Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE TRATA DA REFORMA ADMINISTRATIVA. POLITICA DE INTEGRAÇÃO REGIONAL PROPUGNADA PELO PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHEK. ESVAZIAMENTO DA SECRETARIA DE ASSUNTOS REGIONAIS, DESTITUIDA DE VERBAS PARA A CONCRETIZAÇÃO DE SUAS AÇÕES.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE TRATA DA REFORMA ADMINISTRATIVA. POLITICA DE INTEGRAÇÃO REGIONAL PROPUGNADA PELO PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHEK. ESVAZIAMENTO DA SECRETARIA DE ASSUNTOS REGIONAIS, DESTITUIDA DE VERBAS PARA A CONCRETIZAÇÃO DE SUAS AÇÕES.
Aparteantes
Junia Marise, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/1997 - Página 6579
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, IMPLANTAÇÃO, REFORMA ADMINISTRATIVA, REESTRUTURAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, ESTADO.
  • CRITICA, ANTERIORIDADE, TENTATIVA, REALIZAÇÃO, REFORMA ADMINISTRATIVA, EXTINÇÃO, MINISTERIO DO INTERIOR (MINTER), MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL (MIR), RESPONSAVEL, PLANEJAMENTO, EXECUÇÃO, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • ELOGIO, GOVERNO, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXECUÇÃO, POLITICA, INCENTIVO, INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, REAVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL (SEPRE), INEXISTENCIA, RECURSOS, ATENDIMENTO, MUNICIPIOS, VITIMA, CALAMIDADE PUBLICA, DESPESA, SETOR, DEFESA CIVIL.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dentro de poucos dias espero ocupar a tribuna do Senado para me deter mais aprofundadamente na proposta de emenda constitucional que tramita na Câmara dos Deputados e trata da reforma administrativa, a qual tem como Relator o nobre Deputado Moreira Franco.

Desde logo, entretanto, desejo fazer algumas considerações sobre esse tema que deve, dentro de poucos dias, tomar conta do Plenário, não apenas da Câmara dos Deputados, mas também do Senado Federal. Não se pode negar a necessidade imperiosa da implantação de uma reforma administrativa no País. Mas quero chamar a atenção para o fato de que essa reforma tem que ser de cunho nitidamente racional. Em primeiro lugar, ela deve voltar-se para a reestruturação da organização do Estado, já que tivemos, em vários governos anteriores, algumas tentativas de reforma administrativa que terminaram por extinguir ministérios e outros órgãos da administração indireta, sem uma justificativa mais plausível.

Refiro-me, por exemplo, à extinção do antigo Ministério do Interior e, posteriormente, Ministério de Desenvolvimento Regional, que era um setor do Governo Federal voltado, todo ele, para uma política de integração, uma vez que não podemos negar que, apesar de todos os esforços dos governos que se sucedem na República, a distância entre as Regiões brasileiras ainda é muito grande, notadamente no que se refere às mais pobres, como o Norte e o Nordeste, que ficam realmente muito a dever em relação ao Centro-Oeste, ao Sudeste e mesmo ao Sudoeste.

Lembro-me bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, do Governo Juscelino Kubitschek de Oliveira, que foi, sem dúvida, uma das fases portentosas da vida nacional. O ilustre mineiro tem hoje um lugar de destaque na história como um dos nossos maiores estadistas não apenas do ponto de vista político, democrata sincero que o era, conciliador por excelência, mas também como executivo, como administrador. Não fora ele e não teríamos, como sabemos, conquistado o lugar tão importante no cenário internacional, o que só aconteceu após a execução do seu célebre Programa de Metas Governamentais, do qual Brasília foi a meta-síntese, que constituiu, por assim dizer, a própria redescoberta do Brasil ou, melhor dizendo, a ocupação do Planalto Central, para que, aqui, pudéssemos fundar uma nova civilização, a civilização do cerrado, voltada para o engrandecimento do nosso País.

Pois bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi graças a Juscelino Kubitschek de Oliveira que tivemos, no Brasil, uma política de integração regional das mais importantes, de vez que coube a S. Exª não apenas a criação da Sudene, mas também da Sudam, as duas principais agências de desenvolvimento regional, para fazer crescer cada vez mais o Nordeste e a Amazônia, graças à instituição do chamado incentivo fiscal, que trouxe recursos deduzidos do Imposto de Renda para o custeio dos projetos agrícolas, agropecuários, industriais e agroindustriais nas Regiões Nordeste e Amazônica.

