Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE O ARTIGO DO JORNALISTA JOELMIR BETING, PUBLICADO NA REVISTA VEJA, SOB O TITULO:'OS PARIAS DO QUATRILHÃO', ACERCA DO PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL. PREOCUPAÇÕES COM O CRESCIMENTO DA DIVIDA PUBLICA, DEVIDO A POLITICA DE JUROS ALTOS. EXPECTATIVAS DE S.EXA. COM A UTILIZAÇÃO DA CPMF NAS ATIVIDADES PRIORITARIAS DE SAUDE PUBLICA. COBRANDO DO MINISTRO ANTONIO KANDIR A AGILIZAÇÃO DO PROGRAMA DE ESTRATEGIAS E PRIORIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE. POSICIONAMENTO CONTRARIO A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.

Autor
José Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: José Alves do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SAUDE. PRIVATIZAÇÃO.:
  • REFLEXÃO SOBRE O ARTIGO DO JORNALISTA JOELMIR BETING, PUBLICADO NA REVISTA VEJA, SOB O TITULO:'OS PARIAS DO QUATRILHÃO', ACERCA DO PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL. PREOCUPAÇÕES COM O CRESCIMENTO DA DIVIDA PUBLICA, DEVIDO A POLITICA DE JUROS ALTOS. EXPECTATIVAS DE S.EXA. COM A UTILIZAÇÃO DA CPMF NAS ATIVIDADES PRIORITARIAS DE SAUDE PUBLICA. COBRANDO DO MINISTRO ANTONIO KANDIR A AGILIZAÇÃO DO PROGRAMA DE ESTRATEGIAS E PRIORIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE. POSICIONAMENTO CONTRARIO A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.
Aparteantes
Hugo Napoleão.
Publicação
Publicação no DSF de 24/01/1997 - Página 2997
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SAUDE. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JOELMIR BETING, JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTUDO, MOTIVO, PROCESSO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, BRASIL, RESULTADO, APURAÇÃO, ORIGEM, DISPARIDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, FAVORECIMENTO, PARTE, POPULAÇÃO, CORREÇÃO MONETARIA, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, EFEITO, INFLAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • ANALISE, POLITICA, JUROS, GOVERNO, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, OBJETIVO, ESTABILIZAÇÃO, MOEDA, ESTABILIZAÇÃO DE PREÇOS, RESULTADO, DIFICULDADE, FUNCIONAMENTO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • EXPECTATIVA, EFICACIA, APLICAÇÃO, SAUDE, RECURSOS FINANCEIROS, ORIGEM, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), IMPEDIMENTO, FECHAMENTO, HOSPITAL, MELHORIA, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, PAIS.
  • COBRANÇA, CUMPRIMENTO, PROMESSA, ANTONIO KANDIR, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, AGILIZAÇÃO, PROGRAMA ESTRATEGICO DE DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE.
  • OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), MOTIVO, DESCOBERTA, JAZIDAS, OURO, COBRE, MINERIO, AREA, MINERAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, RESULTADO, NECESSIDADE, REAVALIAÇÃO, PREÇO, VENDA, EMPRESA.

O SR. JOSÉ ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, merece profunda reflexão artigo publicado recentemente na revista Veja, com o título "Os Párias do Quatrilhão", de autoria do jornalista Joelmir Beting.

Sua análise sobre as raízes da miséria e da fortuna no Brasil, segundo ele, resultante de um processo de concentração de renda que funcionou durante trinta anos no País, desafia o raciocínio dos estudiosos do assunto, tal é a provocação de sua tese.

Analisando relatório do Banco Mundial, publicado em junho último, o Brasil é situado como recordista mundial em concentração de renda, entre os 179 países relacionados, embora seja o qüinquagésimo oitavo em nível de qualidade de vida, ou índice de desenvolvimento humano do PNUD.

A equação estatística utilizada denuncia existir entre nós a mais perversa distribuição de renda do mundo, tal a distância socioeconômica entre as camadas mais pobres da população e os estratos mais privilegiados.

Ficamos atrás da África do Sul, do Zimbábue, da Índia, do Zaire, da Bósnia e do Afeganistão.

