Discurso no Senado Federal

AÇÃO DE S.EXA. NO COMBATE INCANSAVEL AO RACISMO NO BRASIL. LAMENTANDO PROFUNDAMENTE AS DECLARAÇÕES DO MINISTRO DOS TRANSPORTES, SR. ELISEU PADILHA, DE QUE PELE E ASFALTO SÃO OS DOIS PRETOS ADMIRADOS POR TODO O BRASIL.

Autor
Abdias Nascimento (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Abdias do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • AÇÃO DE S.EXA. NO COMBATE INCANSAVEL AO RACISMO NO BRASIL. LAMENTANDO PROFUNDAMENTE AS DECLARAÇÕES DO MINISTRO DOS TRANSPORTES, SR. ELISEU PADILHA, DE QUE PELE E ASFALTO SÃO OS DOIS PRETOS ADMIRADOS POR TODO O BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/1997 - Página 12832
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REPUDIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), OFENSA, NEGRO, BRASIL.

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho insistido, desde que tomei posse nesta Casa, na questão do combate ao racismo. Tenho apresentado projetos de lei e feito pronunciamentos, talvez até com excessiva insistência, condenando essa verdadeira chaga, esse câncer que corrói a sociedade brasileira.

Ainda agora, houve outra demonstração lamentável de racismo no Brasil. Declarou o Sr. Ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, que "Existem dois pretos que são admirados por todo o Brasil. Um é o Pelé, que é o nosso rei sempre. O outro é o rei asfalto, todo mundo gosta do asfalto. É o preto que todo mundo gosta". Essas declarações foram reproduzidas pela Imprensa de todo o País.

Ora, Sr. Presidente, S. Exª não atingiu apenas o Ministro Pelé, mas toda a população de descendência africana neste País, que é, aliás, a que forma a maioria do povo brasileiro.

S. Exª pertence ao Governo do Excelentíssimo Senhor Fernando Henrique, que, ainda há pouco tempo, abrindo um seminário internacional sobre a ação afirmativa em favor da população negra, declarou-se contra o racismo, dizendo mesmo que tinha um pé na cozinha, como uma metáfora da sua ascendência africana.

Sr. Presidente, não se trata apenas de um brasileiro qualquer que manifestou esse racismo, mas de um Ministro de Estado. Não sei como esse Ministro pode pertencer a um governo que combate o racismo e falar contra o povo negro, de ascendência africana.

Queria, desta tribuna, assumir o raciocínio do grupo das mulheres negras de São Paulo, do Instituto da Mulher Negra Geledés. Diz o documento:

      "Que comparação possível pode haver entre Pelé, um homem negro, o maior atleta do século, e o asfalto? A cor?

      Nem Pelé é preto, nem o asfalto é negro; nem Pelé é coisa, nem asfalto é gente.

O que autoriza alguém a comparar gente a coisa é a desumanização e a coisificação de seres humanos que o racismo e a discriminação produzem. Para o Ministro Eliseu Padilha, Pelé não é comparável a nenhum outro ser de sua raça porque é considerado uma exceção dentro dela, já que é o único admirável. E também não pode ser comparado aos melhores de outras raças porque todos os seus talentos ainda não lhe garantiram o status de detentor de plena humanidade.

Por isso ele só seria comparável a um derivado de petróleo, uma das poucas coisas pretas valorizadas no mundo.

Essas são as honras reservadas a um rei negro no Brasil.

Para os demais negros como Jorge Paulo, mendigo, 48 anos, queimado enquanto dormia na Cinelândia, resta o extermínio. Talvez como forma de punição por não ter conseguido ser Pelé, nem asfalto.

Talvez pela expectativa de que, como uma fênix, de suas cinzas misturadas ao asfalto resulte mais um "ser" que possa ser "admirado" pelo Brasil como Pelé...

Talvez renascer com o tipo de "humanidade" pretendida pela professora negra Eliane Alves da Silva, para quem deveriam ter morrido 20 milhões de judeus aos invés de 6, candidatando-se assim a uma vaga de membro honorário do próximo Reich, para desespero dos discípulos de Hitler.

Três dimensões perversas e assustadoras do racismo no Brasil: a coisificação/desumanização, a eliminação física pura e simples ou a opção de tornar-se o outro, o racista opressor.

Esse documento, Sr. Presidente, dá uma demonstração da isenção das organizações negras que combatem o racismo. Ele não somente combate o racismo do ministro de Estado, mas também combate o racismo de uma mulher negra, professora da Universidade Federal Fluminense, que se manifestou de forma racista numa sala de aula.

Eram essas, Sr. Presidente, minhas considerações de repúdio e de lamentação ao procedimento desse ministro de Estado do Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/1997 - Página 12832