Discurso no Senado Federal

ANALISE DA QUEDA DE POPULARIDADE DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • ANALISE DA QUEDA DE POPULARIDADE DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/1996 - Página 9425
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, REDUÇÃO, POPULARIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANALISE, FALTA, DIREÇÃO, GOVERNO.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ORIENTAÇÃO, PROCESSO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, NECESSIDADE, ANTERIORIDADE, ORGANIZAÇÃO, SETOR.
  • CRITICA, AUSENCIA, DIAGNOSTICO, PREVIDENCIA SOCIAL, FALTA, PROVIDENCIA, GOVERNO, ELIMINAÇÃO, SONEGAÇÃO, INADIMPLENCIA, DESVIO, RECURSOS, PRE REQUISITO, REFORMULAÇÃO.
  • CRITICA, EXECUTIVO, TRANSFERENCIA, LEGISLATIVO, RESPONSABILIDADE, INCOMPETENCIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o momento grave por que passamos requer uma profunda reflexão de todos os segmentos responsáveis pela condução do País, especialmente em relação aos Poderes Executivo e Legislativo.

Assistimos a uma grande queda na popularidade do Presidente da República, representada por elevados índices de rejeição a seu Governo, confirmada por três pesquisas de opinião pública de diferentes instituições: DatafolhaJB-Vox Populi e Soma Opinião & Mercado.

Não se trata, evidentemente, de um mero flash instantâneo ou de uma condição conjuntural, de curto prazo e facilmente modificável.

Trata-se de um processo contínuo de queda ao longo dos últimos meses, em que o Governo vai perdendo popularidade e, consequentemente, legitimidade, por não conseguir passar das promessas às realizações, por não passar do discurso ao fato nem da idéia ao concreto.

Sem dúvida, existe um grande abismo e uma grande distância entre o que o Governo diz e o que o Governo faz, entre os objetivos proclamados e as realizações, entre o sonho e a realidade.

A média de apenas 3,3 atribuída ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso pelo Vox Populi merece uma autocrítica, um parada para pensar, uma reflexão profunda, um exame de consciência sério e franco, sem escapismos, sem tentativas de fugir de responsabilidades nem, tampouco, de transferir responsabilidades para o Congresso, para os Deputados que derrotaram o Governo no último dia 22 de maio na votação sobre a Reforma da Previdência Social.

As velhas e surradas desculpas de que a culpa é da imprensa, a culpa é do Congresso, em suma, que o diabo são os outros, não mais podem ser aceitas, principalmente porque o Presidente Fernando Henrique já foi amplamente beneficiado pela benevolência da população brasileira, que estendeu o período de graça de cem dias, geralmente concedidos a todos os novos governos que se instalam, para mais de quinhentos dias, por conta do sucesso do Plano Real.

No regime presidencialista, não há como separar a pessoa do Presidente da República da entidade Governo Federal, e é impossível, nas atuais circunstâncias, não chegar à conclusão de que o Presidente da República foi reprovado em todos os itens submetidos às pesquisas: Reforma Agrária, Transportes, Saúde, Controle da Inflação, Educação, Política de Combate ao Desemprego, Privatizações, Política de Apoio à Agricultura, Política de Desenvolvimento Industrial e Previdência Social/Aposentados.

A reprovação não foi suave nem relativa, a reprovação foi ampla, geral e irrestrita, absoluta, pois o Governo não conseguiu, numa escala de zero a dez, qualquer nota igual ou superior a cinco pontos: a maior média foi 4,9 para o item Controle da Inflação.

O desempenho medíocre do Governo Fernando Henrique Cardoso deve ser motivo de preocupação até mesmo para seus adversários políticos, para aqueles que não aprovam seu Governo.

O que está em jogo, neste momento difícil, é o interesse nacional, a paz e a tranqüilidade da população brasileira e, infelizmente, as instituições democráticas.

Que fatos contribuíram de forma mais decisiva para essa grande queda de popularidade do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o que está por trás desse fracasso de um Governo que dispunha de todas as condições objetivas necessárias para alcançar grande, realizar um grande programa de metas e evitar que o povo brasileiro viesse, novamente, a passar por novas turbulências e grandes frustrações?

Evidentemente, não existe uma resposta simples e direta para uma questão tão complexa e profunda. No entanto, o povo mais simples, iletrado, sem cultura, mas que tem inteligência, tem uma resposta: o Governo está sem rumo, sem projeto, sem direção.

Não caberia neste meu pronunciamento, limitado pelo tempo escasso que me é concedido regimentalmente, analisar todos os aspectos do atual quadro de dificuldades por que passamos, cujos indicadores mais visíveis são os elevados índices de desemprego na maioria das grandes cidades brasileiras.

