Discurso no Senado Federal

TECENDO ALGUNS QUESTIONAMENTOS QUANTO A AMEAÇA QUE PESA SOBRE AS MULHERES BRASILEIRAS, A PROPOSITO DE DECLARAÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, QUE APONTOU 1997 COMO O ANO DA SAUDE. DECLARAÇÃO DA GLORIA, DOCUMENTO FORMULADO POR OCASIÃO DO OITAVO ENCONTRO INTERNACIONAL MULHER E SAUDE, REALIZADO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. COMENTARIOS SOBRE AS ALEGAÇÕES DO MINISTRO CARLOS CESAR DE ALBUQUERQUE, A RESPEITO DE SEUS OBJETIVOS EM CONTER O DESPERDICIO DE RECURSOS DESTINADOS A SAUDE E SOBRE A INCLUSÃO DE UMA MATERIA NO CURRICULO DE MEDICINA DAS UNIVERSIDADES, PARA A FORMAÇÃO DO MEDICO DE FAMILIA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • TECENDO ALGUNS QUESTIONAMENTOS QUANTO A AMEAÇA QUE PESA SOBRE AS MULHERES BRASILEIRAS, A PROPOSITO DE DECLARAÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, QUE APONTOU 1997 COMO O ANO DA SAUDE. DECLARAÇÃO DA GLORIA, DOCUMENTO FORMULADO POR OCASIÃO DO OITAVO ENCONTRO INTERNACIONAL MULHER E SAUDE, REALIZADO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. COMENTARIOS SOBRE AS ALEGAÇÕES DO MINISTRO CARLOS CESAR DE ALBUQUERQUE, A RESPEITO DE SEUS OBJETIVOS EM CONTER O DESPERDICIO DE RECURSOS DESTINADOS A SAUDE E SOBRE A INCLUSÃO DE UMA MATERIA NO CURRICULO DE MEDICINA DAS UNIVERSIDADES, PARA A FORMAÇÃO DO MEDICO DE FAMILIA.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/1997 - Página 6563
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, ESTATISTICA, AUMENTO, MULHER, DOENTE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, AMBITO INTERNACIONAL, SAUDE, MULHER, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, REIVINDICAÇÃO, DOCUMENTO, ENCONTRO, DIREÇÃO, POLITICA, SAUDE PUBLICA, MULHER.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MELHORAMENTO, GESTÃO, RECURSOS, NECESSIDADE, ATENÇÃO, FISCALIZAÇÃO, URGENCIA, IMPLEMENTAÇÃO.
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), APOIO, FORMAÇÃO, MEDICO, FAMILIA.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR, LIBERAÇÃO, RECURSOS, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA, HOSPITAL ESCOLA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero agradecer ao Senador Eduardo Suplicy por esta permuta. Hoje não estou nos meus melhores dias, mas não poderia deixar de manifestar-me, porque estou preocupada.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso disse que este seria o ano da saúde. E em função do que disse o Presidente, quero fazer alguns questionamentos aqui sobre a ameaça que pesa sobre nós, mulheres brasileiras.

Dados do Ministério da Saúde dizem que 20% das pessoas portadoras do vírus HIV são do sexo feminino; em São Paulo vive a maioria das brasileiras com Aids, 51%; no Rio de Janeiro, 14%; em Minas Gerais, 7%; no Rio Grande do Sul, 6%, e, em Santa Catarina, 4%.

Dizem também que a proporção era de uma mulher para 40 homens. Hoje, essa proporção caiu e, para cada 3 homens, temos uma mulher portadora.

Ora, se o número de mulheres brasileiras infectadas aumenta gradativamente, até o ano 2.000 teremos, então, uma portadora para cada portador. E isso me assusta, na medida em que temos dados de um órgão da ONU, a Unaids, que constatam que as mulheres entre 15 e 25 anos de idade são, na sua maioria, as portadoras.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os dados também mostram uma outra situação: que a África tem 60% dos casos de Aids no mundo, sendo que Uganda se destaca, porque para cada 6 mulheres doentes tem o inverso, ou seja, um homem portador.

