Discurso no Senado Federal

INDIGNAÇÃO DE S.EXA, COM A DESCONSIDERAÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E DO GOVERNADOR ANTONIO BRITTO, EM NÃO TE-LA CONVIDADO PARA UMA VISITA QUE REALIZARAM A CIDADE DE SANTANA DO LIVRAMENTO - RS. DIVERSAS MANIFESTAÇÕES, POR OCASIÃO DA REFERIDA VISITA, QUE DEMONSTRAM A INDIGNAÇÃO DA POPULAÇÃO AS MEDIDAS E AO DESCASO DAS AUTORIDADES QUANTO AOS PROBLEMAS DAQUELE MUNICIPIO. DEFESA DA CRIAÇÃO DE AREA DE LIVRE COMERCIO E REABERTURA DE FRIGORIFICO LOCAL.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • INDIGNAÇÃO DE S.EXA, COM A DESCONSIDERAÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E DO GOVERNADOR ANTONIO BRITTO, EM NÃO TE-LA CONVIDADO PARA UMA VISITA QUE REALIZARAM A CIDADE DE SANTANA DO LIVRAMENTO - RS. DIVERSAS MANIFESTAÇÕES, POR OCASIÃO DA REFERIDA VISITA, QUE DEMONSTRAM A INDIGNAÇÃO DA POPULAÇÃO AS MEDIDAS E AO DESCASO DAS AUTORIDADES QUANTO AOS PROBLEMAS DAQUELE MUNICIPIO. DEFESA DA CRIAÇÃO DE AREA DE LIVRE COMERCIO E REABERTURA DE FRIGORIFICO LOCAL.
Aparteantes
José Eduardo Dutra, Nabor Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/1997 - Página 9330
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, FRONTEIRA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, VISITA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REPUDIO, POLITICA NACIONAL.
  • CRITICA, GOVERNO, EXCLUSÃO, ORADOR, ACOMPANHAMENTO, VISITA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FRONTEIRA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • ANALISE, GRAVIDADE, RECESSÃO, ECONOMIA, FRONTEIRA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), FALENCIA, COMERCIO, INDUSTRIA, DESEMPREGO, DESCUMPRIMENTO, REPOSIÇÃO, SALARIO, PROFESSOR, GOVERNO ESTADUAL, DEFICIENCIA, FUNCIONAMENTO, ORGÃOS, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
  • SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE MUNICIPAL, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO, REGIÃO, FRONTEIRA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), AUMENTO, INTEGRAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

A SRª EMILIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, nesta manhã, fazer um comentário a respeito de matéria noticiada na imprensa nacional e internacional. Trata-se da visita do Presidente Fernando Henrique, juntamente com o Governador Antônio Britto, do Estado do Rio Grande do Sul, ao Uruguai. Posteriormente, S. Exªs foram até a fronteira do Uruguai com o Brasil, mais precisamente à cidade de Sant´Ana do Livramento. Esta é a cidade natal do Governador Antônio Britto e onde residi, por mais de 40 anos; onde fiz toda a minha vida pessoal, educacional e política. Enfim, a cidade que praticamente me adotou como sua filha.

Portanto, as notícias que estão nos jornais, da reação do povo brasileiro na fronteira de Sant´Ana do Livramento com a cidade de Rivera, no Uruguai, precisam, sem dúvida, de uma avaliação, até por eu ser representante legítima daquela região - não apenas de Sant´Ana do Livramento, mas, creio, de toda a região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul.

É importante, Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, que, em primeiro lugar, situemos um pouco melhor o que significa essa cidade, onde apenas uma rua, um lindo parque pertence metade ao Brasil e metade ao Uruguai; as pessoas que lá chegam podem colocar um pé no Brasil e o outro no Uruguai.

Sr. Presidente, Sant´Ana do Livramento tem o título de Fronteira da Paz. Por quê? Porque, desde o início da sua existência, conseguiu promover uma convivência fraternal entre os povos brasileiro e uruguaio. Por meio da solidariedade e de ações conjuntas, busca o seu desenvolvimento e uma vida digna para todos.

