Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Epitácio Cafeteira.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/1997 - Página 4093
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do Orador) - Sr. Presidente, Srªs. e Srªs Senadoras, trago a minha palavra de saudade pelo desaparecimento do nosso querido Colega, Senador Darcy Ribeiro. Falarei de improviso, haja vista não ter escrito. Sequer organizei o pensamento para dizer estas palavras, neste momento em que todos nós aqui do Senado queremos tributar nossa homenagem póstuma ao Senador Darcy Ribeiro que, não obstante ser um homem brilhante, um intelectual de grande valor, antropólogo, professor, político, educador, era um homem muito simples que tinha uma linguagem muito acessível, uma linguagem que não seguia os cânones acadêmicos. Ele, inclusive, fazia questão mesmo de extravasar aquele seu temperamento, a sua forma de ser. Recordo-me de que ele gostava de dizer - era uma pessoa muito vaidosa e confessava essa vaidade - que queria receber todas as homenagens a que tinha direito em vida; que não as guardassem para quando ele morresse. E recebeu realmente muitas homenagens em vida e está recebendo um sem-número de homenagens após o seu falecimento, inclusive vindas de pessoas insuspeitas, que talvez nem tivessem afinidade com o seu pensamento, com as suas idéias, com a sua forma de ser, com a sua conduta política.

Li um artigo, a propósito do seu desaparecimento, salvo engano, da pena do jornalista Carlos Chagas, que comumente diz, quando se perde uma figura de valor, que o País empobreceu, está mais pobre. E ele fez um jogo de palavras, dizendo que o País enriqueceu, porque a morte de Darcy Ribeiro obrigou a que muitos se debruçassem sobre a sua vida, sobre o seu pensamento, sobre a sua conduta, sobre as suas obras, sobre tudo aquilo que ele realizou em favor do povo brasileiro, em favor da educação no Brasil, com a sua atuação sempre vigilante, sempre enérgica, sempre determinada e permanente.

Era um homem inquieto, um homem muito criativo, cheio de idéias e que deixou muitas obras pelo País afora. No Rio de Janeiro, contribuiu para aquela formidável iniciativa do Governador Leonel Brizola - os CIEPs -, as escolas em tempo integral, as escolas onde a criança deve permanecer o dia todo. Lá a criança vai estudar, vai-se alimentar, vai praticar esportes, vai ter um médico e dentista. Igualmente, vai haver quem possa dar o reforço escolar para aqueles que estão em dificuldades com a aprendizagem.

Um dos últimos artigos que Darcy Ribeiro escreveu na Folha de S.Paulo foi sobre meninos de rua. E para chocar, para causar um impacto na sua denúncia sobre os meninos de rua, ele costumava dizer que isso era um absurdo, era algo que agredia a humanidade, agredia o sentido de solidariedade que deve reinar numa sociedade justa. Ele dizia: "Não vejo galinha abandonada, não vejo porco abandonado, não vejo bezerro abandonado, mas vejo crianças abandonadas". Isso é realmente algo chocante, porque esses animais todos têm um dono, têm um proprietário, têm alguém que cuida deles, mas as crianças, justamente, que mais deviam merecer a atenção, o cuidado da sociedade, são os que estão na rua, são os que estão abandonados, que estão sem escola, sem teto, sem família, sem saúde, sem educação. Esse foi seu último grito de guerra.

O Senador muito realizou, e não vou esgotar aqui o exame de todas as suas iniciativas, das suas propostas, das suas idéias, muitas delas aqui no Senado da República. Já foi citado o seu trabalho, a sua operosidade em relação às questões da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Muitos outros fatos poderiam ser lembrados: a sua luta pela reforma agrária, a defesa dos índios e, por último, o Projeto Caboclo, no qual ele se engajou, uma espécie de canto de cisne da sua longa e vitoriosa trajetória na Terra.

O Senador Darcy Ribeiro, portanto, deixa um legado enorme, um legado que é de todo povo brasileiro, que é da cultura brasileira. Ao contrário de muitos intelectuais, dados a abstrações, a teorizações, a identificar e compreender os problemas para se ausentarem das soluções, Darcy Ribeiro enfrentou-as, como Secretário e como Vice-Governador do Rio de Janeiro, como Reitor da Universidade, pondo mãos à obra e procurando dar a sua colaboração no sentido de superar, de vencer dificuldades fáticas, reais. Não se tratava, pois, de um intelectual sisudo, distante, pedante, mas de um homem com um profundo conhecimento da cultura brasileira, que não se negava a dar a sua contribuição efetiva para a solução desses problemas. 