Posteriormente, Sr. Presidente, o que aconteceu? Não sei por que os governos que se sucederam começaram a achar que o Ministério do Interior, que era o órgão encarregado justamente não só de planejar, mas de executar a política do desenvolvimento regional, deveria ser primeiro reformulado. Criou-se, então, o Ministério do Desenvolvimento Regional, do qual foi titular o ex-Ministro Aluízio Alves, no Governo Itamar Franco. Posteriormente, tivemos a sua extinção pura e simples, sob o argumento de que o Ministério do Desenvolvimento Regional - Ministério do Interior e depois do Desenvolvimento Regional - era um antro de corrupção, onde não se fazia senão fisiologismo.

Isso é, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um verdadeiro absurdo. Se nos deixarmos levar por argumentos dessa natureza, praticamente não haveria nenhum ministério neste País, porque qualquer ministério está sujeito às forças do mal e às forças do bem.

O importante é ter, à frente de cada um, homens de responsabilidade, homens competentes e probos, como dizia Tancredo Neves ao ser eleito Presidente da República, para conduzir a coisa pública ao seu verdadeiro destino.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Humberto Lucena, V. Exª traz à análise um assunto de suma importância, principalmente para o Nordeste. Se não tivermos um plano estratégico que busque diminuir essas diferenças regionais, cada vez mais teremos o distanciamento da economia de uma Região que já é sofrida pelo clima, onde ocorreu, por gerações e gerações, um empobrecimento que levou a população a perder o seu status, tendo hoje problemas sérios. Mas, como bem disse V. Exª, não é só isso. É preciso que se reforme toda a máquina; e que se faça isso através da reforma fiscal, da reforma administrativa, da reforma da Previdência, mas sem deixar de olhar, como bem coloca V. Exª, para as áreas mais sofridas, porque não há um todo forte se há uma parte fraca. E essa parte hoje existe: Norte, Nordeste e Centro-Oeste não têm o status do restante do Sul e Sudeste. Mas é muito pior a situação do Nordeste, onde vive quase um terço da população do País, que, dia a dia, se distancia mais do restante do País. E o que é pior: no caso específico da Paraíba, em relação ao índice do desenvolvimento humano, obtido pelo PNUD, estamos em último lugar. É preciso que se crie e que se reformule para que possamos ter, pelo menos, uma homogeneidade de tratamento daqueles que, perante a lei, são iguais. Muito obrigado.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Eu que lhe agradeço, nobre Senador Ney Suassuna, pela sua participação no debate.

Devo acrescentar que, para piorar a situação, depois da extinção do Ministério de Integração Regional, criou-se no País a Secretaria do Desenvolvimento Regional, que é um órgão sui generis. Subordinado ao Sr. Ministro do Planejamento, tem como titular alguém que, por ser coincidentemente Secretário Executivo da Câmara de Desenvolvimento, passou a ter, por decisão do Senhor Presidente da República, o status também de Ministro, para efeito somente de percepção de vencimentos e outras vantagens inerentes ao cargo. O que equivale dizer que, hoje, temos como Secretário do Desenvolvimento Regional um Ministro que é subordinado a outro Ministro, o Ministro do Planejamento, o que, por si só, é algo esdrúxulo.

E essa Secretaria de Assuntos Regionais que, no momento, está entregue às boas mãos de um paraibano da categoria do Dr. Fernando Catão, ex-Secretário de Planejamento do Governo Ronaldo Cunha Lima, está inteiramente esvaziada. Basta dizer que, para o exercício de 1997, não havia sequer uma dotação orçamentária para fazer face às despesas que ocorressem no setor de defesa civil. Isto é, verbas indispensáveis para socorro das calamidades públicas.

Foi graças a um trabalho que efetuamos - junto com o Ministro Antônio Kandir e um grupo de parlamentares, entre os quais me incluí - que conseguimos abrir espaço no Orçamento Federal para um recurso da ordem de R$60 milhões, que é o que existe para ser destinado à Defesa Civil em todo o País. Agora mesmo tivemos uma calamidade no Acre, uma enchente pavorosa, que chamou a atenção de todo o País com centenas, senão milhares, de vítimas, e o Governo Federal teve que se prevalecer da edição de uma medida provisória para abrir um crédito extraordinário, porque a Secretaria de Assuntos Regionais não dispunha dos recursos indispensáveis sequer para os primeiros socorros.

A Srª Júnia Marise - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com muito prazer.