Há outras cidades da fronteira que também poderíamos citar, algumas separadas por uma ponte, mas que também estão profundamente integradas à sua história política, econômica e social. Mas vamos nos ater mais precisamente à cidade de Sant´Ana do Livramento.

Os jornais, não apenas os da minha cidade, mas os do Rio Grande do Sul e de todo o País, publicaram: "Fernando Henrique e Britto são vaiados na fronteira. Os manifestantes protestaram contra o salário dos professores, o empréstimo para a GM, a venda da Vale e o desemprego".

O que podemos dizer a esse respeito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? É lógico que houve, até poderíamos dizer, um extravasamento das emoções; houve pedras, tomates, ovos que foram atirados em direção aos Presidentes e às autoridades que lá estavam.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não estava lá, diga-se de passagem por quê: não recebi nem sequer um simples comunicado, nem do Presidente da República, nem do Governador do Estado do Rio Grande do Sul, de que estavam indo ao Uruguai e que chegariam à minha fronteira. Por isso, lá não estive.

Foi uma desconsideração, Sr. Presidente, porque S. Exªs são sabedores da minha militância, da minha participação efetiva naquele Município. Lá, exerci o cargo de Vereadora por 3 mandatos e sempre fui uma das mais votadas. Estive 12 anos representando aquela comunidade, quando saí, interrompendo o terceiro mandato, vim diretamente para o Senado. Portanto, tenho um compromisso muito direto com as questões daquela terra.

Por isso, o meu registro e, até certo ponto, a minha indignação, diante da desconsideração com que somos tratados a todo o momento.

Lembrem-se, Sr. Presidente, Srs. Senadores, de que, quer queiram, quer não, pertenço a um partido que é da base governista do Presidente Fernando Henrique Cardoso; quer queiram, quer não, o meu Partido, o PTB, está no Rio Grande do Sul, junto com Secretarias, inclusive com o Governador Antônio Britto. Contra a minha vontade sim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mas sou daquela terra, sou Professora; exerci o magistério durante 23 anos naquela região. Fui Líder dos professores, aqueles mesmos que estavam nas ruas clamando por justiça, respeito e cumprimento a uma lei que foi assinada pelo Governador Antônio Britto e que daria uma reposição salarial. Mas essa lei não foi cumprida durante todo o ano de 1996, o que prejudicou os professores que ganham R$111 de salário-base. Se eu estivesse lá, Sr. Presidente e Srs. Senadores, eu não estaria recebendo salário superior a R$ 1.000, mesmo com os meus 25 anos de magistério e cursos de formação acadêmica.

Isso é apenas para exemplificar a indignação que surge por parte das pessoas da fronteira. Esse povo é solidário e diplomático, tem lutado com determinação, inclusive para se manter brasileiro, porque, diante das desatenções de consecutivos governos estaduais e federal, estamos vivendo um momento de crescente empobrecimento e desencanto, a exemplo do povo brasileiro.

Hoje, li no Jornal do Brasil, que o Embaixador Sérgio Amaral manifestou sua surpresa quanto à recepção que o Presidente e o Governador tiveram na fronteira. Por outro lado, responsabilizou o PT pelas manifestações, porquanto havia algumas de suas bandeiras.

Sr. Presidente, eu gostaria de dizer que não podemos subestimar o povo brasileiro, muito menos o gaúcho e o da fronteira oeste do Rio Grande. Provavelmente, lá havia bandeiras do Movimento Sem-Terra, pois temos muitos assentados e produtores que venderam suas terras para o INCRA como última salvação para sobreviver. Temos certeza de que o PT estava presente. É um partido que gosta de demonstrar com transparência suas ações e impõe as suas bandeiras com garbo e valor. Mas não estava só o PT, Srs. Senadores; estavam lá os professores, estavam os estudantes, estavam os operários, os trabalhadores e estavam, sim, os produtores que, desencantados com a desatenção em relação à agricultura e à pecuária, estão vivendo um momento de descapitalização e de empobrecimento crescente.

Vejam, Srs. Senadores, as estatísticas: em Sant´Ana do Livramento - refiro-me à essa cidade, mas ressalto que não é o único município; é toda a fronteira do Rio Grande que sofre os desencantos e os dissabores das medidas que são tomadas contrariamente aos interesses do povo brasileiro e de outras, decorrentes da desatenção do próprio Governo - apenas nos anos de 1995 e 1996 cinqüenta casas comerciais tradicionais fecharam.