O Sr. Epitacio Cafeteira - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador Lúcio Alcântara, uma sessão para tratar do que fez Darcy Ribeiro e do que deixou como legado ao Senado e ao Brasil, levaria vários dias. Cada um há de sacar um ângulo da sua vida. Conheci Darcy Ribeiro quando era Chefe da Casa Civil da Presidência e, durante toda a sua trajetória, até morrer, o que me impressionou muito foi que esse mesmo Darcy, que a Revolução permitiu que entrasse no Brasil para morrer, pois foi esse o sentido da aceitação de seu retorno do exílio, embora acometido de uma doença incurável, conseguiu fazer de conta que não tinha doença alguma. Prosseguiu na sua luta como se imortal fosse, pois ser imortal da Academia não lhe dava o direito de não morrer, mas ser imortal, como realmente foi, por tudo que deixou como legado para nós. Darcy Ribeiro venceu o câncer. Darcy Ribeiro, que a Revolução deixou que entrasse no Brasil para morrer, assistiu à morte da Revolução e ao seu enterro. Morreu coberto de glórias, coberto de respeito de todos os brasileiros, pois não se conhece um só de seus atos onde ele olhasse a si próprio como beneficiário. Ele sempre olhou com preocupação os seus semelhantes, como os meninos de rua que passam fome. Ele tinha uma frase antológica, em que dizia que se fosse para ser menino de favela preferiria ser menino de rua. Conheceu de perto o problema dos pobres, dos índios, dos negros. Tive, enfim, a honra de ser companheiro desse homem neste Senado Federal. Muito obrigado pelo aparte.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Epitacio Cafeteira. Pretendia concluir o meu pronunciamento destacando esse fato. Uma das maiores lições, senão a maior lição de vida deixada a todos os brasileiros, foi a forma como ele encarou a doença, como encarou a morte, como não se entregou, como se evadiu - ele era meio lúdico, meio "macunaímico" - de uma UTI para se refugiar numa casa na praia e escrever alguns livros que gostaria de deixar como mais um legado seu. E escreveu "O Povo Brasileiro" e, antes de morreu, concluiu seu livro de memórias.

Essa lição de vida é formidável e devemos incorporá-la como uma demonstração de vitalidade, de grande capacidade espiritual, de resistência ao não ceder às dores, às dificuldades de locomoção, de respiração. Enfim, para qualquer um, esses dois anos de vida após o diagnóstico da sua moléstia teriam sido anos tormentosos, de depressão. No entanto, ele venceu tudo isso e transformou esses dois anos de vida que lhe restavam num período de grandes realizações no plano político, no plano intelectual, na militância. Enfim, ele foi um exemplo que devemos cultuar como o de uma das personalidades mais fulgurantes da vida pública brasileira nos últimos anos.

O Sr. Casildo Maldaner - Permite V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA  - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Casildo Maldaner - Senador Lúcio Alcântara, gostaria de aproveitar este momento tão importante para dizer, mesmo numa frase ou duas, aquilo que o Senador Darcy Ribeiro representou como instrumento do coletivo, sempre no sentido macro, nunca personalizando, em algumas causas fundamentais como a da educação no Brasil, da questão cultural e da questão indígena entre outras. Ele vivia intensamente esses problemas. Diante disso, Senador Lúcio Alcântara, parodiando a escola de samba Viradouro, que teve como enredo "Trevas! Luz! A explosão do universo" e que foi vencedora do Carnaval no Rio de Janeiro, diria que Darcy Ribeiro vinha sendo uma luz que explodira no Brasil, em nossa sociedade. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner.

Finalizo dizendo que um desses numerosos articulistas que escreveu sobre o Senador Darcy Ribeiro diz que ele foi o mais carioca dos mineiros, pois, nascido em Montes Claros, foi para o Rio. Na verdade, tinha um temperamento, uma forma de agir e um comportamento que em nada lembra aquilo que se tem como protótipo do mineiro, ou seja, reservado e cauteloso. Pelo contrário, era um homem expansivo, um homem lúdico, um homem que não tinha peias na língua, que falava aquilo que pensava, que era uma homem estuante de vida.

Lembro-me de que certa vez Darcy Ribeiro esteve em Fortaleza a meu convite e, depois de cumprir a programação - conferências, palestras, reuniões com o Partido -, pediu para fazer um passeio de ultraleve, já doente. Então, com um amigo nosso, o Professor Flávio Torres, que tinha um ultraleve, demorou-se sobrevoando Fortaleza, o que demonstra que ele era um homem que gostava da vida. E transmitia isso a todos que se acercavam dele.

No período em que passei pelo PDT, tive o privilégio de conhecer - entre outras satisfações que tive no Partido - Darcy Ribeiro, tornar-me seu amigo e fazer com ele vários trabalhos no Senado Federal. Por isso me senti na obrigação, Sr. Presidente, de deixar aqui meu registro, que é sobretudo calcado na emoção do que pude captar de Darcy Ribeiro no período em que tive a oportunidade de com ele conviver mais de perto.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/1997 - Página 4093