A Srª Júnia Marise - Nobre Senador Humberto Lucena, V. Exª faz uma abordagem realista de um problema que consideramos grave. Espero que as palavras de V. Exª ecoem diretamente nas hostes do Governo. V. Exª, que sempre fez a defesa intransigente do Nordeste e, particularmente, do seu Estado, está colocando o dedo na ferida de um problema que é, há séculos, considerado grave, principalmente na área social no que tange à questão do Nordeste. Em seu pronunciamento, V. Exª lembrou o saudoso Presidente Juscelino Kubitschek, que, ciente, sensível, determinado, com vontade política, percebendo as desigualdades sociais no nosso País - entre o Nordeste, Sul e Sudeste -, acabou por criar a Sudene, para que ela fosse a alavanca, a força, o anteparo, a âncora do desenvolvimento econômico e social do Nordeste para a redução dessa grande desigualdade. E, neste momento, em que o País vê crescer progressivamente a pobreza, a miséria, a fome e as dificuldades, que transformaram o problema social em uma grande chaga social, nos defrontamos com o esvaziamento de um órgão da Administração Federal, criado com o objetivo de reduzir e estancar esses problemas, principalmente na área da defesa civil, que é exatamente o problema emergencial por que passam hoje vários Estados brasileiros. V. Exª lembrou o episódio do Acre. Recentemente, 176 Municípios de Minas Gerais foram atingidos pelas chuvas do início do ano e ficaram inteiramente alagados. O Presidente da República, sob o clamor da opinião pública e da Bancada mineira - Senadores e Deputados Federais que lá estiveram no Palácio do Planalto no sentido de reivindicar socorro àqueles Municípios e àquela população flagelada, um total de 40 mil pessoas inteiramente abandonadas, sem moradia, desabrigadas, porque perderam tudo o que tinham -, valeu-se novamente de uma medida provisória, no valor de R$9 milhões, para socorrer aqueles Municípios. O fato é que famílias desalojadas continuam nas escolas, nas creches, nos centros sociais e nas entidades comunitárias, e os prefeitos continuam a reclamar das dificuldades, sem saber como resolver o problema, com o reassentamento e a construção das moradias, porque não têm recursos. A informação que eles nos passam é de que ainda não viram a cor de um centavo sequer. Portanto, Senador, cumprimento V. Exª, dizendo mais uma vez que a sua fala precisa ter eco nas hostes do Governo Federal, precisa atravessar o Senado e chegar ao Palácio do Planalto, para alertar o Presidente da República. Será que, mesmo com uma Secretaria de Desenvolvimento Regional, toda vez que ocorrer uma calamidade pública no País o Presidente da República terá que se valer de uma medida provisória, porque a Secretaria não dispõe de recursos suficientes para atender a nossa população? Cumprimento V. Exª e espero que as palavras de V. Exª tenham eco.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Grato a V. Exª, nobre Senadora Júnia Marise. Devo dizer que espero e confio que o Senhor Presidente da República - que, ainda agora, esteve no Nordeste, mais particularmente na Paraíba e no Rio Grande do Norte, e sentiu de perto os problemas da Região - reavalie a situação dessa Secretaria de Assuntos Regionais. Se, por acaso, não vier a admitir a restauração do Ministério de Integração Regional, ou melhor, do Interior - o que seria o ideal, como sempre foi a nossa tradição -, que, pelo menos, faça com que essa Secretaria, cujo titular tem status de Ministro, seja subordinada diretamente a Sua Excelência, como ocorreu no Governo Fernando Collor. E, ao mesmo tempo, coloque na estrutura dessa Secretaria alguns órgãos regionais que são da maior importância para o desenvolvimento da Região Nordeste e da região Amazônica. Sem isso, não vejo por que continuar a existir a Secretaria de Assuntos Regionais. Seria melhor extingui-la também. Sabe V. Exª que quando falo sobre este assunto não é porque está lá um paraibano como seu titular, mas pela importância que ela tem, sobretudo no que tange à defesa civil, à prestação de socorro às vítimas de calamidades públicas. Não podemos ficar numa situação como essa, à mercê da abertura de créditos extraordinários.

Vou concluir, Sr. Presidente, dizendo a V. Exª e ao Senado que, oportunamente, voltarei a me pronunciar sobre este assunto mais abalizadamente. Também pretendo abordar, com mais amplitude, a reforma administrativa, notadamente no que tange às ameaças que pairam sobre os direitos dos servidores públicos.

Entendo que podemos fazer a reforma administrativa, mas não podemos, de maneira alguma, contribuir para atingir direitos adquiridos e expectativas de direitos. Aliás, esse sempre foi o compromisso do Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, desde o momento em que Sua Excelência anunciou à Nação não só a reforma administrativa, mas também a reforma da Previdência Social.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/1997 - Página 6579