É preciso que essa situação seja denunciada. Mas é preciso fazer mais do que isso. É importante destacar aqui que o que me trouxe à tribuna foi exatamente o 8º Encontro Internacional Mulher e Saúde, que aconteceu no Estado do Rio de Janeiro, no Hotel Glória. Naquela ocasião formulamos um documento, cujo nome é Declaração da Glória, do qual consta que, nos últimos três anos, tivemos avanços consideráveis na agenda do movimento de saúde das mulheres, mas que ainda é ausente, em muitos países, a perspectiva de gênero na formulação de políticas públicas voltadas para a saúde das mulheres, principalmente para a Aids.

Há também uma participação muito limitada das mulheres e não se implementou até agora o Plano de Ação da Conferência do Cairo, que foi uma das discussões mais aprofundadas e avançadas que aconteceram. A transformação do Estado e o controle do funcionamento do setor privado é uma das necessidades colocadas pelo 8º Encontro Internacional relacionadas com ganhos nos direitos de saúde das mulheres e controle sobre nossa reprodução e sexualidade.

Esse encontro se deu na América Latina e no Brasil, pela primeira vez, com a participação de 700 mulheres que trabalham na área de saúde e direitos reprodutivos, organizadas, e fazendo considerações a respeito das reivindicações do mundo feminino.

E elas viram que é preciso levar em consideração as inter-relações de gênero, de classe, de raça e etnia, porque determinadas doenças estão exclusivamente voltadas para um grupo étnico entre nós mulheres. Portanto, é preciso que haja também cuidado nos estudos e nas pesquisas feitos e nas políticas públicas voltadas para a saúde da mulher.

A Declaração da Glória destacou a necessidade da aplicação dos tratados internacionais. O Brasil tem assinado vários tratados. Agora mesmo, temos uma plataforma avançadíssima com a Plataforma de Beijing. As mulheres que lá estiveram deram uma valiosa contribuição para que se pudesse ter uma plataforma condizente com cada cultura, com cada etnia e de acordo com as necessidades diferenciadas das mulheres nos vários países do mundo. Entretanto, não vimos ainda a aplicação desses tratados internacionais.

Temos ainda que destacar a necessidade de assegurar aos direitos reprodutivos e sexuais políticas e programas, porque as cartas de intenções aí estão, os tratados formam assinados, mas não estamos visualizando essas políticas e esses programas. Devemos destacar também que a violência de gênero é uma questão de saúde pública, não podemos deixar que seja apenas uma questão de polícia, é uma questão de saúde pública a violência no que diz respeito à saúde física e mental das mulheres. Isto que se procurou discutir na Declaração da Glória, a necessidade de uma promoção, de um treinamento e de uma sensibilização para profissionais de saúde na prestação desses serviços.

Muitas vezes encontramos dificuldades, mas temos algumas administrações que, através do Conselho da Mulher em parceria com as administrações públicas, têm um projeto e um programa mais avançado; porém não encontramos pessoas com conhecimento da problemática da saúde da mulher para que possam atuar na prestação desses serviços. Por isso há necessidade desse treinamento e sensibilização para os profissionais da área.

O diagnóstico de violência doméstica já feito leva a que o sistema de saúde pública possa também intervir nas políticas educacionais voltadas à cidadania feminina.

Esses são alguns destaques do meu discurso, que, por ser um tanto longo, peço seja publicado na íntegra.

Srª Presidente, também peço que seja feito o registro da Declaração da Glória.

Eu gostaria ainda de ressaltar algumas palavras ditas pelo Governo Federal, através do Ministro da Saúde. Em cadeia nacional, o Sr. Ministro disse que vai gerenciar a saúde como uma empresa. O Ministro Carlos César de Albuquerque disse que tem uma verba para o Ministério no valor de R$21 bilhões, e tem como objetivo conter o desperdício para que investimentos cheguem ao contribuinte.

Ora, o documento do Ministério da Saúde que trata dessas diretrizes políticas para a saúde no Brasil é, na verdade, um protocolo de intenções que acreditamos, se aplicado corretamente, trará benefícios ao País. Mas nós temos uma dificuldade política enorme; vota-se recursos para a área de saúde e não conseguimos fiscalizar ou acompanhar o uso desses recursos. O Ministro disse que quer controlar os gastos com a parte burocrática do seu Ministério, como passagens aéreas, publicidade eletrônica, sem um planejamento. S. Exª, então, tomando essa atitude, vai reduzir para R$100 milhões anuais. Com essa estratégia S. Exª garante que os investimentos chegarão ao contribuinte, e assim poderá priorizar os atendimentos de assistência na tabela do SUS.

