Discurso no Senado Federal

CONGRATULANDO-SE COM O FUNCIONARIO VICENTE FRANCISCO DO ESPIRITO SANTO, READMITIDO POR SENTENÇA JUDICIAL NAS CENTRAIS ELETRICAS DO SUL DO BRASIL S/A - ELETROSUL, DEMITIDO QUE FORA POR RACISMO, E COM OS MINISTROS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO PELA DECISÃO DE REINTEGRA-LO A EMPRESA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • CONGRATULANDO-SE COM O FUNCIONARIO VICENTE FRANCISCO DO ESPIRITO SANTO, READMITIDO POR SENTENÇA JUDICIAL NAS CENTRAIS ELETRICAS DO SUL DO BRASIL S/A - ELETROSUL, DEMITIDO QUE FORA POR RACISMO, E COM OS MINISTROS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO PELA DECISÃO DE REINTEGRA-LO A EMPRESA.
Aparteantes
Jefferson Peres, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/1996 - Página 16666
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, DECISÃO, TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST), SENTENÇA JUDICIAL, READMISSÃO, VICENTE FRANCISCO DO ESPIRITO SANTO, FUNCIONARIO PUBLICO, CENTRAIS ELETRICAS DO SUL DO BRASIL S/A (ELETROSUL), DEMISSÃO, MOTIVO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Constituição Federal elaborada em 1988 representou significativo avanço para a construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária e fraterna e do Estado Democrático de Direito no que se refere às relações raciais, ao criminalizar a prática do racismo como crime inafiançável, conforme seus artigos:

      "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

      ...

      III - a dignidade da pessoa humana;"

      "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

      XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

      XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei".

A legislação complementar, que deu forma aos crimes de racismo, é a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor, sujeitando o acusado à pena de reclusão. Portanto, desde 1989 a Justiça brasileira dispõe de instrumentos jurídicos para processar e punir o racismo. No entanto, nem sempre isso ocorre, tendo em vista inúmeros obstáculos para os registros das ocorrências, até mesmo sob a alegação da inexistência da legislação específica para esse fim, já mencionada, ou simples desconhecimento.

Não é incomum, também, a interpretação pelo Judiciário de que a prática do racismo representa "crime contra a honra", sem contar que para grande número de pessoas a lei que coíbe o racismo no Brasil ainda é a Lei Afonso Arinos, que tratava da discriminação racial apenas como mera contravenção penal.

Portanto, é com entusiasmo que recebemos a importante notícia de que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou, na tarde de segunda-feira, em Brasília, o primeiro caso de demissão por racismo que chega às portas de um tribunal superior no Brasil. Por 5 votos a 1, o TST decidiu manter o Técnico Eletrônico Vicente Francisco do Espírito Santo no quadro de funcionários da Eletrosul (empresa de eletricidade de Santa Catarina), até que o processo principal, que ainda tramita em Florianópolis, seja julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho daquele Estado. O TST decidiu pela reintegração porque entendeu que o processo principal pode estar correto em afirmar que Vicente foi forçado a deixar a empresa porque é negro.

Em março de 1992 Vicente se viu forçado a entrar no Plano de Demissão Voluntária do Governo Collor, juntamente com 1.700 funcionários da Eletrosul. Contrariado em razão da demissão, teve que ouvir do chefe de seu departamento: "O que esse crioulo quer mais, já que nós conseguimos ´branquear` o setor?". Vicente denunciou o caso e a empresa então abriu uma investigação interna. No relatório final da auditoria, seu ex-chefe admite ter dito a frase, mas jura que falou de brincadeira. Brincadeira de mau gosto essa que sacrifica a vida de pessoas, pois Vicente, aos 44 anos, ficou desempregado e teve que começar sua vida de novo.

São palavras de Vicente: "Restabeleci minha dignidade e acho que essa vitória não é só minha, mas de toda a comunidade negra". O que o Vicente, na verdade, procurava era realmente restabelecer a sua dignidade de ser humano. Ele admitia que o fato de ter saído da empresa era devido à cor da sua pele e não por uma decisão política ou mesmo administrativa.

Vale destacar, aqui, alguns trechos da decisão da Justiça do Trabalho de Santa Catarina sobre o processo, que negou provimento ao recurso da Eletrosul, que tenta, até hoje, inviabilizar a reintegração de seu funcionário.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V.Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Tem V. Exª o aparte.

O Sr. Jefferson Péres - Senadora Benedita da Silva, V. Exª faz muito bem em deixar registrada nos Anais do Senado a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que engrandece aquela Corte de Justiça. Por outro lado, veja V. Exª que o fato de um Tribunal de nível superior, constituído predominantemente de brancos, ter acolhido esse recurso e dado ganho de causa ao recorrente, indica que, embora tenhamos um longo caminho a percorrer, já avançamos muito no combate ao racismo. Esse era o registro que gostaria de fazer. Parabéns pelo seu pronunciamento.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Sem dúvida nenhuma, reconhecemos que já estamos dando grandes passos, embora ainda não tenhamos atingido o objetivo maior, que é combater e acabar com a discriminação.