Temos conhecimento do lanifício que funcionava em boas condições, gerava empregos, e hoje está com suas atividades profundamente reduzidas; uma cooperativa de carne que está com suas portas fechadas; a indústria dos vinhos Almadém, que, como V. Exªs sabem, têm qualidade, nos últimos anos reduziu suas atividades industriais, deixando apenas seus vinhedos, mas levando toda a industrialização para fora de Sant´Ana do Livramento; e o que considero mais grave: um frigorífico de exportação de carne, fechado há dois anos, que poderia estar empregando mais de três mil pessoas daquela região. Por isso, há faixas nas ruas e operários clamando por emprego.

Estavam nas ruas também os representantes dos quinze mil desempregados cadastrados. E temos como comprovar. Portanto, não viemos à tribuna para dizer que concordamos com a violência, com a agressão. Não! Viemos à tribuna para dizer que não podemos subestimar o povo brasileiro. Não podemos esquecer que essas pessoas saem às ruas porque estão no seu limite máximo de resistência, de desencanto e de busca de alternativas.

Não estamos afirmando que concordamos com o que foi feito: atirar pedras, por exemplo. Mas a manifestação democrática, popular, das pessoas nas ruas, tem que ser respeitada. Não podemos dizer que o povo deve silenciar diante dos seus problemas.

O Presidente Fernando Henrique teve a oportunidade de ver na cidade de Rivera, no Uruguai, o desenvolvimento. Lá foi implantada uma área de livre comércio. Aquela população está em pleno desenvolvimento.

Perguntamos: por que medidas semelhantes não são tomadas imediatamente do lado brasileiro? Como é que se pode colocar uma comunidade em desvantagem em relação a outra comunidade? E querem o silêncio, querem o aplauso, querem a resignação. Não podemos dizer ao povo que silencie. Queremos unir a nossa voz ao clamor daqueles que estão desempregados, ao clamor daqueles que estão esperando que o Governador Antônio Britto encontre, junto com o Banco do Brasil, com o Banrisul, com o Presidente da República, uma saída para que aquele frigorífico abra as suas portas, comece a empregar e gerar recursos para o nosso município.

Recebemos correspondência dos vereadores daquele município; recebemos correspondência do Prefeito Municipal da cidade de Quaraí, que é vizinha da nossa cidade. Essas autoridades pedem que façamos chegar ao Presidente da República não apenas as críticas, não apenas as vaias, mas também as alternativas que apresentam no sentido de se salvar os municípios de fronteira do Rio Grande. Eles estão solicitando a criação de áreas de livre comércio nos municípios que fazem fronteira com o Rio Grande do Sul.

Dizem eles:

      "Trata-se da única alternativa viável para, a curto prazo, reverter o quadro de estagnação econômica em que se encontram os nossos municípios fronteiriços, junto ao Uruguai e à Argentina.

      Nossas comunas pedem socorro e precisam ser urgentemente assistidas por medidas que permitam a retomada do seu desenvolvimento, pois suas populações sofrem, desde há muito tempo, os efeitos da redução das atividades comerciais e industriais, agravadas pela diminuição das áreas de plantio das suas lavouras e dos seus rebanhos, levando de roldão as esperanças de milhares de pessoas, afligidas pelo desespero, sob a ronda contínua do espectro do desemprego."

Essas são palavras dos Vereadores de Sant´Ana do Livramento, que fazem um clamor à Nação, aos seus representantes legítimos. E é nossa obrigação, sim, Srs. Senadores, registrar esses fatos, pois não podemos silenciar, por exemplo, também, diante do que o Prefeito da Cidade de Quaraí explica:

      "A total integração entre os países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) está longe de se tornar uma realidade no dia-a-dia dos municípios fronteiriços".

Cita exemplos de pessoas que têm que percorrer 600 quilômetros para receber um atendimento médico, quando poderiam fazê-lo a 2 quilômetros. Se realmente essa integração acontecesse, poderiam ser atendidas, com qualidade, do outro lado. E salienta que se faz necessária a busca de atividades e ações conjuntas de governos para que possamos ter essa solução.