Mais uma vez, quero chamar a atenção para a questão da diferença entre o querer e o fazer, porque há muito estamos pedindo que haja uma implantação do SUS. Essa política vai descentralizar os atendimentos, centralizando os recursos e os repasses serão feitos para as regiões. Mas quando isso vai ser implementado? Porque estamos ouvindo esse discurso há muito tempo e nada tem acontecido.

Dentro da nova política, os técnicos do Ministério querem negociar com os reitores das universidades a inclusão de uma matéria no currículo do curso de Medicina, a formação do médico de família. Segundo o Ministro tal medida aumentará o atendimento às pessoas e evitará a superlotação nos hospitais.

Eu tenho cinqüenta e quatro anos, estou acostumada com o médico de família - isso é uma coisa muito antiga. O médico de família de há muito deveria ter tido uma atenção especial, porque isso não só atenderia a população de baixa renda, mas evitaria a superlotação nos hospitais. Possuímos esses mecanismos, como o médico de família, os postos comunitários, os atendimentos primários de saúde, a questão da medicina preventiva. Então, não há nenhuma novidade, e é bom que se diga.

Quando o Sr. Ministro diz que vai incluir matéria no currículo do curso de Medicina, a formação de médico de família, chamo a atenção para o atendimento nas escolas universitárias, que estão à deriva. Estou há dois anos batendo à porta dos Ministérios da Saúde e da Educação, porque independentemente da sigla partidária nós temos que ser humanos. Tenho assistido pessoas adultas morrerem nas filas esperando para fazer uma ponte de safena ou algo parecido, principalmente as pessoas de baixo poder aquisitivo e, principalmente as nossas crianças.

O Hospital Universitário do Fundão tem uma obra inacabada que pode ser concluída com apenas R$4 milhões - eu já disse isso desta tribuna -, eles poderão fazer esse atendimento de um prontocor infantil. O que está acontecendo? O ex-Ministro da Saúde não liberou esses recursos. O Ministro da Educação, com um pedido do Sr. Fernando Henrique Cardoso, o Presidente fez esse pedido para que fossem repassados esses recursos de R$4 milhões, devido ao apelo que fiz ao Presidente, dizendo da necessidade de atender a essas crianças. Isso é um crime que estamos cometendo. Quanto estamos investindo nos banqueiros? O que são R$4 milhões para o Fundão, com o fim de atender a essas crianças? Até agora os R$4 milhões não saíram. Tentei colocar algumas emendas para o Fundão, e elas não foram absorvidas. Não sei mais o que fazer. Não tenho nenhum outro interesse em arranjar R$4 milhões para o Fundão, isso sequer dá voto. Então, não é política que estou fazendo. Estou aqui como representante dos interesses do Estado, tenho um compromisso com essas crianças. Então, de novo, quero fazer um apelo aos Srs. Senadores e até mesmo aos apoiadores do Governo, para que peçam ao nosso Ministro da Saúde, Paulo Renato, para liberar esses R$4 milhões para o Fundão. Se queremos ter médico de família, se queremos incluir no Currículo de Medicina a formação desses médicos, temos também que cuidar daquilo que já temos e está inacabado.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exº, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exº fala de um item que é uma vergonha nacional: a saúde. V. Exº coloca muito bem ao dizer que aquele mastodôntico esqueleto, lá, do Fundão, podia estar servindo à população; está lá, vazio. Uma pirâmide à incompetência. V. Exº está clamando por justiça. E eu, solidário, só me preocupo com uma coisa: estamos tendo, Senadora, um surto de dengue em todo o País. Até em lugares que não têm água, como é o caso da Paraíba, tem pouca água, estamos tendo surto de dengue, e está faltando Tylenol para passar a dor. No ano passado V. Exª teve dengue e sabe o quanto dói e como se precisa de analgésico. Pois bem, esta é a situação da nossa Saúde, uma situação tão triste, que até mesmo analgésico está faltando. Solidarizo-me com o pronunciamento de V. Exª, dizendo que não é só o analgésico; temos que ver também o planejamento futuro, criando unidade. Essa unidade está criada; existem até estudantes em quantidade para trabalhar, médicos para trabalhar. Ou seja, para operar é barato. Não se consegue isso no Rio de Janeiro e nem os analgésicos para um surto de dengue. Parece que, em vez de progredir, estamos regredindo, em termos de saúde pública.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, incluindo-o para o enriquecimento do meu discurso.

