Discurso no Senado Federal

SINTESE DO RELATORIO DA COMISSÃO ESPECIAL TEMPORARIA DESTINADA A APURAR FATOS E CIRCUNSTANCIAS QUE RESULTARAM NA TRAGEDIA DA CLINICA SANTA GENOVEVA, NO BAIRRO DE SANTA TEREZA, BEM COMO NAS DEMAIS CASAS GERIATRICAS DO RIO DE JANEIRO.

Autor
José Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: José Alves do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • SINTESE DO RELATORIO DA COMISSÃO ESPECIAL TEMPORARIA DESTINADA A APURAR FATOS E CIRCUNSTANCIAS QUE RESULTARAM NA TRAGEDIA DA CLINICA SANTA GENOVEVA, NO BAIRRO DE SANTA TEREZA, BEM COMO NAS DEMAIS CASAS GERIATRICAS DO RIO DE JANEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/1997 - Página 8484
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, RESUMO, RELATORIO, COMISSÃO ESPECIAL, DESTINAÇÃO, APURAÇÃO, DENUNCIA, MORTE, IDOSO, CASA DE SAUDE, GERIATRIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CONVENIO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), COMPROVAÇÃO, PRECARIEDADE, FUNCIONAMENTO, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, DEFICIENCIA, ASSISTENCIA MEDICA, PACIENTE.
  • RECOMENDAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SETOR, SAUDE, PAIS.

JOSÉ ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 17 do corrente foi encaminhado à Mesa Diretora desta Casa o relatório da Comissão Especial Temporária do Senado Federal, instituída por conseqüência de aprovação de requerimento de autoria da Senadora Benedita da Silva, e destinada a acompanhar in loco os atos, fatos e circunstâncias que envolveram a tragédia da Clínica Santa Genoveva. Comissão esta em que me coube a relatoria e nesta oportunidade gostaria de tecer algumas considerações sobre o documento produzido.

Síntese do relatório referente ao caso Santa Genoveva.

1. Considerando as denúncias feitas pela imprensa no final de maio de 1996, sobre o aumento inexplicável dos óbitos na Clínica Santa Genoveva, que entre março e maio do ano anterior teve 38 óbitos contra 115 óbitos em igual período de 1996, foi constituída no Senado esta comissão especial pelo Requerimento nº 555, de junho daquele ano;

2. Nos dias 21 e 22 de junho de 1996 a Senadora Benedita da Silva, Presidente da Comissão, e o Relator estiveram no Rio de Janeiro, em visita ao Sindicato dos Médicos, quando mantiveram contato com a sua presidência e em companhia do seu titular, o Dr. Luiz Tenório, inspecionaram a Clínica de Saúde Gabinal, a Casa de Saúde Campo Belo, mantendo diálogo e entrevista com pacientes, chegando à Clínica Santa Genoveva, já então desativada por determinação do Ministério da Saúde, onde foram observadas as precárias condições de funcionamento. Nestes dias visitou-se também as clínicas Santa Rita e São Benedito, nelas verificando-se também aspectos de precariedade e esforços emergenciais para melhorar o aspecto devido às fiscalizações determinadas pelas autoridades, após o caso da Santa Genoveva;

3. Ao tempo em que foi criada a Comissão, já estava em andamento, auditorias e inspeções determinadas pelas autoridades de Saúde, em nível federal e estadual, bem como inquéritos na área policial e investigação por parte da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e Prefeitura Municipal;

4. Atendendo indicações desta Relatoria, a Srº Presidente desta Comissão solicitou às autoridades envolvidas na apuração dos acontecimentos os relatórios que estavam sendo produzidos por suas auditorias, e assim foram reunidos os seguintes documentos externos que muito subsidiaram a produção deste Relatório da Comissão:

a) Relatório de Gerenciamento Supervisionado na Clínica Santa Genoveva, pela Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro;

b) Relatório sobre o assunto, do Departamento de Assistência e Promoção da Saúde, do Ministério da Saúde;

c) Relatório da Auditoria da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro;

d) Depoimento de pessoas envolvidas no Inquérito, feito pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, Delegacia de Polícia de Santa Tereza;

e) Relatório de Auditoria da Coordenação Geral de Controle Avaliação e Auditoria do Ministério da Saúde;

f) Depoimentos do Dr. Mansur, Dr. Spínola e outros, na 28º Vara Criminal do Rio de Janeiro;

g) Relatório do Escritório de Representação do Ministério da Saúde do Rio de Janeiro, sobre a matéria;

h) Tabela de Procedimentos Hospitalares/AIH;

i) Tabela de Procedimentos SIA/SUS;

j) Tabela do valor total e valor médio da AIH.