Vivemos na fronteira, Sr. Presidente, Srs. Senadores, com cidades que nem aeroporto têm. Sant´Ana do Livramento não tem aeroporto enquanto há um, em boas condições, em Rivera. No entanto, não é permitido que aviões brasileiros, em tráfego considerado mais simples, com redução de gastos, pousem naquele aeroporto.

Poderíamos continuar lembrando: na cidade de Quaraí, por exemplo, nem existe Polícia Federal. Dessa forma, os turistas argentinos e uruguaios têm que ir para qualquer outra cidade - e a mais próxima fica a 100 Km - para regularizar sua situação. Não temos, em Quaraí, quem confeccione uma carteira de identidade. E esse é o Rio Grande, que, às vezes, V. Exªs acham que é melhor, que é superior e que está muito bem. Sabemos que estamos num nível de desenvolvimento melhor como um todo, mas sabemos também que a média de nível de desenvolvimento está baixa, deixando a desejar.

E, por aí, poderíamos continuar lendo. O Prefeito de Quaraí, protestando, diz:

      "O Governo Federal e Estadual não colocam funcionários nas repartições, não cumprem com seus deveres, ocasionando prejuízos enormes para o Município".

Há também a questão da aduana na cidade de Quaraí. Para que o porto pudesse funcionar, o Município precisaria ter à disposição, no mínimo, funcionários do Ministério da Agricultura. E não tem.

Dessa forma, eu poderia continuar citando todos os problemas. Mas o que quero realmente, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é alertar as nossas autoridades para que não subestimem as pessoas, que não dêem apenas uma sigla partidária para aqueles que estão indo às ruas. A reação das pessoas diante das autoridades é natural. Imaginem autoridades que chegam à fronteira, olham o lado bonito, o lado uruguaio, a avenida principal da cidade de Rivera, com suas casas comerciais belíssimas, e não colocam sequer o pé na nossa avenida principal, onde as casas comerciais estão fechadas e há um aspecto de desencanto, de tristeza e de dor.

Presidente Fernando Henrique Cardoso não repita o que disse, ou seja, que "o povo está conosco e os manifestantes estão sós". Os manifestantes são o povo. Ainda mais triste foi uma outra afirmação do Presidente - se é que Sua Excelência realmente a fez, já que dela tomei conhecimento através dos jornais, não a ouvi, não estava lá - mas, segundo a imprensa, Sua Excelência teria afirmado que os manifestantes "perdem tempo". Considero que não é tempo perdido quando se vive uma democracia e se busca o fortalecimento da cidadania. O clamor do povo nas ruas tem que ser ouvido! E isso estamos clamando desta tribuna hoje. Que o Congresso Nacional busque, cada vez mais, se colocar como o autêntico Poder, deixando de lado essa submissão contínua, fazendo com que o povo seja ouvido; que se dê conta de que medidas têm que ser adotadas urgentemente, como às relativas à educação, da saúde, da agrilcultura...

A propósito da educação, hoje a mídia informa - e ontem assistimos pela televisão - que há professores analfabetos neste País. Isso é uma vergonha! O que é que está sendo feito de objetivo contra fatos dessa natureza? Os recursos das privatizações estão chegando para as escolas, para os hospitais, para as estradas, para construir aeroportos, quando se fala em integração do Mercosul? Onde estão esses recursos? Eu ainda não consegui enxergar, e certamente também o povo está com dificuldades.

Portanto, Sr. Presidente, isso não é um pronunciamento, e sim um desabafo como representante de um povo, de uma comunidade, de uma região que precisa ser ouvida em todos os níveis de representação política.

O Sr. Nabor Júnior - Permite V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES - Concedo um aparte ao nobre Senador Nabor Júnior.