O articulista procurou, então, encontrar a verdadeira causa desse fenômeno, rebatendo as seguintes teses já levantadas por algumas correntes de pensadores, como condicionantes da miséria entre nós:

- A herança escravocrata, ou colonial, que não seria razão, porque outros países desenvolvidos também foram escravistas;

- A explosão demográfica, também não, porque já reduzimos em quase 50% a taxa de crescimento populacional nos últimos 30 anos;

- A excessiva urbanização da população também não seria causa dessas disparidades, mas sim conseqüência do êxodo rural, provocado pelo empobrecimento de parcelas significativas de nossa gente;

- A concentração de terras, que no Brasil ainda é mais alta do que a concentração de renda, pois metade das propriedades tituladas pertence a apenas 2% dos proprietários, também não explica o fenômeno;

- Nossa educação tem melhorado nos últimos anos, segundo ele, e não seria também por esta razão que chegamos a campeão mundial de concentração de renda.

Mas há, entretanto, um dado que intriga: enquanto a média mundial de participação do setor financeiro na renda nacional é de 7%, no Brasil ela chegou a 24% em 1989, isto é, quase quatro vezes superior à média mundial, e continuou crescendo, enquanto houve uma perda do salário real médio de 37%, reduzindo a participação do trabalho na renda nacional de 51%, para menos de 30%, em 1993.

Ao final, a tese que o ilustre comentarista econômico sustenta, com base em sólidos argumentos, é a de que a causa de nossa vergonhosa posição mundial em concentração de renda decorre de um período de 30 anos em que metade da população viveu beneficiada com a correção monetária e a outra metade penalizada com "corrosão inflacionária", sistema que funcionou durante este longo período, como uma matriz de transferência de renda dos mais carentes para os mais privilegiados.

A inflação, que em 1965 chegou a 32,24%, acumulou-se ano a ano, até 1994, alcançando a cifra astronômica de 1 quatrilhão e 142 trilhões por cento, em escala crescente de juros, que, ao longo do tempo, corrigia a dívida e extorquia o devedor, desvalorizando, também, a cada dia, o dinheiro que circulava nos bolsos de cerca de 52% da população de baixa renda, que são aqueles que não têm conta bancária, talão de cheque, cartão de crédito, caderneta de poupança, dólar nem dinheiro no "over".

Acredito que a Região Nordeste foi a mais prejudicada com essa situação, porque 45% dos pobres do Brasil, hoje, estão nessa Região.

A análise do comentarista é de que o rendimento real médio cresceu mais de 25% para o empregado de carteira assinada, 44% para o trabalho informal e 55% para os autônomos, o que representa uma substancial melhoria na renda da população mais carente. Vale, entretanto, lembrar que o único rendimento que não cresceu nesses dois anos foi o salário do servidor público, que continua sacrificado, mas cumprindo suas obrigações.

Ao lado dos grandes benefícios da estabilização da moeda e da contenção dos salários, que contribui para baixar os custos e os preços, existe um problema que me preocupa e sobre o qual já tive a oportunidade de me pronunciar aqui no plenário: é o crescimento da dívida pública, devido à política de juros altos, eleita pelo Governo como necessária para sustentar o plano.

Nunca, durante o período inflacionário, os juros nominais alcançaram 100% da inflação. Hoje, se considerarmos uma inflação mensal de menos de 2%, uma taxa de juros de 10% mensais, nível de cheque especial e cartão de crédito, corresponde a uma taxa de juros de cinco vezes a inflação, ou seja, 500% da inflação.

A política de juros altos dos últimos dois anos elevou a dívida pública, já infiltrada nas finanças dos Estados e Municípios, a níveis insuportáveis, o que se reflete no funcionamento da própria administração pública e no cumprimento de suas obrigações básicas.

Está entrando hoje em vigor a cobrança da CPMF, que acrescentará ao orçamento do Ministério da Saúde mais alguns bilhões de reais. O que espero, Sr. Presidente, é que esses recursos sejam bem direcionados para atividades prioritárias de saúde pública e que possam também contribuir para a recuperação e sobrevivência de instituições hospitalares que, com imensas dificuldades, vêm prestando assistência médica à população.

Em Sergipe, por exemplo, funciona, desde o início do século, o tradicional Hospital de Cirurgia de Aracaju, onde tive a honra de trabalhar como diretor do Pronto-Socorro, considerado um dos centros de excelência da região e que hoje, lamentavelmente, está ameaçado de fechamento por falta de recursos e de atenção do poder público.

O anúncio, no ano passado, de que o Governo Federal iria agilizar um Programa de Estratégias e Prioridades para o Desenvolvimento do Nordeste, com recursos da ordem de R$11 bilhões, num período de três anos, sendo 33% desses recursos já em 1996, não se concretizou nessa proporção, pois apenas uma pequena parcela foi liberada até o final do ano.

O Sr. Hugo Napoleão - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ALVES - Com muito prazer, Senador Hugo Napoleão.