A esses documentos foram juntados o Depoimento do Dr. Spínola, Diretor da Clínica Santa Genoveva, a esta Comissão, anotações recolhidas pela Assessoria do Relator e Secretaria da Comissão, além de artigos publicados na imprensa, para o estudo do assunto e produção do Relatório.

5. Além do Sócio Proprietário da Clínica, a Comissão ouviu, ainda, o Depoimento do então Ministro da Saúde, Dr. Adib Jatene e do Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Dr. Luiz Roberto Tenório, autor das denúncias que resultaram na divulgação e apuração daquela tragédia.

6. Levou-se em conta, também, para as considerações gerais e recomendações deste Relatório, os termos da perícia técnica realizada pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, no documento intitulado Gerenciamento Supervisionado na Clínica Santa Genoveva, pela abundância de informações, qualidade e critérios utilizados no processo fiscalizatório, que contou com numerosa equipe de especialistas e técnicas laboratoriais avançadas, e, ainda, o Relatório da Controladoria Geral do Município, Prefeitura do Rio de Janeiro, que sentenciou que "diante do que pudemos analisar, concluímos pela inviabilidade da aplicação de recursos financeiros à Clínica Santa Genoveva, caso ainda houvesse possibilidade de assim se proceder, tendo em vista o fechamento da mesma"; as conclusões do relatório da Comissão Especial da Assembléia Legislativa do Estado, cujas conclusões sentenciaram que "nessa Clínica, atividade médica deixou de ser humanitária e social e passou a ser apenas lucrativa" e o Relatório do Escritório de Representação do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, analisando a situação da clientela e atendimento nas clínicas, sempre apresentando incompatibilidade entre o número de leitos ativos e o número de pacientes, entre outras irregularidades, como a falta de pessoal médico e auxiliar proporcional à clientela efetivamente atendida, sendo que a ação do Ministério da Saúde, no caso, "foi a de coordenar a transferência dos doentes, tendo sido interditada a clínica descredenciada e submetida a auditoria médica e contábil, além dos processos criminais que estão sendo movidos contra os seus proprietários e responsáveis técnicos."

7. Na parte do Relatório que se refere a Considerações Gerais, analisamos a situação demográfica do País quanto à população com 60 anos e mais, atualmente com quase 12 milhões de pessoas, ou quase 8% da população, e que no ano 2.020, segundo estimativas, chegará a 33 milhões ou 15% do contingente populacional, quando, por exemplo, na França, a população idosa passou de 7% para 14% em 117 anos, aqui no Brasil este salto se dará em 26 anos, segundo análise da Divisão de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial de Saúde.

Procuramos justificar nesse relatório a imperiosa necessidade de se implantar, sob fundamentos mais sólidos, a Política Nacional do Idoso, já prevista na Lei nº 8.842, de janeiro de 1994, e que ainda se encontra em estado letárgico.

A falta de fiscalização sistemática por parte dos órgãos responsáveis da área de saúde, em nível federal, estadual e municipal, levou, no caso apurado no Rio de Janeiro, a um grande desperdício de dinheiro público quando se considera a qualidade dos serviços prestados aos idosos, o que reflete uma feição da realidade nacional no que diz respeito aos gastos com saúde.

Só essa clínica recebeu, em dois anos e meio, isto é, de 1994 a meados de 1996, cerca de 4,5 milhões, para atender a uma média de 3 mil pessoas durante o ano.

O Rio de Janeiro, com 5.000 leitos credenciados pelo SUS, a dados de 95/96, ficava com 56,6% dos recursos destinados pelo Governo aos pacientes fora de possibilidade terapêutica (FPT), recebendo, sozinho, muito mais do que São Paulo. O SUS paga 17 reais por dia de internação para paciente FPT, o que representa 551 reais por mês, mais do que o dobro da renda familiar de grande parcela da população de baixa renda, que recebe menos de dois salários mínimos.

De um modo geral, gasta-se muito dinheiro público com resultados deploráveis. A Coordenação Geral de Controle e Avaliação e Auditoria do Ministério da Saúde, em 1996, tomando como amostra 15 dentre 42 clínicas conveniadas do Rio, classificou apenas duas como boas (Casa de Saúde Santa Rita e Serviços Médicos Leopoldinenses), cinco como regulares e oito como precárias, sendo que em 13 delas foi recomendado suspender o ingresso de novos pacientes, ou transferi-los para outras unidades, descredenciando a instituição conveniada.

Entretanto, até o momento, o Ministério da Saúde não tem notícias do gestor do SUS no Rio de Janeiro, das providências tomadas com relação a essas clínicas, que serão novamente auditadas este ano.