Pretendo analisar mais especificamente os aspectos relacionados com a Previdência Social, que hoje representa o símbolo da falta de habilidade política do Governo na condução de um processo de reforma.

Dificilmente, apesar de estarmos vivendo um momento de possibilidades impossíveis, outro assunto poderia ser conduzido de forma tão inadequada, equivocada e desastrada quanto aquela pela qual o Governo Fernando Henrique Cardoso tem tratado a chamada Reforma da Previdência Social.

O povo brasileiro espera mais, muito mais mesmo, do Professor Doutor Fernando Henrique Cardoso, do Príncipe dos Sociólogos do Brasil, do Mestre da Sorbonne, do brilhante Senador, do Ministro da Fazenda e Relações Exteriores, do formulador da Teoria da Dependência, do antigo colaborador da Comissão Econômica para América Latina, do antigo ideólogo do MDB histórico.

Parece até que o elevado grau de excelência do Presidente da República não se compatibiliza com um país primário, com mais de quarenta e cinco milhões de pessoas situadas abaixo do nível de pobreza, com quase vinte milhões de indigentes e com um número imenso de analfabetos e analfabetos funcionais, de milhões de desempregados, somados a outros milhões de mal empregados e desempregados disfarçados e desalentados.

O Distrito Federal apresenta taxas de desemprego em torno de dezesseis por cento; São Paulo, igualmente, apresentou no mês de abril l5,9% de desemprego em relação à População Economicamente Ativa (PEA) e mais de um milhão e trezentas mil pessoas desempregadas.

Dificilmente outro assunto apresenta conseqüências sociais mais importantes sobre a quase totalidade da população brasileira do que a Previdência Social, pois dela dependem não apenas a População Economicamente Ativa, mas, igualmente, os idosos, os órfãos, as viúvas, os doentes, os desamparados, os marginalizados, os dependentes, os menores, assim como empregados e desempregados.

Não existe uma só pessoa que, de forma direta ou indireta, não seja atingida pelos efeitos de uma Reforma da Previdência Social.

Todos concordamos com o fato de que existe a necessidade de uma reforma previdenciária, como oportunamente afirma o jornalista Leonel Rocha, no Informativo INESC de março de 1996:

      "É verdade que a Previdência Social brasileira precisa de uma ampla reforma. Não a que a Câmara dos Deputados pensa que aprovou há poucos dias. O que se viu foi uma mentira. Depois de ter sido rejeitada em janeiro, pelos deputados, estes mesmos parlamentares aprovaram, menos de dois meses depois, um texto piorado, capenga, incompleto, preconceituoso e que tem duas finalidades: cortar benefícios dos trabalhadores e aposentados e manter privilégios. Esta aprovação só foi possível porque o Presidente Fernando Henrique Cardoso instalou um balcão de negócios no Palácio do Planalto, trocando nomeações para cargos públicos de apaniguados indicados pelos deputados pelo voto a favor da pesada reforma. Os direitos dos trabalhadores foram trocados pelo fisiologismo".

Trata-se, evidentemente, de algo inaceitável, inexplicável e irônico, considerando-se que, em passado recente, o então Senador Fernando Henrique Cardoso anunciava a criação de um partido político destinado a abrigar exclusivamente homens de alto saber e conduta ilibada: um partido ideologicamente puro, sem os vícios dos demais, um partido contra o fisiologismo.

Até recentemente, até antes das pesquisas de opinião pública, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, certamente vítima de um "engano d'alma ledo", afirmava que: "governar o Brasil é fácil", imaginava-se um futuro presidente reeleito e um grande cabo eleitoral.

O fracasso das reformas e, principalmente, o fracasso da Reforma da Previdência, a falta de habilidade política, a incompetência com que o assunto foi conduzido, a insuficiência de dados e informações técnicas confiáveis, a contradição existente entre os elementos apresentados, tudo isso deveria contribuir para que o Presidente reexamine o assunto com objetividade e, principalmente, com humildade.

Somente os desavisados, os desinformados, os mal informados, os ingênuos, os desonestos e os obtusos aceitariam tranqüilamente informações provenientes da Previdência Social, quando sabemos que, num diagnóstico interno, o próprio Ministro da Previdência Social reconhece: "A Previdência não sabe quem são os seus segurados, não sabe quem são seus beneficiários, não sabe quem são os seus contribuintes, não sabe se o que recebeu deveria de fato receber, não sabe se o que entrou no caixa é o que foi pago efetivamente pelos contribuintes, não sabe se o que pagou foi emitido para pagamento e se quem recebeu efetivamente tinha direito".

