunho que dou a V. Exª, no pressuposto de que tenho o dever de respeitar a opinião do nobre colega.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Senador Josaphat Marinho, peço que conclua o seu pronunciamento, porque está esgotado o seu tempo.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Estou concluindo, Sr. Presidente.

Senador Francelino Pereira, em primeiro lugar, agradeço as generosas expressões iniciais de seu aparte e permita-me acentuar que foi exatamente em nome da seriedade que vim à tribuna.

Se, porventura, alguma expressão que proferi pode ser considerada atingindo o Banco do Brasil, eu a retiro, até, porque não tive qualquer intenção neste sentido. Em verdade, o que atinge o Banco do Brasil é o déficit de 9 bilhões, agora confessado. Esse é que é o problema, indicativo de que o Banco está em decadência. Se fosse uma instituição privada iria à falência.

Concordo com V. Exª e acrescento que a minha presença nesta tribuna é para preservar a instituição, mas ela não pode ser preservada, se, em semestres sucessivos, gera déficit e déficit crescente.

O Sr. Francelino Pereira - Louvo a preocupação de V. Exª, que sabe tanto quanto nós - talvez um pouco mais ou muito mais - que o sistema financeiro de qualquer país, e particularmente o do Brasil, na situação que vivemos hoje, é extremamente delicado e não se pode abordar, sem aprofundamento nas questões financeiras do País, o problema, para que não se agrave mais. Qualquer declaração de um Senador da República pode e, se não pode, deveria influir no comportamento do mercado brasileiro. É claro que o fato de o Senado da República se reunir aqui, nesta tarde, e fazer uma crítica acerba à direção do Banco, à sua instituição financeira e aos seus negócios, afeta o mercado financeiro do País e, por isso mesmo, precisa ter também uma palavra de esclarecimento quanto ao comportamento dos homens públicos que dirigem aquela instituição.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Note V. Exª que, desde o dia 27, pelo menos, os jornais noticiam um novo déficit do Banco do Brasil. O mais elementar cuidado recomendava que, na sessão do Senado de ontem, alguém credenciado pelo Governo prestasse informações à Casa e à opinião pública.

Aguardei essa palavra. Como ela não veio, hoje ocupo a tribuna.

Disse muito bem o nobre Senador pelo Rio Grande do Norte: se estivéssemos no regime parlamentar, os esclarecimentos seriam obtidos rapidamente, porque, sendo o Governo uma projeção do Congresso, seria imperiosa a urgência dos esclarecimentos.

Estamos em um regime presidencial. Se o Governo, de pronto, como lhe cumpre, prestasse as informações, não estaríamos fazendo aqui as indagações. E, atente V. Exª, tenho feito mais indagações do que afirmações.

Ficaria imensamente satisfeito, já que o regime não é parlamentar e os esclarecimentos não são imediatos, se amanhã V. Exª, por exemplo, que já foi, se não me engano, diretor do Banco do Brasil,...

O Sr. Francelino Pereira - Não.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - ... tivesse a oportunidade - que lhe proporcionasse o Governo - de trazer a esta Casa plenas informações sobre a razão do déficit.

Não estou ainda julgando. Nem sequer fiz a pergunta que todo mundo está fazendo: qual será o destino do Presidente do Banco do Brasil, depois de dois ou três déficits sucessivos"? Como justifica o Governo a sua presença?

São esses dados que o Governo poderia mandar ao Congresso por intermédio de um de seus Líderes. São esses dados que eu e certamente a Casa, todos, esperamos. Se não vierem, evidentemente que outras providências cabem ao Senado, cabem ao Congresso, para clareza da situação que se impõe ao funcionamento do Banco do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/07/1996 - Página 13353