O Sr. Hugo Napoleão - Eminente Senador José Alves, V. Exª faz uma reflexão séria sobre diversos aspectos da atualidade brasileira. Aborda com precisão a questão da dívida pública, a questão financeira, de uma maneira geral, a questão orçamentária. E acaba de tocar em dois pontos importantes. Primeiro, a sua esperança, que faço minha - aliás, penso que o mesmo deve ocorrer com toda esta Casa -, no sentido de que a CPMF venha, efetivamente, a colaborar para a solução dos gravíssimos problemas de saúde do nosso País. Por último, a questão do tratamento do Governo Federal, histórica, para com o Nordeste brasileiro, mormente quando se vê que uma região que detém quase 30% da população do País recebe apenas 8,6% dos investimentos da União, situação obviamente esdrúxula e desconfortável. Oxalá o discurso de V. Exª ecoe, a fim de que a nossa sofrida região tenha melhores condições de vida, saúde, educação. Quanto ao aspecto obras hídricas, que possamos vislumbrar, algum dia, a possibilidade de sermos o que realmente podemos ser: uma Canaã. Congratulo-me, em nome da Liderança do PFL, com a análise abrangente, atual e real que V. Exª faz.

O SR. JOSÉ ALVES - Agradeço a gentileza do aparte de V. Exª e o incorporo, com muita satisfação, ao nosso modesto pronunciamento.

Continuo, Sr. Presidente.

Quero aproveitar esta oportunidade para cobrar do Ministro Antônio Kandir o cumprimento da promessa feita, com grande alarde, pelo Governo Federal.

A dívida pública federal interna, que em junho de 1994 era de cerca de R$70 bilhões, pulou para R$131 bilhões em dezembro de 1996 e deverá alcançar R$165 bilhões em dezembro deste ano, o que, somado à dívida pública federal externa, deverá chegar à casa dos R$232 bilhões, segundo dados do parecer preliminar da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, montante que representa, praticamente, a metade de toda a receita prevista para o exercício de 1997.

Isso me assusta. Assusta-me, principalmente, quando um dos argumentos oficiais que circularam como justificativa para a venda da Vale do Rio Doce era de que os recursos se destinariam à amortização da dívida e déficit públicos.

Ora, o que representam uns míseros R$5 bilhões ou R$10 bilhões nesse universo de R$232 bilhões? Estimativas recentes dão conta de que só Carajás e o cobre de Salobo valem perto de US$340 bilhões. No entanto, as novas descobertas de depósitos de cobre e ouro em Carajás, divulgadas na imprensa esta semana, ampliam consideravelmente as reservas da Vale, implicando necessariamente a reavaliação do valor de seu patrimônio.

Quanto o País já investiu na Vale durante esse meio século de sua existência e funcionamento? Já li estimativa em torno de 20 bilhões. Como poderemos nos desfazer de uma empresa como a Vale do Rio Doce, que também é uma importante agência de desenvolvimento regional, cujo patrimônio em minerais alguns especialistas estimam que, somente na Amazônia, atinge a fantástica cifra de US$1,7 trilhão?

Em resumo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, embora favorável à tese das privatizações, sou terminantemente contra a venda da Companhia Vale do Rio Doce. Nesse sentido, apresentei Projeto de Lei retirando a empresa do Programa Nacional de Desestatização e espero contar com o apoio dos membros desta Casa que, como eu, são contrários à alienação da Vale, porque vai prejudicar o Brasil e o Nordeste.

Reapresentei, por dezessete vezes, emenda à Medida Provisória que trata do Programa Nacional de Desestatização, que, pelo uso abusivo desse instituto, criado para situações especiais e emergenciais, já está na 43ª reedição, sem que a respectiva Comissão tenha sido instalada, porque não há interesse de que se discuta a matéria no Congresso, razão por que transformei o objeto desta emenda em projeto de lei.

Em assim fazendo, cumpro um dever de consciência de brasileiro, de representante do Estado de Sergipe no Senado da República, de não me omitir diante de uma questão tão grave como esta, cujas conseqüências poderiam comprometer definitivamente o patrimônio público nacional, com sérios prejuízos para o País.

Depois de 30 anos de inflação e conseqüente concentração de renda e empobrecimento da população em nosso País, principalmente o agravamento da pobreza na Região Nordeste, a venda da Vale do Rio Doce e a perspectiva de continuarmos presos a uma monstruosa dívida pública, sem termos com que pagar, senão com o desenvolvimento de nossa economia e a exploração de nossas riquezas, entre elas, as minerais, seriam um ônus muito pesado para a Nação brasileira.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/01/1997 - Página 2997