É impossível um diagnóstico mais surrealista, mais absurdo, mais kafkiano.

Tentar transferir para o Congresso Nacional a culpa pela imprevidência da Previdência, pela falta de competência e objetividade do Legislativo, é algo que vai requerer muitos milhões de dólares do contribuinte brasileiro a serem gastos com propaganda enganosa.

O Congresso Nacional não pode se basear em ficção, em fábulas, em palavras-de-ordem e sofismas para aprovar uma reforma: no Parlamento se dialoga e se tenta chegar à melhor alternativa para os interesses nacionais.

Qualquer sistema administrativo, por mais rudimentar que seja, necessita atender àqueles princípios básicos universalmente aceitos de planejar, organizar, coordenador, comandar e controlar.

Nada disso existe na Previdência, conforme confissão própria: lá não existe planejamento, nem organização, nem coordenação, nem comando, nem avaliação nem controle.

Por isso mesmo, na Previdência Social campeia abundantemente a sonegação e a inadimplência: para cada real arrecadado outro real é sonegado.

A primeira coisa que qualquer Governo sério deveria fazer é acabar efetivamente com a sonegação e com a inadimplência, para, depois, realizar um diagnóstico sério e objetivo, que poderia resultar numa verdadeira Reforma.

Quem não sabe quem são seus devedores, seus credores, seus beneficiários, quanto tem a receber nem quanto tem a pagar, mesmo que obtivesse um injustificável cheque em branco do Congresso para realizar a Reforma que lhe aprouvesse, mesmo assim, nessa hipótese absurda, a Previdência voltaria rapidamente a se deteriorar, a ter prejuízos, a ser fraudada sistematicamente, a ser carcomida por dentro, já que não dispõe de instrumentos de controle adequados e eficazes.

Além dos sonegadores conhecidos e desconhecidos pela Previdência, o maior de todos os sonegadores continua olimpicamente a examinar o espetáculo como não lhe dissesse respeito.

O Governo Federal, o maior de todos os sonegadores da Previdência Social, até hoje não contribui com a parcela que lhe caberia na arrecadação previdenciária.

Além de não contribuir com sua parte, de sonegar e permitir a sonegação, o Governo Federal ainda se dá ao luxo de desviar recursos pertencentes à Previdência Social para outras finalidades, contribuindo decisivamente para quebrar a Previdência, numa ação típica de profecia que se auto-realiza.

Paralelamente, grandes campanhas publicitárias são pagas com o dinheiro dos próprios segurados da Previdência, numa tentativa de aceitar o cálice amargo preparado pelo Governo.

Mais graves ainda são declarações de autoridades do Executivo tentando transferir para o Legislativo a culpa da incompetência, da má gestão, da falta de capacidade gerencial do Governo Federal.

Quando se fala de um processo de fujimorização em andamento não se trata de obra da mente fértil de algum analista político: o Palácio do Planalto recentemente recepcionou esse modelo.

Nenhum assunto trazido à deliberação do Congresso Nacional nos últimos anos conseguiu englobar uma quantidade tão fantástica de erros, incoerências, insuficiência de dados e desinformações como a chamada Reforma da Previdência Social.

O Congresso Nacional não pode colocar em risco o futuro e a tranqüilidade da grande maioria da população brasileira, deliberando com base em dados incorretos e ilegítimos.

O bom senso, a prudência e a racionalidade recomendam que o Governo Federal preliminarmente organize a Previdência Social, combata efetivamente a sonegação e a inadimplência, realize um diagnóstico sério e, querendo, volte e apresenta uma proposta de Reforma.

O Congresso Nacional não pode acobertar erros e incompetência do Executivo, pressa, imprudência e falta de sensibilidade social, principalmente quando já se fala de nova Reforma, prevista para o ano 2.000.

É chegado o momento de o Governo ter suficiente grandeza para reconhecer o grave erro de tentar aprovar uma Reforma com base em dados irreais.

Uma reforma apressada e equivocada significa uma carga adicional a ser colocada nos ombros do já sofrido povo brasileiro, hoje desesperado em decorrência do desemprego, da falta de segurança pública e de falta de segurança no futuro.

Não estamos aqui para indicar os métodos de trabalho que devem ser adotados pelo Presidente da República e pelos Ministros de Estado, no entanto, não podemos nos omitir quando está em jogo o futuro e o bem-estar do povo brasileiro.

O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso precisa rever a Reforma da Previdência, reconhecer seus erros, despir-se da auréola de infalibilidade e trabalhar com humildade, com mais humildade, ainda com humildade

É o meu pensamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/1996 - Página 9425