Essa decisão mereceu a minha presença na tribuna para registrá-la, assim como faço quando critico qualquer ausência de manifestação de um Tribunal. Portanto, no momento em que o Tribunal acerta em sua decisão, democraticamente reconhecendo o direito de cidadania de um homem negro, tenho que vir a esta tribuna, somando-me, juntamente com V. Exª, em seu aparte, ao coro daqueles que defendem a dignidade do ser humano.

Quero, aqui, destacar alguns trechos da decisão da Justiça do Trabalho de Santa Catarina:

      "Ao permanecer o Judiciário inerte diante de situações como esta, estaria ele, sem rebouços, distanciado de sua finalidade social e constitucional. Dizer que o fato não tem relevância nesta sede processual importa, data venia, em denegar a magnitude da função judicial e em desguarnecer a sociedade.

      Tal prática, hedionda, além de ferir os princípios mais comezinhos da dignidade do homem, cuja garantia ultrapassa a lei escrita, por estar vinculada à gênese da humanidade e da sociedade, com direito natural de todos, constitui-se em ato criminoso e violador da moral, gerando o dano coletivo e individual, este também passível de indenização, nos exatos termos do art. 5º, inciso X, da Constituição federal.

      É que o sofrimento e a humilhação enfrentados pelo reconvite, não só com a perda do emprego, que importa na dignidade funcional, mas também pela decorrência discriminatória do racismo, restam imensuráveis, por impossível de restituição do statu quo ante. O sofrimento decorrente do ataque moral, sopesado, se possível fosse, gerador da amargura, estaria no rank da mais profunda dor psíquica, equiparável à perda de um ser amado.

      A dignidade do homem não tem mensuração econômica.

      Assim, mesmo que a ré não fosse uma estatal, sem qualquer dúvida, eu teria deferido o direito à reintegração, porque resta, em bom direito e a um Estado que se diz de Direito e Democrático, restabelecer sempre a dignidade de sua Carta Magna, exigindo e impondo o cumprimento de suas regras e princípios, sob pena de negar sua concreta existência e fomentar, de resto, o confronto com suas regras."

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senadora Benedita da Silva, desejo apenas somar minhas palavras ao discurso pronunciado por V. Exª, que toca num assunto que merece a atenção de todos os brasileiros. Sabemos muito bem que não se trata de uma especificidade de nosso País. Nos quatro cantos do mundo as minorias raciais, principalmente a negra, são espoliadas com uma intensidade muito maior do que a exploração a que estão sujeitos os trabalhadores brancos, os trabalhadores das raças dominantes. Portanto, quero somar a minha voz à sua, no sentido de que é merecedora dos maiores elogios. Foi corajosa a decisão de nossa Justiça, no sentido de reverter a situação criada com a demissão de um funcionário pelo único e exclusivo fato de ele ser um trabalhador negro. Aqui, V. Exª é a mais credenciada para salientar a importância dessa decisão. Parabenizo-a pelo seu pronunciamento. Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lauro Campos.

Temos encontrado no Senado Federal o apoio para iniciativas no sentido de que a nossa Justiça possa coibir essa prática.

Neste momento histórico, onde a visibilidade da temática racial adquire dimensão nacional, iniciada a partir do êxito e da mobilização provocada pela Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, ocorrida no ano passado, é importante realçar que essa decisão abre precedentes e estimula outras vítimas a recorrerem, quebrando uma rotina de discriminação e preconceito sofridos pelos negros no mercado de trabalho.

Somada a essa iniciativa da Marcha de Zumbi dos Palmares, do Movimento Negro Brasileiro, temos também ações de Governo, que constituiu um grupo interministerial para tratar dessa questão. A Fundação Palmares também trata da questão racial do País.

O Governo Federal constitui um espaço para o combate ao racismo, no sentido de que tenhamos ações afirmativas; sua voz ressoou no Brasil e internacionalmente. Há, por parte do Governo Federal, um reconhecimento de que existe no Brasil essa prática danosa do racismo e do preconceito; devemos combatê-la despidos de toda e qualquer ação emocional, contribuindo para que os cidadãos brasileiros vejam apenas uma raça - a raça brasileira; que qualquer admissão ou demissão, imotivada ou não, de um trabalhador não se faça pela cor de sua pele, mas pela sua competência ou por qualquer outro motivo, assegurando os direitos adquiridos pelos trabalhadores deste País.

Os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho estão de parabéns e merecem nosso elogio público pela sábia decisão. S. Exªs demonstraram rara sensibilidade, contribuindo para banir de vez condutas resultantes do preconceito e da discriminação racial.

Isso significa, acima de tudo, importante avanço do Poder Judiciário, pois sem as suas ações de nada adiantará a lei, porque, ao se recorrer à lei, se esta deixar de reconhecer o direito de defesa do cidadão, de nada adiantará termos uma Constituição, se não for por esse fórum executada.

Fazemos parte do fórum de execução das leis, porque não só a fizemos como a cumprimos.

Portanto, quero desta tribuna, mais uma vez, parabenizar os Ministros do TST e agradecer os apartes formulados nesta tarde pelos Srs. Senadores.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/1996 - Página 16666