O Sr. Nabor Júnior - Desejo manifestar a minha satisfação em ouvir esse pronunciamento incisivo que V. Exª faz na manhã de hoje, a respeito da recente visita do Presidente da República ao Uruguai e de uma rápida passagem pela fronteira com o Uruguai, no Município de Santana do Livramento, de onde V. Exª é originária. Entendo perfeitamente, e até aplaudo, a manifestação do povo daquela cidade, que reclamou um atendimento mais efetivo por parte da União e do Governo estadual, voltado para o melhor encaminhamento dos problemas que o afetam.     Desaprovo, apenas, a maneira como alguns manifestantes trataram a comitiva presidencial, sobretudo porque o Presidente Fernando Henrique Cardoso estava acompanhado da sua esposa e do Presidente do Uruguai. Por exemplo, li nos jornais, ontem, que uma das pedras atiradas contra a comitiva quase acertou a pessoa de D. Ruth Cardoso; não fora a ação do segurança, talvez ela tivesse sido atingida por pedras, ovos e tomates. Vivemos em um país de regime democrático, onde as manifestações populares são inteiramente justificáveis, desde que não se apele para a violência, desde que não se exponham as autoridades brasileiras, sobretudo na presença de um Presidente de outro país, a situações vexatórias, como essa que o Presidente e a sua comitiva passaram em Santana do Livramento. Quero, todavia, dar ênfase a um ponto aludido por V. Exª no seu pronunciamento, o abandono das regiões fronteiriças do Brasil. Isso acontece lá, em um Estado que continua entre os mais desenvolvidos, apesar das informações de que a cidade de Santana do Livramento sofre um processo de paralisação econômica, principalmente em função da criação de uma área de livre comércio em Rivera, do lado uruguaio - agora, imagine no Acre, tão distante e tão mais pobre que o Rio Grande do Sul. É evidente a falta de sensibilidade das autoridades brasileiras para com os problemas das cidades fronteiriças. Temos, no meu Estado, um exemplo semelhante ao colocado por V. Exª. Conseguimos aprovar, com muita dificuldade, depois de dois anos de tramitação na Câmara e no Senado, um projeto de lei criando a Área de Livre Comércio na cidade de Brasiléia, fronteira com a cidade boliviana de Cobija. Até hoje, porém - apesar do nosso empenho e do nosso esforço, das dezenas de reuniões feitas, inclusive com o Presidente da República, com o Ministro do Planejamento, com o Superintendente da Zona Franca de Manaus - até hoje não conseguimos implantar a ALC de Brasiléia. É uma situação exatamente igual à que vem acontecendo em Santana do Livramento: descapitalização da cidade, fechamento de casas comerciais, falta de empregos. Nobre Senadora, os preços dos produtos, na Bolívia, são quase a metade dos praticados no Brasil; às vezes temos, até mesmo, o retorno clandestino de produtos elaborados no Brasil, que para lá são exportados sem imposto. Gostaria de solidarizar-me com V. Exª e apoiar a reivindicação do povo de Santana do Livramento, no sentido da implantação de sua Área de Livre Comércio, inclusive para poder-se fazer frente às zonas francas vizinhas mantidas pelo Uruguai. Se o Brasil admite, dentro do Tratado dos Países do Mercosul, a criação de áreas de livre comércio no outro lado das fronteiras, por que não tê-las também aqui, no nosso próprio lado? O Governo precisa repensar seriamente a sua postura, deve acordar para a necessidade de impedir a estagnação e até o retrocesso econômico nas áreas brasileiras que fazem fronteira com zonas francas de países vizinhos, problema que se agrava em regiões importantes para a nacionalidade, como Santana do Livramento e Brasiléia, no meu Estado.

A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço o aparte de V. Exª, que segue exatamente a linha do nosso raciocínio.

Se por um lado, também não concordo com esse tipo de manifestação, ou seja, com o arremesso de pedras e outros objetos, o que considero uma agressividade, por outro, entendo que a manifestação nas ruas deve ser respeitada. Isso não podemos subestimar. Hoje há um verdadeiro clamor e uma reação que começa a fervilhar nos mais diferentes setores. Estavam nas ruas, em Sant´Ana do Livramento - tenho informações -, professores, estudantes, operários, desempregados, funcionários públicos, aposentados, produtores, assentados, enfim, o povo.