São vários os fatores existentes, Senador Ney Suassuna. Estou perplexa, porque poderíamos ter tido um avanço maior nessa área. Por exemplo, o Secretário Executivo do Ministério da Saúde, Barjas Negri, destaca que não será possível, no momento, criar um sistema de melhoria salarial para os médicos, como se fez no Ministério da Educação e do Desporto, através do Fundo de Valorização do Magistério, porque a maioria dos médicos brasileiros é da rede privada de hospitais.

Ora, se o Secretário Executivo do Ministério faz tal afirmação, como poderemos garantir qualidade? Faltam remédios; ainda que os tenhamos, faltam médicos, que não querem se submeter a um salário que não dignifica, que não permite que progridam no seu conhecimento.

O Ministério definiu três formas de fiscalizar os bilhões que os Estados, os Municípios e o Governo Federal devem investir no setor de saúde em 1998.

Afirma que uma delas é utilizar os conselhos de saúde instalados nos Estados e Municípios. A outra é avançar no controle informatizado do SUS.

Ora, o Ministro já enumerou os principais sintomas que diagnosticam a saúde no País e apontam os caminhos terapêuticos para saná-los. O que está faltando senão, neste exato momento, ter uma atitude mais ousada?

Não adianta o Presidente da República dizer que só sabemos fazer críticas: estamos propondo, existe uma proposta colocada; o campo popular democrático sempre olhou com muito cuidado as áreas de educação e de saúde, em relação às quais levantamos bandeiras.

Vemos agora o Ministro dizer que dispõe de recursos limitados, que irá sanear, fazer isso e aquilo, mas ainda não definiu um programa básico para a saúde da família; no seu texto, apenas generalizou e disse que os municípios irão controlar e administrar os recursos repassados pelo Estado; sabe que é ineficiente a fiscalização de cada ato médico ou a correta aplicação de recursos pelo poder público local; portanto, o Ministério vai intensificar o trabalho das auditorias contábil e médica.

Diante de tudo isso, tendo eu e o Senador José Alves, Relator da matéria, participado de uma CPI que investigou arbitrariedades nos atendimentos aos idosos, nas santas genovevas da vida, não vimos no pronunciamento do Ministro nada que pudéssemos identificar como projeto e programa para os idosos, com relação às clínicas de apoio.

Passo a abordar a questão dos pacientes terminais.

Desta tribuna, já disse e vou repetir: estou vivendo dias terríveis, pois tenho uma irmã que está com CA, em estado terminal, a qual se encontra em casa, com enfermeira. Estamos utilizando todos os recursos possíveis para lhe dar um mínimo de tranqüilidade, a fim de que possa repousar em paz.

Isso nós estamos fazendo! Mas tenho certeza de que a maioria do povo brasileiro não tem condição para tal. É desumano não se ter um atendimento para pacientes terminais, sejam CA ou portadores de HIV. Não vimos ainda um programa para os portadores de deficiência. Já falei aqui do Hospital Universitário.

Devemos apoiar as ações do Governo Federal sem nenhum escrúpulo ideológico, desde que não se manifestem apenas por uma carta de intenções, desde que seja realmente um programa de implemento, o qual possamos discutir, para respaldá-lo.

Temos visto cartas e mais cartas de intenções, palavras de ministros e de Presidente em rede nacional, mas não temos visto essa política ser implementada.

Por isso, Srª Presidente, mais uma vez, solicito a V. Exª que determine o registro na íntegra do meu pronunciamento, porque o encontro realizado no Hotel Glória, com a participação de mais de setecentas mulheres, deu destaque à questão da saúde da mulher e trouxe uma contribuição para o Governo Federal, a fim de que seja imediatamente implememtado o PAISM e outras políticas, por intermédio do SUS, em prol da melhoria da saúde feminina brasileira.

Era o que tinha a dizer, Srª Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/1997 - Página 6563