Um dos problemas mais sérios das clínicas de atendimento a idosos é a falta de rigor na classificação dos pacientes, pois a maior parte dos atendidos nessas clínicas de apoio a pacientes fora de possibilidades terapêuticas, isto é, os crônicos e terminais (FPT), com reduzido horizonte de sobrevida, é de pessoas carentes, sem amparo familiar, e poderia ter atendimento asilar pela área da Previdência Social, onde o seu custo é de R$50,00 por mês, enquanto o SUS paga cerca de R$17,00 por dia, isto é, mais de R$500,00 por mês por esse paciente crônico.

Assim, sendo o custo de atendimento do paciente asilar menor do que o do paciente crônico, pode haver abuso por parte das clínicas, ao não fazer rigorosa seleção desse pessoal onde a fiscalização é deficitária.

Na Clínica Santa Genoveva, por exemplo, apenas 5% dos internos eram doentes crônicos (FTPs); o restante teria outra classificação, mais relacionada com atendimento asilar e carência social. Como estes pacientes teriam um horizonte maior de sobrevida, apesar da clínica ter um índice de mortalidade menor do que outras onde a densidade de pacientes FTPs era maior, na Santa Genoveva o caso foi uma calamidade certamente porque a ocorrência das mortes não resultou de problemas de doenças, e sim de contaminação e negligência.

8. Na parte de Recomendações deste relatório apontamos ao Poder Executivo providências da área competente, para que se diferencie, visando o atendimento correto, pela saúde ou Previdência Social, do "paciente com características de internação asilar", os denominados "casos sociais" daqueles que se destinam ao atendimento clínico. O Ministério da Saúde deve promover o recadastramento nacional de todas as unidades de apoio destinadas a pacientes Fora de Possibilidades Terapêuticas, definindo uma política criteriosa para o seu atendimento, inclusive apoio financeiro e orientação médica para as famílias que prefiram cuidar dos seus idosos em domicílio. O Sistema Nacional de Auditoria deverá manter em permanente atividade suas esferas estadual e municipal para que se contenham as irregularidades antes do processamento das Autorizações de Internação Hospitalar - AIHs. Os estabelecimentos fiscalizados deverão estar sob permanente vigilância das auditorias para o cumprimento das exigências e identificação daqueles de funcionamento regular e precário. Esta Comissão do Senado comprovou, de fato, o estado de precariedade da Clínica São Benedito, relacionada entre outras oito clínicas, nas quais devem ser realmente observadas as recomendações apontadas pela referida auditoria, e, inclusive, se ainda não foram cumpridas as exigências apontadas naquela ocasião, devem ser promovidos, de imediato, a transferência dos pacientes, o descredenciamento e o fechamento dessas clínicas. Recomenda-se a reavaliação da tabela do SUS, absolutamente defasada com relação ao mercado, e o aperfeiçoamento do sistema de planejamento, orçamento, fiscalização e controle, visando evitar a evasão de recursos e a perda de eficiência e resultados.

Sugerimos, também, que o Poder Executivo estude a possibilidade de garantir legalmente a aplicação de um mínimo de 5% do PIB (em torno de 40 bilhões) na área de saúde, tendo em vista que o Brasil, situado entre as 10 maiores economias do mundo, ainda é o País mais avarento em termos de gastos e recursos com a saúde da população.

9. Ao Poder Legislativo recomenda-se maior rigor na apreciação da proposta orçamentária e de créditos adicionais quando visem favorecimento a estabelecimentos de saúde, o aperfeiçoamento dos mecanismos de acompanhamento da execução do Orçamento Geral da União e o fortalecimento da Comissão de Fiscalização e Controle.

10. Ao Tribunal de Contas da União recomenda-se a realização imediata de auditorias nas clínicas apontadas nos relatórios recebidos por esta Comissão e referidos neste documento, visando a apuração de responsabilidades e o destino dos recursos, mantendo um programa de auditorias nos estabelecimentos conveniados. Ao TCU é solicitado propor meios legais e administrativos visando a aplicação de penalidades a infratores, que deverão ser identificados e levados a julgamento.

11. Finalmente, recomenda-se o envio deste Relatório aos Poderes e autoridades competentes para conhecimento e providências, quando for o caso.

Em termos gerais, esta é a síntese do relatório.

E, assim, agradecendo a confiança com que fui distinguido pela Srª Presidente da Comissão e seus ilustres membros, e prestando agora estes esclarecimentos ao Senado, considero cumprida a missão de relator que me foi atribuída.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/1997 - Página 8484