Sr. Presidente, a região fronteiriça do nosso País precisa ser olhada urgentemente pelo Governo brasileiro. Que acordos são esses que fazem com que Rivera estabeleça uma área de livre comércio, com tudo o que é produzido no mundo, da melhor qualidade, com preços que chamam e atraem pessoas do Brasil inteiro, e Sant´Ana do Livramento oferece o seu comércio nacional reduzido, sacrificado, massacrado por juros, por falta de crédito, enfim. Esses são os dois pontos chaves do meu pronunciamento e que, sem dúvida, vão ao encontro das ponderações de V. Exª.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permita-me V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES - Concedo um aparte ao nobre Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senadora Emilia Fernandes, o pronunciamento de V. Exª é de grande importância pelo fato de V. Exª conhecer o problema da região e ser originária da cidade onde ele surgiu. Quero registrar que nem eu nem o meu Partido comungamos com manifestações de natureza violenta, mas não reconhecemos autoridade no Presidente da República para vir cobrar explicações do Partido dos Trabalhadores. O Governo agora resolveu adotar uma postura muito semelhante àquela que víamos na década de 70, à época do governo militar. Todas as vezes em que há uma manifestação contra alguma política do Governo, este diz: "É culpa do PT". No início da década de 70, quando os estudantes começaram a ir às ruas, o regime militar dizia: "Os estudantes estão satisfeitos; isso é culpa dos comunistas infiltrados no movimento estudantil". Quando, no final da década de 70, começaram a surgir as greves dos metalúrgicos do ABC, a ditadura também dizia: "Os trabalhadores estão satisfeitos; isso é culpa dos esquerdistas infiltrados". E nós nos lembramos daquelas manifestações históricas em que estavam presentes o saudoso Deputado Ulysses Guimarães, o saudoso Senador Teotonio Vilela e o saudoso sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que também comparecia àquelas manifestações, por entender que eram uma essência da democracia. Nós continuamos no mesmo lugar: onde houver manifestação de trabalhadores em luta, onde houver manifestações do povo brasileiro contra a opressão, lá estará a bandeira do PT, sim, porque o nosso Partido surgiu exatamente da luta do povo. E o compromisso do PT com a democracia já faz parte da história deste País. Nós não reconhecemos a autoridade do Presidente da República para vir cobrar que o PT tem que dizer se tem ou não compromisso com a democracia. Como V. Exª mesmo disse, essas manifestações têm razões objetivas, problemas concretos de diversos segmentos da população brasileira, não só de sem-terra, mas também de trabalhadores urbanos, de pequenos empresários e de pequenos comerciantes que estão falidos, destruídos por essa política econômica absurda. Reafirmamos a nossa posição contrária à violência. Temos dado demonstração em diversas manifestações de oposição em que não acontece nenhum problema de violência, como foi a marcha aqui em Brasília, quando se reuniram mais de cinqüenta mil pessoas e não houve um único incidente. Queremos registrar que não comungamos com a violência. Agora, violentas também são as manifestações de ministros e do próprio Presidente da República ao atacar a Oposição, ao chamá-la de atrasada, de caipira, de corrupta e coisas do gênero. Violenta também foi a manifestação do Ministro Sérgio Motta contra os juristas que entraram com ação contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Violenta também foi a ação do mesmo Ministro Sérgio Motta contra a CNBB. Isso o Governo não leva em consideração. Parabenizo-a, Senadora Emilia Fernandes, pelo pronunciamento, lembrando uma frase de Bertolt Brecht, que já tive a oportunidade de citar aqui, no plenário, que diz: "O rio, que tudo arrasta nos momentos de enchente, dizem que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem." Muito obrigado.

A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço o aparte de V. Exª.

E, concluo, Sr. Presidente, mais uma vez fazendo um apelo ao Presidente da República e ao Governador Antônio Britto. Está nas mãos de S. Exªs a decisão para que se tomem não apenas medidas específicas, como essa da determinação da busca de solução, da reabertura desse frigorífico, que é o objetivo maior, presente hoje na nossa comunidade de Sant'Ana do Livramento, mas que busquem também, urgentemente, medidas de proteção e de desenvolvimento para as regiões fronteiriças no sentido do intercâmbio, enfim, do desenvolvimento comercial e industrial, não apenas do Rio Grande do Sul, mas do Brasil todo.

Eram essas as considerações, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/1997 - Página 9330